RESUMO: A prescrição pela pena em perspectiva é repudiada pelos Tribunais Superiores, contudo, defendida por parte da doutrina e pela jurisprudência de primeiro grau. Temática que requer detida análise, haja vista o alto número de inquéritos policiais e processos criminais natimortos em curso no sistema criminal brasileiro. Isso se explica porque as provas dos autos demostram que, em caso de prosseguimento, fatalmente esses processos serão alcançados pela prescrição da pretensão punitiva estatal – na modalidade retroativa, por ocasião do trânsito em julgado da sentença penal condenatória –, de modo a tornar a prestação jurisdicional sem qualquer eficácia prática. Assim, elaborado pelo método bibliográfico, por meio de recentes julgados dos Tribunais, livros, artigos e dissertações publicadas no meio acadêmico, o presente artigo tem por objetivo examinar a relevância do instituto da prescrição pela pena em perspectiva à luz de princípios penais constitucionais e do direito comparado, evidenciando-se a necessidade de extinção de processos criminais e de rejeição de denúncias e queixas-crimes fadados ao fracasso, dada a flagrante falta de interesse processual.
PALAVRAS-CHAVE: prescrição em perspectiva, extinção processo, falta de interesse processual.
ABSTRACT: The prescription for the pen in perspective is repudiated by the Superior Courts, however, defended by the doctrine and the jurisprudence of first degree. Thematic that requires analysis, considering the high number of police investigations and prosecutions stillborn in the Brazilian criminal system. This is explained by the fact that the evidence in the case shows that, in case of continuation, these proceedings will inevitably be reached by stating the punitive claim of the State - in retroactive mode, on the occasion of the final sentence of conviction - in order to render the benefit without any practical effectiveness. The purpose of this article is to examine the relevance of the institute of prescription by pen in perspective in the light of constitutional criminal principles and the comparative law, evidencing the necessity of extinction of criminal cases and rejection of denunciations and criminal complaints, doomed to failure, given the flagrant lack of procedural interest.
KEYWORDS: prescription in perspective, extinction process, lack of procedural interest.
Sumário: Introdução. 1. Da prescrição virtual, antecipada ou em perspectiva. 2. Da alteração do art.110 do código penal, promovida pela Lei 12.234/2010, e o posicionamento dos Tribunais Superiores acerca da prescrição pela pena em perspectiva. 3. Conflito entre princípios constitucionais. 4. O interesse de agir. 5. Do direito comparado. 6. Considerações finais. 7. Referências.
INTRODUÇÃO
Muito tem se discutido acerca do instituto da prescrição pela pena em perspectiva, o qual consiste na aplicação antecipada da prescrição retroativa, com base na pena que, em tese, seria imposta ao acusado por ocasião da prolação da sentença penal condenatória.
A prescrição em perspectiva é modalidade de prescrição que não tem amparo em lei. Trata-se de uma criação doutrinária e jurisprudencial dos nossos tribunais de primeiro grau, que tem perdido força após o advento da Lei 12.234 de 2010 e, principalmente, após a edição da súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça, que a vedou expressamente. E, atualmente, é instituto repudiado pelos Tribunais Superiores.
No entanto, apesar de tais resistências, boa parte da doutrina e magistrados de primeiro grau e seus respectivos tribunais têm defendido a aplicação do supracitado instituto.
Neste contexto, indaga-se, por que não se aplicar o instituto da prescrição virtual, antecipada ou em perspectiva, nas hipóteses em que se verifique, com segurança, antecipadamente, que a continuidade do processo criminal movimentará a máquina jurisdicional sem que se obtenha qualquer resultado prático ao final?
Tal problemática ganha relevo em razão do considerável número de processos criminais em trâmite no Judiciário Brasileiro que perduram por longos anos sem desfecho, os quais poderiam ser extintos pela prescrição retroativa antecipada, desobstruindo a máquina judiciária, mas que encontram obstáculos, principalmente, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
1 DA PRESCRIÇÃO VIRTUAL, ANTECIPADA OU EM PERSPECTIVA
Na esfera criminal a partir do momento em que há a violação da norma penal incriminadora surge para o Estado o direito de punir o agente transgressor, fato que caracteriza a chamada pretensão punitiva estatal ou jus puniendi.
