RESUMO: O hodierno artigo científico tem como objetivo elucidar as finalidades dos institutos da interceptação, escuta, gravação telefônica e quebra de sigilo de dados, assuntos que no atual cenário jurídico-político tem despertado a curiosidade da população em geral, especificamente dos estudiosos do Direito. A abordagem do assunto é de suma importância, haja vista que em virtude do aumento de sua utilização surgiram questionamentos acerca de sua legalidade, bem como de suas peculiaridades diante da Constituição Federal e da Lei n. 9.296/1996. Desta forma, este artigo, pautado em orientações atuais dos Tribunais Superiores, bem como em leis positivadas, buscará expor a visão moderna dos institutos e sua adequada utilização.
PALAVRAS-CHAVE: Interceptação. Lei n. 9.296/96. Escuta. Gravação. Autorização Judicial. Quebra de sigilo de Dados.
ABSTRACT: The current scientific article aims to elucidate the purposes of the institutes of interception, listening, telephone recording and data breach, issues that in the current juridical and political scenario have aroused the curiosity of the population in general, specifically of law students . The approach of the subject is of great importance, since in view of the increase of its use questions have arisen about its legality, as well as its peculiarities before the Federal Constitution and Law n. 9,296 / 1996. In this way, this article, based on current guidelines of the Superior Courts, as well as positive laws, will seek to expose the modern vision of the institutes and their proper use.
KEY WORDS: Interception. Law no. 9,296 / 96. Listening. Recording. Judicial Authorization. Data privacy breach.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Diferenciação entre interceptação, escuta, gravação telefônica e quebra de sigilo de dados. 3. Da interceptação telefônica; 4. Da escuta telefônica. 5. Da gravação telefônica. 6. Da quebra de sigilo de dados telefônicos. 7. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
As polêmicas acerca da legalidade dos institutos da interceptação, escuta, gravação telefônica e quebra de sigilo de dados tiveram seu ápice com o início das investigações da Operação Lava Jato. Nos atos investigatórios sobre o caso, foram diversos os casos em que os advogados das partes questionavam judicialmente a legalidade da imposição dos institutos, bem como de sua ampla publicidade nos meios de comunicação.
Acerca do tema, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XII, foi expressiva em regulamentar a inviolabilidade ao sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, exceto, neste caso, por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Em virtude das contradições e inexatidão da interpretação do inciso XII do art. 5º da CF, foi criada a Lei n. 9.296/1996, que trata da interceptação telefônica, com o intuito de regulamentar o dispositivo citado, esclarecendo quais os procedimentos deverão ser adotados para sua decretação, tal como os prazos e requisitos de admissibilidade.
No entanto, a Lei n. 9.296/1996 abarca apenas a interceptação e a escuta telefônica, que são meios de captação da comunicação por terceiros, sem ou com o consentimento de um dos interlocutores. Os demais institutos são protegidos pela regra geral disposta no art. 5º, inciso XII da CF.
Desta forma, diante da peculiaridade de casa instituto e de sua imprescindibilidade para a ideal persecução das investigações e dos processos penais, bem como objetivando, ao mesmo tempo, efetivar as garantias individuais aos investigados, faz-se relevante o aprofundamento e esclarecimento dessas ferramentas, que a cada dia tornam-se mais usuais.
2. DIFERENCIAÇÃO ENTRE INTERCEPTAÇÃO, ESCUTA, GRAVAÇÃO TELEFÔNICA E QUEBRA DE SIGILO DE DADOS.
A mixórdia existente entre os conceitos e características da interceptação telefônica, escuta telefônica, gravação telefônica e quebra de sigilo de dados são vastas. No entanto, esses institutos não se confundem, possuindo características personalíssimas que a distinguem entre si, conforme será demonstrado.
A interceptação telefônica é um meio de prova muitas vezes utilizada pelo Poder Judiciário, que busca com a sua aplicação obter maiores informações sobre as infrações penais.
Segundo o entendimento de Avolio, a interceptação telefônica é:
[...] a captação da conversa telefônica por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores. Seria aquela atividade que se efetivaria por meio de “grampeamento”, ou seja, pelo fato de “interferir numa central telefônica, nas ligações da linha de telefone que se quer controlar, a fim de ouvir e/ou gravar conversações. (2010, p. 94).
