Resumo: O presente trabalho visa analisar a criminalização excessiva que se faz do cotidiano a partir do crime de injúria simples, sob aspecto do Direito Penal no Brasil, partindo de uma premissa que nestes casos ele deve ser mínimo, a ultima ratio na solução do impasse, somente podendo ser invocado quando o bem jurídico protegido pelo tipo penal for realmente maculado, na medida em que certas condutas perseguidas pelo tipo penal encontram-se aceitas socialmente.
Palavras-chave: injúria simples; teoria da adequação social; direito penal mínimo; intervenção penal mínima; fragmentariedade.
Resumen: Este trabajo analiza la criminalización excesiva que se realiza todos los días de un delito de lesiones simples bajo aspecto del derecho penal en Brasil, basado en la premisa de que en estos casos debe ser mínimo, el ultima ratio para resolver el impasse, solamente puede ser invocada cuando los intereses jurídicos protegidos por el tipo penal es en realidad contaminados en la medida en que cierta conducta seguida por el tipo penal son aceptadas socialmente .
Palabras-clave: simple lesión; teoría de la adecuación social; el derecho penal mínimo; intervención penal mínima; fragmentariedad.
Sumário: 1. Introdução; 2. Do crime de injúria simples (art. 140 do CP); 3. O crime de injúria simples e a Teoria da Adequação Social: “não se pode castigar aquilo que a sociedade considera correto”; 4. Teoria do Direito Penal Mínimo (subsidiário e fragmentário): a contenção da desenfreada criminalização; 5. O princípio constitucional da intervenção penal mínima (necessidade): o Direito Penal não deve ocupar-se com condutas pífias; 6. O crime de injúria simples e a criminalização do cotidiano; 7. Considerações finais; Referência das fontes citadas.
1. Introdução
Por vezes, o Poder Judiciário, em especial na seara criminal, é incitado a resolver demandas interpessoais que de certa forma, com urbanidade e bom senso, seriam facilmente resolvidas entre seus protagonistas. Contudo, a realidade é inversa e o presente trabalho visa, brevemente, desconstruir essa cultura de litigância criminal que presenciamos atualmente.
Para tanto, analisar-se-á a criminalização excessiva que se faz do dia-a-dia do homem a partir do crime de injúria simples – e não aquelas hipóteses dos parágrafos segundo e terceiro do art. 140 do Código Penal (CP) -, sob aspecto do Direito Penal no Brasil.
Para tanto, iniciar-se-á com a realização do estudo do tipo penal previsto no art. 140, caput, do CP.
Posteriormente, será feita uma breve análise da Teoria do Direito Penal Mínimo, abordando o princípio da intervenção mínima (subsidiariedade e fragmentariedade), em que o direito penal deve interver minimamente na vida cotidiana e, em ultima ratio, resolver impasses entre pessoas, tratando-se, por fim, do crime de injúria simples e a criminalização do cotidiano mediante condutas que, definitivamente, não atingem o bem jurídico tutelado pelo dispositivo do art. 140, caput, do CP. Falar-se-á também da adequação social do crime de injúria simples, posto que tais condutas são corriqueiras no cotidiano e “aceitas” pela sociedade brasileira contemporânea.
Frisa-se que não será tratado da descriminalização ou despenalização do crime de injúria simples, vez que tal delito é passível de ocorrência. Contudo abordará sua outra faceta, a da simplória injúria que não alcança o bem jurídico com tamanha gravidade, tornando a conduta aceita socialmente.
2. Do crime de injúria simples (art. 140 do CP)
O crime de injúria simples resta elencado no art. 140, caput, do CP, prevendo que aquele que Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, incorrerá no tipo penal.
Conforme se infere do teor do dispositivo supracitado, o crime de injúria consiste na ofensa à dignidade, ou seja, mácula da honra da pessoa digna, ou do decoro, afrontando o comportamento e a decência da vítima.
Sendo assim, o objeto jurídico deste delito é a honra na sua forma subjetiva, afrontando a dignidade humana da vítima, que se reflete no sentimento de autopercepção, visto que o próprio texto legal delimita os aspectos da honra capazes de serem maculados: a dignidade e/ou o decoro, os quais representam atributos morais, físicos e intelectuais, nesta ordem[1].
