RESUMO: O presente trabalho objetiva analisar a aplicabilidade da teoria da causa madura a outras espécies recursais, especialmente ao agravo de instrumento, tendo como base o entendimento do Superior Tribunal de Justica. Analisará decisões divergentes provenientes do mesmo tribunal acerca do tema, procurando entender as justificativas e os argumentos de cada posicionamento. Apesar de não ser instituto recente, a teoria ganha novas cores a partir do advento do Novo CPC. Criaram-se novas hipóteses de aplicação, houve o aperfeiçoamento do texto legal, entre outras novidades. Mediante pesquisa bibliográfica, pretende-se demonstrar a finalidade e os requisitos do instituto à luz da doutrina e da legislação pertinente.
Palavras-chave: Teoria da causa madura. Extensão do instituto a outras espécies recursais. Requisitos de aplicação.
Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 APRESENTAÇÃO DO CASO; 2.1 SOLUÇÃO DADA PELO TRIBUNAL. 3 ANÁLISE DE DECISÕES DIVERGENTES. 4 ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO. 5 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL À MATÉRIA. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo possui como finalidade analisar a teoria da causa madura à luz do entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça.
O instituto que veio como forma de romper com os velhos paradigmas processuais – excesso de formalismo e falta de eficiência processual – não foi usado em todo seu potencial pelos órgãos jurisdicionais, os quais, muitas das vezes, restringiam em demasia sua aplicação, com base em uma interpretação puramente gramatical do art. 515, § 3o, do CPC de 1973.
Recentemente, a teoria da causa madura recebeu novas cores com o Novo Diploma Processual, tendo sido criadas novas hipóteses para sua aplicação e seu texto aperfeiçoado.
Neste sentido, o tribunal deve decidir desde logo o mérito, se o processo estiver em condições de imediato julgamento, quando incida alguma das quatro situações dispostas no art. 1.013, §3º, do CPC.
Em assim sendo, pretende-se perquirir o âmbito de incidência, requisitos e limitações, enfim, a forma como o instituto é enxergado e utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça, mormente no REsp 1.215.368-ES, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 1/6/2016, DJe 19/9/2016, fazendo o cotejo entre o entendimento da corte cidadã, a Doutrina especializada no tema e as repercussões decorrentes do Novo Diploma Processual.
Desse modo, este estudo objetiva demonstrar que a aplicação da teoria da causa madura é benéfica à boa prestação jurisdicional, atendendo aos anseios constitucionais, como o da razoável duração do processo, prevista no art. 5, LXXVIII, da CF, sem desrespeitar as garantias fundamentais do devido processo legal.
2 APRESENTAÇÃO DO CASO
O acórdão a ser analisado, como exposto alhures, é o REsp 1.215.368-ES, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 1/6/2016, DJe 19/9/2016.
A causa de pedir remota da ação originária dizia respeito à prática de atos de improbidade administrativa. O Ministério Público do Estado do Espírito santo, em sede de Ação Civil Pública, visou responsabilizar diversos sujeitos envolvidos em licitações superfaturadas de medicamentos e materiais hospitalares da Prefeitura Municipal de Cachoeiro do Itapemirim.
Para salvaguardar o erário, o autor requereu na petição inicial a indisponibilidade de bens, medida que foi deferida pelo Juiz de 1.º grau.
Essa espécie de tutela de evidência encontra-se prevista no art. 7º da Lei de improbidade administrativa e, contra o seu acatamento, cabe a interposição de Agravo de Instrumento, o que foi feito pelos réus, que alegaram ausência de fundamentação e não comprovação do perigo da demora.
Diante disso, o órgão fracionário do Tribunal reconheceu que assistia, em parte, razão aos recorrentes, no que diz respeito à apresentação de argumentos genéricos utilizados pelo juízo a quo para o deferimento da tutela provisória, contudo, aplicando analogicamente o art. 515, § 3o, do CPC de 1973, admitiu-se que eventual vício poderia ser suprido em razão do efeito substitutivo do julgamento pelo Tribunal, em decisão fundamentada.
Desse modo, ao invés de anular a decisão por falta de fundamentação e remeter os autos para o juízo de piso refazer sua decisão, consertando o erro de procedimento, qual seja, o dever de fundamentação imposto pela constituição ao poder judiciário, o próprio Tribunal, atendendo aos postulados da celeridade, economia processual e da efetividade do processo, proferiu nova decisão, mantendo a indisponibilidade dos bens.
Pela importância do teor do Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, cumpre ressaltar seu teor, in verbis:
O Acórdão do respectivo Agravo Regimental foi assim ementado:
AGRAVO INTERNO - PROCESSUAL CIVIL - TEORIA DA CAUSA MADURA - APLICACÃO EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - POSSIBILIDADE - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVO - PERICULUM IN MORA - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Estando a matéria fática-probatória devidamente instruída pela prova pré-constituída juntada na inicial do agravo de instrumento, deve ser aplicada à espécie a Teoria da Causa Madura, consagrada no art. 515, §3o, do CPC, prestigiando-se, assim, os princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade do processo, informadores do Direito Processual Civil Moderno;
2. A exordial de origem ao apontar a possibilidade de existência de superfaturamento em medicamentos adquiridos em procedimentos licitatórios, envolvendo o Município de Cachoeiro de Itapemirim, faz expressa alusão ao nome da agravante (na condicão de chefe do setor de compras do Município de Cachoeiro de Itapemirim), como sendo peça chave do esquema de fraude;
3. Não se mostra injustificada a medida objurgada na medida em que, aliada à imperatividade da estipulação contida no §4o do art. 37 da Constituição Federal, decorrem também as previsões contidas nos dispositivos contidos na LIA (Lei n. 8.429/92).
4. A decretação da indisponibilidade de bens em decorrência da apuração de atos de improbidade administrativa deve observar o teor do art. 7, parágrafo único, da Lei 8.429/92, limitando-se a constrição aos bens necessários ao ressarcimento integral do dano, ainda que adquiridos anteriormente ao suposto ato de improbidade.
