RESUMO: A arbitragem internacional é realidade indissociável do comércio exterior, seja pela multiplicidade de ordenamentos jurídicos aplicáveis, seja pela alta especialidade das cortes arbitrais em lidar com as situações cotidianas desta realidade. Tomando como objeto de estudo as arbitragens internacionais levadas a efeito por Estados, analisa-se a incidência da questão de ordem pública, especialmente direitos fundamentais, na submissão de eventuais contendas ao crivo arbitral. Embora parte da doutrina entenda que ao Estado não é dado arbitrar sobre questões que lhe toquem a ordem pública, restará demonstrado que se trata de tema e não limitação à arbitragem. A experiência internacional denota que há confiança nos poderes do árbitro em decidir em conformidade com os direitos fundamentais em relevo em cada caso concreto, ainda que se trate de um Estado soberano.
Palavras-chave: arbitragem, investimento, ordem pública, direitos fundamentais.
ABSTRACT: International arbitration and foreign trading are inseparable realities, be it for the multiplicity of appliable jurisdictions, be it for the high speciality of arbitration courts while dealing with the daily situation in such realities. Taking as subject the international arbitrations dealed by States, the incidence of public order matters is analysed, specially concerning fundamental rights and the submission of possible quarrels to arbitration court. Even though part of the doctrine understands that States do not have the power to submit public order matter to arbitration, it will be demonstrated tha public order is a theme, not a limitation to arbitration. International experience shows the is confidence in the powers conceded to arbitrators to decide in conformity to fundamental rights in concrete situations, even if such situation concerns a sovereign State.
Key words: arbitration, investment, public order, fundamental rights.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Da Arbitragem; 3. Da Arbitragem de Investimento; 4. Ordem Pública e Direitos Fundamentais; 5. Arbitrabilidade de Questões de Ordem Pública – Arbitragem de Investimento; 6. Direitos Fundamentais na Arbitragem de Investimento; 7. Conclusão; 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo o debate e exposição do tema da arbitragem internacional relacionada à ordem pública, mais especificamente a questão dos direitos fundamentais.
Embora a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) tenha passado por reforma que expressamente prevê a arbitragem por parte da Administração Pública, a doutrina ainda tem ressalvas quanto à matéria arbitrável e o limite da renúncia estatal a sua imunidade de jurisdição em casos de arbitragem internacional.
Como será visto, não apenas é plenamente possível, mas questão cotidiana a contenda de Estados em cortes arbitrais debatendo direitos fundamentais, principalmente em arbitragem de investimentos, expressão da economia moderna.
Primeiramente será tratado o instituto da arbitragem, com noções de arbitragem de investimentos. Como interessa profundamente o tema, dedica-se com minúcia um capítulo do presente trabalho à análise da ordem pública e a possibilidade de submeter à arbitragem questão que a toque.
Por fim, tem-se a análise da arbitrabilidade de questões de ordem pública sob a ótica dos direitos fundamentais dos nacionais dos Estados envolvidos. Considerando a jurisprudência de Cortes Arbitrais Internacionais, é possível observar a prática e anotar lições de precedentes.
2. DA ARBITRAGEM
Para o início dos estudos é necessário que se parta, inicialmente, da definição do instituto que será tomado como base: a arbitragem. Não há, no cenário brasileiro ou no internacional, uma definição fixa do que seria a arbitragem, mas, partindo de critérios e convenções aceitos, podemos delinear os traços do objeto do estudo.
Tomar-se-á emprestado, para o presente estudo, o conceito de Carlos Alberto Carmona, que prima pela completude (2009, p. 31):
a arbitragem – meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.
Sendo a arbitragem fruto de um pacto privado, onde as parte aceitam se submeter à decisão de uma terceira parte neutra, essa submissão à jurisdição alternativa deve constar de algum instrumento.
A cláusula compromissória é o dispositivo, inserido em determinado contrato, que estipula a submissão de avenças neste originadas a julgamento pela via arbitral. Por muitos anos estabeleceu-se uma interpretação extremamente restritiva da cláusula compromissória, que era vista como mera promessa, um pré-contrato.
Antes do advento da Lei n. 9.307/1996 – a Lei Brasileira de Arbiragem – a instauração efetiva da arbitragem dependia do compromisso arbitral, que é o documento onde as partes, explicitando todas as suas condições, submetem seu litígio certo à apreciação arbitral.
3. DA ARBITRAGEM DE INVESTIMENTO
No campo da arbitragem internacional, um dos mais crescentes tipos de contrato são os de investimento. Ao pacto ou cláusula arbitral firmada entre um investidor estrangeiro e um Estado recipiente dá-se o nome de arbitragem de investimentos.