Já a escuta telefônica diferencia-se substancialmente da interceptação, haja vista que em sua execução a captação da comunicação é realizada por um terceiro com o consentimento de um dos interlocutores (GRECO FILHO, 2012, p.162).
Diante disso, verifica-se que tanto na escuta telefônica quanto na interceptação telefônica há três indivíduos, sendo que sempre será encarregado pela gravação aquele que não estiver participando do diálogo.
No tocante à gravação telefônica, sua ocorrência é verificada quando existir apenas dois interlocutores, sendo que um deles será responsável pela gravação da própria conversa, sem que o outro tenha conhecimento.
Conforme Rabonese (apud SILVA, 2002, p. 49):
A gravação clandestina consiste no ato de registro de conversação própria por um de seus interlocutores e sub-repticiamente feita por intermédio de aparelho eletrônico ou telefônico (gravação clandestina propriamente dita) ou no ambiente da conversação (gravações ambientais).
Já a interceptação é sempre caracterizada pela intervenção de um terceiro na conversação mantida entre duas pessoas: se a interceptação foi realizada em conversação telefônica, e um dos interlocutores tiver conhecimento, caracteriza-se a escuta telefônica; se não houver conhecimento por parte dos interlocutores, evidencia-se a interceptação stricto sensu; se a interceptação for feita entre presentes com conhecimento de um dos interlocutores caracteriza-se a escuta ambiental, ao passo que se for do conhecimento, será considerado como interceptação ambiental
Dentre os institutos abordados neste artigo, o que mais se difere é a quebra de sigilo de dados telefônicos, uma vez que enquanto os demais instrumentos são utilizados em uma comunicação telefônica, este se refere à obtenção dos registros armazenados no telefone ou na companhia telefônica sobre as ligações efetuadas e recebidas, as datas das chamadas, horários, números de telefones, etc.
Ademais, há também a espécie denominada quebra de sigilo de dados telemáticos, que de modo diverso se refere à obtenção não mais dos registros telefônicos, mas sim das informações oriundas de mensagens trocadas via whatsapp, facebook, torpedos, e-mails e outros meios que possibilitem a realização de comunicação.
Inobstante, oportuno esclarecer que além dos institutos expostos alhures, há também a interceptação ambiental, escuta ambiental e a gravação ambiental, que possuem praticamente a mesma essência daquelas já citadas, distinguindo-se tão somente quanto ao local de sua ocorrência, que não mais se restringe ao meio telefônico.
Por outro lado, interceptação, escuta e gravação ambiental têm praticamente os mesmos conceitos já expostos, com a peculiaridade de se referirem a conversa não telefônica (conversa pessoal). Desse modo, interceptação ambiental é a realizada por terceiro, sem o conhecimento dos comunicadores; escuta ambiental realiza-se quando a captação da conversa não telefônica é feita por terceiro, com o conhecimento de um dos comunicadores e, por último, a gravação ambiental ocorre quando a captação da conversa telefônica é efetuada por um dos comunicadores (SANTOS, 2007, p. 20, grifo nosso).
Desta forma, averigua-se que o único ponto de divergência entre as interceptações, escutas e gravações telefônicas e as ambientais referem-se ao meio utilizado para captação da comunicação, que neste caso ultrapassa os meios telefônicos, abrangendo o ambiente em que os interlocutores se encontram, podendo, inclusive, ser realizada através de imagens e áudios adquiridos por câmeras de segurança.
3. DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
A interceptação telefônica é regida pela Lei n. 9.296/1996, que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal. Este instituto necessita, para sua adequada aplicação, da observância de determinados requisitos legais e de autorização judicial.
O art. 1º da mencionada lei, dispõe em seu caput que a interceptação telefônica poderá ser aplicada como prova tanto na investigação criminal quanto em instrução processual penal, sendo imprescindível em qualquer circunstância a ordem judicial fundamentada do juiz competente, ex officio ou a requerimento da autoridade policial ou do representante do Ministério Público, sempre sob segredo de justiça.