Conforme enfatiza Porto (citado por PIEDADE, 2013) violado o preceito normativo “passa a ter o Estado, em relação ao autor do fato violador, o direito de punir (jus puniendi), direito subjetivo e público e de exercício autolimitado pelo próprio Estado”.
Este direito público subjetivo do Estado quando não exercido dentro do prazo previamente fixado em lei, acarreta a ocorrência do fenômeno denominado prescrição.
A palavra “prescrição”, no sentido comum, significa preceito, ordem expressa; no sentido jurídico, significa perda de um direito em face de seu não exercício dentro de certo prazo. Prescrição penal, num conceito preliminar, é a extinção do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo. Preferimos dizer que a prescrição penal é a perda da pretensão punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem o seu exercício. (JESUS, 2014, p.690)
A prescrição penal está prevista em nosso ordenamento jurídico no Código Penal de 1940, como uma das causas de extinção da punibilidade, especificamente no artigo 107, inciso IV, e disciplinado nos artigos 109 e seguintes, e divide-se basicamente em prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória; a primeira ocorre antes do trânsito em julgado da sentença, e a segunda, após.
A prescrição da pretensão punitiva, ainda, subdivide-se em punitiva abstrata, superveniente, retroativa e em perspectiva. Esta última, é o objeto do presente estudo.
A prescrição virtual, antecipada ou em perspectiva – termos tratados como sinônimos pela doutrina – não encontra previsão legal e trata-se de criação da doutrinária e jurisprudencial, ocorre diante de uma análise acurada acerca das circunstâncias de caráter pessoal do acusado e daquelas integrantes do crime, em que se aplica antecipadamente a prescrição retroativa, com base na possível pena que seria aplicada ao acusado, por ocasião da prolação da sentença em caso de condenação.
Aquela que se baseia na pena provavelmente aplicada ao indiciado, caso haja processo e ocorra a condenação. Levando-se em conta os requisitos pessoais do agente e também as circunstâncias componentes da infração penal, tem o juiz, por sua experiência e pelos inúmeros julgados semelhantes, a noção de que será produzida uma instrução inútil, visto que, ainda que seja o acusado condenado, pela pena concretamente fixada, no futuro, terá ocorrido a prescrição retroativa. (NUCCI, 2007, p. 157).
Por seu turno, a prescrição retroativa está prevista no artigo 110, parágrafo 1º, do Código Penal, sendo regulada pela pena efetivamente aplicada ao réu na sentença condenatória, após a ocorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação. Em seguida, chega-se ao prazo prescricional a partir dos termos fixados no artigo 109 do Código Penal, os quais aumentam de um terço se o condenado é reincidente (art. 110, caput, CP).
2 DA ALTERAÇÃO DO ART.110 DO CÓDIGO PENAL, PROMOVIDA PELA LEI 12.234/2010, E O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ACERCA DA PRESCRIÇÃO PELA PENA EM PERSPECTIVA
Com o advento da Lei 12.234/2010 a prescrição retroativa passou a ser utilizada de forma limita, visto que ao alterar o artigo 110, § 1.º do Código Penal, houve a vedação da contagem retroativa entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa. Assim, dispõe o artigo 110, parágrafo 1º do Código Penal:
Art. 110, § 1º. A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).
Observa-se, que tal disposição legal, para fatos ocorridos após a sua vigente, não inviabiliza a aplicação da prescrição retroativa, e, consequentemente, da prescrição em perspectiva, caso computado o lapso temporal, entre o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença penal condenatória recorrível.
É de se ver ainda que por ser mudança maléfica ao réu, não pode retroagir, em respeito ao princípio penal constitucional da irretroatividade da lei penal (CF, art. 5º, Inciso XL). Assim, para fatos ocorridos até o início da vigência da Lei 12.234/2010, há de ser reconhecido para efeito de contagem do prazo prescricional, na forma retroativa, o período entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa.