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo deste crime, não demandando condição especial, havendo também discussão acerca da possibilidade da pessoa jurídica figurar como autor do delito. Contudo, o entendimento doutrinário e jurisprudencial é no sentido de que ela não está legitimada a figurar como agente do delito[2].
O sujeito passivo, assim como o ativo, pode ser qualquer pessoa, até mesmo o inimputável, demandando que este tenha o discernimento necessário para entender o caráter ofensivo da conduta, ou seja, que está sendo lesado na sua honra[3].
Outra importante questão voltada à pessoa jurídica é a possibilidade dela figurar como vítima neste delito, porém predomina o entendimento de que ela não possuí a honra subjetiva (dignidade humana e sentimento de auto percepção), e por essa razão não pode ser ofendida na sua dignidade ou decoro. De outra banda, os titulares da pessoa jurídica podem ser injuriados na sua honra, se tornando vítimas[4].
O tipo objetivo da injúria é ofender a dignidade ou decoro de alguma pessoa, tratando-se da emissão de um conceito negativo sobre a pessoa ofendida, constituindo-se na dignidade (ex. ladrão), ou no decoro (ex. atributo físico: gordo; intelectual: burro; ou social: corrupto)[5].
O tipo subjetivo deste crime é o dolo, tanto direto como eventual, de causar dano (animus injuriandi), afastando-se a explosão emocional[6].
A consumação ocorre quando a vítima toma conhecimento da ofensa[7], sendo desnecessário que mais alguém, além dela, tenha conhecimento da injúria, posto que não é o aspecto externo da honra o bem jurídico protegido, mas sim a auto percepção, ou seja, o sentimento de respeito e valorização do próprio ser, sua autoestima[8].
Via de regra, a tentativa não é cabível nestes crimes, apesar de ser possível na hipótese de injúria escrita, quando não mais se tratará de crime unissubsistente, quando passará por um iter criminis passível de fracionamento[9].
Previsto no art. 140, § 1º, incisos I e II, do CP, o “perdão judicial” é um direito público subjetivo da liberdade do réu, desde que ele preencha os requisitos do citado dispositivo, sendo que, no crime de injúria, a legislação prevê que ocorrerá quando a vítima, de forma reprovável, provoca o agressor, no caso de retorsão imediata deste[10].
Quanto à classificação doutrinária, é crime comum, formal, instantâneo, comissivo, unissubsistente (via oral) ou plurisubsistente (por escrito)[11].
A pena culminada para o crime de injúria é de detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa, e a ação penal é privada, consoante preceitua o art. 145, caput, do CP, somente se procedendo mediante queixa.
Para que se configure o delito em voga, é dispensável a presença da vítima no momento da ofensa, sendo apenas imperioso que chegue ao seu conhecimento a injúria[12].
Frisa-se, por fim, que a análise da ofensa ao bem jurídico tutelado é um exercício de introspecção do magistrado, onde ele analisará as provas coligidas nos autos, determinando idoneidade da injúria e se ela, definitivamente, maculou a autoestima da pessoa injuriada.
3. O crime de injúria simples e a Teoria da Adequação Social: “não se pode castigar aquilo que a sociedade considera correto”
Santiago Mir Puig bem ilustra a teoria da adequação social ao afirmar que Não se pode castigar aquilo que a sociedade considera correto.
O que quer dizer ele é que certas condutas, em que pese claramente amoldar-se a tipos penais previstos em lei, são adequadas socialmente, porque a sociedade o considera correto, como, por exemplo, o tatuador; veja que ele, na sua atuação profissional, causa lesões corporais em seus clientes, pois fere a pele da pessoa e nela insere marcas, claramente incorrendo no tipo penal de lesões corporais, no entanto, por ser aceita tal prática na sociedade brasileira, este comportamento não é punido, é tido como apropriado.
Isso muda de sociedade para sociedade, de país para país, de cultura para cultura. Veja-se: no Brasil (atualmente) o adultério não é considerado crime, ele é “adequado socialmente”. Porém, na Arábia Saudita, o adultério é punido com pena de morte[13], lá ele não é concebido como atitude normal inerente à vida em sociedade, naquele país e/ou naquela cultura.
Neste ritmo, o princípio da adequação social modifica-se para chegar em um sem número de situações que nem sempre são de acordo com as regras éticas, isso quer dizer que condutas socialmente adequadas nem sempre são exemplares na visão ética, exigindo-se que elas se situem na definição de Welzel[14], quer dizer, no quadro da liberdade da ação social[15].