O principal tratado internacional concernente à arbitragem de investimento é a Convenção de Washington, de 1965. Esta é a nomenclatura usual para a Convenção para a Solução de Controvérsias Relacionadas a Investimentos entre Estados e Nacionais de outros Estados, que criou o Centro Internacional de Resoluçõ de Conflitos sobre Investimentos (International Centre for Settlement of Investment Disputes – ICSID), sob os auspícios do Banco Mundial.
A Convenção de Washington teve como objetivo a proteção dos investimentos em países em desenvolvimento, forçando a aplicação de regras do direito internacional em detrimentO do regramento protecionista normalmente encontrado em tais países.
Para que uma questão seja arbitrável perante a ICSID é necessário que haja manifestação expressa de aceitação da arbitragem em controvérsia jurídica que tenha surgido diretamente de um contrato de investimento envolvendo um dos países signatários e uma pessoa (física ou jurídica) de nacionalidade diversa do Estado contendente. Considerando que vários ordenamentos jurídicos exigem do investidor a constituição de sociedade no Estado receptor do investimento, há um mecanismo no tratado que considera estrangeira, para os fins de aplicação da Convenção de Washington, qualquer sociedade controlada por estrangeiros constituída nessas condições.
O Brasil não é signatário da Convenção de Washington, ao contrário de diversos países da América do Sul (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela). Por outro lado, na década de 1990, o Brasil assinou 14 (quatorze) Acordos Bilaterais de Proteção e Promoção Recíproca de Investimentos (BITs) – nenhum dos quais foi ratificado.
Segundo BORJA (2010 - http://www.britcham.com.br/email/resenha_legal_0910.htm), “A razão principal para a não ratificação desses tratados é a cláusula de arbitragem entre investidor e país estrangeiro”. Para GERDAU (2010) [1]
(...)o mecanismo de solução de controvérsias da Convenção de Washington fere o princípio jurídico brasieliro de esgotamento dos recursos internos e oferece um tratamento discriminatório entre investidores nacionais e estrangeiros, considerando-se que somente os estrangeiros teriam acesso à arbitragem internacional.
Embora afastado destes instrumentos internacionais para solução de controvérsias, a derrocada econômica experimentada nos últimos anos pelo Brasil tem afastado investidores estrangeiros, levando os estudiosos da área a considerar os benefícios que trariam a opção de adesão a tais métodos de solução de conflitos.
Considerando, entretanto, a experiência argentina perante a ICSID – que será tratada a frente – é relevante considerar o papel da ordem pública e dos direitos fundamentais (por excelência indisponíveis) frente à possibilidade de submissão à arbitragem de relevantes questões econômicas.
4. ORDEM PÚBLICA E DIREITOS FUNDAMENTAIS
A lei brasileira de arbitragem determina que as sentenças arbitrais, dentre outros requisitos, devem se submeter ao julgo da ordem pública (art. 2º, §1º). Muito comum é a interpretação de que este dispositivo excepcionou do alcance da arbitragem quaisquer questões que pudessem interferir de maneira pungente em questões de natureza pública, como os direitos fundamentais.
Como será debatido a seguir, tal entendimento é incompatível com a prática internacional.
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, antes conhecida como Lei de Introdução ao Código Civil, diploma que orienta a aplicação do direito em todo território nacional e uma das principais fontes do Direito Internacional Privado no Brasil, leciona em seu artigo 17: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.
Percebe-se que a Ordem Pública, ou melhor, sua observância, é condição sine qua nom da eficácia de qualquer decisão estrangeira a ser homologada – arbirtal ou não. É importante, portanto, procurar definir o instituto ou, ao menos, delinear suas margens básicas para que seja possível seu manejo.
De acordo com a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a lei não poderá violar a ordem pública. A primeira lição que se extrai de tal preceito, é que lei e ordem pública não são expressões que se confundem.
Assim, a ordem pública é manifestação externa à norma: é fenômeno que a informará, estabelecendo limites, a grosso modo, nas leis de direito privado, à vontade das partes; e nas leis de direito público, à vontade do legislador.
