SUMÁRIO: 1 - Introdução; 2 – Da legitimidade e atuação do parquet na ação civil pública: 2.1. Legitimidade ativa ordinária, extraordinária e autônoma; 2.2. Legitimidade concorrente e disjuntiva; 2.3. Do papel estratégico do Ministério Público na propositura de ação civil pública; 3. Conclusão; 4. Referências.
1. Introdução
Diante da massificação dos conflitos sociais, emerge a necessidade de analisar demandas outrora individualizadas sob uma nova perspectiva, coibindo-se a reiteração de abusos e danos a direitos transindividuais, por meio de mecanismos hábeis a assegurar o acesso à justiça coletiva e da reestruturação dos dogmas do processo civil clássico.
Para cumprir este desiderato, contudo, é necessário examinar, preliminarmente os tipos de legitimidade (ordinária, extraordinária e autônoma), considerando-se que, a atuação judicial do Parquet deve guardar coerência com os direitos e interesses defendidos por meio da ação civil pública e, nesse sentido, as consequências de o ordenamento pátrio ter adotado o modelo da legitimidade concorrente e disjuntiva.
Nesse aspecto, ganha especial notoriedade a atuação cível do Ministério Público, instituição cuja esfera de atribuições ainda se encontra em franca expansão, notadamente se a questão for analisada sob o aspecto da não exaustividade do rol de direitos a serem tutelados pela via da ação civil pública.
Insta ressaltar, no entanto, que apenas com a Constituição de 1988 o Ministério Público adquiriu papel de destaque no Brasil. A Carta da República, nesse sentido, retirou a atribuição do órgão ministerial de representar judicialmente os entes públicos, desvinculando-o do Poder Executivo. Tal modificação, aliás, consagrou maior autonomia aos procuradores e promotores de justiça no exercício de suas funções.
Mesmo sob a influência desse novo panorama, a atuação judicial do Parquet, em sede de tutela coletiva, ainda é alvo de muita celeuma na doutrina e jurisprudência pátrias.
Um desses óbices é, com efeito, o tema do presente trabalho: a possibilidade de formação de litisconsórcio entre Ministérios Públicos Federal e Estadual na propositura de ação civil pública, quebrando-se a tradicional e permanente cultura do isolamento entre segmentos distintos do órgão ministerial.
Tal tema, além de ser extremamente atual, a sua escolha revelou-se assaz prazerosa, considerando-se as diversas polêmicas que o norteiam e, sobretudo, a dificuldade de confrontar os posicionamentos antagônicos e verificar em qual medida persiste e consiste a divergência.
2. Da legitimidade e atuação do parquet na ação civil pública
2.1 - Legitimidade ativa ordinária, extraordinária e autônoma
Inicialmente, é preciso considerar, sobretudo, a evolução da concepção individualista clássica e a existência de direitos transindividuais, para cuja defesa em juízo emerge a necessidade de adoção de mecanismos próprios, com a finalidade de assegurar a maximização de sua tutela e o tratamento uniforme do caso.
Nesse sentido, examina-se, por ora, a natureza jurídica da legitimidade do Parquet no ajuizamento de ação civil pública, seja isoladamente, seja em conjunto com membros de outro ramo do Ministério Público, assim como as razões e os efeitos decorrentes da adoção de cada uma das teorias que serão a seguir expostas.
É de conhecimento comum que a legitimidade ad causam, em teoria geral do processo, juntamente com o interesse de agir, constitui uma das condições da ação.
Na hipótese de não ser identificada esta pertinência subjetiva da ação, o magistrado não poderá apreciar o mérito da causa. Deverá determinar, inclusive de ofício, a extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC.
Desta feita, embora se reconheça a existência formal de uma ação, uma vez consagrada a autonomia do direito de ação, não será possível proferir sentença de mérito, por não possuir o autor a condição de titular do direito material lesado, nos moldes da legitimação ordinária.
Ultrapassada essa delimitação inicial do tema em questão, faz-se necessário observar que a estrutura do processo civil clássica foi concebida sob uma ótica eminentemente individualista, conforme foi pontuado logo acima. Para estes casos, em que o titular do direito lesado é o próprio autor da ação, reconhece-se a legitimidade ordinária, com fulcro no art. 18 do CPC. E, ainda, em corrente mais restritiva defendida por Cândido Rangel Dinamarco, ao qual se reporta o autor Pedro Dinamarco (2001, p. 198), apenas teria legitimidade a parte se a sentença de mérito proferida lhe proporcionar alguma utilidade prática.
