RESUMO: Esse artigo busca abordar aspectos normativos e psicológicos da maioridade penal, abrangendo a sua evolução histórico-normativa, a maioridade penal dentro do direito comparado, as correntes doutrinárias que defendem a constitucionalidade e inconstitucionalidade de sua redução e aspectos da psiquiatria clínica e impacto social.
Palavras-chave: Maioridade penal. Direito comparado. Constitucionalidade da redução da maioridade penal. Inconstitucionalidade da redução da maioridade penal.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 EVOLUÇÃO HISTORICO-NORMATIVA DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL. 1.1 Ordenações Filipinas. 1.2 Código Criminal do Império. 1.3 Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. 1.4 Lei 4.242/21 e Decreto 22.213/22. 1.5 Código de Menores do Brasil. 1.6 Código Penal de 1940. 2 MAIORIDADE PENAL E O DIREITO COMPARADO. 3 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 3.1 Inconstitucionalidade da Redução da Maioridade Penal. 3.2 Constitucionalidade da Redução da Maioridade Penal. 4 MAIORIDADE PENAL SOB O PONTO DE VISTA PA PSIQUIATRIA CLÍNICA. 5 MAIORIDADE CIVIL X MAIORIDADE PENAL. 6 MAIORIDADE PENAL X DESENVOLVIMENTO SOCIAL. 7 MAIORIDADE PENAL E A QUASTÃO DA EDUCAÇÃO. 8 CASOS DE CRIMINALIDADE ENTRE MENORES E PONTOS FAVORÁVEIS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
De tempos em tempos, o tema maioridade penal retorna aos centros de debates da mídia brasileira. Quem não se lembra de casos de crimes bárbaros que tiveram adolescentes como protagonistas? Casos como o do menino João Hélio Fernandes Vieites (2007), Ana Cristina Johannpeter (2006), Detonautas (2006), índio Galdino (1997) se tornam o estopim de debates que circundaram a maioridade penal.
O escopo deste trabalho é discutir a maioridade penal sob aspectossociojurídicos, desmitificando o senso comum e respaldando um debate crítico desse tema. Inicialmente, será analisada a evolução histórico-normativa, bem como a maioridade penal e o direito comparado. Logo em seguida, abordar-se-á sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da redução da maioridade, verificando os as teses de defensas para essas posições e suas implicações para o Ordenamento Jurídico.
Após, a análise seguirá sob perspectiva da psiquiatria clínica, que atribui a criminalidade juvenil ao transtorno de conduta, caracterizado por um padrão repetitivo e persistente de conduta antissocial, agressiva ou desafiadora. Para ter um embasamento do Direito como ciência unitária, o estudo passará pelos meandros da maioridade civil e penal e suas implicações no processo e na execução penal. No item maioridade penal versus desenvolvimento social será observado questões complexas que perpassam a discussão sociojurídica como as teorias do etiquetamentosocial e a insuficiência de políticas públicas. Prosseguindo a análise, será discutidaa questão da educação e a maioridade penal. Por fim, será tratado sobre os pontos favoráveis à redução da maioridade penal, tendo em vista casos de criminalidade entre menores.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICO-NORMATIVA DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL
A análise da evolução histórico-normativa de todo e qualquer ramo jurídico, bem como de seus institutos, princípios e preceptivos, revela-se extremamente fértil, seja para a sua compreensão atual, no sentido de uma melhor interpretação e aplicação da regra, seja para a apreensão dos valores e fatores, inclusive extrajurídicos, que corroboraram, e ainda corroboram, na sua configuração.
Não poderia ocorrer de maneira diversa com a maioridade penal, instituto de suma importância para a ciência jurídico-penal, e também para as ciências sociais como um todo. Faremos, portanto, inicialmente, uma investigação histórica, para identificar a partir de que idade os ordenamentos jurídicos pátrios admitiram a imputação da prática de crimes.
2.1 Ordenações Filipinas
Primeira das compilações normativas portuguesas que vigoraram no Brasil (além das Afonsinas e Manuelinas) a ter efetividade, as Ordenações Filipinas perduraram aqui até a chegada do Código Criminal do Império (portanto, de 1.603 a 1.831).
Tinha como característica marcante o fato de não haver ainda a percepção da adolescência, e, principalmente, da infância, como sendo fases merecedoras de tratamento diferencial, que merecesse maior proteção do Estado, em relação aos adultos. Isso se refletiu no tratamento penal a eles dado.
A maioridade penal ocorria aos sete anos de idade, pois os que possuíam idade inferior eram considerados, por influência de velha tradição romana, absolutamente incapazes, sendo, seus atos, equiparados aos de animais.
Aos menores de 18, porém, era concedida a “benesse” real de não poderem ser condenado à pena de morte. Outras gradações mitigadoras na aplicação da pena eram concedidas, até a idade de vinte e um anos, a partir de quando, então, o tratamento era o mesmo.
2.2 Código Criminal do Império
Neste diploma, que vigorou de 1.831 a 1890, a maioridade penal foi elevada para os quatorze anos, conforme disposição de seu Art. 10: “Também não se julgarão criminosos: 1º Os menores de quatorze anos.” Entretanto, em relação aos menores de quatorze e menores de sete, deve-se anotar algo curioso: que o Código lhes atribuiu uma imputabilidade relativa, podendo o juiz, se verificasse que o menor tivesse agido com o que o Código denominava “discernimento”, deveriam ser recolhidos às Casas de Correção.
2.3 Código Penal dos Estados Unidos do Brasil
Este foi o diploma criminal republicano de 1.890, que trouxe um tratamento mais complexo no que toca a maioridade penal. A inimputabilidade plena foi aumentada para os nove anos de idade, sendo que, aos que tivessem idade superior a esta, mas inferior a quatorze, aplicava-se a imputabilidade relativa, cabendo ao magistrado avaliar, assim como no Código anterior, o discernimento do autor (Art. 27, §§ 1º e 2º).
2.4 Lei 4.242/21 e Decreto 22.213/22
Tais diplomas, surgidos por influência do panorama internacional de política criminal e das críticas à reduzidaidade de inimputabilidade penal do Código então vigente, aumentaram para quatorze a inimputabilidade, de maneira objetivo e absoluta, sem qualquer temperamento do critério biopsicológico. Interessante mencionar que a lei 4.242/21 era orçamentária, tendo como principal fim dispor sobre a “Despesa Geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1.921”. O Decreto 22.213/22, Consolidação das Leis Penais, reafirmou a disposição da citada lei.
2.5 Código de Menores do Brasil
Após o surgimento, em 1.923, de uma Justiça especializada para os menores, tendo, como primeiro Juiz, José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, em 1.927, surge o Decreto 17.943-A, o 1º Código de Menores do Brasil, apelidado de Código de Mello Mattos. Nele, foi mantida a inimputabilidade do menor de quatorze anos, e, aos que tivessem entre quatorze e dezoito, foi estabelecido um Processo Especial.
Destaca-se que já nessa época, diante de um crescimento da criminalidade infantil, a sociedade se mostrava dividida em suas opiniões quanto às medidas a serem tomadas: uns militavam pelo encarceramento precoce; outros, pela assistência e amparo à infância.
