Resumo: A presente obra debruça-se sobre a questão dos honorários advocatícios sucumbenciais regulamentados pelo CPC/15. Nomeadamente, a análise recairá sobre o art. 85, § 3, o qual estabelece parâmetros mínimos e máximos para a fixação de honorários nas causas em que a Fazenda Pública for parte. Este estudo planeja debater o seguinte problema: a condenação da Fazenda Pública em honorários advocatícios nos termos do art. 85 do CPC/15 é razoável e proporcional? O problema mostra-se relevante na medida em que a nova legislação pode onerar demasiadamente os cofres públicos, prejudicando toda a sociedade. Ainda, pode contribuir para a sedimentação do entendimento sobre a matéria, propiciando maior segurança jurídica a futuros litigantes. Adotou-se a metodologia qualitativa, mediante revisão bibliográfica e consulta de leis e decisões judiciais para se discutir a adequação do art. 85 do NCPC aos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, compreender o processo de elaboração do CPC/15 e demais aspectos históricos, bem como identificar, se existentes, correntes doutrinárias e jurisprudenciais uniformes. A partir da consecução dos objetivos propostos buscou-se obter uma resposta juridicamente embasada sobre a validade da seguinte hipótese: a redução dos honorários advocatícios propostos pelo CPC/15 nas causas em que a Fazenda Pública for parte adéqua-se aos preceitos constitucionais e demonstra-se como a medida mais apropriada para proteção do interesse público.
Palavras-chave: Fazenda Pública; Honorários sucumbenciais; Proporcionalidade; CPC/15; Processo Civil.
Sumário: Introdução. 1. A advocacia e os honorários. 2. Breve histórico. 3. Modalidades de honorários no direito brasileiro. 3.1 Honorários de sucumbência. 4. Honorários Sucumbenciais no Novo Código de Processo Civil. 5. A Fazenda Pública em Juízo. 6. Condenação da Fazenda Pública em honorários sucumbenciais no CPC/15. 7. Os critérios do interesse público e da proporcionalidade. 8. A questão da flexibilização da regra de honorários pelos órgãos judiciais. Conclusão. Referências bibliográficas.
É sabido que os honorários advocatícios possuem natureza alimentar, gozando de especial proteção devido à sua importância para o sustento do advogado e de seus dependentes. Também é inconteste a necessidade de valorização do trabalho do procurador, tendo em vista a exigência técnica e a disposição de tempo e de recursos para realização do mesmo.
Entretanto, especificamente no tocante à condenação da Fazenda Pública, em certas ocasiões, o engessamento dos honorários estipulado pelo art. 85, § 3 do CPC/15 pode causar uma subversão do princípio constitucional da proporcionalidade e demonstrar-se mais prejudicial à coletividade do que benéfico aos advogados.
Existem processos judiciais em que o valor da condenação/causa/proveito econômico não guarda relação direta com a complexidade do feito, como exemplo podemos citar as execuções fiscais. Assim, seria proporcional a fixação de honorários em montantes elevadíssimos, até mesmo milionários, especialmente quando a parte condenada for a Fazenda Pública cujo patrimônio é alimentado pela coletividade?
No pouco tempo de vigência do novo código processual já se formaram entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que divergem da literalidade da lei. É a partir da análise destes posicionamentos e dos dispositivos legais e constitucionais pertinentes que esta obra busca responder ao questionamento destacado.
A advocacia, pública ou privada, é uma função essencial à justiça conforme preceituado na Carta Magna de 1988. O art. 133 do diploma constitucional e o art. 2º do Estatuto da advocacia (Lei 8.906/94) declaram em uníssono que “o advogado é indispensável à administração da justiça”.
De fato, a atividade do advogado é primordial para a consecução da justiça em seus mais diferentes aspectos, não só do ponto de vista formal para atender ao regulamento vigente, mas principalmente pela feição material, uma vez que a defesa adequada de interesses em juízo depende de um trabalho técnico especializado, a ser concebido por alguém que tenha experiência e conhecimento na área do Direito.
Assim, se tratando de uma profissão como outra qualquer, é através do exercício da advocacia que o advogado retira seu sustento. As verbas percebidas pelos advogados são chamadas honorários e possuem a mesma proteção que os salários e verbas trabalhistas, dada a sua natureza alimentar. Tal entendimento é expresso no art. 85, § 14 do Código de Processo Civil (Lei 13.105/15):
Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.
Explicando melhor a natureza alimentar dos honorários, Fernando Jacques Onófrio (apud Passos) nos ensina:
Na verdade, o que confere o caráter alimentar aos honorários é a finalidade a que os mesmos se destinam: manutenção, moradia, educação, lazer, alimentos e outras a que os honorários possam suprir, de forma semelhante aos salários.
Na mesma toada Estefânia Viveiros e Luiz Henrique Volpe Camargo (apud Passos) complementam:
A título de exemplo, o advogado privado tem despesa com o imóvel onde está instalado seu escritório, tem despesas com telefone, água, luz, internet, impostos, locomoção, material de escritório, impressoras, computadores, aparelhos de fax, com o salário de secretárias, auxiliares administrativos, equipe de informática, com outros advogados colaboradores, enfim, com uma grande estrutura sem a qual é impossível exercer o ofício. Além de fazer frente a todas essas despesas, os honorários também são fonte de subsistência do advogado e de sua família. Sua vida se move a partir dos honorários que recebe. Em suma: os honorários são fonte alimentar de qualquer advogado.
A atividade de advocacia remonta à aurora das civilizações. A partir do momento em que os homens passaram a se organizar em grupos sociais, o surgimento de conflitos mostrou-se inevitável. Para solucionar tais lides os homens desenvolveram sistemas de justiça, substituindo os embates físicos pela argumentação racional, outorgando o poder de decisão a terceiros não interessados no conflito.
Em seus primórdios, na Roma antiga, a atividade forense não era monetariamente remunerada e por isso era apenas exercida pelos financeiramente estáveis, os quais participavam dos debates em troca de honrarias e títulos.
Com o desenvolvimento do sistema de justiça, as técnicas argumentativas também foram evoluindo e passaram a exigir do seu operador uma maior especialização, elevando, simultaneamente, o valor de seu trabalho. Dessa forma, aqueles que defendiam os direitos de outros perante a autoridade julgadora passaram a receber uma contraprestação pecuniária, instituindo-se uma nova profissão.
No Brasil, inicialmente o advogado exercia um ministério público, não remunerado. Apenas em 1874, por meio do regimento de custas estabelecido pelo Decreto nº 5.737, permitiu-se ao advogado a contratação de honorários. No presente momento, os honorários são regulamentados pelo Código de Processo Civil e pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Atualmente a legislação pátria prevê três espécies, autônomas entre si, de remuneração do trabalho do advogado: os honorários contratuais ou convencionados, os fixados por arbitramento judicial e os de sucumbência. Assim está redigido o art. 22 do Estatuto da advocacia: “a prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”.