Nestas conjecturas, dentro do atual quadro social brasileiro, condutas que se amoldam à previsão do art. 140, caput, do CP, nem sempre se enquadram no tipo por serem aceitas socialmente, os dizeres de palavras de baixo calão, no trânsito, por exemplo, em que pese condenáveis, são perfeitamente consideráveis no caos urbano das cidades.
Sabe-se que certamente aquelas palavras não marcaram o sujeito no seu interior, não lhe ultrajara na sua percepção própria. São cotidianas, “normais”, aceitáveis porque qualquer um, em síntese, injuria com frequência.
Diz-se isso porque o juízo de tipicidade, visando a verdadeira significância e não alcance fatos alheios ao Direito Penal, necessita conhecer o tipo na sua compreensão material, com teor valorativo, não bastando apenas sua aparência formal, eminentemente diretivo[16].
O Direito Penal deve se amoldar na contemporaneidade, ao passo que as instituições jurídicas são oriundas da mente do homem, que mudam no tempo e no espaço. Assim, no processo de adaptação social, o Direito necessita amoldar-se de acordo com a movimentação da comunidade, ao passo que a necessidade de ordem, paz, segurança, justiça, os quais o Direito dá guarida, postulam procedimentos novos e adequados, pois, envelhecendo-se o Direito, ele deixará de ser um processo de adequação, na medida em que deixa de exercer a sua função original, para qual foi concebido, não sendo suficiente apenas ser o Direito na sociedade, significando a indispensabilidade de ser atuante e atualizado. São obrigatórias as renovações dos processos de adaptação, ao passo que somente desta forma o Direito será um instrumento eficiente na garantia de equilíbrio e harmonia social[17].
O crime de injúria simples, aparentemente, passou a ser “aceito” pela população brasileira, na medida em que a ofensa à dignidade ou o decoro de outrem se tornou corriqueira no caos cotidiano em que atualmente se encontra o país.
Caos, como frisado alhures, significa dizer os afazeres diários, a correria dentre ir ao trabalho, voltar do trabalho, ir ao local de almoço, pagar contas, cumprir metas, criar os filhos (englobando dar educação, saúde e laser), ficar horas no trânsito, responsabilidades, dentre diversos fatores que acabam por estressar demasiadamente qualquer pessoa.
Frisa-se que esta visão está umbilicalmente ligada à ideia da injúria simples e inidônea, aquela que não atinge a pessoa em si – e não aquelas hipóteses dos parágrafos segundo e terceiro do art. 140 do CP -, que é parte da vida comum em sociedade. Não se pode negar que certas condutas injuriosas atingem o bem jurídico tutelado de forma tamanha que se mostra necessária a tutela do Direito Penal, entretanto, raros são os episódios que isto ocorre, como, por exemplo, proferir a uma pessoa com situação psicológica afetada pela sua condição física ofensas que, certamente, influenciarão na sua autopercepção.
De todo modo, não ocorrendo estas proposições, é certo que a injúria simples é aceita pela sociedade, razão pela qual é possível se entender que seja afastada a tipicidade criminal.
4. Teoria do Direito Penal Mínimo (subsidiário e fragmentário): a contenção da desenfreada criminalização
Certamente o Direito Penal Mínimo é o adequado perfil do Direito Penal num Estado Democrático de Direito, sendo ele laico, pluralista, que respeita o direito à diferença, verdadeiramente um modelo político social que põe o ser humano (e sua dignidade) como ponto central da organização estatal[18].
Tal afirmativa consiste em dizer que o alicerce constitucional do Direito Penal aparece na sua principal missão, que é proteger os bens jurídicos de maior relevo contra as mais gravosas formas de agressão. Nesse passo, assim como a Constituição Federal engloba os bens jurídicos e interesses mais significativos para sociedade, é nesta consignação constitucional que a Lei Penal visa o fundamento de sua intervenção para punir. Então, o Direito Penal adota o texto constitucional como parâmetro referencial para alcançar o seu objetivo de proteger os bens jurídicos de maior relevância e criminalizar as atitudes que os maculam[19].
