KARINE A. G. MOTA[1]
RESUMO: A doutrina trava forte debate acerca da comunicabilidade do estado puerperal ao coautor ou partícipe no crime de infanticídio. O Código Penal Brasileiro dispõe sobre o crime de infanticídio, apresentando a elementar do tipo penal estado puerperal, que ao ser recepcionada pelo exposto no artigo 30 do mesmo código, comunica-se ao terceiro concorrente, tornando-se mais leve a pena aplicada a este. De outro modo, correntes defendem que é impossível a comunicabilidade da elementar, por se tratar de crime próprio. Para tanto, foram instituídos instrumentos de coleta de dados por meio de livros, artigos, leis que dispunham de argumentações e diferentes entendimentos acerca do tema, o que trouxe corpo à pesquisa, de modo que, analisado o Projeto de Lei nº. 3.398 de 2004, onde apresenta uma possível reforma na previsão legal, pode-se apresentar uma solução ante a notória injustiça em face da atual penalidade aplicada ao terceiro concorrente do crime em tela, que por sua vez não contempla do estado pessoal da mãe. Dessa forma, não seria mais o terceiro beneficiado pela condição de caráter pessoal da parturiente.
Palavras-chave: Concurso de agentes. Estado puerperal. Infanticídio.
ABSTRACT: The doctrine holds a strong debate about the communicability of the puerperal state to the co-author or participant in the crime of infanticide. The Brazilian Penal Code provides for the crime of infanticide, presenting the elementary of the criminal type puerperal state, which upon being received by the exposed in article 30 of the same code, communicates to the third competitor, becoming lighter the penalty applied to this . Otherwise, currents defend that it is impossible the communicability of the elementary, because it is a crime of its own.For this purpose, data collection instruments were instituted through books, articles, laws that had arguments and different understandings about the subject, which brought body to the research, so that, analyzed the Bill of Law no. 3,398 of 2004, where it presents a possible reform in the legal prediction, one can find a solution to the notorious injustice in the face of the current penalty applied to the third competitor of the crime on screen, which in turn does not contemplate the personal status of the mother. In this way, she would no longer be the third beneficiary of the condition of the parturient's personal character.
Keywords: Contest of agents. Postpartum state. Infanticide.
Este artigo tem por escopo apresentar as discussões que norteiam o crime de infanticídio no que tange ao concurso de pessoas e as elementares elencadas no artigo 123 do Código Penal Brasileiro.
O Código Penal Brasileiro (Decreto-lei nº. 2. 848 de 7 de dezembro de 1940), encontra-se desalinhado no momento em que traz o surgimento de divergências frente a princípios e normas fundamentais instituídos pela Constituição da República Federativa do Brasil. Ao versar sobre o crime de infanticídio, é possível considerá-lo inculto, pois, compromete valores éticos e morais, alcançando toda uma sociedade em que se recrimina tal conduta, o que dá ensejo à diversas formas jurídicas de recepcionar o crime supracitado.
Titulado no artigo 123 do Código Penal, o crime de infanticídio é definido como a morte de um ser nascente durante o parto ou logo após, realizada pela própria mãe em seu estado puerperal, aplicando punição de 2 a 6 anos de detenção. Nessa acepção, o crime de infanticídio está em parâmetro ao crime de homicídio, em que o bem protegido é a vida.
Ainda, para melhor definir o crime de infanticídio, doutrinadores, dentre eles, Fernando Capez, o classifica como crime próprio, doloso, instantâneo, de delito material, uma vez em que apenas a mãe pode ser a autora da conduta praticada em qualquer meio, ação ou omissão, de forma dolosa, sendo consumado o resultado morte, durante ou logo após o parto, do seu próprio filho, ser nascente, sendo somente este o sujeito passivo.
Não obstante, a classificação dos doutrinadores não exclui a possibilidade de coautoria ou participação no crime em tela. Entretanto, as circunstâncias pessoais em que norteiam o crime levantam uma discussão acerca da comunicabilidade das elementares frente ao terceiro que realiza a conduta criminosa.
Ao analisar o Código Penal Brasileiro, percebe-se que são muitas as indagações doutrinárias quanto à hipótese de existir co-autor ou partícipe, uma vez em que traz em sua caracterização como adepta ao estado puerperal apenas sujeito ativo (mãe), considerando que no tempo da ação ou omissão apenas esta poderá encontrar-se influenciada pelo seu estado, devendo o mesmo ser comprovado por perícia. O artigo 30 do mesmo Código, em sua parte final, dispõe sobre a comunicabilidade das elementares perante a participação de agentes, elencando que se as condições pessoalíssimas do crime estiverem estruturadas como elementares, as mesmas comunicar-se-ão com o co-autor ou partícipe, partindo da teoria monista que o Código Penal adotou para nortear o concurso de agentes em determinado delito. Trata-se de uma modalidade especial de homicídio determinada pelo comportamento do sujeito ativo, em que o co-autor ou partícipe é apenado de forma mais branda, sendo beneficiado ao caracterizar-se crime de infanticídio, mesmo perante uma conduta homicida, o que mostra notória injustiça em face da moralidade e integridade do terceiro que contribui para que se realize determinado delito.
Os doutrinadores atuais concordam que o Código Penal admite ao co-autor e partícipe do crime de infanticídio, responder por este crime. Todavia, alguns estudiosos manifestam ser um absurdo jurídico permitir este privilégio a quem não possui as condições específicas exigidas no referido crime. Acreditam ser um atentado a justiça. Portanto, é na esfera da justiça a busca por respostas para entender o que seria justo ou injusto para a situação em tela.
A proposta deste artigo é expor os questionamentos acerca da comunicabilidade da elementar do crime de infanticídio, a fim de desembaraçar as indagações jurídicas e alcançar a solução adequada, no que diz respeito ao concurso de pessoas no crime de infanticídio, expondo as teorias que tratam de suas elementares e penalidades, bem como a sugestão de uma possível reforma legislativa para as indagações, dentro dos levantamentos doutrinários em face do artigo 30 do Código Penal, dando ênfase ao Projeto de Lei nº 3.398 de 2004.
No início dos séculos o crime de infanticídio já apresentava um imenso esboço histórico, que norteava alterações em suas características baseando-se em costumes e valores éticos. Contudo, é possível afirmar que o infanticídio passa por uma evolução quanto à sua figura típica quando se observa a sociedade e a época que anteriormente a representava.