Os honorários convencionados são aqueles acordados entre o procurador e a parte nos termos de um contrato civil de prestação de serviços. Trata-se de um contrato sinalagmático pelo qual o representado se obriga a pagar uma quantia certa em contraprestação aos serviços efetivamente realizados pelo advogado.
A fixação dos honorários contratuais é um exercício de ponderação de forte conteúdo subjetivo, uma vez que envolve valores como o prestígio profissional, a qualificação, o tempo de experiência, a dificuldade da matéria, os recursos do cliente, o valor da demanda, etc.
Os honorários fixados por arbitramento judicial, por sua vez, são uma espécie subsidiária positivada em nosso ordenamento para garantir que o advogado receba uma remuneração fidedigna pelo seu trabalho. Apenas diante da ausência de estipulação contratual prévia (honorários convencionados) deverá o juiz arbitrar os honorários nos termos do art. 22, § 2º do EOAB:
Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB.
A derradeira modalidade de remuneração é aquela que mais interessa a essa obra: os honorários sucumbenciais.
Os honorários sucumbenciais são informados pelo princípio da causalidade, ou seja, são devidos pela parte que deu ensejo à propositura injustificada da ação, resistindo a uma pretensão sem respaldo no direito material ou que por outro motivo movimentou a máquina judiciária quando não era necessário.
Segundo Paulo e Silva (2016, p. 683):
Esta verba, na sua acepção atual, tem como principal finalidade possibilitar justa remuneração do(s) advogado(s) patrocinador(es) da parte vencedora, a servir como prêmio pela sua ‘atuação vitoriosa’. Não se pode negar, todavia, que ela também inibe o exercício abusivo do direito de ação.
Os honorários de sucumbência são fixados pelo juiz no momento da decisão e não excluem os honorários contratuais ou arbitrados, nem com estes se confundem, conforme se depreende do art. 35, § 1º do Estatuto da OAB: “Os honorários da sucumbência não excluem os contratados, porém devem ser levados em conta no acerto final com o cliente ou constituinte, tendo sempre presente o que foi ajustado na aceitação da causa”.
Ainda que tais honorários só sejam devidos ao advogado da parte não sucumbente e sua origem estar relacionada com a ideia de ressarcimento e punição (medida educativa), não se deve assumir que possuam natureza diversa daquela dos honorários contratuais ou arbitrados. Pode-se imaginar que tais verbas signifiquem apenas um bônus, mas os honorários de sucumbência integram a remuneração do advogado e são essenciais para sua subsistência, gozando da mesma proteção que os demais em razão de sua natureza alimentar.
Recentemente, em 2015, o Superior Tribunal Federal pacificou o entendimento de que os honorários sucumbenciais possuem natureza alimentar ao editar a Súmula Vinculante nº 47:
Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza. (grifo nosso).
O Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) delimitou as regras atinentes ao pagamento de honorários sucumbenciais em seu art. 85.
O caput do citado artigo é bastante sucinto: “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. A grande inovação desse comando normativo está no direcionamento dos honorários ao advogado do vencedor, enquanto que o código anterior se referia diretamente às partes. Essa alteração é de significativo valor, uma vez que a redação do diploma anterior foi alvo de muita controvérsia acerca da titularidade dos honorários sucumbenciais. Agora, resta pacífico que os honorários pertencem ao advogado do vencedor, o que reforça sua natureza remuneratória e alimentar.
Em relação aos parâmetros balizadores para a estipulação dos honorários, o CPC/15 reproduz no art. 85, § 2o os mesmos critérios elencados no art. 20 do CPC/73:
CPC/15
Art. 85
§ 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Ao estabelecer tais elementos objetivos e subjetivos, a lei processual delimita a atuação do juiz com vistas a evitar prejuízos para qualquer das partes, sem onerar demasiadamente a sucumbente nem menosprezar a atividade do patrono vencedor com uma remuneração irrisória. Ainda, busca-se uma valorização adequada do trabalho do advogado, de forma a refletir o nexo causal entre o real empenho e qualidade do serviço prestado e o sucesso no resultado do processo.
No entanto, para relações processuais diferenciadas, são necessárias regras diferenciadas. Por isso, o art. 85 traz um parágrafo específico tratando das causas em que a Fazenda Pública for parte. É neste momento que a presente obra passa a adotar um viés crítico ao analisar as mais recentes repercussões do tema no mundo jurídico.
O tema “a fazenda pública em juízo” é alvo eterno de discussões acaloradas que extrapolam os círculos dos operadores do Direito e espalham-se pela sociedade. As opiniões sobre o tema costumam ser contundentes e bastante polarizadas. Esse cenário, como não poderia ser diferente, teve notáveis reflexos no processo de elaboração do novo CPC e continua fomentando debates nestes primeiros anos de vigência do código.
Antes de examinar o tratamento diferenciado dispensado à Fazenda Pública em juízo, faz-se necessário determinar que órgãos/entidades integram o conceito de Fazenda Pública.
Peixoto (2016, p. 1089) sintetiza as pessoas jurídicas integrantes da Fazenda Pública da seguinte maneira:
a) os entes da Administração Pública direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios); b) as autarquias e fundações públicas, exceto, quanto às primeiras, se exercerem atividade privada (econômica); c) as empresas públicas e as sociedades de economia mista, se desempenharem serviço público próprio do Estado; d) as agências reguladoras; e) os consórcios criados sob a forma de associações públicas; f) e os conselhos de fiscalização profissional.
É fácil notar que estatisticamente a Fazenda Pública é a parte mais presente nas relações processuais no Brasil. Essa constância culminou na necessidade de regramentos específicos que se amoldassem ao tamanho da máquina pública e sua burocratização, de forma que seu objetivo maior, a proteção do interesse público, pudesse ser atingido. Tal tratamento diferenciado chega a parecer um sistema processual próprio, típico para as lides envolvendo a Fazenda, observa Peixoto (2016).
Dentre os privilégios processuais fazendários estão a prerrogativa de citação pessoal, prazos dilatados, reexame necessário, impenhorabilidade de bens e honorários diferenciados. Sobre este último item debruçar-se-á o presente estudo adiante.
Embora tais prerrogativas sejam duramente criticadas por alguns doutrinadores, por grande parte dos advogados privados e até mesmo por magistrados e pela sociedade em geral, há de fato uma razão para que existam.
As regras processuais diferenciadas para a atuação do ente público é decorrente do princípio constitucional da isonomia, pois os que se encontram em situações desiguais devem ser tratados na medida de suas desigualdades. A multitude de processos e a burocratização da máquina pública dificultam em muito a atuação de seus representantes em juízo, de forma que as prerrogativas não asseguram vantagens propriamente ditas, mas permitem que esta concorra em condições de igualdade com o particular.
