MAURÍCIO KRAEMER UGHINI
(Orientador)
RESUMO: O presente trabalho aborda os crimes cibernéticos segundo a tipificação penal, como uma forma de analisar a efetividade da prestação jurisdicional no ordenamento jurídico brasileiro. O objetivo principal é debater acerca dos crimes cibernéticos, demonstrando alguns crimes, princípios e legislações acerca do tema, com o intuito de ratificar a importância de uma legislação que legitima as relações no mundo da internet. E com os objetivos específicos têm-se: pesquisar acerca da tipificação penal dos crimes cibernéticos; espécies de crimes cibernéticos e suas classificações; evolução histórica do computador e da internet; a influência das redes sociais nos crimes cibernéticos. Ao final a pesquisa examinou a necessidade de tipificar os crimes cibernéticos para segurança social. Conclui-se que é de urgência a elaboração de tais leis, uma vez que os ciber crimes não param, e com o alcance da internet, acabem ficando impunes, pela dificuldade de definir a competência, mas principalmente, identificar o sujeito do crime, o que é imprescindível para a apuração e sanção de tais condutas.
Palavras-chave: Direito penal. Internet. Tipicidade. Crimes Virtuais..
ABSTRACT: The present work deals with cybercrimes according to the criminal classification, as a way of analyzing the effectiveness of the jurisdictional provision in the Brazilian legal system. The main objective is to discuss cybercrime, demonstrating some crimes, principles and legislation on the subject, in order to ratify the importance of legislation that legitimizes relationships in the internet world. And the specific objectives are: to investigate the criminalization of cybercrimes; types of cybercrimes and their classifications; historical evolution of the computer and the internet; the influence of social networks on cybercrime. In the end the research examined the need to typify cybercrimes for social security. It is concluded that it is urgent to draw up such laws, since cybercrimes do not stop, and with the reach of the internet, they end up getting unpunished, due to the difficulty of defining competence, but mainly, to identify the subject of the crime, the which is essential for the determination and sanction of such conduct.
Key Words: Criminal law. Internet. Typicity. Virtual Crimes.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. HISTÓRIA DA INTERNET E O CONCEITO DE CRIME CIBERNÉTICO; 1.1 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS; 2. TIPIFICAÇÃO DOS CRIMES; 2.1 MARCO CIVIL DA INTERNET; 2.2 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE; 3 DA TIPICIDADE PENAL DOS CRIMES CIBERNÉTICOS.
INTRODUÇÃO
O direito como ciência social e evolutiva, deve acompanhar, com sincronia, as evoluções e transformações sociais, uma vez que esta tutela os bens jurídicos dos cidadãos que compõe tal sociedade. Essa evolução mútua nos remete ao conceito de justiça, pois, o que foi justo nos séculos passados, não é mais nos dias de hoje e o que é justo hoje não será daqui a alguns anos.
Assim, na busca da justiça ideal, o direito não pode sobrestar no tempo, deixando de se atualizar em relação ao que é justo, pois a necessidade de um Estado maior que regule as relações sociais se faz presente desde sempre e isso está intrínseco nos anseios humanos e o direto não pode se distanciar da realidade atual, tal como ela se apresenta.
Com isso, em uma sociedade, onde a tecnologia evoluiu com uma velocidade recorde, se faz necessária a evolução do direito para tutelar os bens jurídicos, tanto os já existentes quanto os novos, na mesma velocidade. Ponderando a sociedade atual, que muitos já classificam de pós-moderna, a tecnologia avançada já é uma realidade que está presente em todas as áreas, em uma proporção que os sistemas de segurança dos computadores ficam constantemente obsoletos frente às novas condutas delituosas.
Por isso, é necessário que o direito tipifique tais delitos, a fim de promover segurança, proteção e principalmente a privacidade para que seus tutelados não sejam prejudicados.
Assim, é de grande valia a compreensão da história do computador e da internet, bem como a extensão dos delitos cometidos nas redes, uma vez que o alcance destes pode gerar efeitos no mundo jurídico e corroborar com consequentes aumentos e diminuições de penas.