Com o advento da Lei 12.234/2010, a prescrição retroativa foi extinta parcialmente de nosso ordenamento jurídico, pois a contagem retroativa, na forma da nova redação do artigo 110, § 1.º do Código Penal, não pode mais ser realizada entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa. Todavia, para efeitos de prescrição retroativa, deverá ser considerado o prazo entre o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença penal condenatória recorrível. Além disso, haverá possibilidade de seu reconhecimento, para os fatos que ocorreram antes da edição da lei, o que deixa em aberto à discussão acerca da possibilidade do reconhecimento da prescrição por antecipação. (PIEDADE, 2013).
Neste sentido, Correra (2015) “em todos os crimes praticados até o início da vigência da Lei Federal nº 12.234/2010, o acusado tem o direito ao reconhecimento da prescrição retroativa entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa”.
Entretanto, isso não quer dizer que entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa não poderá ocorrer a prescrição da pretensão punitiva estatual. Nestes casos, aplicar-se-á a prescrição propriamente dita, pela pena em abstrato, ou seja, pela pena máxima cominada ao tipo penal. Situação que encontra previsão em Lei e não há qualquer controvérsia.
A respeito da prescrição em perspectiva a questão tornou-se demasiadamente controvertida com a edição da Súmula nº 438, publicada no Diário de Justiça eletrônico de 13 de maio de 2010, pelo Superior Tribunal de Justiça, com o seguinte enunciado: “Súmula nº 438. É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.
Observa-se, que o Superior Tribunal de Justiça ao editar a Súmula nº 438 repudiou, de forma radical, a aplicação da prescrição virtual, antecipada ou em perspectiva.
O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, também não admite a aplicação da prescrição em perspectiva, sob o argumento de falta de previsão legal:
O Plenário [...], na Repercussão Geral por Questão de Ordem no RE n. 602.527/RS, de Relatoria do Ministro Cezar Peluso (DJe de 18/12/09), reafirmou a jurisprudência no sentido da impossibilidade de aplicação da chamada prescrição antecipada, ou em perspectiva por ausência de previsão legal. HC 99.035, Redator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, Relator o Ministro Ministro Marco Aurélio, DJe 14.12.2010.
Em pese o posicionamento dos Tribunais Superiores contrário a aplicação da prescrição em perspectiva, nenhum deles, até então, possuem eficácia vinculante, ou seja, de observância obrigatória, não tendo, assim, o condão de inibir que magistrados utilizem seu livre convencimento e apliquem o referido instituto no caso concreto. (GREGO, 2012).
3 CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Apoiada nos precedentes dos Tribunais Superiores que vedam a prescrição em perspectiva, parte da doutrina contrária ao instituto, acrescentam, ainda, argumentos de violação aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência.
Não há suporte jurídico para o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, como se está começando a apregoar, com base numa pena hipotética. Ademais, o réu tem direito a receber uma decisão de mérito, onde espera ver reconhecida a sua inocência. Decretar a prescrição retroativa, com base em uma hipotética pena concretizada, encerra uma presunção de condenação, consequentemente de culpa, violando o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 52, LVII, da CF). (BITENCOURT, 2014, P.894)
Lado outro, juízes de primeiro grau têm defendido a aplicabilidade da prescrição em perspectiva, alicerçados em argumentos baseados na defesa dos princípios da economia e celeridade processual, da instrumentalidade do processo e, principalmente, da dignidade da pessoa humana.