Além das dificuldades na atuação do representante fazendário em juízo, não se pode esquecer que quando o ente público é parte em uma demanda, o interesse de toda a sociedade está em juízo, diferentemente das lides entre particulares. Peixoto (2016, p. 1090) descreve muito bem essa condição singular da Fazenda Pública:
A fazenda não deve ser vista como simplesmente mais uma pessoa jurídica, já que possui dimensão tão profunda que veda seja vista como um ente jurídico a disputar, com outros, interesses individualizados. Não há que se imaginar vinculação entre a Fazenda Pública e propósitos egoísticos, singularizados. Se cabe à Fazenda Pública velar pelo interesse público, e este deve ser colocado em posição de supremacia em relação aos interesses privados, não há inconstitucionalidade ou ilicitude em se conferir prerrogativas aos seus entes quando da atuação junto ao Poder Judiciário.
Em relação aos valores de honorários sucumbenciais nas causas em que a Fazenda Pública for parte, disciplina o Código de Processo Civil de 2015:
CPC/15
Art. 85
§ 3o Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2o e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
O CPC/15, assim como qualquer lei, não é capaz de satisfazer os anseios de todas as categorias ou grupos sociais, mas pode-se afirmar que seu processo de elaboração foi talvez o mais democrático da história do Brasil. Muitos foram os debates, fóruns e audiências públicas que permitiram uma ampla participação da população e das classes interessadas.
Em meio a tais debates, a classe dos advogados privados exerceu notável pressão por mudanças nas regras de condenação da Fazenda em honorários advocatícios. A grande indignação se dava pelo fato das decisões judiciais fixarem valores aviltantes de honorários, por vezes muito inferiores a 1% (um por cento) do valor da causa.
Ocorre que sob a vigência do CPC/73, havendo condenação da Fazenda Pública os honorários sucumbenciais deveriam ser fixados por apreciação equitativa do juiz, baseado nos critérios de avaliação do trabalho do advogado (atual art. 85, § 2º do CPC/15), sem, contudo impor limite mínimo.
CPC/73
Art. 20
§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)
a) o grau de zelo do profissional; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)
b) o lugar de prestação do serviço; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)
c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)
§ 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior. (grifo nosso).
De fato, muitas vezes os magistrados decidiam por valores irrisórios, como bem observam Silva e Paulo (2016), bem inferiores aos percentuais com que são remunerados outros profissionais que atuam nos processos, como por exemplo, os leiloeiros, cuja participação é em regra 5% do valor da alienação.
Neste cenário, movimentos de classe irromperam em todo o Brasil durante a fase de elaboração do projeto de lei do novo código, dos quais podemos destacar a campanha “Honorários Advocatícios não são Gorjeta” da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).
Pois bem, os advogados tiveram sua voz ouvida e embora o CPC/15 ainda promova um tratamento diferenciado para a Fazenda, o novo diploma caminhou para a equalização da relação processual, ao menos em tese.
A primeira grande mudança está no fato do art. 85, § 3º do CPC/15 estender as regras específicas para todas as causas em que a Fazenda Pública for parte, e não apenas quando for vencida. Pode-se afirmar que tal medida coaduna com o princípio da isonomia sem entrar em contradição com o que foi anteriormente dito sobre o tratamento desigual concebido para o ente público em juízo.
As causas que envolvem a Fazenda, em qualquer polo, envolvem circunstâncias diferenciadas, como já explicitadas, porém, dispensar tratamento privilegiado apenas quando esta for vencida configura uma quebra do equilíbrio processual, formal e material.
A segunda mudança foi ainda mais significativa, reservou-se o método de apreciação equitativa do juiz apenas para as causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou quando o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º, CPC/15).
Para os processos em que a Fazenda Pública for parte estipulou-se limites percentuais mínimos e máximos inversamente proporcionais ao valor da condenação ou do proveito econômico. Ou seja, a atividade do juiz de fixar honorários teve sua discricionariedade em grande parte tolhida e garantiu-se aos advogados uma expectativa mínima de remuneração diretamente relacionada com o tamanho da causa.
No entanto, em que pese sua contribuição, a solução legislativa encontrada ainda mostra-se imperfeita, incorrendo na inevitável falha de qualquer comando normativo direto: a incapacidade de satisfazer todas as situações conflituosas possíveis. Nesse sentido, anota Paulo e Silva (2016, p. 1093):
Não há como negar que parâmetros mais objetivos foram estabelecidos. De toda forma, carece o artigo de previsão para aquelas causas mais repetitivas, que possuem valores por vezes elevados, já que, em tais situações, o trabalho exercido pelo profissional e o tempo exigido para o seu serviço acabam por se afigurar desproporcionais em relação aos honorários que virão a ser fixados.
Este é o caso, por exemplo, das execuções fiscais. Nos termos da lei 6.830/80, as execuções fiscais se destinam para a cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias. Embora regidas por lei própria, aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Civil conforme determinado no art. 1º da referida lei.
A ação fiscal visa à obtenção de recursos pela Fazenda Pública junto àqueles que legalmente devem a contribuição, mas, são costumeiros os casos em que por algum erro do ente público, cometido em juízo ou administrativamente, o executado sai vencedor e extingue ou amortece o valor da dívida. Nessas ocasiões, são devidos honorários sucumbenciais aos representantes do executado, os quais devem ser fixados pelas normas do códex processual.
Ocorre que os valores das execuções fiscais podem alcançar cifras exorbitantes, acima de nove dígitos, mas que nem sempre indicam uma real complexidade do processo. Exemplificando: uma execução fiscal de valor superior a R$100.000.000,00 (cem milhões de reais) pode ser extinta logo de início por meio de embargos do devedor ou até mesmo por uma mera exceção de pré-executividade, que embora não seja o instrumento legalmente previsto, está sedimentada na jurisprudência a sua aceitação.
As razões para extinção podem ser várias, entre elas a prescrição e decadência do crédito, ausência de legitimidade passiva, etc. Em certos casos, basta uma análise da Certidão de Dívida Ativa (CDA) ou do processo administrativo fiscal (PAF) para que se formule o pedido de extinção e este seja acatado, o que pode ocorrer em um espaço de tempo bastante razoável nas varas judiciais especializadas.
Neste cenário, alguns magistrados passaram a flexibilizar o comando preceituado no código processual para melhor atender aos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade e o princípio da supremacia do interesse público.
7. Os critérios do interesse público e da proporcionalidade
A análise de toda lei deve passar pelo método sistemático de interpretação, pois uma lei não existe isolada no mundo jurídico, ela faz parte de um ordenamento e com ele deve ter sinergia. Mediante “esse meio hermenêutico, é possível inquirir a norma em sua essência lógica, em conexão com as demais normas e, finalmente, referi-la a todo o ordenamento jurídico” (BONAVIDES, 2017, p. 131).