1.6 Código Penal de 1.940
Tal diploma elevou a maioridade penal para dezoito anos de idade. Neste período, mostrava-se de fato afastada a influência, sobre a legislação penal pátria, da doutrina de Lombroso, de que as tendências para o crime manifestavam-se fatalmente já na infância. Tal idade, então mínima foi mantida pelas normatizações penais seguintes, inclusive pela reforma do Código Penal de 1984. Esta, entretanto, apenas procedeu a correção terminológica, falando em inimputabilidade, em vez de irresponsabilidade (termo usado na legislação anterior).
2 MAIORIDADE PENAL E O DIREITO COMPARADO
A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, de 1989, estabelece no seu art. 1º como criança aquela que tem menos de 18 anos, litteris: “Nos termos da presente Convenção, criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.".
Neste sentido, criança é definida como todo o ser humano com menos de dezoito anos, salvo se a lei nacional conferir a maioridade mais cedo.
Tal Convenção traz em seu bojo a doutrina de proteção integral à criança, estabelecendo no art. 40 que cabe a cada Estado estabelecer uma idade máxima, abaixo da qual, presumivelmente, a criança não tem capacidade de infringir a lei, in verbis:
Artigo 40
1. Os Estados Partes reconhecem à criança suspeita, acusada ou que se reconheceu ter infringido a lei penal o direito a um tratamento capaz de favorecer o seu sentido de dignidade e valor, reforçar o seu respeito pelos direitos do homem e as liberdades fundamentais de terceiros e que tenha em conta a sua idade e a necessidade de facilitar a sua reintegração social e o assumir de um papel construtivo no seio da sociedade.
2. Para esse feito, e atendendo às disposições pertinentes dos instrumentos jurídicos internacionais, os Estados Partes garantem, nomeadamente, que:
a) Nenhuma criança seja suspeita, acusada ou reconhecida como tendo infringido a lei penal por ações ou omissões que, no momento da sua prática, não eram proibidas pelo direito nacional ou internacional;
b) A criança suspeita ou acusada de ter infringido a lei penal tenha, no mínimo, direito às garantias seguintes:
i) Presumir-se inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida;
ii) A ser informada pronta e diretamente das acusações formuladas contra si ou, se necessário, através de seus pais ou representantes legais, e beneficiar de assistência jurídica ou de outra assistência adequada para apreparação e apresentação da sua defesa;
iii) A sua causa ser examinada sem demora por uma autoridade competente, independentee imparcial ou por um tribunal, de forma equitativa nos termos da lei, na presença do seu defensor ou de outrem, assegurandoassistência adequada e, a menos que tal se mostre contrário ao interesse superior da criança, nomeadamente atendendo à sua idade ou situação, na presença de seus pais ou representantes legais;
iv) A não ser obrigada a testemunhar ou a confessar- se culpada, a interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e a obter a comparência e o interrogatório das testemunhas de defesa em condições de igualdade;
v) No caso de se considerar que infringiu a lei penal, a recorrer dessa decisão e das medidas impostas em sequência desta para uma autoridade superior, competente, independente e imparcial, ou uma autoridade judicial, nos termos da lei;
vi) A fazer-se assistir gratuitamente por um intérprete, se não compreender ou falar a língua utilizada;
vii) A ver plenamente respeitada a sua vida privada em todos os momentos do processo.
3. Os Estados Partes procuram promover o estabelecimento de leis, processos, autoridades e instituições especificamente adequadas a crianças suspeitas, acusadas ou reconhecidas como tendo infringido a lei penal, e, nomeadamente:
a) O estabelecimento de uma idade mínima abaixo da qual se presume que as crianças não têm capacidade para infringir a lei penal;
b) Quando tal se mostre possível e desejável, a adopção de medidas relativas a essas crianças sem recurso ao processo judicial, assegurando-se o pleno respeito dos direitos do homem e das garantias previstas pela lei.
4. Um conjunto de disposições relativas, nomeadamente, à assistência, orientação e controle, conselhos, regime de prova, colocação familiar, programas de educação geral e profissional, bem como outras soluções alternativas às institucionais, serão previstas de forma a assegurar às crianças um tratamento adequado ao seu bem-estar e proporcionado à sua situação e à infracção.
Conforme entendimento doutrinário, há norma expressa proibindo que os direitos consagrados às crianças, nas leis internas dos países signatários, não sejam modificados em detrimento dos interesses destes (pessoas protegidas pela norma internacional). Todavia, este instrumento internacional não fixou uma faixa etária específica para imputação penal.
Nesse diapasão, sob o âmbito do Direito Comparado, verifica-se que não há uma idade padrão para definir a maioridade penal que seja adotada por todos os países, sendo, portanto, difícil um entendimento único. Isso ocorre porque a fixação da idade da imputação penal, por si só, não detém um critério científico puro, constituindo-se, na realidade, uma questão de política criminal, com intuito de evitar a impunidade.
Assim, no que tange a maioridade penal, nossa legislação adotou o sistema biológico, ignorando o desenvolvimento mental do menor, considerando-o inimputável, mesmo tendo capacidade para entender a ilicitude do fato. A imputabilidade é a aptidão para ser culpado.
Ao revés, repisa-se que não existe uniformidade de procedimentos para fixar parâmetros para a determinação da idade penal, não havendo, pois, um timbre da universalidade. Um breve giro pela maioridade penal no mundo para constatar tal assertiva. A idade mínima para a responsabilidade criminal na Turquia começa aos 11 anos e aos 12 anos no Equador, Uganda, Israel, Marrocos, Coréia do Sul, Líbano, Grécia, Canadá e Holanda. No México, a maioridade penal varia de 6 a 12 anos, conforme o estado mental, psicológico.
Podemos observar ainda que a idade penal na Argentina é plena aos 18 (dezoito) anos e parcial aos 16 (dezesseis) anos (só para ações penais públicas). Na França, por exemplo, a maioridade penal é de 18 anos, mas jovens a partir dos treze e até os dezoito anos podem ser penalizados. Seguem, ainda, a idade dos 18 anos, a Espanha, Alemanha, Peru e Colômbia. Antes, o limite da idade penal na Espanha e na Argentina era de 16 e 14 anos, respectivamente.
Em contrapartida, na Inglaterra, a maioridade penal é de vinte e uma nos para crimes comuns. Tratando-se de crimes hediondos o infrator é penalizado a partir dos 10 anos. É o país com o menor limite de inimputabilidade penal, podendo, uma criança inglesa ser julgada e condenada como adulto, desde que comprovada, por meio de testes psicológicos, a consciência do ato.
Nos Estados Unidos, em muitos estados, a imputabilidade penal se inicia aos 14, mas verifica-se divergências de legislações nos 50 estados, sendo que em 18 deles os jovens que cometerem crime grave podem ser responsabilizados a partir dos 14 anos, equiparando-se, nessa condição, àquele que conta com 18 anos, considerada a maioridade penal.