Num momento histórico, onde o clamor público é pela punição desenfreada, pela penalização de tudo que não lhe parece ético/moral, onde, como dito, a vida cotidiana está se judicializando sem limites, o Direito Penal deve conter-se[20].
O Direito Penal Simbólico deve ser abolido do cenário cotidiano[21], o Poder Judiciário não serve para vingar, deve ter o caráter retributivo e reeducador (sic), pois não é ele um instrumento de motivar comportamentos conforme determina a norma penal, fazendo o agente agir positivamente no momento da formulação da vontade de cometer um delito, posto que o crime é oriundo de diversas causas, ou seja, de cunho social, psicológico, cultural, não neutralizável pelo medo que a pena imputada à espécie pode causar[22].
O agente pode cometer o delito por diversos fatores. Nesse interim, o crime de injúria simples é reflexo dessas ilimitadas ocasiões, posto que injuriar alguém vem se tornando conduta inerente à vida moderna.
Nessa missão, todos os instrumentos do ordenamento jurídico devem cooperar, sendo que o Direito Penal é a ultima entre todas essas medidas protetoras que precisam ser ponderadas, significando que ele somente pode intervir quando os demais aparelhos falharem na solução social do impasse, a exemplo da ação civil, os regulamentos de polícia, e as demais sanções não penais. É por esta razão que se denomina ultima ratio da política social, sendo sua missão a proteção subsidiária dos bens jurídicos[23], ou seja, o último remédio, legítimo somente quando os demais ramos do Direito não derem a tutela suficiente aos bens de relevância para existência do homem e da sociedade[24].
Portanto, o Direito Penal deve seguir a linha da subsidiariedade, posto que o seu estilo fragmentário estabelece que não se deve sancionar penalmente qualquer conduta lesiva a um bem jurídico, apenas aquelas mais perigosas e cometidas contra bens de maior importância. A imperiosidade da lesão ao bem jurídico penalmente tutelado constitui na verdadeira mácula ou perigo concreto ou idôneo de dano ao interesse jurídico, claramente decorrente de um Direito Penal oriundo de um Estado Democrático de Direito, que busca reprimir ao máximo o poder de punir do Estado, levando ele a sua verdadeira função, que é a proteção de exclusiva dos bens jurídicos de maior importância da vida em sociedade[25].
Daí insurge a fragmentariedade da proteção penal, posto que se emprega o Direito Penal não sobre os estilhaços da realidade de que cuida, mais sim sobre preocupes jurídicos proeminentes, cujo amparo penal seja absolutamente indispensável[26].
5. O princípio constitucional da intervenção penal mínima (necessidade): o Direito Penal não deve ocupar-se com condutas pífias
O Direito Penal não deve ocupar-se com condutas pífias, que não maculam o bem jurídico tutelado a ponto de ser necessária à retribuição com medidas que alcançam o campo dos direitos à liberdade, ou obrigações “físicas”.
Quer dizer, nem toda injúria simples deve ser avençada criminalmente. Precisa ser repreendida aquela que de fato atinge o bem jurídico tutelado, ofendendo a pessoa na sua autopercepção, não bastando apenas ser dita a ofensa, devendo macular a vítima no seu âmago.
A tarefa do Direto Penal é de eleger os bens jurídicos cuja valoração deve adotar uma concepção minimalista, dando guarida somente a aqueles de fato importantes, posto que somente estes fazem jus à proteção[27].
Diz-se isso porque o princípio da necessidade, ou da intervenção mínima, define que somente pode ser legítima a criminalização de um fato se ela se mostra necessária para proteger um determinado bem jurídico, ao passo que, se outras sanções são suficientes à tutela deste bem, a criminalização é indevida. Isso significa que apenas nas hipóteses em que a sanção penal for instrumento indispensável para proteger juridicamente um bem é que sua intervenção se legitima[28].
Neste vértice, é passível que tais condutas, os dizeres indecorosos em público, em que pese vexatórios, não ofendam a vítima na sua subjetividade. Tal conduta, apesar de ilícita, não merece guarida do Direito Penal, mas passível de reparação no âmbito cível, por exemplo.
É que o bem jurídico tutelado pelo Direto Penal consubstancia-se num ente material ou imaterial esgotado dentro da conjuntura social, de titularidade particular ou pública, considerado como elementar para a convivência e o desenvolvimento do homem, motivo pelo qual é penalmente resguardado[29].