5. Recurso conhecido e improvido (fl. 234/STJ).
Os Embargos de Declaração foram desacolhidos, tendo em vista ser recurso de fundamentação vinculada e, no caso, inexistir as hipóteses autorizadoras.
A recorrente, no que pertine ao objeto deste estudo, alega violação do art. 515, § 3°, do CPC. Assevera que o ato normativo se aplica somente às sentenças, vedado seu uso em Agravo de Instrumento. Importante ressaltar que a insurgente não alegou outras matérias, dando a entender que não teve seus direitos violados, irresignando-se, tão somente, com a aplicação equivocada do mencionado artigo.
Contrarrazões recebidas no mesmo sentido do parecer do nobre Ministério Público: não conhecimento do Recurso Especial e, no mérito, pelo seu desprovimento.
2.1 Solução dada pelo tribunal
De início, cumpre ressaltar que o juízo de admissibilidade do recurso foi positivo, inclusive no que pertine à exigência do prequestionamento, permitindo o avanço para a análise do mérito recursal.
A problemática gira em torno, em síntese, se é possível ou não a aplicação da teoria da causa madura em sede de Agravo de Instrumento. Isto porque, tanto o art. 1.013, §3º, do CPC de 2015 quanto o art. 515, § 3o, do CPC de 1973, preveem a citada teoria em artigos que dizem respeito à apelação.
Nesse contexto, o próprio relator admite que esta seria a concepção literal do dispositivo, em suas palavras:
Traçadas as premissas, não se pode descurar que, em sua concepção literal, a aplicação do art. 515, § 3o, do CPC pressuporia extinção de processo sem julgamento de mérito por sentença e existência de questão de direito em condições de imediato julgamento.
No entanto, seguindo a doutrina processual, propõe o relator análise mais profunda da questão, com vistas a atender o espírito da reforma perpetrada pela Lei 10.352/2001. Desse modo, ressalta que, embora situado no capítulo da apelação, o novo §3o do art. 515 (julgado realizado à época de vigência do CPC/73) não se refere a essa espécie recursal, tampouco determina que sua técnica se restrinja a ela, sendo mais adequado que se integre à teoria geral dos recursos.
Diante disso, o julgador competente traz certas premissas sobre a norma que regula a teoria da causa madura, asseverando: que a técnica apresenta um atalho da atividade jurisdicional, rompendo a ideia do duplo grau de jurisdição como garantia constitucional; que a aplicação da teoria não pode esvaziar as garantias da ampla defesa e do contraditório; que, por não ser norma direcionada à apelação, com base em uma interpretação teleológica, mostra-se possível aplicá-la em Agravo de Instrumento, mormente quando versar sobre tutelas provisórias ou assuntos instrutórios.
Por sua vez, não se limitando às premissas abstratas mencionadas, o relator fundamentou concretamente, com base nas características do caso concreto, o porquê de estar convencido pela aplicabilidade da extensão do artigo objeto deste artigo ao Agravo de Instrumento.
Ressalta-se, a título de exemplificação, que a decisão de 1° grau não foi de toda omissa, pois, apesar de genérica, indicou minimamente as razões que motivaram o deferimento da tutela de evidência, nos termos do art. 7 da lei 8.429/92.
Além disso, o Tribunal de origem corrigiu o vício de fundamentação, uma vez que, por meio do efeito substitutivo, proferiu motivação minuciosa e justificadora da medida.
Nesse contexto, reforça esse argumento o fato de os réus, após o acórdão ter saneado a pretensa nulidade de fundamentação, não terem alegado qualquer ofensa à ampla defesa ou ao contraditório.
Sobre a maturidade da causa, entende-se que ela se encontra caracterizada pela limitação de cognição inerente às tutelas provisórias, fundada em juízo sumário, bem como o tribunal de origem ter tido acesso à cópia integral dos autos, permitindo-lhe o conhecimento da causa de pedir.
Decorre desse fato que a parte não teve sua produção de provas prejudicada de forma exauriente, tendo em vista a precariedade da decisão emitida pelo magistrado, quando analisa o recebimento inicial da Ação de Improbidade e determina a medida de indisponibilidade dos bens, já que se fundamenta somente nos documentos juntados na inicial, sem obstar a produção de prova em contrário no decorrer do procedimento.
Conjuntamente, o ministro aduz que, pensar de modo diverso, importaria em uma repetição indevida de atos processuais para chegar-se na mesma solução e na mesma fase processual, após, é claro, o desperdício de precioso lapso temporal.
Representaria, portanto, em suas palavras, um "desserviço à premissa de outorga tempestiva de decisões em atividade jurisdicional, sem qualquer benefício às partes do processo."
Por fim, dada a importância do julgado, importante sua transcrição:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFERIMENTO DE LIMINAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TEORIA DA CAUSA MADURA (ART. 515, § 3º, CPC). APLICABILIDADE.
1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública movida contra diversos sujeitos alegadamente envolvidos em licitações superfaturadas de medicamentos e material hospitalar em que está implicada a Prefeitura Municipal de Cachoeiro do Itapemirim. A indisponibilidade de bens requerida na Petição Inicial foi deferida pelo Juízo de 1º Grau e submetida a Agravo de Instrumento.
2. O Tribunal de origem reconheceu a apresentação de argumentos genéricos, mas aplicou a teoria da causa madura (CPC, art. 515, § 3º), supriu o vício de fundamentação e manteve a decisão recorrida.
3. A recorrente sustenta impossibilidade de o Tribunal a quo aplicar o art. 515, § 3º, do CPC em Agravo de Instrumento, amparando-se em precedentes do STJ que tratam da matéria de forma sucinta.