Na base de qualquer sistema estão os princípios. Sobre a função dos princípios na ordem jurídica atual Bonavides (2017, p. 295) diz:
O ponto central da grande transformação por que passam os princípios reside, em rigor, no caráter e no lugar de sua normatividade, depois que esta, inconcussamente proclamada e reconhecida pela doutrina mais moderna, salta dos Códigos, onde em nossos dias se convertem em fundamento de toda a ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais.
O CPC/15 reitera a imperiosidade de se observarem os princípios constitucionais logo em seu artigo de abertura: “Art. 1o O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
Dois são os princípios que se destacam ao analisarmos a nova regra de honorários sucumbenciais nas causas em que a Fazenda Pública for parte: a supremacia do interesse público e a razoabilidade ou proporcionalidade.
Toda a atuação do Estado deve ser pautada pelo princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, afinal, a consecução do bem-estar social é seu objetivo maior. Deste princípio decorre o regime jurídico diferenciado da administração pública e as diversas prerrogativas de direito material e processual.
Inserido no interesse público estão as finanças e o patrimônio público, pois em uma sociedade capitalista nem mesmo o Estado está isento de gastos e apenas mediante o emprego de verbas públicas poderá exercer suas atividades.
A preocupação com a proteção do patrimônio público é onipresente em nosso ordenamento e reflete-se também no direito processual. Apenas a título de exemplo podemos citar a remessa necessária, instituto muito criticado, mas que ainda não foi extirpado do ordenamento pátrio. O CPC/15 em seu art. 496 limitou bastante a incidência do instituto, mas optou por não eliminá-lo em uma clara demonstração do desejo de proteger as finanças públicas, evitando que decisões notadamente ilegais e prejudiciais aos cofres públicos fossem validadas.
Muitos outros são os exemplos de proteção ao erário presentes na legislação pátria, pois é sabido que o prejuízo patrimonial de qualquer ente público é sempre suportado pela coletividade. Dito isso, não se pode afastar o princípio da supremacia do interesse público no momento da decisão que fixa honorários sucumbenciais contra a Fazenda Pública.
Outro princípio basilar a ser levado em consideração no momento da aplicação de qualquer comando legal é o da proporcionalidade dos atos normativos. Alguns autores não fazem distinção entre o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, como Luís Roberto Barroso (1999), outros consideram a proporcionalidade inserida na razoabilidade, estando a razoabilidade ligada à qualidade e a proporcionalidade à quantidade (proibição do excesso). Neste artigo, seguiremos a linha do excelentíssimo ministro do STF, a qual também é utilizada pelos tribunais superiores.
O critério da proporcionalidade é tão natural à atividade jurisdicional que mesmo não se encontrando expressamente positivado como princípio no nosso ordenamento, a maioria esmagadora da doutrina e jurisprudência reconhece sua pertinência.
Segundo Tavares (2014), a proporcionalidade é entendida por uns como um princípio derivado do devido processo legal (doutrina americana) ou da isonomia, enquanto que outros simplesmente a consideram uma norma constitucional não escrita inerente ao aparato jurídico do Estado Democrático de Direito (doutrina alemã). Existem ainda aqueles, como Guerra Filho, que elevam a proporcionalidade ao patamar de norma fundamental, o “princípio dos princípios”.
Indubitável, contudo, é o seu valor como ferramenta de hermenêutica. Diante da complexidade das relações sociais têm-se a impossibilidade dos textos legais confrontarem todas as situações imagináveis, fazendo-se cada vez mais necessária a normatização de condutas por vias indiretas. Nesse contexto, o critério da proporcionalidade funciona como uma verdadeira pedra de roseta, exercendo o papel de diretriz do método hermenêutico, utilizável em todos os casos de aplicação das leis pelos magistrados.
Por outro lado, há sempre que se ter o cuidado para que o órgão julgador não usurpe a competência legislativa que é peculiar a este outro poder, substituindo a discricionariedade do legislador pela do aplicador do direito. Entre as críticas relativas à adoção do critério da proporcionalidade no exame e aplicação de leis estão “a subjetividade das decisões [...], a sua indeterminação e a extrema autonomia que é dada aos juízes” (TAVARES, 2014, p. 633).
Bonavides (2017) rebate tais críticas apontando que a atividade do juiz, como intérprete do direito, é atribuir sentido a norma em cada caso específico, preservando a vontade final do legislador. O autor admite haver uma ascensão do juiz sobre o legislador, sem contudo abalar o princípio da separação dos poderes. Para ele, através do critério da proporcionalidade os juízes corrigem o defeito da verdade da lei.
Ainda que favorável ao controle das leis pelo órgão judiciário, o doutrinador não deixa de alertar sobre o cuidado necessário com a separação dos poderes:
O controle das leis, por meio do princípio da proporcionalidade deferido à judicatura dos tribunais, precisa todavia manter aberto e desimpedido o espaço criativo outorgado pela Constituição ao legislador para avaliar fins e meios, porquanto a determinação de meios e fins pressupõe sempre uma decisão política [...] O núcleo, isto é, a substância da criação da lei pelo legislador não pode ser removido por obra de um tribunal.
(BONAVIDES, 2017, p. 430).
Progredindo, faz-se mister determinar o que é a proporcionalidade. Tal tarefa demonstra-se complexa como alerta Bonavides (2017, p. 401) citando Xavier Philippe: “há princípios mais fáceis de compreender do que definir”. Portanto, tomamos emprestada a seguinte definição de Tavares (2014, p. 635):
“O critério da proporcionalidade, em sentido amplo, abarca três necessários elementos, quais sejam: 1) a conformidade ou adequação dos meios empregados; 2) a necessidade ou exigibilidade da medida adotada e 3) a proporcionalidade em sentido estrito. [...] Entende-se que os dois primeiros elementos citados correspondem aos pressupostos fáticos do princípio, enquanto a proporcionalidade em sentido estrito equivale à ponderação jurídica destes. Sua compreensão deve orientar-se de forma que não basta que os requisitos fáticos estejam atendidos, sendo também necessário que haja concordância entre eles e os valores encampados pelo ordenamento jurídico”.
O primeiro aspecto diz respeito à adequação dos meios para se atingir os fins desejados. Trata-se de identificar a finalidade da lei e reconhecer sua capacidade de realizá-la. Tal atividade compete ao juiz no momento da aplicação do comando normativo, como nota Tavares (2014, p. 636): “É tarefa hermenêutica a identificação do fim específico da lei, bem como de sua constitucionalidade e, em seguida, da proporcionalidade do meio eleito em relação a esse fim auferido da lei”.
O segundo elemento, a necessidade, está relacionado à escolha do meio menos gravoso, dentre todos os possíveis, para se alcançar o fim desejado. O que Tavares (2014, p. 636) chamou de “otimização das possibilidades fáticas”.
Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito traduz-se na melhor relação jurídica possível entre meio e fim. Deve ser utilizada para solucionar confrontos de interesses, comparando as desvantagens que o meio pode trazer a um indivíduo ou coletividade com as vantagens que o fim almejado pode trazer ao ordenamento.
Em total conformidade com a substância do princípio da proporcionalidade e do interesse público e com as técnicas de interpretação sistemática e teleológica, o art. 8 º do CPC/15 estabelece que:
Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência (grifo nosso).
Muito recentemente, foi dado outro passo notável no caminho para a solidificação de tais conceitos no direito pátrio com o advento da Lei 13.655 de 25 de Abril de 2018. A citada lei incluiu na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42) disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.
Entre os artigos adicionados à LINDB destacam-se os seguintes:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (grifo nosso)
Resta clara a preocupação do legislador em mais uma vez positivar no ordenamento brasileiro a imperiosidade da observância da proporcionalidade, do interesse público e das consequências jurídicas do ato normativo e da decisão judiciária.
Muito embora tais critérios já demonstrassem grande penetração no Direito pátrio, a jurisprudência brasileira por muito tempo evitou utilizar expressamente o critério da proporcionalidade, justamente por temer as críticas relativas à sua subjetividade e discricionariedade. Atualmente, tem sido cada vez mais comum encontrar referências a tal critério nas decisões judiciais de diversos ramos do Direito, contudo, a unificação do tratamento deste critério ainda mostra-se distante.
Ao compararmos a regra do art. 85, parágrafo 3º do CPC/15 com aquela do código de 1973, a nova pode demonstrar-se mais objetiva e justa. Por outro lado, como apontado anteriormente, ainda existem situações em que a aplicação da nova lei não se prova de todo proporcional ou razoável.
Este entendimento vem sendo adotado por alguns juízes, notadamente nas Varas de Execução Fiscal. Exemplificando, colacionamos a seguinte decisão:
[...] Há, ainda, regras específicas para as condenações contra a Fazenda Pública, previstas no § 3º do art. 85, que estabelecem uma progressividade dos percentuais em relação ao valor da condenação ou proveito econômico, os quais podem variar de 1% a 20%, numa métrica inversamente proporcional ao valor da lide. As regras são bastante precisas, a princípio indicando que não há uma maior discricionariedade do juiz na fixação dos honorários advocatícios. Todavia, o caso concreto traz peculiaridades bem específicas. É que a defesa apresentada pela alegada corresponsável não foi de grande complexidade e a tramitação entre a interposição da exceção e a presente decisão durou cerca de 03 (três) meses. Ora, seguindo-se a literalidade do art. 85 do CPC/2015, os honorários seriam fixados em 5% do valor da causa (inciso III do § 3º), em quase 800 mil reais, aproximadamente. Nesse caso, seria proporcional ou razoável tal patamar, ainda mais quando o devedor é a Fazenda Pública? Reflete uma condenação neste montante os diversos critérios gerais do § 2º do art. 85 ou mesmo o real trabalho do advogado? A resposta há de ser negativa. É que o novo ordenamento processual, assim como todo ordenamento jurídico, está submetido aos princípios e regras constitucionais, notadamente os princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade. O próprio CPC/2015 afirma textualmente a incidência de tais princípios no art. 8º, afirmando, ainda, que a interpretação de seus preceitos – e não poderia ser diferente - deve ser feita à luz da Constituição Federal (art. 1º). [...] A proporcionalidade, como se vê, traduz uma necessidade de equivalência justa ou razoável entre condutas e repercussões jurídicas, sendo que tal princípio jurídico também deve incidir nas decisões judiciais que fixam obrigações processuais para as partes, pois, como dito, o ordenamento processual civil expressamente prevê a aplicação do citado princípio jurídico, como não poderia deixar de ser. O STF também reconhece a possibilidade do Judiciário controlar a proporcionalidade de atos estatais, certamente não excluindo a incidência da análise quanto a atos processuais. No caso concreto, a fixação de honorários advocatícios de quase 800 mil reais pela atuação rápida no processo afronta a proporcionalidade em sentido estrito, pois implicaria em grave distorção entre a ação de uma parte e o ônus processual da outra. O valor legal e matematicamente previsto no presente caso tem pouca relação com os próprios requisitos do art. 85, § 2º, especialmente tendo em vista a natureza do trabalho realizado pelo patrono e tempo dele exigido na tarefa. O lugar de prestação do serviço é o mesmo da sede do Juízo, assim como a simplicidade da questão jurídica é evidente (a exceção de pré-executividade é sustentada por um parecer da AGU). Por fim, esta decisão está sendo colocada em pouco mais de 03 (três) meses da apresentação da exceção. No caso concreto, portanto, não é constitucionalmente possível, a aplicação pura e simples da literalidade da lei processual sem considerações sobre o princípio jurídico citado. Não se trata, por fim, de desmerecer o trabalho dos advogados da parte, mas apenas de fazer uma distribuição justa e razoável das despesas processuais.Ante todo o exposto, determino a fixação dos honorários advocatícios, a cargo da Fazenda Nacional, no patamar de 1% (um por cento) do valor da causa atualizado (implica em pouco mais de 150 mil reais, no caso), desconsiderando – por força da aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso concreto – os limites mínimos do art. 85, § 3º, do CPC/2015. E tal valor aproximado de 150 mil reais é perfeitamente razoável considerando a simplicidade da causa.
(Execução Fiscal 0009657-38.2008.4.05.8300, Juiz Federal Tarcísio Barros Borges, 22ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco. Data da publicação:17/01/2017).
Ainda trabalhando com o caso concreto mencionado acima, o advogado da causa apelou da sentença proferida especialmente no tocante à estipulação dos honorários e igualmente o fez a Fazenda Nacional, alegando por sua vez a não incidência de honorários.
No julgamento da Apelação Cível (AC) Nº 596862/PE, o egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região proferiu acórdão negando provimento à apelação do particular. No entanto, o tribunal decidiu pela incidência do CPC/73 no caso concreto, à luz do princípio da não surpresa, uma vez que a execução havia sido proposta sob a égide do código anterior, de forma que as partes não poderiam se sujeitar a um sistema processual mais oneroso.
Aplicando o código anterior, com base no critério da equidade, o órgão colegiado fixou os honorários em R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Ora, ainda que o tribunal não tenha acatado a fundamentação do juiz de primeira instância, fica claro que o percentual previsto no CPC/15, se aplicado literalmente o texto legal, seria deveras desproporcional em relação ao trabalho desempenhado pelo advogado.
A condenação em honorários nos termos do art. 85, § 3º, do CPC/2015, seria de aproximadamente R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais). O magistrado flexibilizou a norma processual sob o fundamento da proporcionalidade para estabelecer honorários de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). O tribunal, por juízo de equidade, determinou que fossem pagos honorários de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), vinte e seis vezes menor do que o valor estipulado no CPC/15.