Isso porque a declaração do brocardo da nulla lex (poenalis) sine necessitate, que motiva não ser admissível a inculpação, pela lei, sem que exista o imperativo de uma operação tão gravosa como a elevada pelo Direito Penal[30], pois num Estado Democrático de Direito, é aceitável a intervenção do Estado, pelo Direito Penal, somente contra delitos que interfiram nos objetivos constitucionais, que estimulam a injustiça social e os cogentes à coerência da sociedade, afastando-se a criminalização de toda e qualquer conduta que possa ser resolvida de forma extrapenal[31].
O “princípio da intervenção mínima” é previsto no Constituição Federal, sendo por ela recepcionado no § 2º do art. 5º, ao prever que Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Este princípio é oriundo do art. 8º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (firmado em Paris, no ano de 1789), ao dizer que a A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada[32].
A proteção dos bens jurídicos não fica somente a cargo do Direito Penal, mas de todos os instrumentos previstos no ordenamento jurídico, em cooperação[33], recomendando-se que o Direito Penal, pela adequação típica, apenas se manifeste em casos cuja lesão jurídica seja de certa gravidade, perfilhando a atipicidade do fato nas conjecturas em que as perturbações jurídicas sejam mais leves, de pouca relevância material[34].
6. O crime de injúria simples e a criminalização do cotidiano
Vivemos num tempo que corre em alta velocidade, que pequenos contratempos tornam-se litígios e que o judiciário se sufoca neste binômio celeridade/demanda, posto que de um lado se pleiteia a agilidade na resolução da lide, e de outro sobrecarrega a justiça com qualquer aborrecimento.
O Direito Penal não foge à regra: está assoberbado de pequenos impasses pessoais.
O crime de injúria simples, previsto no caput do art. 140 do Código Penal promulgado em 1940, nunca sofrendo alterações, mostra-se cristalinamente defasado, cujas condutas que incrimina já se mostram adequadas na contemporaneidade, tornando a sua manutenção como delito somente um tipo penal ensejador de sobrecarga ao Poder Judiciário.
Alexandre Morais da Rosa e Thiago Fabres de Carvalho[35] asseveram que no atual estado da arte ocorre uma inflação abusiva e banalizadora do Direito Penal, mediante a criminalização excessiva da vida cotidiana.
É certo que vivemos uma crise do dia-a-dia, onde não raras vezes fatos ocasionais se volvem em verdadeiras desgraças na vida do homem. A calma e o bom-senso permanecem de lado, dando vez a certos combates ao júbilo de um desejo a quem do problema em si, na exultação do egoísmo e da impaciência.
Após a Constituição Federal de 1988, que promoveu e democratizou o acesso ao Poder Judiciário, oportunizando às pessoas que lhe confiem o caso para que ele resolva de acordo com a lei, a demanda judiciária suportou drástico acréscimo de volume, e com isso, ínfimos conflitos passaram a ser judicializados.
Tem-se a visão de que a sociedade brasileira submergiu a sua aptidão autocompor em pequenos contratempos, de se harmonizar sem a presença de algo maior e intercessor (o Estado pelo Poder Judiciário).
Dentre outros inevitáveis sintomas dessa sobrecarga judicial, temos a morosidade da justiça, a prescrição deliberada de diversas causas, dentre outros fatores que agravam a qualidade de trabalho do Poder Judiciário no âmbito criminal[36].
Ora, se o Direito Penal apenas tem o fim de proteger os cidadãos e de atenuar a violência, os excepcionais impedimentos penais justificados pela sua “absoluta necessidade” são aquelas proibições ínfimas cogentes, estabelecidas para prevenir comportamentos danosos que, juntos à reação sumária que admitem, conjeturariam uma máxima violência e uma mais grave lesão de direitos do que as provocadas institucionalmente pelo Direito Penal[37].
É forçoso, num Estado Democrático de Direito, que a intervenção estatal seja mínima no âmbito penal, objetivando conservar os valores de maior importância do indivíduo, a exemplo da intimidade e da sua vida privada. Crescendo o Direito Penal, procurando intrometer-se na vida de todas as pessoas e inúmeros conflitos sociais, ele se tornará totalitário e conflitante com a dignidade da pessoa humana. Vivemos um estado social contrário daquela época em que foi editado do Código Penal, no ano de 1940, motivo pelo qual os contemporâneos legisladores carecem atualizar-se dos avanços sucedidos desde aquela ocasião[38].