Na França, Israel e Nova Zelândia, Uzbequistão, Argélia, França e Polônia, aos 13 anos. Na Itália a imputabilidade penal inicia-se com 14 (quatorze) anos, bem como na Áustria, Rússia, China, Japão, Vietnã, Itália e Armênia.
Segundo os dados da ONU, em pesquisa realizada por Túlio Kahn (pesquisador do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a prevenção do delito e o tratamento do delinquente), num universo de 57 países, apontam na direção de que em apenas 17% a idade mínima para punição se situa no limite inferior aos 18 anos.
Das 57 legislações analisadas, apenas 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto: Bermudas, Chipre, Estados Unidos, Grécia, Haiti, Índia, Inglaterra, Marrocos, Nicarágua, São Vicente e Granadas. Com exceção de Estados Unidos e Inglaterra, todos os demais são considerados pela ONU como países de médio ou baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o que torna a punição de jovens infratores ainda mais problemática.
Contudo, observa-se que há, em diversos países, medidas de responsabilização diferenciadas para crianças e adolescentes. Para exemplificar, citar-se-á, brevemente, o sistema estabelecido na Itália e na Alemanha. De acordo com o direito italiano, são considerados absolutamente incapazes os menores de catorze anos de idade. Para os indivíduos maiores de catorze anos e menores de dezoito anos e que se encontram na região fronteiriça, serão considerados imputáveis desde que tenham total capacidade de entendimento e vontade, mas mesmo assim terão pena diminuída.
Assim, o sistema penal italiano é caracterizado por um acentuado exame da personalidade do agente. São averiguados os antecedentes pessoais bem como familiares dos menores, considerando seu aspecto psíquico, físico e ambiental. Deste modo, a sanção tem a finalidade educativo-preventiva, com grande individualização do tratamento.
Há, ainda, outra característica marcante do direito italiano, qual seja, a presença de um juízo especializado chamado de Tribunal de Menores, composto por juízes especializados e leigos, os quais são selecionados dentre psiquiatras, antropólogos criminais, biólogos, pedagogos e também psicólogos.
Igualmente, no direito alemão, existe o direito assistencial para os inimputáveis menores de 14 anos, com sanções específicas e diferenciadas.
Costa Júnior (2000, p. 121), a respeito das sanções aplicadas aos infratores, apresenta a seguinte classificação:
a) medidas educativas - instrução, vigilância, ou entrega de um menor a um ente educacional;
b) medidas disciplinares – advertência, obrigação de reparar dano, de prestar um trabalho em favor da vítima, de desocupar-se, de devolver uma soma em favor de instituições de utilidade pública, bem como a prisão durante o tempo livre da semana, ou por período máximo de quatro semanas;
c) penas detentivas juvenis, que se diferenciam das demais penas, pois são de maior duração (mínimo de seis meses a um máximo de cinco anos).
3 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A prática de atos infracionais violentos por adolescentes tem repercutido negativamente entre a opinião pública nos últimos anos. Como reflexo de tal fato, cresce entre a população brasileira a defesa da aplicação de sanções mais rígidas aos adolescentes infratores e, nesse âmbito, uma das posições mais defendidas é a redução da denominada maioridade penal.
A Constituição Federal de 1988 trata sobre da matéria em seu art. 228 e assevera que os menores de dezoito anos serão considerados inimputáveis e submetidos à legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90). A respeito do tema, aduz Rogério Greco
A inimputabilidade por imaturidade natural ocorre em virtude de uma presunção legal, onde, por questões de política criminal, entendeu o legislador brasileiro que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito. Adotou-se, portanto, o critério puramente biológico. (GRECO, 2009, p. 399).
O clamor público diante dos injustos penais cometidos por menores de dezoito anos fez surgir um intenso debate acerca da possibilidade constitucional da redução da maioridade penal. Assim, entre os doutrinadores surgiram duas teses básicas: uma defende a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal e a outra a constitucionalidade de tal medida.
3.1 Inconstitucionalidade da Redução da Maioridade Penal
Para compreendermos efetivamente os argumentos utilizados por aqueles que defendem a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal, é essencial apresentar o conceito de direitos fundamentais. Estes seriam os direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de um Estado. Ao discorrer sobre o tema, explica Ingo Wolfgang Sarlet
Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional [...] (SARLET, 2010, p. 29)
Os direitos fundamentais buscam assegurar o respeito à dignidade humana, estabelecendo condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. Na atual Constituição brasileira os direitos fundamentais estão previstos no Título II, subdivididos em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos e direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos. Para a discussão a que se propõe esse trabalho, deteremos nossos estudos nos direitos fundamentais individuais, que são aqueles intimamente relacionados ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade.
Ressalte-se que os direitos fundamentais previstos no Título II da Lei Maior não fazem parte de um rol taxativo. Há direitos e garantias individuais dispersos pelo texto constitucional e este é um entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já entendeu que o rol do art. 5º da Constituição é exemplificativo (ADIN 939-7/DF).
Ao analisar o art. 228 da Carta Constitucional, pode-se inferir que a inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos corresponde a uma garantia individual prevista fora do rol exemplificativo do art. 5º. Filiados a este pensamento estão, por exemplo, DOTTI (2001) e MORAES (2003).
Existem limitações quanto às mudanças que podem ser realizadas no texto constitucional. As chamadas limitações materiais (cláusulas pétreas) vedam as modificações na Carta Magna visando a redução dos direitos previstos no art. 60, § 4º[1].
Portanto, os seguidores da corrente que afirma a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal baseiam sua tese ao considerar a inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos como um direito fundamental individual. Este, por sua vez, é relacionado no art. 60, § 4º, IV, da Carta Constitucional, como uma cláusula pétrea, não podendo ser objeto de emenda constitucional. Esta corrente doutrinária é a dominante atualmente entre os juristas.
Corroborando tal entendimento, Dario José Kist e AngelaMolinafirmam
Assim, especificamente sobre o início, aos 18 anos, da maioridade penal, a norma inscrita no artigo 228 do texto constitucional representa uma das garantias decorrentes dos direitos assegurados aos menores. E, nessa perspectiva, integra o núcleo imodificável da Constituição - cláusulas pétreas - de modo que, qualquer tentativa do legislador infraconstitucional, ou mesmo do Poder Constituinte Derivado, por meio de Emenda Constitucional, de reduzir a idade inicial da maioridade penal será inconstitucional. (KIST; MOLIN, 2007, p. 11)
3.2 Constitucionalidade da Redução da Maioridade Penal
A tese de constitucionalidade da redução da maioridade penal vem ganhando força nos últimos anos e já tramitam no Congresso Nacional algumas propostas de Emenda Constitucional visando tal modificação. Tais propostas tem ampla aceitação da coletividade e também de juristas, ainda que destes em menor número. Entre estes podemos citar Miguel Reale Júnior, que afirma
(...) não constitui regra pétrea não por não estar o dispositivo incluído no art. 5° da Constituição Federal, referente aos direitos e garantias individuais mencionados no art. 60, IV, da Constituição. Não é a regra do art. 228 da Constituição Federal regra pétrea, pois não se trata de um direito fundamental ser reputado penalmente inimputável até completar dezoito anos. A medida foi adotada pelo Código Penal e depois pela Constituição Federal em face do que se avaliou como o necessário e conveniente, tendo em vista atender aos interesses do adolescente e da sociedade (REALE JUNIOR, 2002, p. 212).