Foi Savigny, segundo Calixto (1987, p. 20), quem inaugurou a ideia de ordem pública como limite à eficácia do direito estrangeiro. O mesmo autor, citando Gama e Silva, que por sua vez cita Moldovan (1987, p. 21), traz as ideias de Mancini de forma simplificada:
A ordem pública, em todos os países, compreende, também, na mais larga acepçao da palavra, o respeito aos princípios superiores de moral humana e social, tais como são estabelecidos e praticados no país, os bons costumes, os direitos primitivos, inerentes à natureza humana e as liberdades aos quais, nem as instituições positivas, nem qualquer governo, nem os atos da vontade humana, poderiam impor derrogações válidas e obrigatórias para os Estados. Se as leis positivas de um Estado, um julgamento estrangeiro ou os atos e os contratos feitos no estrangeiro violam estes direitos, cada soberania, longe de aceitar estas ofensas à natureza e à moralidade humanas, poderá, a justo título, recusar qualquer efeito e toda execução sobre o seu território. Pode-se rejeitar, não somente as instituições incompatíveis com a ordem moral, mas também aquelas que são incompatíveis com a ordem econômica estabelecida em determinada sociedade, ordem econômica que se compreenda na ampla acepção da ordem pública.
Mesmo quando um dos atores sujeito à arbitragem é um Estado soberano, é possível visualizar a permissão aos árbitros para decidirem em conformidade com questões que tocam a ordem pública. Não se está a sugerir a arbitrabilidade de questões referentes a direitos indisponíveis, mas a consequência da decisão sobre direitos disponíveis em questões de ordem pública.
Infere-se, portanto, que a arbitrabilidade no diploma normativo que cuida da arbitragem no Brasil não se atrela à não submissão de suas questões à ordem pública. Quando se arrasta a discussão para o campo da arbitragem entre Estados nacionais, a resposta que se tem é muito simples – a arbitrabilidade a ser aferida será sempre objetiva (dizendo respeito à patrimonialidade e disponibilidade do direito), já que é pacífico que o Estado, nestas matérias (cunho objetivo) possuirá capacidade de disposição – ou seja – arbitrabilidade objetiva.
5. ARBITRABILIDADE DE QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA – ARBITRAGEM DE INVESTIMENTO
Embora o embate da doutrina quanto à possibilidade de submissão do Estado à arbitragem perdurasse até bem recentemente, o uso da arbitragem pelo ente estatal, mais especificamente o brasileiro, dá-se desde os tempos do império. Ainda em 1850 havia a expressa previsão de uso da arbitragem para solução de conflitos que envolvessem contratos de concessão de obras e serviços públicos sob a égide do então vigente Código Comercial. O Decreto 7959/1880, que regulava a concessão de estradas de ferro do Império, também previa a nomeação de árbitros para a solução de contendas entre as companhias e o governo.
A reforma na lei de arbitragem trouxe expressamente caso de arbitragem do ente público, pondo fim a discussões:
Art.2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
(...)
§3º A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.
É amplamente difundido no campo do direito internacional que a subscrição voluntária de um Estado a contrato internacional que contenha cláusula arbitral significa, antes de tudo, expressa renúncia à sua imunidade de jurisdição e, pelo princípio da boa-fé, sinaliza a arbitrabilidade do litígio.
Quando se menciona o instituto da arbitragem, de pronto remontamos a relações particulares e contratos comerciais. Refere-se, ainda, à disposição da lei de arbitragem, donde só são objeto de compromisso arbitral os direitos patrimoniais disponíveis. Existe, por outro lado, a arbitragem de Direito Internacional Público – aquela que regerá relações entre Estados.
A arbitragem de direito internacional público, em oposição àquela do direito internacional privado que se baseia em contrato, nasce de um tratado internacional, que será denominado compromisso arbitral. Os trâmites são os mesmos exigidos para qualquer tratado internacional.
A já mencionada Convenção de Washington é exemplo por excelência de arbitragem de direito internacional público, já que obrigatoriamente envolve um Estado signatário.
Já que firmadas com base no Direito Internacional Público, as decisões arbitrais têm os mesmos efeitos daquelas proferidas por tribunais internacionais: são definitivas, na medida em que não comportam recurso (do mesmo modo que toda decisão arbitral), obrigatórias, e devem ter cumprimento voluntário.
Embora não haja previsão de execução específica para laudos arbitrais proferidos com base no Direito Internacional Público, seu descumprimento acarreta ilícito internacional, de modo que o Estado faltoso estará sujeito a diversas sanções da comunidade internacional. Vale ressaltar, para tratados internacioanais, o direito interno é mero fato (Precedentes: Caso Eletrônica Sicula S.p.A – ICJ – 1989; ver caso lei anistia), ainda que se trate de direito constitucional (Precedentes: Anvena e Outros Cidadãos Mexicanos – Mexico v. EUA – ICJ 0 2004; LG&E Corp. V. República Argentina – ICSID Caso n. ARB 02/1 – Decisão de responsabilidade em Outubro de 2006)
O estudo da ordem pública nas arbitragens envolvendo o Estado, no entanto, é ponto essencial na análise das decisões eventualmente proferidas em sede arbitral. Isto porque a decisão já é expressão da competência do árbitro, que pode tê-la exercido em ofensa à ordem pública nacional – e isto não ocorre, necessariamente, quando a questão em si trata de matéria de ordem pública.