Desta forma, uma vez admitida a interceptação através de autorização do juiz competente pelo caso, as provas obtidas deverão ser resguardadas, servindo apenas ao processo ou investigação, não devendo ser divulgada em meios de ampla circulação, haja vista a necessidade da proteção à inviolabilidade da intimidade de qualquer indivíduo.
Por conseguinte, para que seja admitida a interceptação de comunicações telefônicas o Juiz deverá verificar no caso concreto, conforme dispõe o art. 2º da perquirida lei, a existência dos seguintes requisitos: i) indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; ii) for o único meio de prova disponível, e; iii) o fato investigado ser punido com pena de reclusão.
Ademais, de forma cumulativa, deverá ser demonstrada que a realização da interceptação é imprescindível à apuração da infração penal, com a devida indicação dos meios a serem empregados para execução. Ainda, excepcionalmente, pode o juiz admitir o pedido verbalmente, desde que presentes todos os requisitos necessários à interceptação, sendo condicionada a concessão à redução a termo do requerimento (art. 4º da Lei n. 9.296/1966).
Ressalte-se que a decisão do juiz deverá ser sempre fundamentada, sob pena de nulidade, indicando a forma como será executada a interceptação, bem como o prazo para a realização das diligências, que não poderá exceder 15 dias, sendo admissível, no entanto, sua prorrogação por igual tempo (art. 5º da Lei n. 9.296/1966).
Uma vez acolhido o pedido de interceptação a autoridade policial conduzirá o procedimento, com ciência do Ministério Público, que querendo, poderá acompanhar os atos. Em caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação, esta deverá ser degravada, ou seja, transcrita nos autos para melhor instrução das partes.
No tocante à degravação, tanto a doutrina majoritária como os Tribunais Superiores tem entendido ser desnecessária a transcrição integral das informações obtidas da comunicação, sendo suficiente a reprodução parcial, desde que seja assegurado às partes, nos autos, o acesso a todo conteúdo adquirido, a fim de proporcionar ao investigado o exercício da ampla defesa e do contraditório.
Nesses termos, veja-se o julgado do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DISPENSÁVEL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. ART. 1º DA LEI N. 9.613/1998. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTO AUTÔNOMO. SÚMULA 182/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência deste STJ, a transcrição integral do conteúdo da interceptação telefônica é dispensável, sendo suficiente a transcrição dos trechos que digam respeito ao investigado embasadores da denúncia , para que, a partir deles, exerça o contraditório e a ampla defesa. 2. A declaração de nulidade atinente à transcrição parcial das interceptações telefônicas, assim como as demais nulidades processuais, exige demonstração de eventual prejuízo concreto suportado pela parte. Precedentes. 3. "A ausência de impugnação específica do fundamento autônomo adotado pela decisão que negou seguimento ao agravo em recurso especial atrai a incidência do óbice previsto na Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça". (PET no AREsp 392.046/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 28/02/2014) 4. Agravo Regimental desprovido. (STJ – AgRg no REsp: 1171305 SC 2009/0241893-8, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 06/06/2017, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/06/2017, grifo nosso)
Após a realização das diligências pela autoridade policial, será encaminhado o resultado obtido na interceptação para o juiz. Válido mencionar que as diligências executadas para apurar provas na interceptação telefônica ocorrerão em autos apartados, devendo ser sempre preservado o sigilo das informações obtidas, em prestígio ao art. 5º, inciso XII da CF.
Além disso, é visível, diante do art. 10 da Lei n. 9.296/1996, a proteção dada ao sigilo das interceptações, tendo em vista que o citado dispositivo regulamenta que constitui crime realizar interceptações telefônicas, de informática ou telemática, tal como quebrar o segredo de justiça, sem autorização legal ou com objetivos não especificados em lei.
Diante disso, verifica-se que o procedimento adotado na interceptação telefônica é repleto de minúcias que devem ser prontamente obedecidas, inclusive quanto à imprescindibilidade da ordem judicial. Todos esses pormenores visam resguardar o direito indeclinável do investigado à proteção de sua intimidade, a vida privada, a honra e sua imagem, que possuem proteção constitucional (art. 5º, inciso XI da CF), merecendo especial proteção do Estado-Juiz.