Assim, seguindo a linha de raciocínio acima exposta, a inimputabilidade dos menores de dezoito anos não se constitui como direito fundamental individual, mas sim como uma medida adotada em um determinado momento histórico em que sua instituição era interessante para os menores e para a sociedade brasileira. Entretanto, as mudanças e evoluções ocorridas ao longo dos anos no país resultaram na inconveniência e desnecessidade da inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos, não mais atendendo aos anseios e interesses da coletividade.
Para Rogério Greco, a inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos não corresponde à cláusula pétrea e a única implicação prática do previsto no art. 228, da Constituição Federal de 1988, seria de que somente por meio de um procedimento qualificado de emenda a maioridade penal poderia ser reduzida, ficando vedada tal redução via lei ordinária (2009, p. 400).
4 A MAIORIDADE PENAL SOB O PONTO DE VISTA DA PSIQUIATRIA CLÍNICA
A violência nas grandes cidades vem superando limites quase inacreditáveis se comparados aos dos anos 1990, sendo que crimes que escandalizavam e monopolizavam a opinião pública durante meses, atualmente ocorrem com a rapidez de uma linha de produção, por conta disso e dos altos índices de violência e criminalidade a população brasileira demonstra medo até em sair ás ruas: carros blindados, condomínios fechados, e, como nos países com tradição em guerra, todo arsenal mobilizado para que as pessoas se sintam um pouco menos desprotegidas.
Nesse sentido, destaca-se o fato de que a violência cometida contra adolescentes e por adolescentes vem aumentando em proporções inusitadas. No Brasil, o desemprego, a falta de lazer, falta de perspectivas profissionais, narcotráfico, lares desfeitos, alcoolismo e consumo de drogas são sempre os primeiros fatores a serem lembrados como possíveis etiologias da violência, além da corrupção e falta de ética presente em todos os escalões do poder público, configurando uma falha simbólica que gera a total descrença em uma possível punição dos culpados.
O ECA dispõe que se considera criança para os efeitos desta lei, a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquele entre de 12 e 18 anos de idade. Nesse ínterim estipula a idade mínima de 18 anos para a maioridade penal, estabelecida conforme orientação da ONU. Ocorre que, na época em que decidida tal idade, as pessoas de 18 anos eram muito mais ingênuas, mais crianças do que nos dias de hoje.
Especialmente após a introdução do Código Civil - que outorga plenos poderes aos maiores de 18 anos, considerando-os maiores absolutamente capazes e antecipando a maioridade civil, um cidadão de 18 anos há muito já não é criança. Aos 16 anos já é tido como relativamente capaz, com poderes para trabalhar e inclusive, escolher seus governantes.
Na esfera penal, entretanto, quando o adolescente pratica uma infração mediante violência ou grave ameaça, e sendo ele um infrator reincidente pode estar indicada a internação em estabelecimento educacional, conforme art. 112, do ECA. O art. 121, §3º, entretanto, diz que em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
A psiquiatria da infância e da juventude descreve, porém, como um de seus quadros mais graves o chamado Transtorno de Conduta, caracterizado por um padrão repetitivo e persistente de conduta antissocial, agressiva ou desafiadora, por no mínimo 6 meses.
A presença de sintomas de Transtorno de Conduta na infância é um mau sinal, pois prevê delinquência na vida adulta. Quanto mais intenso o comportamento agressivo na infância, maior a probabilidade de ocorrer comportamento delinquente ou francamente criminoso na fase adulta. O Transtorno de Conduta pode ter início já aos cinco ou seis anos de idade, mas habitualmente aparece ao final da infância ou início da adolescência. O início precoce prediz um pior prognóstico e um risco aumentado de Transtorno de Personalidade Antissocial (CID 301.7) na vida adulta.
Os portadores de problemas graves de personalidade, tais como a sociopatia e a psicopatia, não costumam beneficiar-se por medicações, e atividades como sócio e psicoterapia tem efeito bastante limitado, ao contrário do que ocorre com pacientes neuróticos, ou mesmo psicóticos. É evidente, portanto, que um período de internação de três anos não efeito sequer paliativo. Para a perversidade inata não há tratamento médico, não existe reeducação possível, sobretudo em três anos.
Na Inglaterra cada caso é considerado a partir de suas próprias características, independentemente da idade do criminoso. Qualquer crime tem implicações sérias e rigorosas. A idade de responsabilidade criminal no Reino Unido começa aos 10 anos, e são impostas multas por comportamento antissocial aos menores a partir de 10 anos de idade.
A psiquiatria clinica propõe que o menor, ao gozar de consciência, entendimento, discernimento, intenção, compreensão, ao praticar crime qualificado com requintes de crueldade, deve ser julgado imputável e responder em um primeiro momento conforme o ECA, recebendo assim sanção socioeducativa e, a partir do momento que atingir a maioridade, deve responder criminalmente.
Não se trata de colocar o adolescente numa penitenciária juntamente com criminosos adultos, mas que haja uma internação sem limite de tempo máximo pré-determinado, uma vez que o período de internação previsto no ECA em nada significa. Interessante seria se o menor internado fosse submetido a medidas socioeducativas e periodicamente fosse visto por uma equipe de saúde mental que avaliasse seu grau de periculosidade, mas tais medidas deveriam ocorrer dentro de um estabelecimento realmente efetivo, com programas de psico e socioterapia, atividades físicas, esportivas, artísticas etc., prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e inserção em regime de semiliberdade, e não uma instituição que representasse uma escola de crimes, como é atualmente as Fundações para o Bem Estar do Menor.
Nos casos irrecuperáveis, somente seria aplicada ao menor infrator a medida de segurança que poderia eventualmente mantê-lo confinado pelo maior tempo possível, como se fosse constatada a cessação de sua periculosidade.
5 MAIORIDADE CIVEL X MAIORIDADE PENAL
O Código Civil de 1916 instituía a maioridade civil iniciando aos 21 anos, quando o sujeito seria completamente capaz de realizar todos os atos da vida civil, sem necessidade de assistência ou representação. Com o advento do novel Código Civil de 2002, em seu art. 5º aduz que “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”.
Desta forma, aos dezoito anos, o indivíduo já tinha capacidade de responder por todos os seus atos, pois a partir deste momento, já possui discernimento e a presunção de responsabilidade.
Dentro do direito penal material o indivíduo adquire imputabilidade aos dezoito anos, porém, no processo penal, se exigia a nomeação de curador para acompanhar o réu menor de vinte e um anos durante a persecução penal.