No Período Romano, a conduta realizada pela mãe de matar o seu próprio filho era comparada ao parricídio. Entretanto, se a mesma conduta fosse realizada pelo pai, não se configurava delito, uma vez que o pai tinha total autonomia na vida de seus filhos, dando-lhe o direito de vida ou morte. Logo, no Direito Canônico, o pai era se- veramente punido ao realizar a conduta de matar os seus descendentes.
Na Grécia e Roma antiga, os recém-nascidos que apresentassem alguma deficiência, ou ainda aqueles que pelo rei fossem ordenados, eram mortos. Assim, as crianças podiam ser mortas pelos próprios pais após o seu nascimento.
Nesse sentido Hélio Gomes explica:
Matar ou expor recém-natos, pelos mais variados motivos, entre eles honra, fervor religioso ou deficiência física, foi prática frequente desde a Antiguidade. (...) Na Grécia e Roma Antiga, a criança era propriedade dos pais. Os recém-nascidos normais eram protegidos, porém os defeituosos podiam ser expostos para morrer de fome ou sede; aqueles que pudessem servir de desonra para a família, teriam o mesmo destino. (...) A criança que nascia era levada ao pai que, ao levantá-la nos braços e exibi-la, concedialhe o direito à vida; se a colocasse deitada, decretava sua morte (jus vitae et nescis) (GOMES, 2004, p. 497).
O infanticídio por um longo período de tempo teve definições variadas sendo-lhe cominadas penas diversas, chegando a ter pena de grande severidade, passando por três períodos em que foi possível perceber a forma com que a sociedade se comportava perante o delito e a sua forma de penalização. O primeiro período é marcado por um momento que se permite o infanticídio, enquanto o segundo período vem valorizar a vida do recém-nascido, e o terceiro se finda com a atenção voltada à mulher e seu estado puerperal. (CAPEZ, 2009).
Ainda, nesse sentido Antenor Costa e Galdino Siqueira discorrem da evolução dos três períodos históricos, citados por Irene Muakad:
A evolução do conceito jurídico apresentou três períodos:
1º - Período greco-romano, quando a criança mal formada ou que constituísse opróbrio à família, podia ser morta depois do nascimento pelos pais, uma vez que eram de sua propriedade.
2º - Período intermediário, oposto ao anterior, que punia-se severamente as mães que praticassem o infanticídio, quaisquer que fossem os motivos. 3º - Período moderno, conceito baseado em ideias mais humanitárias, reconhecendo-se certos privilégios (MUAKAD, 2002, p. 216).
Com a chegada do iluminismo, novas idéias vieram respectivamente favorecendo a mulher no infanticídio.
A partir do século XVIII, os filósofos em acordo com o direito natural, através de mudanças nos costumes, influenciaram os legisladores no que diz respeito à relevância do delito. Um dos principais responsáveis por estas mudanças foi Beccaria com o seu livro Dos delitos e das penas, em que trouxe a humanização da pena, bem como, a importância de sua aplicação.
Um dos principais argumentos de Beccaria tratava-se da pena no infanticídio, chamado “honoris causa”. Nesse sentido Beccaria abordava:
O infanticídio é, ainda, o resultado quase inevitável da cruel alternativa em que se acha uma infeliz, ou que apenas sucumbiram só os esforços de violência. De um lado a infâmia, de outro a morte de um ser incapaz de sentir a perda da vida: como não haveria de preferir esse último partido, que a rouba à vergonha, à miséria, juntamente com o infeliz filhinho (BECCARIA, 2001, p. 171).
Consequentemente, o infanticídio passou a ser configurado como modalidade criminosa, uma vez que os juristas perceberam ao longo de sua evolução que ninguém tem direito de tirar a vida de outrem. Ainda, considerar-se-á como espécie de homicídio privilegiado em face do estado da mãe que mata o seu próprio filho. Percebe-se uma constante evolução desde seus primórdios, o que serviu de instrumento para melhor conceituação e sanção do delito.
Após averiguar sobre a evolução histórica do crime de infanticídio e as variadas definições que recebeu nas antigas legislações, para melhor compreensão acerca do estudo, far-se-á uma análise sobre o conceito e suas características no ordenamento jurídico.
O crime do infanticídio está previsto no art. 123 do Código Penal Brasileiro de 1940, onde se observa numa análise superficial do citado artigo, o verbo “matar” como núcleo do infanticídio, o que por sua vez leva à conclusão de que se trata de crime contra a vida de uma pessoa, permitindo ainda destacar outras circunstâncias elementares do tipo penal, como “o próprio filho”, que é descendente da agente criminosa, e “sob a influência do estado puerperal” que é uma situação caracterizada por alterações e transtornos mentais, capazes de alterar temporariamente o psiquismo da mulher previamente sã, levando-a a agir instintiva e violentamente contra o próprio filho durante o seu nascimento ou logo após o parto. Conforme Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 633),
O verbo matar é o mesmo do homicídio, razão pela qual a única diferença entre o crime de infanticídio e o homicídio é a especial situação em que se encontra o agente. Matar significa eliminar a vida de outro ser humano, de modo que é preciso que o nascente esteja vivo no momento em que é agredido [...] (NUCCI, 2009, p. 633).
Verifica-se ainda que este crime tenha promovido inquietações em meio aos especialistas do assunto, graças aos seus elementos objetivos que o diferem do crime previsto no art. 121 do Código Penal, qual seja, o de homicídio. Em meio às discussões, os debates acirram quanto à forma culposa do infanticídio, já que persiste a dúvida quanto à existência de uma perturbação de ordem psíquica na mulher, assim como, quanto à idéia de concurso de pessoas e a inimputabilidade da mãe nas hipóteses da ausência de capacidade de entendimento no momento do crime.
Configura-se como espécie de homicídio privilegiado em face do estado puerperal em que se encontra a parturiente, diminuindo a sua capacidade de similar a circunstância ou ter entendimento perante sua conduta, levando-a a matar o próprio filho. Vejamos o que Fernando Capez explica:
O privilégio constante dessa figura típica é um componente essencial, pois sem ele o delito será outro (homicídio, aborto). Assim é que o delito de infanticídio é composto pelos seguintes elementos: matar o próprio filho; durante o parto ou logo após; sob influência do estado puerperal. Excluído algum dos dados constantes nessa figura típica, esta deixará de existir, passando a ser outro crime (atipicidade relativa) (CAPEZ, 2009, p. 134).