Entretanto, as condições da ação só podem subsistir na esfera individual, uma vez que
a concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. 1988, p. 49-50)
Em virtude dessa massificação dos conflitos sociais, Herman Benjamin (1995, p. 73) adverte que se faz necessária uma insurreição contra o processo tradicional, desde que esteja acompanhada por modificações no direito material, sob pena de se tornar inócua e prolongar as injustiças decorrentes do individualismo arcaico.
No que concerne à regra do nul ne plaide par procureur, de acordo com a qual a ninguém é dado, em nome próprio, demandar direito alheio, postulado do processo civil clássico, o autor ressalta o seu total descompasso em relação à realidade econômica e social observada no Século XX, deflagrando-se verdadeira crise no processo civil clássico; afinal
a massificação (mas não só ela) do conflito retira o litígio da esfera exclusiva dos diretamente envolvidos, publicizando-o, levando para o âmbito do público aquilo que anteriormente era monopólio do privado. Tais conflitos começam, então, a ser encarados sob o plano de seu ajuntamento (quantitativo e também qualitativo) e não mais sob a ótica de sua fragmentação subjetiva.(itálico no original) (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. 1995, p. 79)
No entanto, alguns autores, a exemplo de Kazuo Watanabe e Ada Pellegrini, mesmo antes da edição da Lei da Ação Civil Pública, conforme Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2009, p. 196-197), defendiam que haveria uma legitimação ordinária das entidades civis para a defesa de direitos supraindividuais, desde que tais associações estivessem agindo em defesa de seus objetivos institucionais.
Embora tal corrente se restrinja às formações sociais, é possível identificar contemporaneamente autores que atribuem a legitimidade ordinária ao Parquet para a interposição de ação civil pública.
Segundo lição esclarecedora de Carlos Roberto de Castro Jatahy (2006, p. 256), este posicionamento é comungado por ele, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Antônio Cláudio da Costa Machado. Em sua opinião, ao promover a ação civil pública, o Ministério Público age em defesa do interesse público, do qual é titular, enquanto órgão do próprio Estado e da sociedade.
Ainda em defesa da legitimação ordinária, Rodolfo de Camargo Mancuso (2007, p. 123-124) ressalta, em primeiro lugar a condição de res communes omnium dos direitos difusos e, em razão deste fato, afirma que o Ministério Público tem interesse superlativamente qualificado em sua tutela, enquanto instituição co-legitimada.
O mencionado autor, ao relembrar ensinamento de J. J. Calmon de Passos, com o propósito de sustentar a sua tese, salienta que qualquer pessoa, física ou jurídica, desde que legitimada, poderá defender direito cuja apropriação é impossível ou quando é indistintamente fruído por todos, sem apropriação por um agente específico.
Ao meu sentir, os autores que advogam pela legitimidade ordinária do Parquet, ao fundamentar o seu raciocínio, buscaram adaptar as regras do processo civil clássico. Tal tentativa é, no entanto, infrutífera e não se mostra condizente com a essência legitimação ordinária, de acordo com a qual o titular do direito material poderá acionar o aparato jurisdicional para pleitear direito próprio.
Mesmo no caso do Ministério Público, não se pode observar a sua atuação tão somente pelo prisma da defesa do interesse público, ignorando-se que há sempre, por trás disso, pessoas físicas ou jurídicas que foram diretamente afetadas pelo ilícito e poderão, ainda que no bojo de uma ação individual, pleitear a reparação do dano. Nesta última hipótese, estará plenamente configurada a legitimidade ordinária.
Ademais, segundo Carvalho Filho (2009, p. 145), na hipótese de o Ministério Público defender, em juízo, direito institucional do órgão ou de seus membros, não se trataria, na verdade, de ação civil pública, uma vez que estaria ausente atributo essencial à sua qualificação como tal, qual seja, a transindividualidade do direito defendido ou, ao menos, a sua indisponibilidade.
A segunda corrente doutrinária aduz que o Ministério Público, ao promover a ação civil pública, atua em regime de substituição processual. A legitimação extraordinária do Parquet encontra diversos adeptos no cenário nacional[1], para os quais o Ministério Público, como autor da ação civil pública, defende, em nome próprio, direito de que não é titular.
Na verdade, estaria autorizado a exercer tal desiderato por meio do art. 5º da Lei nº 7.347/85, considerando-se que, no sistema processual, delineado no art. 18 do CPC, a legitimação extraordinária depende de expressa autorização legal. O legislador, portanto, ao atribuir a legitimidade ao Parquet desconsidera a titularidade do direito material vindicado em juízo.