A mudança do código civil teve uma influência na nova idade penal, não no que diz respeito a imputabilidade, porém no que diz respeito ao processo. Alguns doutrinadores, em análises não percucientes, entendem a questão como resolvida, conforme expressa Luiz Flávio Gomes:
“Todos os dispositivos processuais penais que enfocavam o menor de 21 anos como relativamente capaz foram afetados pelo novo Código Civil. Todos têm por base a capacidade do ser humano para praticar atos civis e, por conseguinte, processuais. Para o novo Código Civil essa capacidade é plena aos 18 anos. Logo, todos os artigos citados acham-se revogados ou derrogados (lei nova que disciplina um determinado assunto revoga ou derroga a anterior).”
O art. 15 do Código de Processo Penal traz uma nova interpretação, de necessidade de nomeação de curador não mais se falando em menor de 21 anos, e tão só, simplesmente, uma referência a menor de idade. Nos moldes do Direito Civil Brasileiro, o menos de 18 anos.
Um reflexo dessa mudança, da diminuição da maioridade civil no Direito Processual Penal é o benefício dado ao réu menor de 21 anos, considerando esta condição como um atenuante.
Destarte, se indagar-mos o motivo da fixação feita, pelo poder legítimo, da maioridade, civil e penal, em 18 anos, logo responderemos que se deve ao fato dos indivíduos com a aludida idade alcançou grau de maturidade que lhe permite praticar atos pessoalmente e, por conseguinte, responder pelas conseqüências advindas dos mesmos.
O indivíduo com dezoito anos, em nosso Ordenamento, está apto a celebrar contratos, a casar-se, a dirigir veículos automotores, a eleger-se para Câmaras municipais, a tornar-se membro da magistratura, além de tomar inúmeras outras decisões que podem afetar radicalmente a vida da sociedade e a sua própria.
Pois bem, resta-nos agora observarmos um imperativo lógico: ou o maior de dezoito anos sabe o que faz, e, portanto, pode agir pessoalmente e responder pelas suas ações no Direito Civil, Penal, ou qualquer outra seara do Direito que é unitário; ou o menor de dezoito anos não sabe o que faz, e, portanto não deve dirigir, casar-se sem autorização pátria, eleger candidatos e, por conseguinte, deve ter tratamento diferenciado na legislação penal, respaldando, desse modo o disposto no artigo 115 e 65, inciso I do CP (redução dos prazos prescricionais e circunstâncias atenuantes).
Devemos observar que a redução da maioridade civil não ficou muito clara dentro do processo penal, ao passo que deixou vestígios da legislação anterior em alguns detalhes cruciais para a aplicação da pena ao menor de 21 anos.
Alguns criminalistas acreditam que o fato de criminoso menor de 21 anos ter esses benefícios de atenuante, prazo prescricional reduzido, encarceramento diverso dos adultos, se dá pelo grau de influenciabilidade ser mais intenso, não podendo ter o menor de 21 anos no meio periculoso, por haver possibilidade de ressocialização mais efetiva.
Sua mente ainda está aberta para o aprendizado, para a educação, para o futuro sem crimes.
Esse pensamento é a grande pedra fundamental que rege a psicologia criminal ao passo que o menor de 21 anos ainda pode responder dentro dos moldes do Estatuto da Criança e ao Adolescente, que visa claramente a reconstituição do menor infrator.
Apesar de completar os 18 anos, e atingir a maioridade civil e penal, o indivíduo ainda pode ser incumbido das sanções prevista no ECA, se ao tempo em que cometeu o crime era menor de idade.
Esse tema se consolidou nos tribunais superiores quando, por maioria dos votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou Habeas Corpus (HC 97539) impetrado pela Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro que pretendia extinguir a medida socioeducativa de semiliberdade imposta a um menor, à época da infração. Atualmente, ao ter completado 18 anos, ele atingiu a maioridade civil e penal.
De acordo com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), questionada no HC, o ministro Carlos Ayres Britto (relator) afirmou que para a aplicação das medidas socioeducativas, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “leva-se em consideração apenas a idade do menor ao tempo do fato, sendo irrelevante a circunstância de atingir, o adolescente, a maioridade civil ou penal durante o seu cumprimento”. Ele completou ressaltando que a execução da medida pode ocorrer até que o autor do ato infracional complete 21 anos.
Importante observar uma questão.
Se a legislação brasileira acredita, aplica e dissemina o entendimento de que menor de 21 anos, apesar de já ultrapassado a maioridade civil e penal deve receber um tratamento prisional especial e mais brando, como pensar em uma redução da maioridade penal?
E ai remete a um questionamento já feito no início deste capítulo: o menor de dezoito anos não possui qualquer responsabilidade sobre os seus atos, sendo incapaz de assumir sua vontade?
Como visto neste estudo, a redução da maioridade penal seria uma simples redução da imputabilidade, não havendo uma real responsabilidade processual do agente criminoso, pois o processo seria mais simples, as penas seriam mais brandas, e, consequentemente a execução penal seria fracassada.
Para uma redução da maioridade penal eficaz, se faz necessária a redução da maioridade civil, e a desmistificação do “menor de 21 anos” que traz o ordenamento jurídico pátrio.
6 MAIORIDADE PENAL X DESENVOLVIMENTO SOCIAL
Como já pode ser abordada, a teoria que preconiza a redução da maioridade penal não nasceu isolada da realidade social. Para que se possa realizar um estudo aprofundado sobre a polêmica questão, faz-se necessário refletirmos sobre quais interesses tal teoria se funda, quais são seus reais objetivos.
Alinhado a isto, como foi pincelado, por estar envolvida no seio de uma realidade social complexa, é importante estabelecer uma mínima análise sobre as condições de vida da juventude brasileira atualmente.
De acordo com Luís Santos,
O censo 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que 52,3% das crianças baianas, de 0 a 14 anos, pertencem a famílias com renda familiar per capita de até meio salário mínimo e vivem num cenário sócio-econômico de extrema pobreza. No aspecto educacional o IBGE mostra que apenas 6,7% dessas crianças tiveram acesso à educação (0 a 6 anos). Quando essas crianças se tornam adolescentes o problema aumenta. Assim como na infância, volta a se repetir a falta de acesso à saúde, educação, à alimentação, ao lazer, à profissionalização e à cultura.
Ele parte de uma realidade baiana, porém, encarando esta como reflexo também da realidade brasileira, é de se notar que a juventude brasileira está longe de inúmeros direitos que lhe são assegurados na Carta Magna, como o direito à educação, à saúde, à dignidade da pessoa humana e, muitas vezes, à própria vida.
É visível que o Estado brasileiro, muitas vezes incompetente em efetivar políticas públicas aos seus cidadãos, atua de forma violenta em resposta as consequências de sua ineficácia. Isso fica facilmente demonstrável quando a polícia, por exemplo, atua no “combate à criminalidade” em periferias, encarcerando indivíduos que em muitos casos não tiveram escolha para sobreviver, acabando cometendo delitos (em sua maioria crimes contra o patrimônio), já que não tiveram acesso a direitos básicos que o Estado deveria garantir, como direito à moradia, à saúde, à educação, ao lazer, a uma vida digna.