A injúria simples, como já sustentado, é aceita socialmente, não há uma pessoa que não “ofenda” outrem no dia-a-dia de forma “inocente”, sem aquele ânimo definitivo de molestar a autoestima da pessoa ofendida, e esta, de igual forma, não se sente – verdadeiramente - maculada na sua autopercepção.
Neste passo, o Direito Penal jamais deve ser invocado, é conduta ocasional, insignificante, aceita socialmente – posto que, quem não ofende por certo não vive em sociedade.
Pode-se afirmar que a persecução penal de um delito de injúria simples sem maiores efeitos, é um claro exemplo do Direito Penal agigantado, simbólico, e totalitário, posto que criminaliza uma conduta comum e aceita no quadro social.
Frisa-se, em caráter ilustrativo, diante deste fenômeno de judicialização excessiva, o posicionamento de Lênio Streck[39], quando afirma que Estamos criando cidadãos de segunda classe, que não mais reivindicam seus direitos no plano da cotidianidade das práticas civis, transferindo tudo para o judiciário. Cachorro latiu? Façamos um BO.
É assim que a injúria simples criminaliza a vida cotidiana. Contratempos refletem demandas penais, que, não raras vezes, perseguem punir um fato que não atingiu o bem jurídico tutelado pelo dispositivo legal (honra subjetiva).
Injúrias decorrentes de desentendimentos entre condôminos, no trânsito, entre colegas de trabalho, etc., são passiveis de solução nas mais variadas áreas do Direito - ou até mesmo fora dele -, não sendo razoável a intervenção penal direta nestes casos.
A procura da intervenção estatal, quando não se demonstrar passível de composição entre as partes, deve ocorrer com os outros instrumentos do Direito para tutelar o bem jurídico ofendido (Direito Civil, Direito do Trabalho, etc.), sendo somente cabível o Direito Penal nos casos extremos.
Por fim, consoante anteriormente frisado, não se quer afirmar que o delito de injúria deva ser extirpado da legislação – posto que se entende, em certas hipóteses, que a repreensão penal deva interver na sua forma preventiva (sic) e retributiva -, apenas pugna pelo processamento e aplicação daquela conduta séria, que definitivamente atinja o bem jurídico a ponto de se tornar necessária e eficaz(?) no episódio, quando a autopercepção da vítima seja realmente prejudicada pelas ofensas proferidas.
7. Considerações finais
Conforme visto, num Estado Democrático de Direito, o Direito Penal deve ser mínimo, deve criminalizar aquelas atitudes demasiadas gravosas, que atinjam bens jurídicos de maior relevância social.
Assim, a criminalização da injúria simples, decorrente de infortúnios diários inerentes à vida em sociedade, mostra-se apenas um indevido agigantamento do Direito Penal, posto que a resolução de tais impasses deve decorrer da autocomposição entre os envolvidos, e, em casos extremos, nas demais ramificações do Direito, jamais pela tutela penal em princípio, que figura como ultima ratio.
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[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 350.
[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 351.
[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 351.
[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 351.
[5] ISHIDA, Valter Kenji. Curso de direito penal, p. 296.
[6] ISHIDA, Valter Kenji. Curso de direito penal, p. 296.
[7] DELMANTO, Celso. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar, p. 512.
[8] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 354.
[9] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 354.
[10] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 356.
[11] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 355.
[12] DELMANTO, Celso. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar, p. 514.
[13] ARAGÃO, Jarbas. Arábia Saudita aplica lei religiosa e decapita mulher. Acessado em 14maio2015.