4. DA ESCUTA TELEFÔNICA
A escuta telefônica, assim como a interceptação, é regida pela Lei n. 9.296/1996, haja vista se tratar de instituto no qual há a presença de terceiros captando a comunicação entre os interlocutores, embora um destes tenha conhecimento sobre a absorção.
Nesse viés, pertinente mencionar que a aplicabilidade da Lei n. 9.296/1996 nas escutas telefônicas é tema contraditório entre os doutrinadores. Alguns entendem que a escuta telefônica, para ser admitida, deve ser analisada caso a caso, não se submetendo ao crivo da Lei n. 9.296/96.
Por outro flanco, o professor Luiz Flávio Gomes, ao lado da doutrina majoritária, entende que a Lei n. 9.296/96 é completamente aplicável às escutas telefônicas, tendo em vista que se trata de uma modalidade de interceptação de comunicação, diferenciando-se tão somente no tocante à ciência, de um dos interlocutores, da captação dos diálogos.
Do mesmo modo tem decidido o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, que por vezes acabam até mesmo a confundir a nomenclatura de cada instituto, utilizando-os como sinônimos.
Desta forma, via de regra, utiliza-se a Lei n. 9.296/96 para regular os procedimentos da escuta telefônica, sendo necessária a ordem judicial para que a interceptação seja executada, devendo-se conceder igualmente a proteção regulamentada no art. 5º, incisos XI e XII da CF.
5. DA GRAVAÇÃO TELEFÔNICA
A gravação telefônica, diferentemente da interceptação e escuta, não conta com o auxílio de terceiros para a captação da comunicação entre os interlocutores. Nesse caso, um dos próprios interlocutores é responsável pela gravação da conversação.
Atualmente, não há qualquer lei que regulamente o procedimento da gravação telefônica, no entanto, o STF possui entendimento sedimentado acerca do instituto. Assim, inexistindo lei regulamentadora, a gravação é tida como meio lícito de prova, sendo plenamente cabível sua utilização no processo.
Nesse sentido a Min. Ellen Gracie proferiu seu voto:
“A gravação feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, nada tem de ilicitude, principalmente quando destinada a documentá-la em caso de negativa” (STF – Rela. Ellen Gracie – RT 826/524).
Além disto, a utilização da gravação telefônica como meio de prova processual, regra geral, independe de autorização judicial. No entanto, há casos isolados em que se necessita de ordem judicial, tendo em vista que se pode estar diante de uma violação ao direito da intimidade de um dos interlocutores.
Como exemplos de situações em que se tem o direito à intimidade violado pode-se citar a hipótese em que a gravação telefônica tenha como um de seus interlocutores um advogado, padre ou pastores, haja vista que estes profissionais são legalmente protegidos pelo sigilo inerente às suas funções.
Nessa perspectiva elucida o Ministro Cezar Peluso, em voto no julgamento do Recurso Extraordinário n. 402.717/PR:
[...] não há ilicitude alguma no uso de gravação de conversação telefônica feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, com a intenção de produzir prova do intercurso, sobretudo para defesa própria em procedimento criminal, se não pese, contra tal divulgação, alguma específica razão jurídica de sigilo nem de reserva, como a que, por exemplo, decorra de relações profissionais ou ministeriais, de particular tutela da intimidade, ou doutro valor jurídico superior.
Ademais, relevante mencionar que o STF julgou caso emblemático envolvendo gravação clandestina. Na situação, uma mãe, desconfiada de que sua filha, de 13 (treze) anos, estava mantendo relações sexuais com um indivíduo maior de idade, solicitou a um “detetive particular” que o telefone da residência fosse “grampeado”.
Em observância ao teor das conversas, verificou-se que a menor estava mantendo relações sexuais com o maior. Assim, a genitora comunicou o fato a policial, e consequentemente o Ministério Público ajuizou denuncia em desfavor do acusado, que ao final resultou na condenação com fulcro no art. 217 do Código Penal.
O acusado, inconformado com a decisão, recorreu ao STJ, alegando que a gravação utilizada como prova no processo penal era ilícita, pois se tratava de interceptação, uma vez que a captação da conversa havia sido efetuada por terceiros.