Nesse ínterim, é de suma importância fazer um recorte de classe e de raça, para que a questão seja mais bem analisada. Ainda de acordo com Luís Santos,
No campo das desigualdades, as discussões sobre a redução da maioridade penal trazem à tona a opinião dos que dizem que há uma maior propensão da juventude negra a criminalidade. Ainda nos deparamos com posicionamentos que se baseiam em conceitos de CesareLombroso e de Nina Rodrigues acerca da inferioridade da raça negra e de sua potencialidade criminosa. Ao invés de vítimas, os negros são encarados como "agentes criminosos por excelência" e não é por outra razão que os pretos e os pardos estão mais expostos à violência que a população branca. O jovem, negro, entre 15 e 24 anos é alvo potencial das ações de extermínio. Nesse grupo, a taxa de homicídio é de 23 por 100 mil habitantes, enquanto que entre brancos, da mesma faixa etária, o índice apurado é de 6,3 por 100 mil. (2012, p. 01).
Portanto, existe uma clara tendência do braço repressor estatal, que é o sistema jurídico penal, em atuar incisivamente na classe pobre e negra. Esse fato se mostra real desde a forma como o Estado atua perante esta juventude, não dando oportunidades de desenvolvimento digno e ao mesmo tempo, como modo de “reparar os danos” que ele mesmo causou, encarcerá-la para que não cause mais“prejuízos”, principalmente no que se refere aos danos patrimoniais.
É nesse sentido que foi desenvolvida a teoria do labelingaproach, a saber:
Na teoria do labeling approach o enfoque da Criminologia muda e a pergunta passa a ser: por que algumas pessoas são rotuladas pela sociedade e outras não? A tese central desse paradigma é que o desvio e a criminalidade não são uma qualidade intrínseca da conduta e sim uma etiqueta atribuída a determinados indivíduos através de complexos processos de seleção, isto é, trata-se de um duplo processo de definição legal de crime associado a seleção que etiqueta um autor como criminoso. Em razão disso, ao invés de falar em criminalidade (prática de atos definidos como crime) deve-se falar em criminalização (ação operada pelo sistema e sustentada pela sociedade – senso comum punitivo –etiquetamento). (NOBREGA apud BARATTA, 2012, p. 01)
Portanto, se apresenta claro que o sistema penal brasileiro faz um etiquetamento social, em relação à juventude, dos pobres e negros, associando-os ao cometimento de crimes ou agindo de forma muito mais incisiva e estigmatizadora nestes em relação à juventude pobre branca e, em maior grau de discrepância, em relação à juventude rica e branca.
Em razão disto, a teoria da redução da maioridade penal, notadamente não resolve a questão da criminalidade juvenil. Ao mesmo tempo, parece ser uma solução rápida e menos custosa ao Estado, promovendo o encarceramento de inúmeros jovens em detrimento da oferta de políticas públicas satisfatórias ao desenvolvimento humano digno.
Nessa linha de pensamento, complementa Luís Santos que
Encarcerar a nossa juventude é uma postura cômoda, que não resolverá os problemas imediatos e ainda acarretará vários outros, quando estas pessoas foram soltas de verdadeiras escolas de crime que são as unidades prisionais. Diminuir a maioridade penal significa criar um grande problema para a Administração Pública. Além disso, é um ato que vai de encontro à Constituição Federal. (2012, p. 02)
7 MAIORIDADE PENAL E A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO
Sempre que ocorrem crimes bárbaros envolvendo menores de 18 anos como autores dos delitos, a exemplo do caso do garoto João Hélio e do índio pataxó, Galdino Jesus dos Santos, ressurge a discussão sobre a redução da maioridade penal, concentrando-se, exclusivamente, em torno de uma questão: punição.
Discute-se sobre a possibilidade de modificações no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e de seu sistema educacional, de inserção dos infratores no modelo penitenciário e, principalmente, de redução da maioridade penal.
Entretanto, estas propostas não conseguem solucionar a incapacidade administrativa existente para a gestão de estabelecimentos e de medidas socioeducativas ou de assistência. Ademais, não respondem a uma questão central posta pelos professores da Universidade de Brasília, Cristiano Paixão e José Geraldo de Sousa Júnior, em artigo intitulado “Criminalização ou educação: a questão da maioridade penal”: “o que devemos oferecer às nossas crianças e adolescentes?”.
A proposta de redução da maioridade penal leva em conta apenas a figura isolada do indivíduo. Alternativa que surge, então, é a aplicação pelo Judiciário de sanções mais severas em casos considerados graves, o que, na verdade, apenas muda o âmbito da responsabilidade individual do infrator, o qual, agora, passa ao critério discricionário do julgador, que avalia apenas a intenção do autor do delito.
A questão da modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente também não é a principal solução para uma mudança nos índices de criminalidade entre os jovens. O ECA, na verdade, elevou as crianças e os adolescentes ao patamar de sujeitos de direitos como todos os demais cidadãos. Um dos direitos tutelados pelo referido Estatuto é a educação, assunto intimamente relacionado com o adolescente infrator.
Em 2004, o governo federal realizou pesquisa, na qual se observou que 96,6% dos jovens que cometeram delitos não concluíram o Ensino Fundamental. É possível perceber, ainda, que o grau de incidência de infrações está diretamente ligado à carência social das comunidades em que ocorrem.
Segundo Cristiano Paixão e José Geraldo de Sousa Júnior, o motivo principal pelo qual os jovens não são punidos da mesma forma que os adultos é que os primeiros encontram-se em processo de formação e não constituem individualidades isoladas. A conquista da autonomia por estes cidadãos deve ocorrer dentro do meio social, com a convivência em ambiente escolar livre, com o contato a outras culturas, classes e rituais de confraternização. No entanto, poucas crianças e adolescentes possuem a oportunidade de conviver neste ambiente, com o objetivo de terem uma formação social, cultural e escolar sólida. Logo, a conclusão do processo de formação destes jovens se dá de maneira precária, assim como é o grau de autonomia e discernimento que acabam adquirindo.
É sabido que a educação pública está completamente falida, e o que dizer do sistema de recuperação de menores infratores?
Conforme entendimento da psicanalista e professora da Associação de Psicanálise de Curitiba Lúcia Cavancanti:
Se o adolescente pode cometer uma infração, ele também deve responder por seus atos. Assim como ele tem os seus direitos, também deve ter suas responsabilidades, mas a questão que realmente deve ser discutida é: será que a prisão pode reeducar esse sujeito para a coletividade se ele já não respeita a lei?
Para a psicanalista, a prisão não é capaz de reeducar o jovem, que já deveria estar capacitado a reconhecer e aceitar as normas da sociedade. Ao cometer o crime, verifica-se que a criança ou o adolescente não tem esta capacidade de reconhecimento e aceitação de normas, e inseri-lo no sistema prisional não irá educá-lo, assim como não educa um adulto. Lúcia Cavalcanti acredita que a redução da maioridade penal não seria solução para o problema da criminalidade, uma vez que os jovens teriam que ser preparados para a realidade dessa nova lei para que fossem capazes de responder por ela.