Nesse sentido, a exposição do crime de motivos do Código Penal Brasileiro, traz o seguinte texto:
O infanticídio é considerado um delictumexceptum quando praticado pela parturiente sob a influência do estado puerperal. Esta cláusula, como é óbvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre em uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter essa realmente sobrevindo em consequência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de autodeterminação da parturiente. Fora daí, não há porque distinguir entre infanticídio e homicídio. Ainda quando ocorra a honoris causa (considerada pela lei vigente como razão de especial abrandamento da pena), a pena aplicável é a de homicídio) (VADE MECUM, 2018, p. 496).
É importante ressaltar que o crime de infanticídio era praticado com bastante frequência, em decorrência de a mãe considerar uma conduta menos prejudicial que a conduta de aborto. Diante disso, é de suma relevância diferenciar o crime de infanticídio, de aborto. Portanto, conceitua Capez:
Considera-se aborto a interrupção da gravidez, com a consequente destruição do produto da concepção. Consiste na eliminação da vida intrauterina. Não faz parte do conceito de aborto a posterior expulsão do feto, pois pode ocorrer que o embrião seja dissolvido e depois reabsorvido pelo organismo materno [...] A lei não faz distinção entre óvulo fecundado (3 primeiras semanas de gestação), embrião (3 primeiros meses) ou feto (a partir de 3 meses), pois em qualquer fase da gravidez estará configurado o delito de aborto, quer dizer, entre a concepção e o início do parto [...] pois após o início do parto poderemos estar diante do delito de infanticídio ou homicídio [...] (CAPEZ, 2009, p. 110).
Percebe-se que o crime de infanticídio será realizado enquanto o neonato nasce ou logo após o seu nascimento, enquanto o aborto se dará apenas se o feto for morto antes do momento do parto, o que consiste na exclusão da vida intrauterina, uma vez que o objeto jurídico tutelado é o direito à vida do feto, o que deveria resultar, portanto, na preservação da vida intra-uterina.
O termo infanticídio tem origem latina: infans (criança) e caedere (matar), que juntas significam “dar a morte a uma criança”. De acordo com Cleber Masson:
O infanticídio, que em seu sentido etimológico significa a morte de um infante, é uma forma privilegiada de homicídio. Trata-se de crime que se mata alguém, assim como no art. 121 do Código Penal. Aqui a conduta típica, com pena sensivelmente menor, pelo fato de ser praticado pela mãe contra seu próprio filho, nascente ou recém-nascido, durante o parto ou logo após, influenciada pelo estado puerperal (MASSON, 2010, p. 60).
No mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci, assevera que o Crime de Infanticídio trata-se de uma modalidade de homicídio cometido pela mãe contra o seu próprio filho, quando motivada pelo seu Estado Puerperal, o que acarreta em espécie de homicídio privilegiado. Desse modo, ensina que:
É uma hipótese de homicídio privilegiado em que, por circunstâncias particulares e especiais, houve por bem o legislador conferir tratamento mais brando à autora do delito, diminuindo a faixa de fixação da pena (mínimo e máximo) (NUCCI, 2009 Código Penal Comentado, p. 238).
No entendimento de Rogério Greco, sustenta-se a mesma linha de raciocínio mencionada anteriormente pelos demais, tratando-se de infanticídio como modalidade de homicídio especial:
Analisando-se a figura típica do infanticídio, percebe-se que se trata, na verdade, de uma modalidade especial de homicídio, que é cometido levando-se em consideração determinadas condições particulares do sujeito ativo, que atua influenciada pelo estado puerperal, em meio a certo espaço de tempo, pois o delito deve ser praticado durante o parto ou logo após. (GRECO, 2010, p. 203).
Seguindo o autor, aduz ainda que para se caracterizar o crime de infanticídio, observar-se-á três requisitos em que torna o delito configurado sob condições especiais (GRECO, 2010, p. 217):
1. Que tenha como objeto o próprio filho da parturiente.
2. Que o delito seja cometido sob a influência do estado puerperal.
3. Que seja cometido durante ou logo após o parto.
Portanto, a mãe deverá matar o seu próprio filho, estando influenciada pelo estado puerperal em que diminuirá a sua capacidade de compreender o caráter ilícito do fato, sendo o crime consumado durante ou logo após o parto. O crime de infanticídio pode constituir-se de dois critérios, sendo eles:
a) Critério psicofisiológico – a atenuação da pena leva em consideração o desequilíbrio fisiopsíquico da mulher parturiente.
b) Critério psicológico – a minoração da pena tem em vista especial motivo de honra, como a gravidez extramatrimonial, que gera angústia e desespero na genitora, levando-a a ocultar o ser nascente. É o chamado infanticídio honoris causa [...] (CAPEZ, 2009, p. 104).
O Código Penal adotou o critério psicofisiológico, em que faz alusão ao estado puerperal da mulher, como menciona o artigo 123. Refere-se às perturbações psíquicas, geradas pelo parto, o que resulta em transtornos na mente da mãe, produzindo os sentimentos que a leva a consumar a morte do seu próprio filho. É necessário que a situação sempre seja avaliada por perícia médica a fim de comprovar que a morte do filho se caracterizou realmente pelo estado puerperal da parturiente, considerando a hipótese de frieza e perversidade, caso em que não se dará o “privilegium”. (CAPEZ, 2009)
Sem mais delongas, os conceitos aqui explanados já são suficientes para entender o direcionamento que o crime de infanticídio segue.
Existem dois sujeitos no crime de infanticídio, sendo eles: Sujeito ativo – “É a pessoa que pratica a conduta descrita pelo tipo penal”, e, o Sujeito passivo – “É o titular do bem jurídico protegido pelo tipo penal incriminador, que foi violado”. (NUCCI, 2009, p. 172).
Nesse tópico busca-se delinear o sujeito ativo do crime de infanticídio. Para tanto, parte da leitura do Código Penal, onde é possível verificar que o mesmo é expresso Em prever somente a possibilidade de a própria mãe, sob a influência do estado puerperal, ser o sujeito ativo do crime de infanticídio previsto em seu art. 123.