APELAÇÃO CRIMINAL. DENÚNCIA - ARTIGO 331, CAPUT DO CP - SENTENÇA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO ANTECIPADA (EM PERSPECTIVA). POSSIBILIDADE RECONHECIDA. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA ECONOMIA PROCESSUAL. Recurso conhecido e desprovido, por maioria. Diante do exposto, decidem os Juízes Integrantes da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado do Paraná, em conhecer, por unanimidade, do recurso e, no mérito, por maioria, negar-lhe provimento, para manter a sentença, na íntegra, pelos próprios fundamento. (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0015236-17.2009.8.16.0014/0 - Londrina - Rel.: FERNANDA DE QUADROS JORGENSEN GERONASSO - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Fernando Swain Ganem - - J. 08.04.2015) (TJ-PR - RSE: 001523617200981600140 PR 0015236-17.2009.8.16.0014/0 (Acórdão), Relator: Fernando Swain Ganem, Data de Julgamento: 08/04/2015, 1ª Turma Recursal, Data de Publicação: 23/04/2015)(grifo nosso)
Ainda, na doutrina, encontra-se idêntica argumentação:
Fundamenta-se no princípio da economia processual, uma vez que de nada adianta movimentar inutilmente a máquina jurisdicional com processos que já nascem fadados ao insucesso nos quais após condenar ao réu, reconhece-se que o Estado não tinha mais o direito de puni-lo devido à prescrição. (CAPEZ, 2005, p.576)
As alegações de violações e defesa de princípios constitucionais, por parte daqueles que defendem e daqueles que repudiam a aplicação do instituto da prescrição em perspectiva, fazem evidenciar flagrante colisão principiológica.
Em nosso ordenamento jurídico não há princípios de observância absoluta ou ilimitada, tendo em vista que são sujeitos a restrições recíprocas. Neste sentido, Morais (2003) assevera que os direitos e garantias fundamentais não são ilimitados, e encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela carta Magna.
O conflito entre princípios deve ser resolvido por meio de um sopesamento, de forma razoável e proporcional, de modo a buscar a relativização daqueles em detrimento daqueloutros que prevalecerão, por terem, na análise do caso concreto, maior peso.
Conforme Alves (2011) os princípios são dotados da dimensão do peso e da importância, e que diante de uma colisão entre eles deverá ser aplicada à norma principiológica de maior relevância para o caso concreto, sendo necessário levar em consideração o peso de cada um, frente aos elementos fáticos, realizando concessões recíprocas.
Oliveira e Malinowski (2013) afirmam que na hipótese de haver uma colisão de princípios, pelo fato de não haver hierarquia, o julgador deve buscar meios de resolução, tais como a ponderação de princípios proposta por Robert Alexy, de modo a aplicar critérios de proporcionalidade e de razoabilidade a fim de que um(s) princípio(s) seja(m) resguardado(s) em detrimento de outro(s).
Para Àvila (citado OLIVEIRA; MALINOWSKI, 2013) a proporcionalidade aplica-se sempre que houver uma medida concreta destinada a realizar uma finalidade, devendo ser analisadas as possibilidades de a medida levar a realização da finalidade (exame de adequação), de a medida ser menos restritiva aos direitos envolvidos dentre aquelas que poderiam ter sido utilizadas para atingir a finalidade (exame de necessidade) e de a finalidades pública ser tão valorosa que justifique tamanha restrição (exame de proporcionalidade em sentido estrito).
No caso vertente, com base no princípio da proporcionalidade, os princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência devem ser relativizados ante o princípio da dignidade da pessoa humana.
Isto porque, conforme ressaltado por Souza (2014) aceitar que um processo, maculado pela prescrição, continue em curso regular é o mesmo que admitir ríspida violência contra o princípio da dignidade da pessoa humana. Posto que a tramitação de processos nessas condições acarreta grave ofensa e ameaça a honra e liberdade do réu, o que é inadmissível, ainda mais quando o Estado, criador e mantenedor das regras e postulados jurídicos, torna-se seu principal algoz.
4 O INTERESSE DE AGIR
A ação penal para que tenha início, ou mesmo para que possa caminhar até seu final julgamento, é preciso a presença das chamadas condições para o regular exercício do direito de ação, vale dizer: a) legitimidade; b) interesse; c) possibilidade jurídica do pedido; e d) justa causa. (GREGO, 2012).
Távora e Alencar (2011) afirmam que o interesse de agir materializa-se no trinômio necessidade, adequação e utilidade, e que deve haver necessidade para recorrer-se ao judiciário, no intuito de solver a demanda, por meio do instrumento adequado, e este provimento deve trazer algo de relevo, útil ao autor.