Então, é possível verificar que uma das soluções para a diminuição do quadro de criminalidade entre jovens está na realização de processos educativos, que devem ocorrer de forma preventiva, auxiliando nesse reconhecimento e aceitação da superioridade das normas impostas na sociedade. Além disso, os dispositivos pedagógicos e sociais devem ser repensados para que o sujeito possa exercer plenamente seus direitos e convívio social.
Segundo Antonio Carlos Gomes da Costa, pedagogo e um dos redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente, já falecido, a escola tem dois papéis quando se trata do envolvimento de jovem em um ato infracional. O primeiro apresenta-se com o já referido caráter preventivo, com a promoção de uma cultura de paz e tolerância, por meio de uma sólida formação para os valores. O segundo é o recebimento e inclusão do adolescente que já se tornou infrator e retorna à vida de estudante.
O sistema escolar necessita de preparação para o acolhimento dessas crianças e adolescentes infratores, uma vez que a educação é um direito de todos, previsto na Constituição Federal de 1988, não podendo haver a exclusão do jovem que tenha um conflito com a lei.
Para Antonio Carlos Gomes da Costa, é uma grande falha da rede de ensino pública e privada a ausência de capacitação específica de professores, diretores, supervisores e orientadores para lidar com esses jovens em situação de risco. O jovem não pode ser separado do seu meio, devendo a escola ser capaz de acolher o aluno e sua realidade familiar, comunitária e cultural.
Independente das divergências existentes sobre o tema, é inegável que a redução da maioridade penal, por si só, sem a priorização da educação, seja pública ou privada, não obterá efeitos totalmente favoráveis. É necessária uma reforma na educação e na própria sociedade, que, de uma maneira geral, é também responsável pelo acolhimento dos jovens infratores que retornam à vida escolar.
A escola e a comunidade devem favorecer ao jovem uma concepção cidadã do ser humano, para que este tenha a oportunidade de reorganizar a sua vida.
Por fim, como modo de encerrar o tema da importância da educação na vida do jovem, infrator ou não, e a ineficiência da redução isolada da maioridade penal, colaciona-se o seguinte comentário dos professores Cristiano Paixão e José Geraldo de Sousa Júnior:
Assim, a modificação da maioridade, caso implementada, terá um outro desdobramento: oficializará o abismo entre jovens que têm acesso a uma educação de qualidade e aqueles que não têm. Para os excluídos, as escolhas que se colocam numa determinada altura da vida, entre repressão e liberdade, cultura da violência e cultura da paz, alienação e emancipação, serão ainda mais estreitas e irreversíveis. O horizonte de expectativas, que já é reduzido, ficará apenas latente. E o direito perderá irremediavelmente sua conotação civilizatória e humanizante para assumir, de forma definitiva, a feição de uma máquina de vigiar, julgar e punir.
8 CASOS DE CRIMINALIDADE ENTRE MENORES E PONTOS FAVORÁVEIS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Não obstante todos os fatores jurídicos e fáticos que objetam a redução da maioridade penal, a criminalidade entre os menores de 18 anos é real e cada vez mais preocupante.
Os casos em que indivíduos considerados menores para a lei penal têm sido utilizados como instrumento para a prática de crimes por organizações voltadas à este escopo ou que por conta própria lesam os direitos alheios, em ambas as situações tomando-se como vantagem os benefícios estendidos à eles em sua penalização, tem crescido consideravelmente e, de forma inevitável, afetado à sociedade em sua concepção acerca do instituto da inimputabilidade.
Dentre diversos crimes perpetrados por menores, destacam-se aqueles que notadamente demonstram a capacidade da ação cruel e consciente de um indivíduo a quem não poderá ser aplicada as penalidades permitidas por nosso sistema penal em circunstâncias semelhantes, sendo os atos realizados por um imputável.
Dois eventos se destacam no que se refere à crimes de natureza cruel com participação de menores de 18 anos.
O primeiro trata-se do crime perpetrado por Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, levado para a FEBEM em novembro de 2003, depois de matar Liana Friedenbach, de 16 anos, com 16 facadas, e ter desfigurado seu corpo, após violentá-la durante quatro dias. Os demais participantes ajudaram no estupro e executaram o namorado de Liana, Felipe Caffé, de 18 anos. Liana, no entanto, não foi sua primeira vítima, tendo em vista que já havia matado um caseiro conhecido como Bin Laden.
Já dentro da FEBEM, relatou-se que o garoto era perigoso, sem escrúpulos, sem noção de respeito ou sequer capacidade de viver em sociedade, tomando inclusive a liderança quando posto em unidade onde estavam os infratores mais perigosos. Os funcionários que trabalham no módulo em que Champinha estava internado, com 80 internos de alta periculosidade, afirmavam que conheciam muitos detalhes da violência sexual sofrida por Liana, pois Champinha repetia a história quase todos os dias.
Destaca-se também o evento do dia 7 de fevereiro de 2007, ocorrido nas ruas do subúrbio do Rio de Janeiro, que despertou a revolta da população nacional. O garoto João Hélio, de 6 anos de idade, ficou preso ao cinto de segurança após um roubo e foi brutalmente arrastado por sete quilômetros de asfalto. Dentre os três acusados encontrava-se um menor. Este caso efetivamente foi o mote para trazer à tona a discussão sobre a redução da maioridade penal, rechaçando duramente as medidas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no tratamento do menor infrator.
O menor, Ezequiel Toledo Lima, foi preso em 21 de março de 2012, com 21 anos de idade, desta vez por suspeita de roubo de um carro, sendo já procurado por formação de quadrilha, tráfico de drogas e outros roubos.
O aumento nas ocorrências destes ilícitos penais hediondos perpetrados por menores, por vezes a partir de doze anos de idade, fez com que a sociedade exigisse medidas mais eficazes e imediatistas no sentido de inibir este tipo de infração.
Pesquisa realizada até mesmo antes do caso de João Hélio, em novembro de 2005, em 396 municípios de todos os estados,revelou que, se um plebiscito fosse levado à feito à época, a opção pela redução de maioridade penal venceria com larga vantagem. A mudança na legislação foi defendida por 84% dos entrevistados, demostrando ostensivo descontentamento da população com as normas penais aplicadas aos menores infratores.
A redução da maioridade penal, no entanto, deve ser tratada fora do sensacionalismo midiático, sob pena de retrocesso na própria política criminal. A submissão aos apelos sociais poderia levar à sanções absurdas e completamente alheias aos reais problemas jurídicos e sociais.
Por outro lado, é fundamental a compreensão de que as bases do instituto da maioridade penal não podem nem devem se esgotar na esfera jurídica, mas abrange os postulados da psicologia, da sociologia, da política e da economia. E são nestes aspectos que se baseiam também as teorias favoráveis à redução da maioridade penal.