Guilherme de Souza Nucci conceitua sujeito ativo: “é a pessoa que pratica a conduta do tipo penal [...]”. O mesmo autor explica que a vontade seria elemento de caracterização do sujeito ativo. (NUCCI, 2009, p. 172). Contribui com o entendimento, as lições de Fernando Capez, ao ensinar que “somente a mãe puérpera, ou seja, a genitora que se encontra sob seu estado puerperal, pode praticar o crime em tela [...]”. (CAPEZ, 2009, p. 136).
Rogério Greco (2010) explica que o artigo 123 do Código Penal indicou os sujeitos do crime de infanticídio, tanto o seu sujeito ativo como passivo, caracterizando-o como um delito próprio, “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após [...]”. Sendo assim, apenas a mãe será o sujeito ativo e o próprio seu próprio filho será o sujeito passivo. Por se tratar de crime próprio, duas espécies são possíveis na realização do delito, considerando a possibilidade de concursos de pessoas.
Nesse sentido, o mesmo autor expõe que “tratando-se de crime próprio, [...] o infanticídio admite as duas espécies de concursos de pessoas, vale dizer a coautoria e a participação”. (GRECO, 2010, p. 207).
Cezar Roberto Bittencourt ensina que “somente a mãe pode ser sujeito ativo do crime de infanticídio e desde que se encontre sob a influência do estado puerperal
[...]”. (BITENCOURT, 2009, p. 144).
Veja-se, contudo, que o sujeito ativo é pacífico pela doutrina quando ensina que deverá ser a mãe em seu estado puerperal, por se tratar de crime próprio, o que se limitará sua autoria, pois, para a configuração do delito será necessária essa condição especial psicofisiológica, uma vez que apenas a mãe sofre as perturbações do parto.
Em torno do sujeito ativo a doutrina ainda trava acirradas discussões acerca da possibilidade ou não do concurso de pessoas neste crime, ou seja, em caso da existência de um terceiro, discute-se sobre este ser coautor ou participe no infanticídio ou se responderia por homicídio doloso.
Discussão esta a ser tratada adiante, visto que reflete na pena a ser fixada, já que pelo infanticídio ao terceiro pode ser aplicada pena base entre 2 e 6 anos, e, em se tratando de homicídio doloso a pena cominada estaria entre 6 e 30 anos.
O artigo 123 do Código Penal faz referência ao próprio filho: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante ou logo após o parto”. Este mesmo artigo contempla a possibilidade de serem vítimas do infanticídio, tanto o neonato (aquele que acabou de nascer), quanto o nascente, caso em que o objeto da tutela jurídico-penal recai sobre o ser que está nascendo, (ainda ligado ao vínculo materno, não tendo ainda, vida autônoma).
No crime de infanticídio, Cleber Masson (2010) traz a seguinte definição de sujeito passivo:
É o nascente ou recém-nascido (neonato), dependendo do tempo da prática do fato criminoso, ou seja, durante o parto ou logo após. Em decorrência da inadmissibilidade do bis in idem, não incidem as agravantes genéricas previstas no art. 61, inciso II, e (crime contra descendente) e h (crime contra criança), do Código Penal, pois tais circunstâncias já funcionam como elementares da descrição típica (MASSON, 2010, p. 62).
Por sua vez, Guilherme de Souza Nucci parte do artigo 123 em que o sujeito passivo é o próprio filho, recém-nascido ou ser nascente, considerando o tempo em que o delito acontece “[...] durante ou logo após o parto”. O mesmo autor ensina que sujeito passivo: “é o bem jurídico protegido pelo tipo penal incriminador, que foi violado [...]”. (NUCCI, 2009, p. 174). Ainda nesse sentido, Capez explica:
O art. 123 do Código faz expressa referência ao filho, “durante o parto ou logo após”. Se o delito for cometido durante o parto, denomina-se “ser nascente”; se logo após, “recém-nascido” ou “neonato”. Haverá o delito de infanticídio se for constatado que o feto nascente está vivo. Não se cuida aqui de sua vitalidade, ou seja, a capacidade de viver fora do útero materno, pois tal indagação é indiferente. Basta que esteja vivo, que tenha apresentado o mínimo de atividade funcional [...], sendo certo que a mãe mata um filho nessas condições, sob a influência do estado puerperal, responde pelo delito em estudo. Não obstante isso, a prova da vida humana extra-uterina faz-se comumente através das chamadas docimasias respiratórias, dentre elas a pulmonar-hidrostática [...] podendo-se constatar por essa via a existência de respiração anterior. Além dessas docimasias respiratórias, há outras não respiratórias, como a alimentar (pesquisa microscópica, macroscópica, ou química de vestígios de absorção de alimentos ou outras substâncias pelo neonato. É importante notar que a prova pericial é imprescindível (CAPEZ, 2009, p. 136).
Entende-se, portanto, que o sujeito passivo será o ser nascente, que se configura durante o parto, ou, aquele que possui vida intra-uterina, em que será considerado recém-nascido ou neonato. Também é possível perceber que a lei não faz exigência de que haja vida autônoma, para poder ser vítima de infanticídio.
Assim não resta dúvida, pelo que se abstrai do artigo 123 do Código Penal, que o sujeito passivo no crime de infanticídio, tem que ser sempre o próprio filho (nascente ou neonato). Vale ressaltar que se considera crime a conduta realizada, mesmo em face do filho que possui deformações, pois basta que exista a ligação biológica, não precisando necessariamente que exista vida autônoma. Ainda, é imprescindível salientar que o feto sem vida não configura infanticídio. Assim, se o sujeito passivo já se encontrava morto, considerar-se-á crime impossível.
A vida humana é o bem jurídico protegido, bem como no crime de homicídio, uma vez tutela a norma penal o direito à vida. Portanto, o Estado tem a preocupação e o dever jurídico de preservar a vida do filho desde o momento de seu nascimento.
Nesse sentido, explica Greco:
O infanticídio encontra-se no rol daqueles delitos que têm por finalidade proteger a vida humana. O bem juridicamente protegido, portanto, é a vida do nascente ou neonato. Se a vida é o bem juridicamente protegido pelo delito de infanticídio, o nascente ou neonato são os objetos do delito em estudo, pois que a conduta da parturiente é dirigida finalisticamente contra eles (GRECO, 2010, p. 225).