4. A decisão proferida no AgRg no Ag 867.885/MG (Quarta Turma, Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJe 22.10.2007) examina conceitualmente o art. 515, § 3º, com profundidade. Ali, consignou-se: 4.1. "A novidade representada pelo § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil nada mais é do que um atalho, legitimado pela aptidão a acelerar os resultados do processo e desejável sempre que isso for feito sem prejuízo a qualquer das partes; ela constituiu mais um lance da luta do legislador contra os males do tempo e representa a ruptura com um velho dogma, o do duplo grau de jurisdição, que por sua vez só se legitima quando for capaz de trazer benefícios, não demoras desnecessárias. Por outro lado, se agora as regras são essas e são conhecidas de todo operador do direito, o autor que apelar contra a sentença terminativa fá-lo-á com a consciência do risco que corre; não há infração à garantia constitucional do due process porque as regras do jogo são claras e isso é fator de segurança das partes, capaz de evitar surpresas" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 177/181). 4.2. "Diante da expressa possibilidade de o julgamento da causa ser feito pelo tribunal que acolher a apelação contra sentença terminativa, é ônus de ambas as partes prequestionar em razões ou contrarrazões recursais todos os pontos que depois pretendam levar ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça. Eles o farão, do mesmo modo como fariam se a apelação houvesse sido interposta contra uma sentença de mérito. Assim é o sistema posto e não se vislumbra o menor risco de mácula à garantia constitucional do due process of law, porque a lei é do conhecimento geral e a ninguém aproveita a alegação de desconhecê-la, ou de não ter previsto a ocorrência de fatos que ela autoriza (LICC, art. 3º)" (DINAMARCO. Idem).
5. A doutrina admite aplicação do art. 515, § 3º, do CPC aos Agravos de Instrumento (Dinamarco, Cândido Rangel. A reforma da reforma, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 162-163; Wambier, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro, 4ª ed., São Paulo: RT, 2006, pp. 349-350; Rogrigues, Marcelo Abelha. Manual de Direito Processual Civil, 5ª ed., São Paulo, RT, pp. 643-644; Alvim, J. E. Carreira. Código de Processo Civil reformado, 7ª ed., Curitiba, Juruá, 2008, p. 351).
6. Particularidades do caso concreto recomendam a aplicação da teoria, sem que haja prejuízo ao contraditório, à ampla defesa e ao dever de fundamentação: a) não se pode dizer que a decisão de 1º grau foi, em tudo, omissa. No que diz respeito ao fumus boni iuris, ela faz referência à "farta documentação em anexo consubstanciada na investigação procedida pelo Ministério Público" e ao fato de que "a fraude ocorrida se encontra em destaque". Em relação ao periculum in mora, afirmou: "certo é que se houver notícia aos envolvidos de que tramita ação civil pública em seus nomes, haverá o grande risco de ineficácia de uma possível sentença de procedência" (fls. 57-58/e-STJ); b) por ter aplicado o art. 515, § 3º, do CPC, o Tribunal de origem trouxe, em motivação mais minuciosa, as razões pelas quais a providência acautelatória efetivamente deveria ter sido concedida. Ou seja, a partir do efeito substitutivo, o vício de fundamentação foi sanado, eliminando eventual prejuízo à parte; c) é possível cogitar que o Tribunal a quo tenha se valido inclusive da interpretação sistemática do art. 515, § 4º, do CPC, que outorga ao Magistrado a possibilidade de saneamento de nulidade por meio da realização de ato processual - aqui, consistente na outorga de fundamentação suficiente a um ato de império. Corrobora esse raciocínio o fato de que, após a motivação expressa no acórdão do Agravo, a recorrente optou por não alegar qualquer ofensa à ampla defesa, limitando-se à questão processual posta; d) não houve prejuízo ao contraditório e à ampla defesa porque a manifestação do Tribunal local se deu a partir de Agravo de Instrumento interposto pela própria parte prejudicada pela decisão liminar - oportunidade suficiente para que se insurgisse contra a decisão que deferiu a indisponibilidade de bens; e) a maturidade da causa está na própria limitação de cognição outorgada no exame de tutelas de urgência: modula-se a exigência de profundas investigações, especialmente quando já exercido efetivo contraditório. Some-se ainda a circunstância de ter sido juntada cópia integral dos autos, o que permitiu o conhecimento dos fatos e dos fundamentos jurídicos da pretensão da parte - dentro do razoável ao momento processual e no âmbito da questão posta; f) a temática do periculum in mora para deferimento da indisponibilidade de bens foi tratada nos termos da jurisprudência da Primeira Seção (REsp 1.319.515/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 21.9.2012). Até mesmo a decisão de 1º grau, a despeito de sucinta, não destoa da ideia de que não se devem esperar dados concretos de insolvência para determinar medida destinada a evitá-la; g) entendimento diverso do aqui esposado levaria à seguinte providência: o provimento do recurso para anular o acórdão e determinar que o juízo de 1º grau proferisse nova decisão. Considerando o teor de sua fundamentação, é razoável pressupor a ratificação da decisão de piso (ainda que mais robusta), a repetição do Agravo de Instrumento, a repetição do respectivo acórdão e a manutenção do status atual (afinal, a recorrente não se insurgiu contra nenhum outro fundamento do decisum ora atacado). Tratar-se-ia de manifesto prejuízo à celeridade, economia processual e efetividade do processo; um desserviço à premissa de outorga tempestiva de decisões em atividade jurisdicional, sem benefício algum às partes do processo.
7. Por fim, de essencial relevância destacar que a jurisprudência do STJ admite a não aplicação da teoria da causa madura quando for prejudicada a produção de provas pela parte de forma exauriente, o que não acontece na presente hipótese, já que se trata de recebimento da inicial da Ação de Improbidade e de determinação cautelar da medida de indisponibilidade dos bens, situações em que o juízo exara provimento de exame precário das provas juntadas com a inicial, sem prejuízo de prova em contrário no curso da ação.
8. Recurso Especial não provido. (REsp 1215368/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/06/2016, DJe 19/09/2016)
3 ANÁLISE DE DECISÕES DIVERGENTES
O tema de fundo das decisões divergentes não é pertinente para o presente estudo. Apenas a título de informação, o RECURSO ESPECIAL N° 530.053 – PR objetiva a inclusão dos expurgos inflacionários relativos ao IPC dos meses de maio e fevereiro de 1991 e pelo IGPM quanto a julho e agosto de 1994, bem como requer a inclusão dos juros de mora sobre a verba honorária.