No entanto, a tese do acusado não foi aceita, alegando o STJ que, na verdade, tratava-se de gravação telefônica, pois, a vítima era absolutamente incapaz, sendo seus atos civis representados por seus pais. Desta forma, no momento em que a genitora autorizou a gravação, o consentimento é válido, como se tivesse sido feito pela própria menor. In verbis:
“a gravação da conversa, nesta situação, não configura prova ilícita, uma vez que não ocorreu uma interceptação da comunicação por terceiro, mas sim mera gravação, com auxílio técnico de terceiro, pela proprietária do terminal telefônico, objetivando a proteção da liberdade sexual de absolutamente incapaz, seu filho, na perspectiva do poder familiar, vale dizer, do poder-dever de que são investidos os pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância.” STJ. 6ª Turma. REsp 1.026.605-ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/5/2014
Em síntese, mesmo diante da inexistência de lei regulamentadora, tanto a doutrina quanto a jurisprudência dos Tribunais Superiores têm entendimentos consolidados sobre os procedimentos a serem adotados nos casos de gravações telefônicas, entendendo, inclusive, que sua utilização, em regra, é lícita como meio de provas, bem como que prescinde de autorização judicial.
6. DA QUEBRA DE SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS
A quebra de sigilo de dados telefônicos, como já mencionado, refere-se à captação dos registros documentados e armazenados através das companhias telefônicas, assim como as datas das chamadas, horário, números de telefones em contato, etc.
Esse instituto também não possui lei infraconstitucional que o regule, sendo seus procedimentos orientados através de entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, uma vez que a Lei n. 9.296/96 não alcança a quebra de sigilo de dados telefônicos.
Na abordagem deste instituto, convém destacar que com o avanço tecnológico, surgiu novo instituto com nomenclatura semelhante à quebra de sigilo de dados telefônicos, qual seja: a quebra de sigilo telemático.
Enquanto aquele trata de dados telefônicos, como os arquivos de ligações efetuadas e recebidas, a quebra de sigilo telemático diz respeito ao acesso às mensagens via whatsapp, facebook, torpedos, e-mails e outros, ou seja, a meios que se utilizam da informática e internet. Assim, faz-se imprescindível distinguir esses dois institutos, uma vez que cada um deles possui tratamento específico.
No tocante à quebra de sigilo de dados telefônicos, o Min. Gilson Dipp, em sede do Habeas Corpus n. 66368, posicionou-se da seguinte maneira quanto à necessidade de autorização judicial para sua utilização como prova:
O fato de ter sido verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas pelos dois celulares apreendidos em poder do correu, cujos registros se encontravam gravados nos próprios aparelhos, não configura quebra do sigilo telefônico, pois não houve requerimento à empresa responsável pelas linhas telefônicas, no tocante à lista geral das chamadas originadas e recebidas, tampouco conhecimento do conteúdo das conversas efetuadas por meio destas linhas. É dever da Autoridade policial apreender os objetos que tiverem relação com o fato, o que, no presente caso, significava saber se os dados constantes da agenda dos aparelhos celulares teriam alguma relação com a ocorrência investigada.
Desta forma, averigua-se que sua utilização como meio de prova prescinde de autorização judicial, basta ver que o mero acesso aos registros de ligações efetuadas e recebidas não violam a intimidade dos interlocutores, pois não se teve acesso ao teor da comunicação.
Para a jurisprudência e a doutrina a quebra do sigilo de dados telefônicos não se submete à cláusula da reserva de jurisdição do art. 5º, inciso XII da CF, ou seja, não necessita de autorização judicial para sua efetivação. Dessa maneira, poderá a própria autoridade policial verificar os registros constantes no telefone, desde que seus atos não ultrapassem e afetem a intimidade.
Em sentido diametralmente oposto, a quebra de sigilo telemático necessita de autorização judiciária para que seja executada, uma vez que nesse instituto tem-se acesso ao conteúdo da comunicação, podendo ser assim desrespeitada a intimidade dos interlocutores.