A objetividade jurídica do crime de infanticídio, discorre sobre o objeto material do delito, a fim de proteger à vida do indivíduo. Portanto, para que a parturiente responda pela conduta, é necessário que o nascente ou neonato encontra-se vivo, o que leva a realizar uma ação que lesa o bem jurídico mais importante, a vida. O crime de infanticídio somente pode ser realizado com dolo. Assim, tem que existir o elemento vontade, em que a parturiente deverá agir diretamente com o intuito de matar o seu próprio filho, tendo consciência a esse fim. Ela deverá agir com dolo direto em que o agente dirige sua conduta a fim de realizar o resultado por ele previsto, ou, até mesmo dolo eventual, em que não se importará com a ocorrência do resultado que será consumado através de sua conduta.
Doutrinadores como Damásio de Jesus, afirmam que se a morte do nascente ou neonato acontecer devido à falta de cuidados da mãe, em seu dever objetivo, o infanticídio é afastado e se dará a esse tipo de conduta o homicídio culposo.
Nesse sentido Damásio de Jesus apud Greco explica:
Não há infanticídio culposo, uma vez que no art. 123 do CP o legislador não se refere à modalidade culposa (CP, art. 18, parágrafo único). Se a mulher vem a matar o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, de forma culposa, não responde por delito algum (nem homicídio, nem infanticídio). A mulher, porém, pode vir a matar a criança, não se encontrando sob a influência do estado puerperal, agindo culposamente. Haverá nesse caso, homicídio culposo, descrito no art. 121, § 3º, do CP (Damásio de Jesus apud GRECO, 2010, p. 224).
Partindo do ensinamento do autor supracitado, em suma, tenta-se afastar a responsabilidade do delito tendo como justificativa o seu estado puerperal, o que na verdade não será aceito, uma vez que a mãe por se ausentar de seu dever objetivo de cuidados ao seu filho, agirá culposamente ao produzir a morte. Portanto, afirmase que o estado puerperal não afasta a tipicidade da conduta realizada por imprudência, imperícia ou negligência da parturiente. Verifica-se que o assunto é bastante polêmico ao tratar-se minuciosamente do crime em que a mãe deverá responder, agindo culposamente, durante o parto ou logo após, e estando sob a influência do estado puerperal. Entretanto, diversos doutrinadores ficam com a tese de que agindo culposamente, mas estando nas modalidades do crime de infanticídio, não responderá por crime algum, considerando a previsibilidade objetiva do delito que é compatível com o estado psicológico da mulher. No entanto, se cometido tal delito de forma culposa, sem a influência do estado puerperal, responderá por crime de homicídio culposo.
Em matéria penal, as doutrinas ao abordarem o tema concurso de pessoas e infanticídio, acabam colocando a mesa o debate acerca da questão da comunicabilidade ou não da elementar sob influência do estado puerperal’ do crime de infanticídio aos co-autores e partícipes.
As discussões persistem principalmente sobre a possibilidade ou não, da transferência do privilégio oferecido à mãe infanticida a terceiro que concorre para o mesmo crime.
O motivo de toda esta discrepância doutrinária dá-se em relação aos artigos 29 e 30 do Código Penal Brasileiro, sendo que o primeiro (artigo 29), prevê que todos, que de qualquer modo concorreram para o crime, incidirão nas penas a este cominadas, no limite de sua culpabilidade, o que significa dizer que todos respondem pelo mesmo crime ao qual concorreram. O fundamento utilizado pelos especialistas do Direito para defender a comunicabilidade sustenta-se no texto do artigo 29, que trata do concurso de pessoas, ao determinar:
Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
§ 1º Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.
§ 2º Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, serlhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.
Já da leitura do artigo 30 do mesmo Ordenamento Jurídico, é possível verificar que o mesmo versa sobre a incomunicabilidade das circunstâncias e das condições de caráter pessoal, deixando a entender que estas só comunicarão aos coautores e partícipes, se elementares do crime.
Nota-se que o crime de infanticídio encontra-se munido de elementares, e que estas o transforma num tipo penal específico. De início verifica-se tratar de um crime de mão própria, ou seja, somente a mãe, sob a influência do estado puerperal, pode cometer a conduta de matar o filho (nascente ou recém-nascido), no parto ou logo após.
Tudo isso leva a observar que nesta figura típica específica, pode acontecer a participação do terceiro na execução do crime ou o seu auxílio, instigação ou indução da mãe infanticida a cometer o delito.
Para melhor compreensão do tema proposto, se oferece algumas distinções entre as circunstâncias, condições e elementares do crime de infanticídio, acerca da comunicabilidade e incomunicabilidade. Para tanto, o presente capítulo trará uma breve abordagem no que tange ao exposto no artigo 30 do Código Penal.
Após compreender, do ponto de vista genérico, os aspectos principais sobre o concurso de pessoas é importante analisá-lo de forma mais especifica em relação ao crime de Infanticídio. A conceituação do que vem a ser concurso de pessoas é encontrada na doutrina. Os artigos 29 e 30 do Código Penal Brasileiro afirmam que o indivíduo que concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas, na medida da culpabilidade, sendo que as circunstâncias e as condições de caráter pessoal não se comunicam. O mesmo não é válido para as elementares que se comunicam. No crime de infanticídio o julgamento de terceiros é um assunto bastante polêmico, visto que o delito em questão é um homicídio especializado por vários elementos, sendo um dos principais a influência do estado puerperal.
Pelo que se observa, tal característica torna o debate doutrinário intenso, em especial quando se trata da coautoria e da participação. Isto por entenderem que a mãe que por estar em estado puerperal e mata o próprio filho recém-nascido após o parto, acaba recebendo pena bastante atenuada em relação à que está prevista no art.121, sendo este um dos motivos que levam muitos autores a sustentar a teoria da incomunicabilidade já que se trata de circunstância de caráter pessoal, e que o puerpério é perturbação físico-mental exclusiva da mãe, não sendo justo que o coautor ou participe fosse favorecido.
Conforme já esclarecido antes, o crime de infanticídio encontra-se previsto no art.