Partindo do pressuposto que o órgão colegiado considerou o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) justo e razoável em razão da atividade realizada pelo patrono da parte, fica evidente que o valor de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) decorrente da regra trazida no CPC/15 é desproporcional.
Outras decisões de tribunais tomaram idêntico rumo. Mesmo levando em conta o CPC/73, possuem relevância para este estudo pela utilização do critério da proporcionalidade na estipulação dos honorários. Por exemplo:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. JULGAMENTO NO 1º GRAU PELA IMPROCEDÊNCIA. CONDENAÇÃO DO DEVEDOR EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, NOS TERMOS DO ART. 20, PARÁGRAFOS 3º E 4º, DO CPC/73. PRETENSÃO RECURSAL DA FAZENDA NACIONAL DE MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA EM RAZÃO DO VALOR ECONÔMICO E DO TRABALHO DO CAUSÍDICO. VALOR ARBITRADO CORRESPONDENTE A UM POUCO MAIS DE TRÊS SALÁRIOS MÍNIMOS. DIANTE DA IMPORTÂNCIA DA CAUSA, DO TEMPO DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO E DO TRABALHO DO ADVOGADO. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS FIXADOS. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 20, PARÁGRAFOS 3º E 4° DO CPC/73. RECURSO PROVIDO. 1. Apelação interposta contra sentença, em ação anulatória fiscal, que julgou improcedente os pedidos autorais e em consequência, condenou o autor ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais no montante de R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do art. 20, parágrafos 3º e 4º, do CPC/73. 2. Hipótese em que a parte ré requer que o montante arbitrado pela sentença a título de honorários advocatícios seja majorado, levando em conta o valor econômico de R$ 1.734.374,10 (um milhão, setecentos e trinta e quatro mil, trezentos e setenta e quatro reais e dez centavos) e o trabalho do causídico. 3. Ainda que a presente causa não tenha apresentado grande complexidade, não requerendo maiores esforços do advogado, não se pretende desprestigiar o exercício da advocacia, pois resta evidente o zelo do profissional, apresentando um trabalho satisfatório, que demandou alguns anos de dedicação (ajuizamento da ação em 2009). 4. Houve quatro intervenções do causídico nos autos, manifestando-se de forma específica e esclarecedora nas suas peças processuais, tendo passado 06 (cinco) anos, desde que apresentou a contestação da Fazenda Nacional, até a extinção da ação anulatória. 5. Majoração dos honorários arbitrados na sentença recorrida para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por ser razoável e proporcional à importância da causa, ao tempo de ajuizamento da ação e ao trabalho do causídico na defesa do direito do constituinte, nos termos do art. 20, parágrafos 3º e 4° do CPC/73. 6. Apelação provida.
(AC 200981000092793, Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto, TRF5 - Quarta Turma, - Data::22/09/2017 - Página::132.) (Grifo nosso).
Nesta última decisão nota-se que foram utilizados os critérios da razoabilidade e proporcionalidade para majorar os honorários definidos pelo juiz de primeiro grau. Entretanto, por simples operação aritmética percebe-se que os honorários foram fixados em percentual muito inferior àquele proposto no novo código processual, perfazendo menos de 0,33% (trinta e três décimos percentuais) do valor da causa.
Neste caso específico, a decisão do juiz de primeiro grau demonstrou-se arbitrária ao estipular honorários ínfimos, e ainda que o tribunal tenha majorado as verbas sucumbenciais, o montante final não nos parece ideal.
Note-se que o tempo de duração do processo não foi dos menores (cinco anos) e que o valor da causa era bastante elevado, salvo uma análise da atuação do advogado (que só poderia ser feita acessando os autos do processo), há indícios de que caberiam honorários ainda mais elevados sem que fosse ferida a proporcionalidade.
Foi contra essa insegurança encampada pelo CPC/73 que os advogados particulares se insurgiram, e com razão. Inclusive, sobre essa estipulação inferior a 1% (um por cento) do valor da causa já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PROCEDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CARÁTER IRRISÓRIO DO VALOR ARBITRADO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. MAJORAÇÃO. 1% DO VALOR ATUALIZADO DA CAUSA. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Somente é admissível o exame do montante fixado a título de honorários advocatícios, em sede de recurso especial, quando for verificada a exorbitância ou a natureza irrisória da importância arbitrada, em flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 2. A jurisprudência desta Corte Superior tem entendido como irrisórios honorários sucumbenciais inferiores a 1% do valor da causa ou de seu proveito econômico atualizados, na hipótese de arbitramento por equidade (art. 20, § 4º, do CPC/73).
3. Na caso concreto, tomando como base o valor atribuído à execução no montante de R$ 3.325.000,00 (três milhões, trezentos e vinte e cinco mil reais), os honorários advocatícios arbitrados nas instâncias ordinárias no montante de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) revelaram-se irrisórios e desproporcionais, tendo sido majorados para R$ 33.250,00.
4. No agravo interno, a parte agravante pleiteou fosse considerado, para fins de aferição da índole irrisória e da majoração dos honorários advocatícios, o valor atualizado da causa. Tal pretensão mostra-se adequada, na medida em que a correção monetária não é acréscimo, gravame ou acessório, visando apenas a salvaguardar o poder aquisitivo da moeda. Precedentes que utilizam o valor atualizado da causa como parâmetro.
5. Não procede, por outro lado, a pretensão de que o valor a ser arbitrado observe precedentes nos quais se majorou os honorários sucumbenciais para valores que correspondem a percentuais superiores a 1% do valor da causa. A jurisprudência atual da Terceira e da Quartas Turmas é firme no sentido de majorar para o patamar de 1% do valor ou proveito econômico atualizado da causa as verbas sucumbenciais fixadas na origem que sejam consideradas irrisórias.
Além disso, os honorários advocatícios, na hipótese do § 4º do art. 20 do CPC, são arbitrados levando-se em consideração as circunstâncias específicas de cada caso.
6. Agravo interno parcialmente provido.
(AgInt no AREsp 1151280/DF, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 19/03/2018). (grifo nosso).
Ou seja, enquanto vigorou o critério de apreciação equitativa do juiz, a única limitação mínima existente na fixação de honorários sucumbenciais, desenvolvida pela jurisprudência, era de 1% (um por cento) do valor da causa. Provavelmente, na intenção de não confrontar tal raciocínio, o CPC/15 manteve o patamar mínimo de 1% (um por cento) para as causas em que a Fazenda Pública for parte.
O patamar de 1% (um por cento) parece gritar uma ofensa à proporcionalidade, e em alguns casos o é, não obstante, não são poucas as causas em que esse percentual traduz-se em montantes vultosos e desproporcionais.