Grego (2012) afirma que não há motivo para que se levar adiante a instrução do processo se, ao final, pelo que tudo indica, será declarada a extinção da punibilidade, em virtude do reconhecimento da prescrição, e que o melhor raciocínio é o julgador extinguir o processo, sem julgamento do mérito, uma vez que, naquele exato instante, pode constatar a ausência de uma das condições necessárias ao regular exercício do direito de ação, vale dizer, o chamado interesse-utilidade da medida.
Neste sentido, ratificando decisão de magistrado de primeiro grau, decidiu, recentemente, a Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na Apelação criminal nº 0013773-66.2007.8.19.0001, de Relatoria do Des. PAULO DE OLIVEIRA LANZELLOTTI BALDEZ. Eis a ementa do acórdão, publicado no Diário de Justiça Eletrônico, em 12 de abril de 2018.
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FÉ PÚBLICA. ARTS. 304 C/C 298 E 171, N/F DO ART. 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL. RECURSO MINISTERIAL OBJETIVANDO A REFORMA DA SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO COM FUNDAMENTO NA AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR.
1. A declaração da prescrição pela pena em perspectiva, virtual ou projetada é construção doutrinária que não encontra previsão legal, tampouco guarida na jurisprudência dos Tribunais Superiores. 2. Não é esta, porém, a resolução adotada pelo Juízo de origem, que julgou extinto o processo sem a resolução de seu mérito. 3. E, de fato, em situações excepcionalíssimas, de clara e evidente ausência de interesse de agir – especialmente sob o aspecto da utilidade – admite-se a extinção do processo sem a análise de mérito, mediante o reconhecimento da ausência de uma das condições da ação. 4. No caso dos autos, já se passaram mais de 09 anos entre a data dos fatos a imputação consiste nos arts. 304 c/c art. 298 e art. 171, n/f do art. 69, todos do Código Penal e a data do recebimento da denúncia. Isso significa que a prescrição somente não ocorrerá se a pena privativa de liberdade for aplicada 08 (oito) vezes acima do mínimo legal, o que não se afigura, no caso, possível, tendo em vista os parâmetros legais de fixação da pena, em especial a primariedade do acusado 5. Nesse contexto, evidente a ausência da condição da ação, por falta de interesse de agir, pois ao final o processo não terá qualquer utilidade, devendo ser mantida a decisão proferida pelo Juízo de origem. RECURSO MINISTERIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. (Grifo nosso)
5 DO DIREITO COMPARADO
Para nossa pesquisa, mister se faz trazer à baila um breve estudo comparativo entre nossa legislação e a estrangeira acerca da duração razoável e celeridade processual.
Almeida (citado por SIQUEIRA, 2013) descreve o direito comparado, ou estudo comparativo de direitos, como sendo a disciplina jurídica que tem por objeto estabelecer sistematicamente semelhanças e diferenças entre ordens jurídicas.
Em nosso ordenamento jurídico, a Emenda Constitucional nº 45/2004 introduziu a razoável duração do processo como garantia fundamental (CF, art. 5º, inciso LXXVIII). De modo a viabilizar o exercício desse direito fundamental, o Conselho Nacional de Justiça tem editado diversas orientações aos Tribunais de Justiça, visando a adoção de medidas destinadas ao aperfeiçoamento do controle sobre o andamento processual, a fim de evitar excesso injustificado de prazos processuais.
Entretanto, a morosidade da Justiça Brasileira é pública e notória. A 13ª edição do Relatório Justiça em Números, preparada pelo Conselho Nacional de Justiça, 2017, ano – base 2016, revela que o número de processos que aguardam por alguma solução definitiva não para de crescer; havendo, em 2016, 6,5 milhões de processos criminais pendentes de julgamento no Brasil, e que o tempo médio de duração desses processos na fase de conhecimento é de cerca de três anos e um mês.