A tendência mundial, hoje, é a adoção de posturas pró arbitragem, de modo que cláusulas restritivas gerais foram paulatinamente sendo esvaziadas.
Percebe-se, assim, que invocar a ordem pública como empecilho à arbitrabilidade do litígio é muito pouco útil e criaria grande desprestígio ao instituto arbitral, já que todos os grandes embates que envolvessem o coméricio internacional, por exemplo, e que invariavelmente influenciassem a economia de um ou diversos países, estaria perpetuamente conectada à jurisdição estatal, já que a matéria trataria de questão de ordem pública nos locais cuja economia seria afetada no exemplo.
O mais célebre exemplo de alegação de violação à ordem pública do Estado acontece quando a questão econômica passa a ser uma questão de direitos fundamentais para a população.
Não é impossível encontrar menções a direitos fundamentais em tratados para proteções de investimentos bilaterais, mas é uma ocorrência rara. Os modelos da China (2003), França (2006), Alemanha (2005), Reino Unido (2005) e EUA (2004) não os mencionam. O mais importante repositório de decisões em Direito do Investimento Estrangeiro, o Repositório do ICSID, sequer possui o termo "Direitos Humanos" em seu índice. Tal menção também está ausente no Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e no Tratado da Carta da Energia (ECT). (disponível em https://www.international-arbitration-attorney.com/wp-content/uploads/arbitrationlawh_rights_int_invest_arbitr.pdf).
Tudo isso indica que o papel dos direitos fundamentais na arbitragem de investimentos (a mais proeminente) é, no máximo, periférico. Por outro lado, o papel dos direitos humanos na arbitragem de investimento tende a apenas crescer. Se o sistema arbitral é apto a lidar com brechas em direitos humanos ou não ainda é um tema controverso na doutrina.
6. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ARBITRAGEM DE INVESTIMENTO
Na arbitragem, direitos fundamentais não se limitam ao direitos de investidores (direito à propriedade, padrões costumeiros de proteção de investimentos consagrados como jus cogens para todos os efeitos), mas também incluem direitos de outros agentes (comunidades indígenas locais, por exemplo). Direitos fundamentais englobam categorias mais genéricas como direitos humanos em sentido tradicional e direitos relacionados a políticas públicas.
Os direitos fundamentais a políticas públicas se relacionam ao atendimento de necessidades primárias da população pelo Estado. Não constituem um rol unânime entre a sociedade das nações e dependem das disposições constitucionais próprias de cada país. É seguro afirmar que um contrato de investimentos firmado por um Estado nacional pode ser firmado em um contexto de política pública econômica, ou até mesmo como fomento à consecução material de direitos de prestação ligados a garantias fundamentais, como saneamento e infraestrutura.
Nesse contexto surgiria a seguinte questão: poderia um Estado, na condição de contratante, anuir a uma cláusula arbitral (contratual pura ou convencional) que, de alguma forma, interfira em questão atinente à ordem pública? Mais, pode ser invocada, posteriormente, imunidade em relação a essa cláusula?
Não se pode impedir que o árbitro decida nessas situações, tentando o Estado litigante amparo na imunidade de jurisdição. Como já ressaltado, a cláusula arbitral constante de contratos internacionais (principalmente de investimentos) é renúncia de imunidade e atrai a competência arbitral ao caso.
Inúmeros são os exemplos de casos em que um Estado invoca questão de direitos fundamentais/ordem pública para se desobrigar em questões econômicas.
Um exemplo célebre é o Caso CMS GAS onde a Argentina alegou que a crise social e econômica do país afetava direitos fundamentais e o cumprimento do tratado de investimentos seria uma violação a tais direitos constitucionalmente garantidos. (CMS Gas Transmission Co v. Argentina – ICSID Caso n. ARB/01/8 – sentença de 12 de maio de 2005, parágrafo 114[2].