A seu turno, José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 144) sustenta que a finalidade da instituição não é compatível com a legitimação ordinária, razão pela qual importaria apenas a autorização legal para que o Parquet substitua processualmente os grupos titulares dos direitos lesados.
Tal sistemática representa um salto de qualidade se comparada com a legitimação ordinária, uma vez que dispensa cada indivíduo de, sozinho, propor ação em face de lesão decorrente de ofensa a direito transindividual.
O objetivo é, sem dúvida, tentar, gradativamente, superar as barreiras objetivas e subjetivas de acesso à justiça. Alerta, contudo, Herman Benjamin (1995, p. 86) que “quanto mais extenso, numeroso e heterogêneo o universo dos tutelados, quanto mais fluido o bem-base, mais difícil sua proteção judicial pelas vias processuais tradicionais”.
Parte da doutrina, no entanto, aduz que a referência a “direito alheio”, expressa no art. 18 do CPC excluiria a legitimação extraordinária nas hipóteses de direitos difusos e coletivos em sentido estrito, em razão da indeterminabilidade dos ofendidos.
Quanto a esse ponto específico, Hugo Nigro Mazzilli (2009, p. 66) argumenta que, em se tratando de ação em defesa de direitos coletivos, em sentido estrito, haveria a pura soma de interesses individuais, de modo que é facultado a cada lesado defender seus direitos uti singuli.
No que concerne aos direitos difusos, ao contrário, o referido autor entende que o legitimado ativo estará em defesa de direitos compartilhados por cada um dos integrantes do grupo de indivíduos lesados, mesmo que tal interesse se encontre diluído na sociedade.
Por fim, há corrente doutrinária a sustentar a legitimação autônoma do Ministério Público, guiada por Nelson e Rosa Nery, para quem o instituto da substituição processual seria válido apenas para o processo civil individual, por meio do qual o legitimado substitui e defende, em nome próprio, direito de pessoa determinada. Nessa trilha, teceram o seguinte comentário:
os direitos difusos e coletivos não podem ser regidos pelo mesmo sistema, justamente porque têm como característica a não individualidade. Não se pode substituir a coletividade ou pessoas indeterminadas. O fenômeno é outro, próprio do direito processual civil coletivo. (NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. 2004, p. 399)
A legitimação autônoma para a condução do processo funda-se na indivisibilidade do objeto da relação jurídica quando estão em disputa direitos coletivos e difusos, compartilhados de modo equânime entre um número determinável ou indeterminável de pessoas.
Tal legitimação manifestar-se-ia, pelo que expuseram Nelson e Rosa Nery, apenas nas ações civis públicas que versem sobre direitos difusos e coletivos, de modo que, para a tutela de direitos individuais homogêneos, permaneceria a legitimação extraordinária.
A propósito, Marinoni e Arenhart (2009, p. 301) sustentam que as peculiaridades do processo coletivo impedem a aplicação indiscriminada das noções inerentes ao processo civil clássico, mesmo no que atine aos direitos individuais homogêneos. A perspectiva individualista consbustanciada na expressão “direito alheio”, extraída do art. 18 do CPC[2] não pode ser transplantada para o processo coletivo.
A noção de direitos transindividuais, como é óbvio, rompe com a noção de que o direito ou é próprio ou é alheio. Se o direito é da comunidade ou da coletividade, não é possível falar em direito alheio, não sendo mais satisfatória, por simples consequência lógica, a clássica dicotomia que classifica a legitimidade em ordinária e extraordinária. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. 2009, p. 301)
O fato de ainda não se ter categorizado instituto diferente a se opor à legitimação autônoma não reduz a importância desta, tampouco lhe retira a validade. Pelo contrário, apenas reforça a necessidade de trazer um novo modelo que supere a tradicional dualidade entre legitimidade ordinária (direito próprio) e legitimidade extraordinária (direito alheio), ambas relacionadas à concepção individualista do processo civil clássico.
A legitimação autônoma, portanto, mostra-se mais consentânea com a sistemática do processo coletivo e com a necessidade de conferir amplo mecanismo de tutela aos legitimados.
Necessário é examinar se a legitimação concorrente e disjuntiva criaria obstáculos à atuação conjunta entre ramos diversos do Ministério Público.