O cerne da questão – e o relevante para este trabalho – é que um dos objetos de irresignação da parte recorrente foi o da violação do art. 515 do CPC, por o Tribunal de Origem não ter aplicado a teoria da causa madura.
No entanto, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua segunda turma, afastou a aplicação daquele dispositivo ao Agravo de Instrumento, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. ART. 515 DO CPC. INAPLICABILIDADE. ACÓRDÃO PROFERIDO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. INCLUSÃO DE EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. Não evidenciada a violação ao art. 535 do CPC, porquanto o acórdão recorrido apreciou todas as questões relevantes para o deslinde da causa, postas em julgamento.
2. Descabida a alegação de violação ao art. 515 do CPC, visto não ser aplicável em acórdão proferido em agravo de instrumento, mas sim em apelação.
3. A Primeira Seção já pacificou o entendimento de que é impossível a inclusão dos expurgos inflacionários no momento da expedição de precatório complementar, sob pena de ferimento aos princípios da preclusão e da coisa julgada (EREsp 232.140/CE,Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJU 21.10.2002).
4. Recurso especial improvido. Brasília, 21 de setembro de 2004 (data do julgamento), RECURSO ESPECIAL No 530.053 - PR (2003/0041546-1) rel. Ministro Castro Meira - sem grifos no original
Em seu voto, o relator argumentou o seguinte: "Primeiro, porque o acórdão recorrido foi proferido em agravo de instrumento, não sendo aplicável o art. 515 do CPC, sujeito apenas no âmbito da apelação, consoante tem decidido esta Turma."
Em outro precedente da mesma turma do STJ, percebe-se a mesma argumentação:
PROCESSO CIVIL - PRECATÓRIO COMPLEMENTAR - JUROS DE
MORA - ERRO MATERIAL - TERMO A QUO E PERCENTUAL.
1. Prequestionada implicitamente a tese, fica prejudicado o exame de violação ao art. 535 do CPC.
2. Dissídio jurisprudencial não configurado, porquanto não demonstrada a similitude fática entre acórdão recorrido e paradigmas (art. 266 c/c 255, §§ 1o e 2o do RISTJ).
3. Não se aplica o art. 515 do CPC no julgamento de agravo de instrumento.
4. (...)
5. (...)
6. Recurso especial conhecido em parte e improvido (REsp 445.470/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 1o.09.03) – sem grifos no original
Do voto da eminente ministra Eliana Calmon, extrai-se o seguinte trecho:
No que se refere à alegação de ofensa ao art. 515 do CPC, deixo de analisá-la porquanto o dispositivo somente é aplicável no julgamento da apelação e não de agravo de instrumento, como na hipótese dos autos.
Diante das decisões divergentes, constata-se que o principal fundamento para a não aplicação da causa madura residia na localização topográfica do dispositivo no código.
Por tal razão, a priori, não seria de todo errado compreender que a teoria da causa madura é aplicada somente à apelação, lançando-se mão de uma interpretação gramatical.
Além disso, quando da inserção da teoria pela lei 10.352/2001, o legislador, se assim quisesse, poderia estender a possibilidade de imediato julgamento pelo tribunal, em determinadas hipóteses, para outras espécies recursais, mas não o fez. Estar-se-ia diante de um silêncio eloquente?
Com o advento do novo CPC, tais indagações continuam pertinentes, com ainda mais razão, uma vez que, além de ter-se mantido o dispositivo que trata sobre a teoria no capítulo pertinente à apelação, o legislador previu expressamente uma regra de extensão do instituto ao Recurso Ordinário, nos termos do art. 1.027, § 2o, do CPC, não o fazendo, porém, para o Agravo de Instrumento.
Contudo, conforme analisado na solução dada pelo tribunal no caso paradigmático, percebeu-se que a interpretação literal seria superficial, sendo a busca da finalidade da norma o caminho mais seguro para potencializar e assegurar os valores protegidos pela técnica da causa madura, quais sejam, a primazia do julgamento do mérito, a celeridade, a razoável duração do processo, entre outros.
Logo, a solução não deve ser tão simplista quanto tratada pelas decisões divergentes.
Pelo contrário, a resposta deve passar pelo argumento que a técnica objeto deste estudo enquadra-se na teoria geral dos recursos e, a partir daí, é possível aplicá-la a outras espécies recursais, desde que o tribunal demonstre analiticamente que os seus requisitos, que serão explorados com mais detalhes na análise doutrinária, encontram-se presentes no caso analisado, autorizando, alfim, que o órgão competente decida, quando do provimento do recurso, diretamente o mérito recursal, nos termos artigo. 1.013, §3.º, do CPC, mesmo que não se trate de uma apelação.
4 ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO
A doutrina revela-se como importante fonte do direito, contribuindo para sua constante evolução, oxigenação e adequação às novas realidades fáticas e sociais.
Ultrapassadas as análises feitas pela jurisprudência, cumpre ressaltar que a doutrina é quase uníssona na aplicação da teoria da causa madura a outras espécies recursais, como o Agravo de Instrumento.
Nesse contexto:
(...) Está aí, portanto, a questão da dimensão do disposto pelo novo parágrafo do art. 515 - se ele abrange apenas o recurso de apelação, ou também outros. Figure-se a hipótese da decisão interlocutória com que o juiz determina a realização de uma prova e a parte manifesta agravo de instrumento com o pedido de que essa prova não seja realizada: se o tribunal aceitar os fundamentos do recurso interposto, para que a prova não se realize, e entender também que nenhuma outra existe a ser realizada, é de rigor que passe desde logo ao julgamento do meritum causae, porque assim é o espírito da Reforma - acelerar a oferta da tutela jurisdicional, renegando mitos seculares, sempre que isso não importe prejuízo à efetividade das garantias constitucionais do processo nem prejuízo ilegítimo às partes (...)" (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 162-163).
"Inclinamo-nos pela admissibilidade de aplicação do art. 515, §3º também ao agravo de instrumento. (...)" (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed., São Paulo: RT, 2006, p. 350).