123 do atual Código Penal Brasileiro, e possui elementares que o caracterizam como sendo próprio ativo e passivo. Em outras palavras, significa dizer que trata-se de crime cometido apenas pela mãe, tendo como vítima deste tipo apenas o filho. Ocorre que embora somente a mãe possa ser sujeito ativo principal, há situações em que pode ocorrer que um terceiro venha a realizar o verbo típico (matar) por meio da participação ou, que este concorra para a prática do crime. É nesse contexto que as discussões ganham corpo, em especial quando se indaga quanto ao papel deste terceiro de modo a esclarecer se este seria autor ou partícipe de homicídio ou de infanticídio.
O concurso de pessoas pode ser definido de forma resumida como sendo a participação (consciente e voluntária) de duas ou mais pessoas na execução da mesma infração penal, há um ou vários crimes.
Uma leitura da redação do caput do artigo 29 do Código Penal permite observar que a atuação de autor e coautores resulta na pratica de um crime único, e que, todo aquele que concorre para ele é considerado seu autor, devendo suportar a mesma sanção oponível aos demais.
A disciplina que trata do concurso de agentes considera causa do crime toda ação necessária para sua realização. A par disso, reconhece que o concurso de agentes exige uma convergência de vontades, mesmo não havendo um acerto entre os autores, mas que permite observar a existência de um liame psicológico e uma adesão entre as condutas.
Segundo Guilherme de Souza Nucci, requisitos são necessários para que exista concurso de pessoas, sendo eles: a) existência de um ou mais agentes; b) relação de causalidade material alguns entre as condutas desenvolvidas e o resultado; c) vínculo de natureza psicológica ligando as condutas entre si; (...) d) reconhecimento da prática; e) existência de fato punível; [...] (NUCCI, 2009, p. 368). Para configurar o concurso de pessoas dentre outros, destacam-se os seguintes requisitos: pluralidade de agentes; pluralidade de condutas; relevância causal de cada conduta; liame subjetivo entre os agentes e identidade da infração penal.
a) A Pluralidade de agentes é considerada requisito essencial uma vez que será necessário no mínimo duas pessoas, agindo com esforço conjunto com o intuito de realizar determinada infração;
b) A pluralidade de condutas significa que deve haver condutas de duas ou mais pessoas realizando o fato típico (em coautoria), ou, contribuindo de algum modo para que outrem o realize (participação);
c) A Relevância causal de cada conduta diz respeito à necessidade de que a conduta de levada a efeito por um dos agentes (coautor ou participe) possua relevância para a pratica da infração. Em outras palavras, que seja relevante ou eficaz para a produção do resultado. Assim, não se pode falar em concurso quando a outra conduta é praticada após a consumação do delito;
d) O liame subjetivo (ou vínculo subjetivo) refere-se ao vínculo psicológico que une os agentes para a prática da mesma infração penal. Não existindo esse liame, cada qual deverá responder isoladamente por sua conduta;
e) A identidade da infração penal significa que os agentes devem querer praticar a mesma infração. Os agentes devem querer determinada e escolhida infração penal.
Acerca do concurso de pessoas, interessante se faz trazer as palavras de Guilherme de Souza Nucci, ao afirmar que “trata-se da cooperação desenvolvida por mais de uma pessoa para o cometimento de uma infração penal. Chama-se ainda, em sentido lato, coautoria, participação, concurso de delinquentes, concurso de agentes” (NUCCI, 2009, p. 362).
Essa cooperação de pessoas pode ser verificada na fase de planejamento ou execução do crime, merecendo atenção também compreender como a contribuição pode influenciar para o resultado final.
Enquanto o concurso de pessoas é um fenômeno que pode estar presente em qualquer crime passível de ser cometido por uma única pessoa, o chamado concurso necessário compreende aquele que para ser consumado, precisa, necessariamente da participação de duas ou mais pessoas para cometê-lo. O Código Penal Brasileiro utiliza a teoria por ele adotada, sendo esta a monista, em que todos os agentes responderão pelo mesmo crime, com exceção ao crime menos grave, uma vez que o Código Penal em seu artigo 29, § 2º dispõe que “Se algum dos concorrentes que participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”. A infração penal é um requisito que alcança todos os agentes, devendo cada um responder na medida de sua culpabilidade.
7.2 POSIÇÕES ACERCA DO CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE
O artigo 30 do Código Penal dispõe que as elementares do tipo comunicam-se ao coautor ou participe, salvo se delas não tinham conhecimento no momento da ocorrência do crime. Tal estado aqui descrito, é uma perturbação psíquica que acomete as parturientes durante ou logo após o parto. Ao contrário também existem posições sobre o assunto, que só poderão ser sanadas com uma alteração legislativa.
O crime de infanticídio tipificado no artigo 123 do Código Penal preleciona, sobre a mãe que mata seu próprio filho, durante ou logo após o parto, sob a influência do estado puerperal, sendo punida com pena de detenção de 2 a 6 anos. Nesse diapasão é perceptível a proximidade desse crime com o homicídio, pois ocorre a destruição da vida do ser nascente ou recém-nascido. Porém, com certas condições, pois somente a mãe no estado puerperal comete tal delito.
Doutrinadores e juristas discutem quanto a caracterização do crime de infanticídio, a qual merece total relevância. Esse delito é recepcionado pela legislação brasileira como sendo próprio, onde só a mãe poderá ser o sujeito ativo, e tendo o seu filho apenas o sujeito passivo. Sendo assim, a mãe será privilegiada se estiver no estado puerperal, ao contrário, responderá por homicídio. Contudo, com a sanção penal mais branda, não seria justo esse privilégio de caráter pessoal comunicar com qualquer pessoa diferente da mãe. Diante do exposto, cabe aqui uma indagação, se caso a circunstância pessoal estado puerperal não fosse elementar do tipo penal, o terceiro responderia por infanticídio ou homicídio? Doutrinadores como Damásio de
Jesus, defendem o posicionamento da comunicabilidade da influência do estado puerperal, pois entendem ser uma elementar plenamente comunicável, devido a regra do artigo 30 do Código Penal, concordando que o terceiro deve ser beneficiado nas mesmas circunstancias que a mãe.