Convém, inicialmente, registrar que a legitimação para a propositura de ação civil pública, de acordo com a doutrina pátria[3], é concorrente, na medida em que o art. 5º da LACP e o art. 82 do CDC, expressamente, estabelecem mais de um ente legitimado, autorizando qualquer um deles a defender em juízo os direitos ou interesses coletivos, em sentido lato.
Alessandra Mendes Spalding (2006, p. 115) demonstra que todos os entes legitimados concorrem em igualdade para a propositura da ação.
Tanto é assim que a própria Constituição Federal, em seu art. 129, III, não admite, mesmo implicitamente, que o Ministério Público detenha legitimação privativa ou exclusiva para propor a ação civil pública, pelo que bem lembrou Hugo Mazzilli (2009, p. 333).
Também é considerada disjuntiva a legitimidade ativa na ação civil pública. Deste modo, todos os legitimados a promovê-la são considerados como a mesma pessoa. Assim, esclarece Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr (2009, p. 207) que cada co-legitimado poderá ajuizar a ação civil pública, independentemente da vontade dos demais e, caso algum co-legitimado queira ingressar em ação já proposta, admite-se a formação de litisconsórcio.
Em suma, por ser disjuntiva a legitimidade, admite-se a participação de todos os co-legitimados em litisconsórcio facultativo na ação civil pública, embora isso não se afigure essencial, como lembra João Batista de Almeida (2008, p. 262).
Em decorrência disto, se dois legitimados ajuízam, cada um, ação civil pública, com mesma causa de pedir e pedido, caberá ao magistrado reconhecer a litispendência[4] entre elas. O último efeito decorrente dessa característica é, resumidamente, o seguinte: se a ação civil pública foi julgada procedente, qualquer co-legitimado pode propor a sua execução; se improcedente, qualquer um dos entes poderá recorrer.
1.3. Do papel estratégico do Ministério Público na propositura de ação civil pública
Conforme adverte Hugo Nigro Mazzilli (2009, p. 325), quando foi editada a Lei da Ação Civil Pública, existiam muitas ressalvas quanto à atribuição de legitimidade ativa ao Ministério Público, com grande influência do pensamento de Mauro Cappelletti, à época, espelhando-se na pouca tradição cível do Parquet europeu.
A Constituição de 1988, porém, erigiu o Ministério Público à condição de instituição independente e essencial à prestação jurisdicional, atribuindo-lhe a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos e o seu distanciamento em relação ao Poder Executivo.
Nesse sentido, Antônio Herman Benjamin (1995, p. 140-148) disserta sobre os avanços da atuação do Parquet na defesa do consumidor e do meio ambiente, destacando, sobretudo, a criação de promotorias especializadas, a aperfeiçoar o serviço prestado à sociedade.
Além de afirmar, peremptoriamente, que o Ministério Público é o órgão mais bem aparelhado para promover a tutela judicial de interesses supraindividuais, João Batista de Almeida (2008, p. 281-282) assinalou também que tal instituição atua, não apenas quando provocada, mas age inclusive de ofício, tão logo algum de seus membros tome conhecimento de fato enquadrado dentre os seus afazeres institucionais.
Caberia questionar, então, sobre a existência de uma possível legitimação prioritária conferida ao Ministério Público pela Lei nº 7.347/85.
Com esteio no ensinamento de Hely Lopes Meirelles, Carvalho Filho (2009, p. 146) ressalta que os arts. 6º[5] e 7º[6] da referida lei indicaram a instituição como destinatária de peças para instruir a ação e das representações efetuadas pelos servidores públicos e pela população, de um modo geral, sem mencionar quaisquer outros co-legitimados.
Tais dispositivos merecem ser severamente criticados, por conferir tratamento desigual aos entes legitimados, na medida em que apenas se referem ao Ministério Público como órgão destinatário, em primeiro lugar, das representações oferecidas por particulares e servidores públicos, assim como dos ofícios encaminhados por magistrados a noticiar eventuais ilicitudes detectadas no exercício de suas funções.
Ainda que se reconheça a proeminência do Ministério Público, não há qualquer justificativa plausível para este discrímen legal, desfavoreçando, sobretudo, as associações civis, as quais, em virtude da sua especialidade em determinada temática, teriam condições suficientes para ajuizar a ação civil pública, tal qual faria o Ministério Público. Há que ser feita, portanto, uma interpretação extensiva de tais dispositivos, a fim de beneficiar igualmente os demais legitimados com as prerrogativas neles previstas.