Portanto, além da possibilidade de flexibilizar os padrões firmados pelo CPC/15, estipulando percentuais diversos daqueles indicados para a faixa correspondente, há que se considerar a possibilidade de redução dos honorários para valores inferiores ao percentual mínimo de 1% (um por cento) de acordo com o caso concreto.
Sob a égide do CPC/15 são escassas as decisões acerca do tema, em razão do breve período de vigência da lei (pouco mais de dois anos). Um dos raros exemplares é a seguinte decisão do TRF 5ª Região:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. CONDENAÇÃO DO EXEQUENTE EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, POR APRECIAÇÃO EQUITATIVA. PRETENSÃO RECURSAL DE MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA EM RAZÃO DO AVILTAMENTO DA PROFISSÃO EM RAZÃO DE VALOR IRRISÓRIO. DIANTE DO VALOR ATUALIZADO DO QUANTUM DEBEATUR, DA IMPORTÂNCIA DA CAUSA, DO TEMPO DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO E DO TRABALHO DO ADVOGADO. MAJORAÇÃO DEVIDA DOS HONORÁRIOS FIXADOS. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 85 DO NCPC. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. Apelação contra sentença que julgou procedente a exceção de pré-executividade, para reconhecer a nulidade do procedimento executivo adotado pelo INSS e extinguiu sem resolução de mérito a execução fiscal, condenando o exequente em honorários sucumbenciais, fixados em R$ 1.000,00 (mil reais). 2. Em suas razões recursais, o apelante requer a majoração dos honorários advocatícios, alegando que o valor arbitrado é irrisório, para que sejam fixados entre 8% e 10% sobre o valor da dívida anulada, nos termos do art. 85, parágrafo 3º, II, do CPC/2015. 3. Ainda que a presente causa não tenha apresentado grande complexidade, não requerendo maiores esforços do advogado, não se pretende desprestigiar o exercício da advocacia, pois resta evidente o zelo do profissional, apresentando um trabalho satisfatório. 4. Levando-se em consideração a última atualização constante dos autos do "quantum" do débito tributário da presente demanda, no valor de R$ 347.602,37 (trezentos e quarenta e sete mil, seiscentos e dois reais e trinta e sete centavos) e a simplicidade da causa, por apreciação equitativa, devem ser majorados os honorários arbitrados na sentença recorrida para R$ 3.000,00 (três mil reais), sendo esse valor razoável e proporcional à importância da causa, ao tempo de ajuizamento da ação e ao trabalho do causídico na defesa do direito do constituinte, nos termos do art. 85 do NCPC. 5. Apelação parcialmente provida.
(AC 00005612820174059999, Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::27/10/2017 - Página::103.) (grifo nosso).
No acórdão transcrito acima nota-se que o tribunal utilizou-se da apreciação equitativa para determinar o valor dos honorários, muito embora tenha fundamentado tal decisão no art. 85 do CPC/15. Importante observar que os valores determinados perfazem aproximadamente 1% (um por cento) do valor da causa, enquanto que a literalidade do CPC/15 estipula a fixação de no mínimo 8% (oito por cento).
Todas as decisões aqui apresentadas corroboram com a tese de que mediante um juízo de equidade e principalmente levando em conta os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, a fixação de honorários restrita aos termos do art. 85, § 3º do CPC/15 não se mostra compatível com o ordenamento jurídico brasileiro e nem mesmo com o bom senso.
Agrava-se a situação ao imaginarmos a quantidade de condenações da Fazenda Pública em processos semelhantes. Quando multiplicados os valores de honorários, o dano causado ao patrimônio público é significativo.
Raciocínio semelhante foi utilizado durante o processo de elaboração do Novo CPC, como se pode notar desta justificativa de emenda ao projeto de lei (EMC 893/2011 PL602505 => PL8046/2010) redigida pelo Deputado Jerônimo Goergen:
A forma de arbitramento dos honorários constante da proposta em exame não considera as peculiaridades do sistema federativo brasileiro, já que iguala situações que faticamente não são similares, desconsiderando as diferença entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Daí propor-se nova redação ao § 3º, visando à manutenção da regra hoje vigente, que atende aos litigantes e ao interesse público, deixando ao prudente arbítrio do Juiz, no caso concreto, definir o montante dos honorários devidos ao vencido, já que os valores pagos a título de honorários pela Fazenda Pública são suportados pela coletividade.
Na ocasião, a Comissão Especial destinada a proferir parecer sobre o projeto de lei opinou por manter o critério estabelecido no código de 1973, pelo qual a fixação dos honorários se dava pela apreciação equitativa do juiz nos casos de condenação da Fazenda Pública, pois tal condenação trata-se de um interesse da coletividade. Assim, confiar-se-ia ao juiz a atividade que lhe é tão própria: julgar, ponderar e decidir, sem correntes que limitem sua atuação.
Em uma clara demonstração de vitória da classe advocatícia o parecer não foi acatado e a redação do código de 1973 deu lugar àquela do art. 85, § 3º do CPC/15. Não se pode retirar a importância dos advogados buscarem seus direitos, nem há motivos para duvidar da justeza do processo de elaboração do novo diploma, pois como já dito anteriormente, tratou-se de um dos processos mais democráticos da história deste país.
Muitos são os argumentos favoráveis aos advogados particulares. É fato que a regra contida no CPC/73 era frágil e desprotegia os advogados frente aos muitos casos de arbitrariedade dos juízes. Não se nega o caráter alimentar dos honorários sucumbenciais e sua importância não só para o sustento do advogado e sua família como para sua evolução profissional (melhoria e ampliação do espaço físico do escritório, do material humano, das ferramentas, etc.).
Ainda, embora o valor da causa/condenação/proveito econômico não seja o único critério, nem talvez o mais importante a ser levado em conta na fixação de honorários sucumbenciais, é inegável que estes guardam relação direta. Quanto maior o valor da causa, maior a responsabilidade do patrono diante do risco da derrota, consequentemente, o incremento da responsabilidade eleva a pressão psicológica sobre o profissional.
Assim, há de se convir que a atuação de um advogado em causas de valores elevadíssimos é diferente daquelas em que pouco está em jogo, o que enseja certamente uma remuneração no mínimo condizente com o valor da causa.
Por outro lado, alguns critérios, como demonstrado, podem indicar uma facilidade aparente do trabalho do procurador, o que desmancharia a proporcionalidade direta entre o valor da causa e o valor da remuneração. Entre outros, destacamos os seguintes critérios: baixa complexidade da causa, incidência constante de teses repetitivas, local de prestação do serviço (simplificado pelo Processo Judicial Eletrônico), duração do processo, etc.
O cerne da questão é justamente delimitar o que seria uma remuneração condizente com o valor do trabalho do advogado. A mais, até onde se estende o direito do advogado de receber honorários em patamares elevados sem onerar demasiadamente os cofres públicos. É nesse momento que a atividade do juiz demonstra-se mais apta a elucidar o problema do que uma norma de caráter generalizado, e tal atividade deve ser pautada pelo princípio da proporcionalidade.