"Cumpre esclarecer que o §3º do art. 515 não se restringe ao âmbito do recurso de apelação, sendo comum a todos os meios de impugnação, tendo em vista que, salvo exceções, a modificação legislativa não é restritiva, mas sim extensiva a todo o sistema recursal." (ROGRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Processual Civil. 5ª ed., São Paulo, RT, p. 644).
Numa interpretação estritamente literal, o §3° do art. 515 aplicar-se-ia apenas ao recurso de apelação, de que trata o art. 513, mas, numa interpretação finalística, poderá o citado preceito ter o seu âmbito de incidência ampliado em homenagem aos modernos princípios da instrumentalidade, da efetividade e da utilidade do processo (ALVIM, J. E. Carreira. Código de Processo Civil reformado, 7a ed., Curitiba, Juruá, 2008, p. 351).
Assim, há divergência tão somente acerca dos requisitos e dos erros judiciais que ensejam a aplicação da teoria.
Por isso, faz-se necessário explicar os principais requisitos do instituto, assim como expor os pontuais conflitos entre os doutrinadores, mormente aqueles que possuem relevância prática.
Haverá, em suma, a necessidade do provimento do recurso, da presença de alguma das descrições do art. 1.013, §3.º, do CPC, e que o processo esteja pronto para imediato julgamento.
Sobre este último requisito, conquanto essa diferenciação seja apontada também na parte da legislação comparada, destaca-se, desde logo, a infelicidade da expressão exclusivamente de direito, disposta no código processual revogado.
Aplicando ao pé da letra, chegar-se-ia a desarrazoada interpretação de que a teoria só seria aplicada nas demandas que não houvesse necessidade de produção probatória, ou seja, aquelas que estivessem cabalmente comprovadas por provas pré-constituídas.
No entanto, na verdade, a técnica é aplicável a todas as causas que estejam prontas para imediato julgamento, isto é, com o réu citado e o acervo probatório completo, pouco importando se são exclusivamente de direito, desde que o Tribunal competente tenha condições de julgá-las, seja por as provas já terem sido produzidas, seja por serem reputadas desnecessárias.
No caso das tutelas provisórias, como visto na análise da decisão paradigmática, a sua própria natureza corrobora para preencher o requisito de causa "madura", já que sua análise dá-se de modo sumário, provisório, sem aprofundamentos exaurientes e sem prejuízo da ampla defesa do sucumbente no desenrolar procedimental.
Além disso, é claro, faz-se necessário o provimento pelo tribunal da impugnação. Esse pressuposto lógico revela-se até como antecedente à análise das condições de imediato julgamento.
Ou seja, em uma apelação, por exemplo, o cabimento da técnica só será levado em consideração, quando o Tribunal der provimento ao recurso e o caso tratar-se de uma sentença fundada no art. 485 do CPC, por exemplo.
Desta feita, Didier e Cunha (2016) defendem que o julgamento do mérito diretamente pelo tribunal não é consequência do efeito devolutivo do recurso, já que este incide anteriormente ao julgamento do recurso, quer seu aspecto horizontal quer o vertical[1].
Fato é que há algum efeito que permite esse julgamento e que ele é posterior ao julgamento e provimento do recurso da apelação (sem prejuízo de ser outra espécie recursal, como exaustivamente defendido).
LOPES Jr. (2007) denomina esse efeito de "desobstrutivo do recurso[2]".
O aspecto pertinente diz respeito a se a utilização da técnica da causa madura depende ou não de expresso requerimento da parte, pois, a depender da resposta, serão prestigiados ou o princípio dispositivo e a autonomia das partes ou o impulso oficial.
Nesse aspecto, cumpre ressaltar as lições de Didier e Cunha (2016), os quais entendem que seja necessário o pedido expresso da parte:
Mesmo que esse julgamento não decorra diretamente do efeito devolutivo do recurso, é certo que o § 3° do art. 1.013 amplia o thema decidendum na instância recursal.
Razões de ordem sistemática aconselham que se exija a formulação de requerimento do recorrente para a aplicação da regra, tendo em vista que a delimitação "daquilo que tem de ser decidido" pelo órgão jurisdicional é, no ordenamento brasileiro, matéria adstrita ao princípio dispositivo e, pois, à provocação da parte interessada.
Assim, para que seja aplicada a regra do § 3º do art. 1.013 do CPC, é preciso que o recorrente, em suas razões recursais, requeira expressamente que o tribunal de provimento à apelação e, desde logo, aprecie o mérito da demanda. Caso o apelante requeira que, após o provimento do recurso, sejam os autos devolvidos ao juizo de primeira instância para análise do mérito, não poderá o tribunal, valendo-se do § 30 do art. 1.013 do CPC, adentrar o exame do mérito, sob pena de proferir decisão extra petita. (DIDIER e CUNHA, 2016).
Logo, conforme os renomados autores, haveria três pressupostos para aplicação da multicitada técnica : a) expresso requerimento, já que cabe ao recorrente delimitar o que tem de ser decidido pelo tribunal; b) provimento da apelação, pressuposto lógico e antecedente, na visão deste articulista; e c) o processo estiver em condições de imediato julgamento.