Por outro lado, a atribuição de legitimidade exclusiva ao Ministério Público para a propositura de ação civil pública, assim como ocorre em Portugal, consoante doutrina de Inacio de Carvalho (2005, p. 69-70), não seria desejável, por configurar uma verdadeira distorção da realidade. Afinal, não se poderia desconsiderar que, nas ações coletivas, se mostra necessária a participação espontânea da sociedade, por meio de um processo de reivindicação de seus próprios interesses e anseios.
Nesse ínterim, Marilena Lazzarini (2006, p. 159-160) reforça o objetivo de fortalecer a sociedade civil organizada, cujos membros possuam conhecimento técnico, independência e isenção para se contrapor, em condições de igualdade, ao réu. A autora destaca o papel do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), ao propor cerca de 260 ações civis públicas. Adverte, contudo, que mais da metade delas foi extinta sem apreciação do mérito pelo Judiciário.
7. Conclusão
Por todo o exposto, urge reconhecer que as premissas individualistas fixadas no Código de Processo Civil, por meio da legitimidade extraordinária, revelam-se, pois, inadequadas e insuficientes para conferir legitimidade aos entes arrolados na Lei nº 7.347/85, porquanto o legitimado não estará defendendo direito alheio em nome próprio, já que não se pode identificar o titular desse direito, dada a sua transindividualidade.
Trata-se, portanto, de legitimação autônoma porque a Lei da Ação Civil Pública, considerando a inevitável distorção do sistema de processo coletivo caso cada um dos titulares do direito lesado decidisse ajuizar ação individual e as dificuldades práticas disso decorrentes, determinou aos entes legitimados a incumbência de defender os direitos coletivos, conduzindo a relação jurídico-processual.
Nesse quadro, não se questiona que o Ministério Público detém o melhor aparelhamento estrutural e membros altamente capacitados; é imprescindível, porém, aprimorar os mecanismos de participação social, estimulando o espírito associativista e a capacidade de organizações civis litigarem em juízo, sem que sejam levadas ao descrédito.
Ao analisar a legitimação do Ministério Público para a defesa de direitos supraindividuais, Nelson Nery (1996, p. 357) ressalta a tendência legislativa no sentido de ampliar a legitimidade não apenas do Parquet, mas também dos demais co-legitimados, alargando sempre que possível e necessário a tutela dos direitos metaindividuais.
Por último, relevante trazer à baila os dados publicados por Mazzilli, para que se tenha uma breve noção, não obstante as peculiaridades subsistentes em cada Estado, da atuação do Ministério Público na propositura de ação civil pública, se comparado com outros co-legitimados:
Em outubro de 2002, na área de interesses transindividuais, o Ministério Público paulista recebeu 955 representações, das quais arquivou 151; tinha em andamento 4.586 protocolados, 11.786 procedimentos preparatórios, 7.709 inquéritos civis; celebrou 240 compromissos de ajustamento. Das ações civis públicas em andamento, 8.643 eram de sua iniciativa, enquanto que apenas 842 tinham sido ajuizadas por terceiros – ou seja, 91,12% de ações a cargo do Ministério Público e 8,88% de ações movidas pelas co-legitimados (DOE, Seç. I, 27-02-03).(MAZZILLI, Hugo Nigro. 2009, p. 331)
8. Referências
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico. Apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Édis (coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85 – Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
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[1] Dentre os adeptos da legitimação extraordinária, é possível mencionar os seguintes autores: Teori Albino Zavascki (2011, p. 63-64), Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2009, p. 202), Hugo Nigro Mazzilli (2009, p. 67), José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 124), Pedro da Silva Dinamarco (2001, p. 204) e Emerson Garcia (2008, p. 295).
[2] Art. 6o Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
[3] Dentre as obras pesquisadas para a elaboração do presente trabalho, mencionaram sobre a classificação em comento João Batista de Almeida (2008, p. 262), Alessandra Mendes Spalding (2006, p. 115-116), Hugo Nigro Mazzilli (2009, p. 332-334), Pedro da Silva Dinamarco (2001, p. 206), Rodolfo de Camargo Mancuso (2007, p. 110), Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2009, p. 206-207).
[5] Art. 6º Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.
[6] Art. 7º Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do Trabalho pela ESMATRA 6. Servidora Pública Federal - TRT da 6ª Região<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSIMIRO, Andrezza Albuquerque Pontes de Aquino. Legitimidade e atuação estratégica do Ministério Público na Ação Civil Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51842/legitimidade-e-atuacao-estrategica-do-ministerio-publico-na-acao-civil-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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