Ensina Cézar Roberto Bitencourt em sua obra:
A justiça ou injustiça do abrandamento da punição do terceiro participante no crime de infanticídio é inconsciente para afastar a orientação abraçada pelo Código Penal Brasileiro, que consagrou a teoria monística da ação em seu artigo 29, essa previsão é complementada pela norma do artigo 30, que determina a comunicabilidade da elementar do crime independentemente de se tratar de circunstancias ou condições pessoais (BITENCOURT, 2010, p. 152).
De outro ângulo, os pensadores como Nélson Hungria, Galdino Siqueira, Heleno Claudio, defendem o argumento que o referido estado puerperal não se comunica com o terceiro, devido ser uma condição pessoal e personalíssima da mãe, a quem sofre diretamente os efeitos da gravidez, mudanças hormonais em seu corpo, ou seja, ela é quem está sob efeito puerperal, e por esse motivo o terceiro deveria responder pelo o crime de homicídio.
Segundo Bitencourt:
Nesse caso, sugerimos que o terceiro responda normalmente pelo o crime de homicídio, que foi o crime que efetivamente praticou. Já a parturiente, em razão do seu estado emocional profundamente perturbados pelos efeitos do puerpério não pode ter sua situação agravada. Logo, não pode responder pelo o homicídio a que responde o terceiro (BITENCOURT, 2010, p.154).
Assim, devido inúmeras discussões em parte da doutrina, sobre a comunicabilidade da elementar referente ao estado puerperal, existem três posições a respeito do concurso de pessoas no crime de infanticídio, segundo Rogério Greco. A primeira trata-se da parturiente e o terceiro executa a conduta verbo nuclear do artigo 123, ou seja, ambos em concurso praticam conjuntamente comportamentos no sentido de causar a morte do nascente ou recém-nascido. Já a segunda, somente a parturiente executa a conduta de matar o seu filho, com a participação do terceiro; e a terceira diz respeito quando, somente o terceiro executa a conduta de matar o filho da parturiente, apenas contando com o auxílio dessas. No que tange a primeira posição a mãe e o terceiro, em coautoria, executam o verbo nuclear do tipo penal, sendo assim, e com base na teoria unitária ou monista, autoriza que coautores e participes respondam por um único crime, o que preceitua o artigo 29 caput do Código penal.
Dessa forma, a mãe por estar em condição especial, responderá pelo o crime de infanticídio. Contudo, o coautor nessas condições em testilha, também responderá pelo referido crime, de acordo com o mesmo artigo.
A segunda posição se refere à mãe matar seu filho contando com o auxílio do terceiro.
Nesse cenário, a parturiente que se encontra sob influência do estado puerperal e mata seu filho durante ou logo após o parto, respondendo assim por infanticídio.
Ao que se verifica, os entendimentos que giram em torno do infanticídio são muitos, motivo pelo qual, está longe se esgotar.
No entanto, pode-se perceber que a maioria dos doutrinadores compartilham o entendimento da necessidade do feto nascer vivo e não a sua capacidade de sobrevivência, para que o crime se caracterize. Também permite observar que o período de tempo em que a mulher se encontrar sob a influência do estado puerperal, é uma condição que a acomete logo após o parto, e que, seu diagnóstico justifica uma perícia médico-legal, sendo que a influência do estado puerperal, constitui elementar do crime de infanticídio. Considerando que existem diferentes entendimentos acerca da conduta do terceiro no crime de infanticídio, o que justifica mudanças no Código Penal Brasileiro de modo a preencher a lacuna existente em relação a esta situação.
Com relação ao concurso de pessoas, tema deste trabalho, tem-se que a influência do estado puerperal por ser uma condição personalíssima, não se comunica ao terceiro, por ser de caráter pessoal (artigo 30 do Código Penal).
Muitos doutrinadores entendem que para terceiro responder por homicídio, uma solução estaria em converter o delito de infanticídio para um tipo privilegiado do delito de homicídio. Dessa forma, o estado puerperal e a relação de parentesco passariam a ser consideradas circunstâncias legais específicas de ordem pessoal, e não mais elementares do delito, portanto, incomunicáveis em caso de concurso de pessoas. Rogério Greco também entende a necessidade de se prever o crime de infanticídio no art. 121 do Código Penal, no entanto, tornando-o um tipo privilegiado (GRECO, 2010, p. 233), fazendo com que o referido crime deixasse de ser autônomo e passasse a ser atenuante da pena de homicídio.
As elementares do tipo (ser mãe, matar o próprio filho durante ou após o parto, estado puerperal) passariam a ser tratadas como circunstâncias de ordem pessoal ou subjetiva, caso em que responderia a mãe como autora de homicídio privilegiado, e o terceiro pelo delito do homicídio, como coautor.
Assim não se falaria em comunicabilidade por se tratar de circunstância pessoal da mãe, passando esta a responder por homicídio privilegiado, enquanto o terceiro responderia por homicídio sem atenuantes, tornando justa a sanção penal aplicada a este.
Entende-se que a proposta de mudança do Código Penal, conforme se defende no Projeto de Lei 3398/2004 mostra-se adequada, uma vez que o delito de infanticídio passa a ser submetido ao artigo 121 do referido Código, tornando-se homicídio privilegiado.
O Projeto de Lei 3398/2004 tem por objetivo a alteração do texto legal do Código Penal Brasileiro, especificamente em relação ao parágrafo único do artigo 123, com a proposta da seguinte redação “Parágrafo único. Quem, de qualquer modo, colabora, contribui, instiga, induz ou auxilia a prática do crime previsto no caput, responderá pelo crime do art. 121”.
Como se observa, o projeto apresentado visa afastar a comunicação da elementar do tipo de infanticídio. No entendimento dos legisladores, no concurso de pessoas as condições pessoais de um dos autores se comunicam aos demais, quando forem elementares ou essenciais do tipo. No entanto, entende ser injusta a comunicabilidade no caso de infanticídio.
Pelo entendimento dos autores do projeto de lei, o coautor ou partícipe deve responder pelo tipo previsto no art. 121 do Código Penal, qual seja, homicídio. Justificam a proposta de alteração em razão dos debates doutrinários que envolve o tema, bem como, dos diferentes entendimentos jurisprudenciais quando se trata da participação ou coautoria no infanticídio.