Outros países com o objetivo de dar maior celeridade à tramitação processual têm tratado a temática com mais rigor, a exemplo do Paraguai. O Código de Processo Penal de 1998 do Paraguai, nos artigos 136 e 137, determina que os processos criminais não podem exceder a três anos, contado do primeiro ato judicial praticado, sob pena de extinção da ação penal de ofício ou a requerimento das partes, além disso, prevê indenização à vítima em caso de extinção do processo em razão de morosidade da justiça.
Em sentido semelhante, segundo Moreira (2015) o novo Código Processo Penal argentino também prevê que todo o processo criminal, incluindo o julgamento, não pode levar mais de três anos.
É de ver que a legislação brasileira, ao contrário de muitas legislações estrangeiras, permite que processos criminais se arrastem por anos sem uma solução definitiva para o caso. E por essa falta de proficiência o Estado, que é o responsável pela operacionalização desse sistema, não sofre nenhuma punição.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prescrição virtual, antecipada, ou em perspectiva baseia-se na pena provavelmente aplicada ao acusado, caso haja processo e ocorra condenação. É fundamental, para o referido instituto, a ideia de inevitável prescrição retroativa e, consequente, inutilidade do processo criminal.
A aplicação da prescrição em perspectiva harmoniza-se com os princípios da dignidade da pessoa humana, da duração razoável do processo e da economia e celeridade processual.
Sem considerar outros dados de política criminal, no Paraguai, por exemplo, a duração razoável do processo é direito subjetivo do indivíduo, impondo punição ao Estado em caso de inobservância.
Conforme Bitencourt (2012), é inaceitável que o réu fique eternamente à disposição da vontade estatal punitiva e que se existem prazos processuais a serem cumpridos, a sua não observância é um ônus que não deve pesar somente contra o réu.
Nucci (2015) assevera que é de incumbência do Estado desenvolver todos os atos processuais no menor tempo possível, dando resposta imediata à ação criminosa e poupando tempo e recursos das partes.
A Emenda Constitucional nº 19/98, que promoveu a reforma administrativa do Estado, veio para diminuir custos e tornar a administração dos serviços estatais mais eficientes, de modo a agregar valor aos impostos pagos pelos contribuintes. Assim, não há nenhuma razoabilidade ou eficiência prosseguir com um processo criminal natimorto, desperdiçando recursos materiais públicos, como água, luz, energia, papel etc., bem como o labor de magistrados, advogados, servidores e outros autores envolvidos na instrução criminal.
Neste sentido, sem contrariar o posicionamento, repise-se sem força obrigatória, dos Tribunais Superiores – que veda a extinção da punibilidade do réu, com fundamento do art. 107, inciso IV, do código Penal, com base em pena em perspectiva –, a solução dada por alguns magistrados, apoiado por boa parte da doutrina, é a de extinguir o processo sem julgamento do mérito, ante a carência de ação consubstanciada na falta de interesse de agir no que se refere à utilidade do processo, com fundamento no artigo 485, inciso VI, do Código Processo Civil combinado com o artigo 3° do Código Processo Penal.
Com efeito, se diante de um juízo prévio que assegure – naquele momento, com a extrema certeza, pelo cotejo das provas coligidas aos autos –, que não será possível ao julgador aplicar uma pena ao acusado apta a impedir a ocorrência da extinção da pretensão punitiva estatal por ocasião da sentença condenatório, é medida de rigor a aplicação do instituto da prescrição virtual, antecipada, ou em perspectiva, em razão da inexistência de interesse – utilidade da ação penal.
Diante do exposto, finaliza-se o presente trabalho asseverando a importância do instituto da prescrição em perspectiva para o Direito Penal brasileiro, sobretudo, em razão da necessidade de redução da taxa de congestionamento de processos criminais em curso no país sem qualquer efetividade. Ressaltando-se, entretanto, que o referido instituto não deve ser aplicado indiscriminadamente, mas sim de forma excepcionalíssima, nas condições alhures apresentadas, sob pena de se fomentar a impunidade no país.
7. REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Ricardo Jesus da. A importância da prescrição em perspectiva para a efetividade do direito penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52246/a-importancia-da-prescricao-em-perspectiva-para-a-efetividade-do-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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