Contudo, Lopes Jr. (2007) elenca só os últimos dois pressupostos, asseverando que a atribuição dos tribunais não se limita à competência recursal, podendo, em certos casos – e aqui não se fala somente da competência originária – ser a demanda apreciada pela primeira vez, após o reconhecimento de eventual erro cometido pelo juízo de 1° grau. É esse o caso da teoria da causa madura, fundada, além de expressa previsão legal, no princípio do impulso oficial. Transcreve-se as preciosas lições do autor:
Na verdade, quando o tribunal aprecia o objeto de uma causa, sem que o a quo o tivesse feito, de forma total ou parcial, não está propriamente julgando o recurso, mas sim fazendo o que o juízo inferior faria se os autos lhes fossem devolvidos. Nestes casos, o recurso funciona, apenas, como instrumento de eliminação de empecilho criado pelo 10 grau ao julgamento, no momento adequado, do fundo do litígio. Talvez a compreensão do que propomos não seja fácil, até porque a ideia que sempre tivemos é que toda e qualquer atividade desempenhada pela 2a instância, nos feitos que não conhece originariamente, dá-se no exercício de competência recursal. Tal ideia deve ser superada, inclusive para que o instituto possa ser bem compreendido e aproveitado. Deveras, se esquecemos qualquer suposta relação do julgamento per saltum com o efeito devolutivo do recurso, conseguimos entender tal atividade como simples decorrência do princípio do impulso oficial, que, para ser exercitado, independe da vontade e do requerimento das partes. Além disso, colocamos os princípios dispositivo e da vedação da reforma para pior nos seus devidos lugares, permitindo ao tribunal julgar por salto de instância de forma contrária, inclusive, aos interesses da parte recorrente. Assim é que o requerimento da parte não é exigido para o salto julgarnental, que tem como pressupostos, apenas, a interposição e o conhecimento de um recurso; o seu provimento ou a anulação da sentença e a maturidade da causa (LOPES Jr., 2007).
Neves (2016), na mesma direção e em interessante posicionamento, assevera que é o efeito translativo, aquele que permite ao tribunal conhecer de matérias de ofício no julgamento do recurso, mesmo que não impugnadas pelos sujeitos processuais, que justifica a aplicação da teoria da causa madura, mesmo sem pedido expresso das partes.
Elucida o autor, para tanto, que o objetivo da norma não é a proteção do interesse particular do recorrente, e sim a otimização do julgamento de processos, visando à celeridade e economia processual. O propósito da norma é a tutela jurisdicional em menor tempo e de melhor qualidade, sendo, portanto, matéria de ordem pública[3].
Outro ponto importante é se, já que não há a necessidade de requerimento expresso da parte, conforme parcela da doutrina, o tribunal, ao entender pela aplicação da técnica de atalho procedimental, seria obrigado a intimar as partes para o exercício de contraditório.
Consoante as lições de Dinamarco (2007), a resposta é negativa:
Por outro lado, se agora as regras são essas e são conhecidas de todo operador do direito, o autor que apelar contra a sentença terminativa fá-lo-á com a consciência do risco que corre; não há infração à garantia constitucional do due process porque as regras do jogo são claras e isso é fator de segurança das partes, capaz de evitar surpresas[4](DINAMARCO, 2007).
Da mesma forma, o renomado doutrinador afirma que as partes, sabendo desse risco, também já devem observar a necessidade de prequestionamento no recurso interposto, mesmo que se trate de decisões terminativas, já que pode haver o uso da teoria da causa madura e o julgamento imediato pelo tribunal. Além disso, aponta que não há violação do duplo grau de jurisdição nem indevida supressão de instância.
Em suas palavras: "Representa, assim, a ruptura com um velho dogma, o do duplo grau de jurisdição, que por sua vez só se legitima quando for capaz de trazer benefícios, não demoras desnecessárias” (DINAMARCO, 2007).
Contudo, caso adotem a visão de Neves (2016) e de LOPES JR (2007), os que defendem a utilização do instituto de ofício, parece-me que seria desejável a possibilidade de manifestação das partes, especialmente pelo disposto no art. 9 e 10 do CPC, assim como a vontade do código atual em erigir o contraditório a pedra de toque processual.
Os artigos, assim, dispõem:
Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Sendo mais específico, o artigo 933 do CPC determina ao relator a proibição de decisão surpresa em tribunal, corroborando ainda mais para a tese da observância do contraditório, senão vejamos:
Art. 933. Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias.
Por fim, como é sabido, o novo CPC estabeleceu novas situações de cabimento.
A primeira delas, constante no I do §3º do art. 1.013 refere-se a decisões que não resolvem o mérito, como por exemplo, o reconhecimento da existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada. Não importa o tipo do erro do juízo a quo ao proferir a decisão, se erro no procedimento ou no próprio julgamento, se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deverá decidir desde logo o mérito.
Importante destacar que certas matérias constantes no art. 485 dificilmente possibilitarão o entendimento que a causa esteja madura, como no caso de indeferimento da petição inicial.
A segunda situação, por sua vez, guarda pertinência com o disposto no artigo 141 do CPC: "o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte."
Trata-se do princípio da congruência e, sua inobservância, pode gerar decisões ULTRA PETITA, quando for além do pedido das partes, EXTRA PETITA ou EXTRA CAUSA PETENDI, quando a decisão se situar fora do pedido ou da causa de pedir da parte, respectivamente, e CITRA PETITA, ocasião em que haverá uma omissão por parte do órgão jurisdicional do pedido da parte.
Neves[5] (2015) exemplifica o cabimento deste inciso, diferenciando-o do inciso III.
Para se enquadrar no inciso II, segundo o referido AUTOR, impõe-se que a decisão seja, simultaneamente, extra petita e citra petita, ou seja, que o juiz examine pedido não formulado e deixe de examinar o pedido pleiteado por algum dos sujeitos processuais.
Assim, anula-se o vício, ou seja, o pedido que não foi formulado e apreciado e, se a causa estiver madura, o tribunal resolve a omissão, analisando pela primeira vez aquele pedido que, apesar de formulado pelo autor, não fora analisado pelo juízo de piso.
Se a decisão for apenas citra petita, no que diz respeito aos pedidos formulados, haverá a incidência do inciso III. O uso do termo constatar do dispositivo, nas lições de Didier e Cunha (2016), revela a boa técnica do legislador ao indicar que nesse caso não há o que invalidar, pois não há decisão.
Se, no entanto, a decisão for apenas ultra ou extra petita, o tribunal se limitará a retirar a parcela excessiva, a parte que não respeitou o princípio da congruência, não incidindo, portanto, a teoria da causa madura.
Por fim, o caso do inciso IV é justamente o vício alegado pelos réus constante na decisão interlocutória do juízo de 1° grau que deferiu a medida de indisponibilidade de bens, na ação de improbidade administrativa.