[14] E sobre isso, Claus Roxin discorre: "[...] Na obra Studien zum System des Strafrechts ('Estudos sobre o sistema de direito penal') [WELZEL] explica: 'Não existem conceitos típicos jurídico-penais, nem sequer os conceitos descritivos como, por exemplo, 'matar', 'ferir', 'ofender', que constituam conceitos causais de lesões causais de um bem jurídico, mas sim conceitos sociais de relações e de significado, isto é, conceitos cujo conteúdo de sentido se depreende da sua função no todo social...'. Acrescenta ainda que a doutrina tradicional mantém um 'ponto de partida fundamental errado', dado que 'reduziu a acção típica aos pressupostos causais que provocam o resultado, não permitindo assim a consideração do mundo da significação jurídico-social antes de se chegar à ilicitude'. Se neste curso do pensamento teríamos de reconhecer que mesmo com a ideia de finalidade, entendida apenas como supradeterminação de factores causais, somente se poderia compreender de uma forma incompleta o conteúdo de sentido social do facto típico, já que uma acção final de matar (continuando com o mesmo exemplo) concebida dessa forma pode carecer integralmente da tónica do desvalor. E, neste sentido, afirma consequentemente WELZEL: 'a acção (mesmo enquanto acção final) continua sendo uma abstracção idêntica à 'causação' caso não seja concebida como fenómeno com sentido social, como acção no âmbito social da vida'" (in Problemas fundamentais do direito penal, p. 111).
[15] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p. 132.
[16] LOPES, Mauricio Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das leis 9.099/95 (juizados especiais criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual, p. 53.
[17] NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito, p. 23.
[18] FRANCO, Alberto Silva. Do princípio da intervenção mínima ao princípio da máxima intervenção, p. 185.
[19] SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância no direito penal, p. 62.
[20] Importante trazer texto de Paulo Queiroz, no seu artigo intitulado Por que defendo um Direito Penal Mínimo, onde ele explica, com maestria inerente à sua atuação, porque toma tal posição: “[...] Porque, apesar de se ocupar de um sem número de ações e omissões, a efetiva intervenção do sistema penal (ações penais, condenações, prisões etc.) é estatisticamente desprezível; Porque mais leis, mais policiais, mais juízes, mais prisões significa mais presos, mas não necessariamente menos delitos (Jeffery); Porque multiplicar leis penais significa apenas multiplicar violações à lei; não significa evitar crimes, mas criar outros novos (Beccaria); Porque o direito penal intervém sempre tardiamente, nas conseqüências, não nas causas dos problemas; intervém sintomatologicamente, não etiologicamente; Porque problemas estruturais demandam intervenções também estruturais e não simplesmente individuais; Porque o direito penal deve ser minimamente célere, minimamente eficaz, minimamente confiável, minimamente justo; Porque, se o direito penal é a forma mais violenta de intervenção do Estado na liberdade dos cidadãos, segue-se que, como ultima ratio do controle social formal, somente deve intervir quando for absolutamente necessário; Porque a intervenção penal, por mais pronta, necessária e justa, é sempre tardia e incapaz de restaurar a auto-estima ou atenuar o sofrimento das vítimas; é uma intervenção traumática, cirúrgica e negativa (García-Pablos); e prevenir é sempre melhor que remediar; [...] Porque uma boa política social ainda é a melhor política criminal (Franz von Liszt)” (QUEIROZ, Paulo de Souza. Por que defendo um direito penal mínimo. Acessado em 18mar2015).
[21] "Para a lei penal não reconhece outra eficácia senão a de tranqulizar a opinião pública, ou seja, um efeito simbólico, com o qual se desemboca em um Direito Penal de risco simbólico, ou seja, os riscos não se neutralizariam, mas ao induzir as pessoas a acreditarem que eles não existem, abranda-se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se, dando lugar a um Direito Penal promocional, que acaba se convertendo em um mero difusor de ideologia" (BATISTA, Nilo et aii. Direito penal brasileiro, p. 631).
[22] QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direito penal: lineamentos para um direito penal mínimo, p. 90.
[23] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 51.
[24] LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais, p. 40.
[25] BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Minas Gerais. Rec. Crim. nº 34052002 (660/2003), Rela. Sônia Diniz Viana, julgado em 03/06/2003, publicado em 26/06/2003, p. 76.
[26] QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direito penal, p. 119.
[27] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 66.
[28] LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais, p. 39.
[29] PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, p. 248.
[30] ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Direito penal: parte geral, p. 90.
[31] ROSA, Alexandre Morais da. Amante virtual: (in)consequências no direito de família e penal, p. 123.
[32] DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral, p. 64-65.
[33] ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general, p. 65.
[34] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, p. 10.
[35] MORAIS DA ROSA, Alexandre; CARVALHO, Thiago Fabres de. Processo penal eficiente e ética da vingança: em busca de uma criminologia de não violência, p. 04.