A regra do art. 85, § 3º do CPC/15 é realmente adequada, necessária e proporcional para os fins que almeja? A finalidade da norma é ao mesmo tempo proteger o interesse público, pois estipula percentuais menores do que aqueles devidos pelos particulares quando litigando entre si, e remunerar de forma satisfatória os advogados, na medida em que estabelece a relação direta com o valor da causa.
Diante dos argumentos apresentados, em casos particulares a lei parece-nos onerar demasiadamente a parte vencida (tanto a Fazenda quanto o particular), mostrando-se uma solução deveras gravosa e ferindo assim o elemento da necessidade. Ao mesmo tempo, não demonstra afinidade com o espírito do ordenamento e o objetivo da regra, ferindo a adequação. Por derradeiro, a proporcionalidade em sentido estrito não é observada quando o conflito de interesses é solucionado de forma mecânica e abstrata.
Por fim, cabe salientar que, nas causas em que a Fazenda for parte e sagrar-se vencedora, o juiz não poderá se eximir de observar a proporcionalidade e razoabilidade na fixação dos honorários, sob pena de incorrer no esvaziamento do princípio da isonomia. Assim, os honorários devidos pelo particular também deverão ser flexibilizados se notadamente desproporcionais.
Como exemplo deste tratamento igualitário, colacionamos a seguinte decisão proferida pelo mesmo juiz federal que sentenciou na Execução Fiscal (0009657-38.2008.4.05.8300) anteriormente analisada neste artigo:
[...] Condeno o embargante em honorários advocatícios que fixo em 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado da causa, o que representa mais de 60 mil reais, condizente com a complexidade menor da causa. Deixo de fixar no valor mínimo de 10%, porque geraria uma condenação de 300 mil reais, valor totalmente desproporcional para uma causa simples, com poucos meses de duração. A fixação de honorários tão altos - numa causa simplória - viola o princípio constitucional da proporcionalidade, de forma o juiz pode reduzir o valor mínimo fixado no CPC, com a devida prudência, sob pena de proferir decisão inconstitucional.
(Embargos de Terceiro 0804539-33.2017.4.05.8300, Juiz Federal Tarcísio Barros Borges, 22ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco. Data da publicação:11/12/2017)
Essa decisão julgou improcedente os embargos de terceiro e consequentemente condenou o particular em honorários sucumbenciais. Entretanto, o douto magistrado, utilizando-se do critério da proporcionalidade, optou por não aplicar o art. 85, § 3º do CPC/15 em sua literalidade, assim como o fez na causa em que a Fazenda Pública foi condenada.
Afinal, o critério da proporcionalidade isoladamente aplicado já é suficiente para determinar a pertinência ou não da lei ao caso concreto. As peculiaridades relativas à Fazenda Pública apenas maximizam os danos causados pela sua inobservância.
Toda lei deve ser respeitada enquanto não for invalidada pelo método apropriado. No entanto, a interpretação da lei supera sua literalidade e envolve técnicas hermenêuticas elaboradas, com destaque para a interpretação sistemática e teleológica, destinadas a investigar a adequação ao ordenamento e aos objetivos do direito posto.
Na aplicação prática do instituto em análise, dois são os direitos contrapostos na questão que envolve valores devidos a título de honorários sucumbenciais pela Fazenda Pública: o direito do advogado particular de receber justa remuneração, inclusive de natureza salarial, e o interesse da coletividade de não ter lesado o patrimônio público.
Acima desse conflito de interesses e norteando a decisão que recairá sobre o caso concreto está o critério da proporcionalidade ou razoabilidade, o qual deve ser observado em qualquer situação, sendo a Fazenda Pública vencedora ou vencida. Desse modo, o cerne da questão é a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida (lei processual, mais especificamente o art. 85, § 3º do CPC/15) para consecução dos fins (remuneração justa aos advogados sem lesar injustamente a coletividade).
Diante de todo o exposto, é possível observar que a literalidade da lei pode trazer efeitos desproporcionais em relação ao sistema em que se insere, cominando honorários sucumbenciais em valores muito elevados sem que haja motivo indubitável para tanto. Dessa forma, cabe ao juiz manusear todas as ferramentas que lhe são disponíveis (a lei, os princípios, as técnicas hermenêuticas, entre outros) para formular a decisão mais acertada diante de cada caso concreto.
A flexibilização dos valores de honorários sucumbenciais por meio da atividade judiciária em casos isolados e nos termos apresentados neste trabalho possui forte fundamentação jurídica, contudo, não é a solução final para o dissídio em debate. Trata-se da solução temporária mais eficaz, em razão do processo judicial ser muito mais célere e de fácil mutação do que o processo legislativo. No entanto, faz-se imperioso sedimentar uma jurisprudência sobre o assunto, para dirimir de vez quaisquer dúvidas e prestigiar a segurança jurídica das relações processuais.
Por último, não se pode rejeitar de pronto a ideia de promover alterações no recém-publicado Código Processual. Os atuais critérios base relativos ao valor da causa/condenação/proveito econômico poderiam ser utilizados apenas como ponto de partida para a apreciação do órgão julgador, ao mesmo tempo em que poderiam ser inseridos novos critérios objetivos e subjetivos no art. 85, § 2, como o ineditismo do caso (a não utilização de teses repetitivas ou precedentes de tribunais superiores) e principalmente o princípio da proporcionalidade.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão Especial. Emenda ao Projeto de Lei 8046/2010 -EMC 893/2011 PL602505 => PL8046/2010. Redator: Dep. Jerônimo Goergen. Data de apresentação: 22/12/11. Disponível em: . Acesso em: 23 de mai. 2018.
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BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 07 de mar. 2018.
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Justiça Federal em Pernambuco - Execução Fiscal 0009657-38.2008.4.05.8300. Juiz Federal Tarcísio Barros Borges, 22ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco. Data de julgamento: 12/01/2017. Data da publicação:17/01/2017. Disponível em: . Acesso em: 04 de jun. 2018.
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STJ - AgInt no AREsp 1151280/DF. Relator: Ministro Lázaro Guimarães (desembargador convocado do trf 5ª região), QUARTA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 19/03/2018. Disponível em:
bacharelando em Direito. Bacharel em Publicidade e Propaganda pela UFPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EDUARDO SCHACHNIK VALENçA, . A flexibilização judicial dos honorários de sucumbência nas condenações da Fazenda Pública: análise sistemática do art. 85 do CPC/15 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jul 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51990/a-flexibilizacao-judicial-dos-honorarios-de-sucumbencia-nas-condenacoes-da-fazenda-publica-analise-sistematica-do-art-85-do-cpc-15. Acesso em: 24 nov 2024.
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