Nesse contexto, o Tribunal de Origem, de forma acertada, tendo seu entendimento ratificado pelo STJ, no REsp 1215368/ES (caso paradigmático), reconheceu o defeito da fundamentação, invalidou a decisão interlocutória e, aplicando analogicamente o Art. 515, § 3º, do CPC de 1973, bem como entendendo que o processo estava em condições de julgamento, julgou novamente a causa, substituindo a decisão viciada.
Portanto, cumpre ressaltar que, caso a mesma situação fosse julgada hoje, haveria dispositivo específico regulando a matéria em questão, qual seja, o inciso IV do §3.º do art. 1.013 do CPC.
Por derradeiro, especificamente em relação ao inciso anterior, Didier e Cunha (2016) elencam um possível efeito colateral que, por ser algo no mínimo curioso, merece a transcrição do entendimento:
Mas ela pode produzir um efeito colateral. O juiz pode deliberadamente não atender ao comando do §1° do art. 489 do CPC, que esmiúça o dever de motivar, pois sabe que, mesmo que o tribunal invalide a sentença por falta de motivação, os autos não retornarão para que nova sentença seja proferida, tendo em vista a possibilidade prevista no inciso IV do §30 do art. 1.013.
Por isso, cabe ao tribunal, ao aplicar o dispositivo, dividir bem o julgamento: primeiramente, reconhece a falta de fundamentação e invalida a sentença; depois, preenchidos os pressupostos do inciso IV, julga a causa. A divisão é importante, pois certamente o número de decisões anuladas por falta de fundamentaçãoo será levado em conta nos processos administrativos de promoção do magistrado.
Portanto, é possível asseverar que os principais doutrinadores entendem pela aplicação da teoria da causa madura ao agravo de instrumento, em consonância com o entendimento esposado no caso paradigmático.
Além disso, verificou-se a existência de algumas divergências em relação a certos requisitos para a aplicação da técnica de julgamento imediato, destacando-se, principalmente, se a mesma deve ser requerida expressamente pela parte interessada ou se pode ser aplicada de ofício. Por fim, esmiuçou-se as novidades trazidas pelo novo código de processo civil.
5. LEGISLAÇÃO
De início, destacam-se os dispositivos que regulavam e regulam a teoria da causa madura, respectivamente no CPC/1973 e no CPC/2015.
CPC/73 Art. 515 (...)
§ 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.
CPC/2015 Art. 1.013. (...)
§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I - reformar sentença fundada no art. 485;
II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;
III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
Assim, como ressaltado, verifica-se que o legislador encarregado do CPC/2015 melhorou a técnica da redação do artigo, excluindo a expressão “se a causa versar questão exclusivamente de direito”. A melhora é evidente, por deixar claro que o que importa é se a causa está ou não em condições de imediato julgamento e não propriamente sua matéria de fundo.
Além disso, o novo código fortaleceu o instituto ao trazer novas hipóteses de cabimento. Ressalta-se mais uma vez a importância desses incisos, já que a jurisprudência do STJ tendia para a não aceitação da teoria nos casos de incongruência da decisão com os limites do pedido ou da causa de pedir ou omissão, consoante incisos II e III do §3.º do art. 1.013 do CPC ( 4.ª Turma, REsp 1.294.1666-GO, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 18.09.2012 e 2.ª Turma, AgRg no AREsp 166.848/PB, rel. Min. Castro Meira, j. 26/02/2013).
Sobre o inciso IV do §3.º do art. 1.013 do CPC, importante ressaltar o enunciado 307 do FPPC: “ Reconhecida a insuficiência da sua fundamentação, o tribunal decretará a nulidade da sentença e, preenchidos os pressupostos do §3.º do art. 1.013, decidirá desde logo o mérito da causa”.
Não se poderia deixar de citar a primeira regra de extensão da técnica que possibilita o imediato julgamento, nos termos do artigo Art. 1.027, § 2o, do CPC, o qual determina que a teoria será aplicada ao recurso ordinário.
Ultrapassadas as inovações do novo código, faz-se necessário salientar que a teoria da causa madura fundamenta-se, em boa parte, pela busca por uma prestação jurisdicional mais célere, evitando que atos processuais desnecessários sejam praticados. Almeja-se, assim, a obtenção de uma razoável duração do processo, garantia assegurada constitucionalmente, nos termos do artigo 5o, LXXVIII, da CRFB.
O novo Código de Processo Civil reafirma esse compromisso, ao apontar que:
Art. 4o - As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 6o - Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 8o - Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
O princípio da economia processual carrega a ideia de produzir mais resultados com o menor uso possível da máquina judiciária, evitando-se a prática de atos eventualmente inúteis ou diminuindo-os, ao menos.
Já a razoável duração do processo assegura um processo sem postergações desnecessárias, visando a celeridade, dentro do possível, até o limite que esbarre na qualidade da prestação jurisdicional.
É algo como uma gangorra, em incessante conflito, de um lado a rapidez e eficiência que devem ser buscadas, de outro, as características e a complexidade da causa, bem como o respeito aos direitos fundamentais.
Nesse contexto, verifica-se que, se no caso paradigmático não fosse aplicado a teoria da causa madura, estar-se-ia violando todos os princípios a pouco mencionados.
O eminente relator do caso paradigmático, fazendo uma projeção do futuro desenrolar processual, caso a técnica de julgamento imediato não fosse aplicada, bem mostra o quão contraproducente seria:
Entendimento diverso do aqui esposado levaria à seguinte providência: o provimento do recurso para anular o acórdão e determinar que o juízo de 1o grau proferisse nova decisão. Considerando o teor de sua fundamentação, é razoável pressupor a ratificação da decisão de piso (ainda que mais robusta), a repetição do Agravo de Instrumento, a repetição do respectivo acórdão e a manutenção do status atual (afinal, a recorrente não se insurgiu contra qualquer outro fundamento do decisum ora atacado). Tratar-se-ia de manifesto prejuízo à celeridade, economia processual e efetividade do processo; um desserviço à premissa de outorga tempestiva de decisões em atividade jurisdicional, sem qualquer benefício às partes do processo.