[36] Neste vértice, o Desembargador Catarinense Ricardo Roesler, com grande parcimônia, discorreu sobre o tema e o seu impacto junto ao Poder Judiciário: “Alguma reflexão, bem por isso, é necessária. [...] Com as facilidades de acesso à jurisdição e a amplitude de proteções que hoje estabelece o texto constitucional, muito se avançou no que se refere à efetivação das garantias democráticas; mas há na contramão, de certo modo, um certo desprestígio, a banalização do direito: é cada dia mais comum a necessidade (ao menos a provocação) da gerência do Judiciário para regular situações que, com paciência e bom senso, teriam solução mais práticas – e não raro menos patéticas – muito aquém do exercício da jurisdição. [...] Essa preocupação tem sido sentida por todos os que administram a justiça, o que justifica o movimento, cada vez mais encorpado, de desjudicialização dos conflitos. Não se cuida de um capricho; a manutenção da estrutura jurisdiocional, além de onerosa, tem pouca efetividade em determinadas circunstâncias; em alguns casos (não serão poucos), serve apenas à satisfação pessoal dos demandantes. E definitivamente o ofício jurisdicional não se destina a esse fim. Sua vocação é muito maior. [...] Há, de todo modo, um forte influxo, animado quem sabe pela velocidade de nossos dias, e pela superficialidade cada vez maior de valores outrora tão caros. Tempos sombrios estes, de almas egoístas e pouca paciência, de pouco respeito de um para com o outro, desembocando no Judiciário a ingrata tarefa de ter de dizer até mesmo das consequências da perturbação do sossego alheio; pior que isso, de ter de medi-lo no âmbito penal. [...] Conflitos dessa natureza, que residem sobremaneira no individualismo, sempre descompromissado, dos que se pensam livres, mais alegres e sociáveis do que os que apenas querem o descanso e a tranquilidade de seu lar, são lamentáveis, senão vergonhosos. São, ademais, palcos comuns de pequenas desgraças e também de grandes tragédias. Provocado, todo sujeito, por mais dócil e manso que seja tomado poderá revelar-se agressivo e violento; como escrevera Aristóteles ao filho em Ética a Nicômacos, em dadas circunstâncias muito se estreita a fronteira entre a racionalidade e o instinto, ou a distinção entre o autocontrole e a fúria. Daí o necessário cultivo da serenidade e do respeito. [...] Bem a propósito, do todo já se observa os reflexos da falta de bom senso, que antecedem o caso em questão (falou-se, já fiz anotar, até mesmo no apedrejamento de um veículo por fatos da mesma natureza). Eis agora outro bom exemplo, que começa em uma discussão à beira de bar – lugar próprio da boemia, adoravelmente poética mas também distante, inocentemente indiferente às preocupações e dores alheias – e desemboca, veja-se, numa condenação criminal (coisa que, mesmo disfarçada pela substituição de pena, não deixa esconder os seus rigores), de quem na verdade só desejava poder gozar de seu descanso, em sua casa, sem importunar seu semelhante. Triste ironia. [...] Penso ser por si digno de lamentação o só-fato de ter a polícia que se ocupar dessas misérias, quando é tão reclamada a providências mais urgentes. Chegar-se então até aqui, ao segundo grau de jurisdição, discutindo-se a incompostura de alguns menos atentos e insensíveis ao sossego alheio, num cenário distorcido em que algozes viram vítimas e o oposto se sucede, só faz demonstrar o quão protocolar e banalizado é atualmente o uso do Judiciário. [...] Lamentemos todos. A absolvição que proponho não é algo glorioso, mas apenas o reparo dos reflexos de uma dessas banalidades cotidianas [...]” (BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Segunda Câmara Criminal. Ap. Crim. nº 2011.091053-0, Rel. Des. Ricardo Roesler, julgado em 06/12/2012).
[37] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 373.
[38] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado, p. 1011-1012.
[39] in Cada um pediu uma república só sua; e o advogado, só um cafezinho! Feliz. Acessado em 07maio2015.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KNOP, Angelica. O crime de injúria simples e a criminalização do cotidiano Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 abr 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51503/o-crime-de-injuria-simples-e-a-criminalizacao-do-cotidiano. Acesso em: 22 nov 2024.
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