Em outra pesquisa, voltada para a análise circunstancial dos crimes cometidos por menores, feita em cento e trinta processos e tendo por base os registros do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, chegou-se àíndices que indicam uma linha estrutural desta criminalidade específica, conforme indicado abaixo:
a) crimes com maior incidência: roubos, com porte ilegal de armas (40,7%);
b) crimes com maior teor de violência: agressões a tiros e homicídios (45,3%);
c) réus primários de roubos: apenas 6,15% (os restantes eram reincidentes);
d) faixa etária de início da delinquência juvenil: a partir dos quatorze anos;
e) maior frequência de ilícitos penais: a partir dos dezessete anos (31,5%);
f) sexo majoritário dos delinquentes juvenis: masculino (93,8%);
g) cor predominante entre os delinquentes juvenis: mais de 50%;
h) delinquentes juvenis que não vivem com as famílias: apenas 2,3%;
i) delinquentes juvenis que não possuem qualquer escolaridade: apenas 3,1%;
Tais dados permitem concluir que o perfil do menor infrator não é o usualmente utilizado para se argumentar contra a redução da menoridade penal. A maioria dos crimes não ocorre entre aqueles que não possuem amparo familiar ou qualquer oportunidade de educação, levando-se a uma possível conclusão de que outros fatores, mais determinantes, possam estar agregados à criminalidade.
Nota-se, ainda, que na quase totalidade dos casos os infratores restavam reincidentes quando se tratava do crime de roubo, marcado pela subtração patrimonial mediante violência ou grave ameaça, o que é passível de fundamentar a argumentação de que
a punição pouco severa imprime nova ânsia no menor infrator, instando-o a reincidir, pois que pouco ou quase nada lhe custou o cometimento do delito anterior. E aí se forma, então, o círculo vicioso fatal, praticamente irreversível, que estrutura um menor impúbere e delinqüente por acaso, a se transformar no marginal do amanhã, no assassino, estuprador, latrocida, torturador. Mas não é só isso. Incita-o também – caso esse pequeno marginal consiga seguir por outras vias, que não a da criminalidade ostensiva – a se formar no cidadão do amanhã sem ética ou moral, travestido de profissional (em qualquer área) inescrupuloso, em político espertalhão, em criminoso de colarinho branco (LEMFERS; ANAZCO).
Os demais pontos desfavoráveis à atual concepção de maioridade penal concentram-se, majoritariamente, nas críticas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tratando-o como uma legislação defasada, obsoleta e arcaica, que não acompanhou a dinâmica da realidade social e do próprio Direito.
Éder Jorge reforça, também em relação ao resultado da penalidade branda imputada aos menores, que
Não podemos assistir de braços cruzados a escalada de violência, onde menores de 18 anos praticam os mais hediondos crimes e já integram organizações delituosas, sendo inteiramente capazes de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por benevolente que é, não tem intimidado os menores. Como forma de ajustamento à realidade social e de criar meios para enfrentar a criminalidade com eficácia, impõe-se seja considerado imputável qualquer homem ou mulher a partir dos dezesseis anos de idade.
Luiz Flávio Gomes, de forma diversa, não defende a mera redução da maioridade penal, mas entende que as previsões do ECA devem ser flexíveis em casos específicos, apontando que
Uma coisa é a prática de um furto, um roubo desarmado etc., outra bem distinta é a morte intencional (dolosa), especialmente quando causada com requintes de perversidade. Para o ECA, entretanto, tudo conta com a mesma disciplina, isto é, em nenhuma hipótese a internação do infrator (que é medida sócio-educativa voltada para sua proteção e também da sociedade) pode ultrapassar três anos (ou sobrepor a idade de 21 anos)
Julgando arbitrária a imputação de 18 anos, Sandro César Sell refuta a fixação estática da maioridade penal sob a ponderação de que
Arbitrária também era a idade de 21 anos para a determinação da capacidade civil absoluta; notou-se que era inadequada aos novos tempos e se a mudou. Arbitrária também era a idade de 18 anos para poder votar em alguém no Brasil, alguns acharam que os tempos eram outros e baixou-se para 16 anos. Isso significa que há o reconhecimento de que os jovens de hoje podem mais cedo fechar contratos civis, sem a assistência de seus pais, podem decidir sobre inúmeras coisas que antes lhes eram vedadas, podem também votar nos homens que fazem as leis penais, só não podem mesmo é responder por elas.
Por fim, em artigo acerca da matéria, após uma análise dos argumento favoráveis e desfavoráveis comumente ressaltados na questão da redução da menoridade penal, Ciro Calheira Menezes igualmente conclui pela necessidade de uma elasticidade na aplicação da legislação concernente às infrações penais realizadas por menores de idade. Releva o autor, à luz da prática de menores por crimes hediondos:
Embora os crimes hediondos praticados por menores sejam de 2 %, observa-se que a tendência atual é o aumento destes, por sua vez, embora o Estado priorize a ressocialização, não deve olvidar do caráter proporcional da punição.
Em que pese a discrepância muitas vezes presente entre a teoria e a prática, e a necessidade de aperfeiçoamento dos meios de execução da pena, em particular, o encarceramento, que tem mostrado não ser meio apto a “ressocializar”, a dinâmica social solicita, em certos casos, uma reprimenda mais rígida. Contudo, cabe primariamente ao Pode Público patrocinar políticas que visem criar alternativas preventivas, por intermédio da educação, evitando o ingresso do menor no mundo do crime.
Destarte, refuta-se fundamentalmente uma noção imutável de maioridade penal, hoje concebida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Código Penal, que não atende a dinâmica social ou mesmo à particularidade de cada indivíduo, e principalmente no que concerne a prática de crimes tidos como hediondos, por sua própria natureza implicando uma diferente construção psicológica que permitiria a flexibilização da inimputabilidade, de forma à atender concomitantemente os anseios sociais sem deixar de observar os reais preceitos jurídicos e de política criminal presentes no cerne da própria necessidade de uma idade mínima para as penas mais graves de prevenção de liberdade.
CONCLUSÃO
Percebe-se a complexidade do tema maioridade penal, de modo que não pode analisar isoladamente a figura do adolescente autor de crime.
Observa-se que a teoria da redução da maioridade penal, notadamente não resolve, por si só, a questão da criminalidade juvenil. Parece ser uma solução rápida e menos custosa ao Estado, promovendo o encarceramento de inúmeros jovens em detrimento da oferta de políticas públicas satisfatórias ao desenvolvimento humano digno.
Como foi exposto, 96,6% dos jovens que cometeram delitos não concluíram o Ensino Fundamental, conforme constatou pesquisa realizada em 2004 pelo governo federal.
Nesta mesma linha, redução da maioridade não se pode pensar como um fato isolado ou único, dependendo de muitos fatores sociais, econômicos, culturais, éticos, pois não se pode haver uma redução a mudança de consciência da sociedade e dos legitimados para tanto.
Assim, é possível verificar que um dos caminhos para a diminuição do quadro de criminalidade entre jovens está na realização de processos educativos, que deve ocorrer de forma preventiva, auxiliando o reconhecimento e aceitação da superioridade das normas impostas na sociedade.
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[1] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão e pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera - Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHEIRO, Leonardo Fernandes. Criminologia - Maioridade penal sob aspectos jurídicos, psicológicos e sociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51680/criminologia-maioridade-penal-sob-aspectos-juridicos-psicologicos-e-sociais. Acesso em: 22 nov 2024.
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