O tipo, da forma como está redigido, obriga, em razão da elementar do tipo, que todos sejam enquadrados naquele crime. No entendimento dos legisladores que propõem a alteração, a medida proposta pelo projeto de lei apresenta-se mais justa, por entender que somente a mãe deve receber o benefício da pena reduzida, em razão de seu estado psíquico alterado, e ainda, que devem responder por homicídio aqueles que alheios a essa condição peculiar da agente, a auxiliam a praticar o delito.
O crime de infanticídio é definido pelo legislador como sendo praticado sob a influência do estado puerperal, e, como pôde ser visto, causa divergências de interpretação da doutrina em razão da omissão do texto de lei que não tipificou em separado a conduta do coautor. Pelo que foi tratado no artigo, entende-se que o privilégio que se concede à mulher foi dado em razão da condição personalíssima de estar em “estado puerperal”, e que esta condição não pode estender-se a mais ninguém, o que leva a entender que qualquer outro que participe do fato deve ser enquadrado em crime de homicídio, que é o que parece-nos mais evidente.
Como foi possível observar, em se tratando de crime de infanticídio, a doutrina trava forte debate acerca da comunicabilidade do estado puerperal ao coautor ou partícipe no crime. Na verdade, o assunto suscita dúvidas quanto à punibilidade efetiva dos agentes que concorrem a esse crime.
Entende-se que não se justifica a comunicabilidade da elementar "estado puerperal" a terceiros, visto que se trata de uma situação que acomete à própria mãe durante ou logo após o parto, e que somente esta está exposta às influências das circunstâncias perturbadoras decorrentes de tal estado, ou seja, ao eleger o critério biopsicológico do estado puerperal, limitando o sujeito ativo a própria mãe do nascente, deixou sem tipificado legal as hipóteses em que a morte é provocada por terceiro, sem a participação da mãe. O estado puerperal não se comunica ao terceiro que concorre ao crime, pois a condição do estado puerperal que fundamenta o privilégio só se realiza na pessoa da mulher que tem o filho, impedindo que se mantenha sob o mesmo título a unidade do crime no qual concorrem os vários partícipes.
Em todos os atos praticados, verifica-se tratar, de forma direta ou indireta de matar alguém, no entanto, somente em relação à mulher, e, em razão da condição particular em que atua, esse matar tomará a configuração do infanticídio, o que leva a entender que para os outros mantém-se o sentido comum da ação de pôr fim a uma vida humana, que é o homicídio.
Entende-se dessa forma, que aquele que concorre para o crime de infanticídio, seja na figura de partícipe ou coautor, agindo juntamente com a mãe puérpera, deve responder por homicídio qualificado, haja vista não possuir, conforme já citado em linhas anteriores, a condição ‘personalíssima’ compreendida pela ‘influência do estado puerperal’.
Desse modo, mesmo que a regra adotada pelo Ordenamento Jurídico brasileiro seja claramente restritiva, não se olvide que existam indícios de falhas no texto legal, levando a questão da comunicabilidade das elementares do crime de infanticídio aos seus colaboradores ser bastante retorquida, o que gera vestígios da presença de aplicação injusta da lei.
Os doutrinadores atuais concordam que o Código Penal admite ao coautor e partícipe do crime de infanticídio, responder por este crime. Todavia, alguns estudiosos manifestam ser um absurdo jurídico permitir este privilégio a quem não possui as condições específicas exigidas no referido crime. Acreditam ser um atentado a justiça. É na esfera da justiça a busca por respostas para entender o que seria justo ou injusto para a situação em tela.
No sábio entendimento de Aristóteles, a justiça nada mais é do que uma abstração, subjetividade esta que precisa ser materializada na norma jurídica. Todavia, existe uma distinção entre o “justo natural” e o “justo legal”, e o que precisa ser compreendido não é apenas o texto da lei e sim a intenção do legislador, para que o justo prospere. (BITTAR, 2005, p 166)
Entretanto, na visão aristotélica e até mesmo dos doutrinadores modernos, a justiça deve prevalecer em detrimento da norma positivada, ou seja, em um caso concreto de concurso de pessoas no crime de infanticídio deve-se analisar se o cumprimento da norma irá ferir um fundamento maior, a justiça. Por fim, ressaltamos as inúmeras sugestões elaboradas pelos doutrinadores com o intuito de reforçar a necessidade de uma alteração da norma para que as divergências sejam sanadas, mas de forma que em um caso concreto de CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE
INFANTICÍDIO, o cumprimento dessa norma não venha ferir um fundamento maior – a justiça. Ante isso, foi analisado o Projeto de Lei nº. 3.398 de 2004, que apresenta uma possível reforma na previsão legal, a fim de solucionar a notória injustiça em face da atual penalidade aplicada ao terceiro concorrente do crime em tela, que por sua vez não contempla do estado pessoal da mãe, de modo que não seria o terceiro beneficiado pela condição de caráter pessoal da parturiente.
Conclui-se que a proposta de mudança do Código Penal, conforme se defende no Projeto de Lei 3398/2004 mostra-se adequada, uma vez que o delito de infanticídio passa a ser submetido ao artigo 121 do referido Código, tornando-se homicídio privilegiado.
A análise de todo o processo de pesquisa revelou que a resolução está ainda distante de ser uniforme.
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb000015.pdf Acesso em 21 Fev/2018;
_____. Dos Delitos e das Penas. Edição eletrônica, Ed. RidendoCastigat Mores, 2001, disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf. Acesso em: 19 Fev/2018;
BITTAR, Eduardo C. B. A justiça em Aristóteles, Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 3ª ed. 2005;
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010;
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, 11º edição. São Paulo. Atlas, 2009;
_____. Curso de Direito Penal: parte geral, 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011;
GOMES, Hélio. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004;
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 12ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2010;
JESUS, Damásio de. Direito Penal Parte Geral. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 1999.
MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. 2ª edição. São Paulo: Método, 2010;
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 7. Ed: São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009;
_____. VADE MECUM. São Paulo: Editora Saraiva. 25ª edição, 2018.
[1] Doutoranda, professora do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins. Imail: [email protected]
Bacharelanda do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRUCH, Jessica Naziozeno. Concurso de pessoas no crime de infanticídio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51746/concurso-de-pessoas-no-crime-de-infanticidio. Acesso em: 22 nov 2024.
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