Ainda em relação à Argentina, no caso Sempra sustentou-se que, à luz das condições econômicas e sociais então prevalecentes, o reconhecimento do direito de propriedade iria de encontro aos direitos fundamentais incorporados em sua Constituição. (Siemens v. Argentina- ICSID Caso n. ARB 02/16, sentença de 28 de setembro de 2007, parágrafo 332. Ainda sobre o caso, LIMA (2010):
Além disso, o governo argentino argumenta que, ao fazer parte da Convenção de Washington, não abriu mão, e nem pode ser julgado, por exercer suas decisões soberanas para resguardar interesses públicos, como reestruturar o sistema monetário nacional. Tais decisões políticas deveriam ser vistas como determinações inerentemente soberanas, imunes de qualquer contestação legal por qualquer indivíduo ou entidade. A arbitragem deveria se restringir a questões puramente comerciais.[3]
O Caso Sempra[4] é o mais célebre exemplo de efetiva atuação de uma Corte Arbitral na manutenção da ordem constitucional de um país. Considerando a crise argentina, foi decidido que a verdadeira questão a ser debatida seria se a ordem constitucional e a sobrevivência do Estado restariam comprometidos pela crise, decidindo que, no caso em questão, a ordem constitucional não estaria à beira de um colapso.
7. CONCLUSÃO
Como já explicitado, o Brasil não é signatário da Convenção de Washington e não ratificou os 14 (quatorze) BITs que assinou. Essa postura evidencia que o país possui ressalvas quanto à arbitrabilidade de questões econômicas.
Verificou-se, por outro lado, que mesmo entre países signatários da Convenção, como nossa vizinha Argentina, é prática comum invocar exceção de ordem pública para evitar a incidência do juízo arbitral.
Tal manobra não é aceitável na prática internacional. O que se deve buscar é a aproximação da interpretação arbitra, notadamente em relação ao direito de investidores, aos ideias de direitos fundamentais.
Assim, pode o árbitro decidir, no exercício de sua competência, balizando seu entendimento com consideração à lei fundamental do país contendente, bem como protegendo direitos fundamentais e zelando pela observância da ordem pública em seu laudo.
Embora não existam dados concretos quanto à eficiência desse tipo de abertura estatal a mecanismos adequados à solução de conflitos econômicos de caráter internacional, é evidente que se trata de um passo na direção da confiança dos investidores. Há garantias ao Estado e sua economia nesse proceder, como evidenciado no caso Sempra.
Considerando, portanto, o momento delicado que vive a economia brasileira, com crescente desprestígio por parte dos investidores internacionais, a concessão de garantias a estes é uma opção que deve ser levada em consideração.
8. REFERÊNCIAS
CARMONA, Carlos alberto. Arbitragem e Processo. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 8ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
CALIXO, Negi. Ordem Pública. Exceção à eficácia do dirieto estrangeiro. Curitiba: Editora da Universidade do Paraná, 1987.
LIMA, Thaís Sundfeld. A posição do Brasil perante a regulamentação itnernacional de investimentos estragneiros: estudo de caso da situação da Argentina no ICSID e comparação com a posição brasileira. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4874#_ftn20>, Acessado em 24/02/2018 às 16h43.
DE BORJA, Ana Gerdau, Arbitragem de Investimento e o caso do Brasil, disponível em: < http://www.britcham.com.br/email/resenha_legal_0910.htm>, Acessado em 22.09.2017 às 21h18.
YANACA-SAMALL, Catherine. Definition of Investor and Investment in International Investment Agreements. Disponível em: < http://www.oecd.org/investment/internationalinvestmentagreements/40471468.pdf>, Acessado em 12.09.2017 às 21h04.
[1] Disponível em: http://www.britcham.com.br/email/resenha_legal_0910.htm
[2] Disponível em: https://icsid.worldbank.org/apps/ICSIDWEB/cases/Pages/casedetail.aspx?CaseNo=ARB/01/8
[3]LIMA, Thaís Sundfeld. A posição do Brasil perante a regulamentação internacional de investimentos estrangeiros: estudo do caso da posição Argentina no ICSID e comparação com a posição brasileira. Disponível em: (http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4874#_ftn20)
[4] Disponível em: https://icsid.worldbank.org/apps/ICSIDWEB/cases/Pages/casedetail.aspx?CaseNo=ARB/02/16
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes-RJ. Servidora do Ministério Público da União desde 2012, atua perante o Ministério Público do Trabalho.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DALLOUL, Samara Yasser Yassine. Arbitragem de investimento e Direitos Fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 mar 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51448/arbitragem-de-investimento-e-direitos-fundamentais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Guilherme Waltrin Milani
Por: Beatriz Matias Lopes
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