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. DADOS ARMAZENADOS NO APARELHO CELULAR. INAPLICABILIDADE DO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA LEI N. 9.296/96. PROTEÇÃO DAS COMUNICAÇÕES EM FLUXO. DADOS ARMAZENADOS. INFORMAÇÕES RELACIONADAS À VIDA PRIVADA E À INTIMIDADE. INVIOLABILIDADE. ART. 5º, X, DA CARTA MAGNA. ACESSO E UTILIZAÇÃO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 3º DA LEI N. 9.472/97 E DO ART. 7º DA LEI N. 12.965/14. TELEFONE CELULAR APREENDIDO EM CUMPRIMENTO A ORDEM JUDICIAL DE BUSCA E APREENSÃO. DESNECESSIDADE DE NOVA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ANÁLISE E UTILIZAÇÃO DOS DADOS NELES ARMAZENADOS. RECURSO NÃO PROVIDO. I O sigilo a que se refere o art. 5º, XII, da Constituição da República é em relação à interceptação telefônica ou telemática propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos. Desta forma, a obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei n. 9.296/96. II Contudo, os dados armazenados nos aparelhos celulares decorrentes de envio ou recebimento de dados via mensagens SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens (dentre eles o "WhatsApp"), ou mesmo por correio eletrônico, dizem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, sendo, portanto, invioláveis, no termos do art. 5º, X, da Constituição Federal. Assim, somente podem ser acessados e utilizados mediante prévia autorização judicial, nos termos do art. 3º da Lei n. 9.472/97 e do art. 7º da Lei n. 12.965/14. III A jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos ("WhatsApp"), mensagens enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, obtidos diretamente pela polícia no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel. [...] (STJ – RHC: 77232 SC 2016/0270659-2, Relator: Ministro FELIZ FISCHER, Data de Julgamento: 03/10/2017, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/10/2017)
Assim, é cristalino que o avanço tecnológico dos aparelhos telefônicos fez com que o celular deixasse de ser um dispositivo unicamente de conversação – de registro de dados –, abarcando agora diversas funções, como troca de mensagens e a recepção de e-mails, merecendo especial proteção da legislação pátria, que estão sendo devidamente observadas pelos Tribunais.
À vista disso, deduz-se que a distinção entre a quebra de sigilo de dados telefônicos e telemáticos é de suma importância aos aplicadores do direito, que deverão buscar sempre os procedimentos adequados ao caso, a fim de evitar a utilização de provas ilícitas para o processo.
Desta maneira, conclui-se que a diferença substancial entre os institutos pauta-se na necessidade de autorização judicial no caso de quebra de sigilo telemático, enquanto a quebra de sigilo de dados telefônicos prescinde de ordem judicial, uma vez que não atinge a intimidade do investigado.
7. Conclusão
Ante o exposto, percebe-se que os institutos da interceptação, escuta, gravação telefônica e quebra de sigilo de dados telefônicos possuem suas peculiaridades e merecem especial atenção legal, haja vista que visam proteger o direito à intimidade garantido pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XII.
No entanto, a utilização destes instrumentos são exceções nas quais se admitem a violação à intimidade dos interlocutores, objetivando proteger, muitas vezes, um bem maior em discussão na persecução penal, bem como a fim de angariar provas que materializem o crime investigado.
No mais, há que se observar os procedimentos legais (Lei n. 9.296/96 – Interceptação e escuta) e jurisprudenciais adotados na execução de cada um desses instrumentos, visando viabilizar sua adequada aplicação e proteção à intimidade dos indivíduos.
REFERÊNCIAS:
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STJ. 6ª Turma. REsp 1.026.605-ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/5/2014
STJ – AgRg no REsp: 1171305 SC 2009/0241893-8, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 06/06/2017, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/06/2017
VOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
Advogada - Formada no Centro Universitário Unic II. Pós-graduada em Direito Processual Civil. MBA em Direito do Agronegócio. Pós-graduanda em Direito Empresarial. Membra da Comissão do Direito da Mulher na OAB/MT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Valéria Maria do. Os institutos da interceptação, escuta, gravação telefônica, quebra de sigilo de dados e suas peculiaridades Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52355/os-institutos-da-interceptacao-escuta-gravacao-telefonica-quebra-de-sigilo-de-dados-e-suas-peculiaridades. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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