Desta forma, devolver os autos ao magistrado de origem para fins de que profira nova decisão, que certamente seria atacada por novo agravo de instrumento, representaria um retrocesso na marcha processual, ferindo os princípios da celeridade, economia processual e efetividade do processo" (fls. 236-237/STJ).
Todavia, deve-se lembrar que, apesar de a busca pela concretização desses princípios ser salutar, sendo a aplicação da teoria da causa madura um desses instrumentos, não se pode causar prejuízos desproporcionais às partes, em evidente afronta a suas garantias processuais constitucionais
Outrossim, o impulso oficial significa, na forma do Art. 2o do CPC, que após a propositura da ação, que precisa da iniciativa da parte, o processo se desenvolverá de ofício pelo órgão jurisdicional. Assim, há um verdadeiro sistema misto, onde ora o princípio dispositivo, ora o princípio inquisitivo irá preponderar.
Por isso, ambos os princípios são pertinentes a este trabalho, uma vez que eles estão diretamente ligados à possibilidade ou impossibilidade de o tribunal aplicar a teoria da causa madura sem provocação das partes.
Os dispositivos do julgamento antecipado do mérito, total ou parcial, guardam íntima relação com a teoria da causa madura, sendo pertinente citá-los:
Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:
I - não houver necessidade de produção de outras provas;
II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349.
Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:
I - mostrar-se incontroverso;
II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.
Desse modo, para verificar se a causa encontra-se em condições de imediato julgamento, após o provimento do recurso, pode o tribunal utilizar-se dos retrocitados atos normativos para analisar se o processo está apto a ser julgado, sem devolver os autos ao juízo de 1° grau.
Por derradeiro, o princípio da primazia do mérito foi positivado no art. 6º do CPC. Esse princípio aduz que o fim normal, esperado e efetivamente possível de gerar a pacificação social, é o julgado com resolução de mérito. Especialmente no inciso I do §3.º do art. 1.013 do CPC, fica claro que o processo não obteve o resultado normal esperado, tendo em vista que teve contra si a prolatação de uma sentença terminativa.
Assim, caso o tribunal identifique o erro da sentença sem resolução de mérito, bem como se estiverem presentes os requisitos para a aplicação da teoria da causa madura, ao prolatar uma nova decisão de mérito, estará o tribunal cumprindo com o princípio da primazia do mérito. Daí surge a relação entre os dois institutos.
6 CONCLUSÃO
Após uma análise profunda do estudo apresentado e de todas as questões pertinentes, verificou-se a possibilidade da aplicação da teoria da causa madura aos recursos de Agravo de Instrumento.
Da fundamentação da decisão paradigmática e dos conceitos doutrinários, tem-se que as decisões divergentes só se deram por terem sido aplicadas de forma isolada, literal, sem a necessária leitura e interpretação sistemática. Resta claro o acerto, logo, daquela em detrimento destas.
Imprescindível, portanto, que os magistrados e todos os sujeitos processuais assimilem esta nova cultura processual, baseada em um contraditório efetivo, na cooperação e na primazia do julgamento do mérito, tendo o novo CPC contribuído muito para isso.
Sendo assim, infere-se que o Novo Código de processo Civil, juntamente com os princípios da razoável duração do processo, da economia processual, da celeridade e eficiência exigem uma releitura do instituto, a fim de atingir a sua verdadeira finalidade: conceder uma tutela jurisdicional ágil e de qualidade, toda vez que seus pressupostos forem verificados no caso concreto.
Para tanto, faz-se necessária a adoção de uma interpretação teleológica, bem como a sua colocação topológica na teoria geral dos recursos, não se limitando à apelação, mas podendo ser aplicado analogicamente a outras espécies recursais.
Ponto importante é que, por meio de uma análise minuciosa, constatou-se que as características do caso concreto, bem como o tipo de decisão que originou a impugnação por agravo de instrumento – no caso, tutela de evidência para bloquear os bens dos acusados e juízo positivo de admissibilidade para o prosseguimento da ação de improbidade – foram preponderantes para a aceitação da aplicação da teoria da causa madura em sede de Agravo de instrumento.
Desta feita, não se pode afirmar, aprioristicamente, que a técnica de atalho processual em comento será sempre aplicada ao agravo, devendo sua aplicação, apesar de possível, ser sempre devidamente motivamente com base nas características do caso concreto.
Ademais, deve-se aplaudir a nova redação do dispositivo pertinente à teoria da causa madura, com aperfeiçoamento técnico e com criações de novas hipóteses.
Contudo, o legislador perdeu uma valiosa oportunidade para enquadrar a técnica de imediato julgamento como regra geral, aplicável a todos os recursos, a ser localizada no Título II ( DOS RECURSOS), Capítulo I ( DISPOSIÇÕES GERAIS), entre os artigos 994 e 1.008 do CPC, extirpando-se quaisquer dúvidas sobre seu âmbito de incidência.
Também não se pode olvidar da importância dos conceitos e requisitos elaborados pela doutrina para o instituto ora em comento, o que nos permite asseverar que a teoria da causa madura é um caminho alternativo e inovador, construído intencionalmente para atingir valores integrantes do processo constitucional, como justiça, razoável duração, primazia da resolução do mérito e economia processual que, apesar de não serem novos, continuam, na prática, esquecidos pelo poder judiciário.
Por fim, imperioso ressaltar que essa técnica, esse caminho alternativo, não obstante suas evidentes vantagens, sempre tem que andar lado a lado dos direitos e garantias fundamentais das partes, especialmente da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.
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[5] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC: inovações, alterações e supressões comentadas. Rio de Janeiro: Método, 2015, p. 553
Analista jurídico da Defensoria Pública do Estado do Amazonas,<br>Formado em Direito pela Universidade Martha Falcão-DEVRY, Pós-graduando em Direito Processual Pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HEBRON, Samuel. A teoria da causa madura Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 ago 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52161/a-teoria-da-causa-madura. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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