Ademais, é necessário analisar os aspectos constitucionais acerca desses crimes, principalmente no que tange o direito à privacidade e a competência para processar e julgar, uma vez que a internet conecta pessoas em todo o território nacional e no exterior e facilita a prática de crimes como invasão de privacidade, pedofilia, calúnia, injúria e difamação.
Por fim, o presente trabalho abordará também, o marco civil da internet, a aplicação do princípio da legalidade e proporcionalidade da pena e a tipificação penal, elementos estes imprescindíveis de serem analisados para o entendimento do tema.
1 - HISTÓRIA DA INTERNET E O CONCEITO DE CRIME CIBERNÉTICO
O direito como ciência social, que deve sempre acompanhar as modificações evolutivas da sociedade que rege não pode, em hipótese alguma, ficar inerte e alheio a essa nova realidade virtual. Principalmente pelos benefícios e malefícios que a internet inseriu dentro do contexto social. Em um ciberespaço onde o anonimato e a rapidez de troca e compartilhamentos de informações ocorrem em tempo recorde, às condutas criminosas também se fazem presentes de uma forma muito danosa.
Portanto, os efeitos no mundo jurídico que tais práticas no ciberespaço provocam devem ser amparados pelo direito uma vez que este é o tutor dos direitos de sua sociedade. Claro, que pela morosidade do sistema legislativo brasileiro, o direito nem sempre poderá acompanhar em tempo real as modificações na sociedade, até pelo cuidado que se deve ter em elaborar leis que realmente sejam de uso eficaz na sociedade.
Destarte é necessário, antes de adentrar nas questões legislativas, compreender o surgimento da internet. Esta surgiu durante a guerra fria, onde os norte-americanos e URSS a utilizava como meio de informação e descentralizações de suas informações para que dados não se perdessem, além de interligar os comandos estratégicos americanos por prevenção de algum ataque russo.
No ano de 1962, Joseph Licklider, engenheiro do Instituto Tecnológico de Massachusetts, pensou em criar uma Rede Intergalática de Computadores. Tempos depois surgiu o marco do “nascimento da Internet”, com a criação da ARPANET, a rede de conexão da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada dos Estados Unidos.
No Brasil, a internet veio no final da década de 1980, onde as universidades de São Paulo e do Rio de Janeiro começaram a compartilhar informações com os Estados Unidos e assim formou-se a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), que ganhou força e se difundiu pelo país. Após isso, a internet se aprimorou até chegar ao patamar atual, onde o compartilhamento de dados e informações ganha um numero impressionante de usuários.
O marco civil da internet, que é também chamado de Constituição da Internet, trouxe em seu artigo 5º os seguintes conceitos:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - Internet - o sistema constituído de conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes;
II - terminal - computador ou qualquer dispositivo que se conecte à Internet;
III - administrador de sistema autônomo - pessoa física ou jurídica que administra blocos de endereço Internet Protocol - IP específicos e o respectivo sistema autônomo de roteamento, devidamente cadastrada no ente nacional responsável pelo registro e distribuição de endereços IP geograficamente referentes ao País;
IV - endereço IP - código atribuído a um terminal de uma rede para permitir sua identificação, definido segundo parâmetros internacionais;
V - conexão à Internet - habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela Internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP;
VI - registro de conexão - conjunto de informações referentes à data e hora de início e término de uma conexão à Internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados;
VII - aplicações de Internet - conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à Internet;
VIII - registros de acesso a aplicações de Internet - conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação de Internet a partir de um determinado endereço IP. (BRASIL, Lei nº 12.936, 2014, art. 1º)
Tais conceitos são de suma importância para a aplicação das leis nos crimes cibernéticos, tanto para situar o usuário das ferramentas que utilizam. Destarte também é necessário compreender o que são crimes cibernéticos, para Augusto Rossini:
[...] o conceito de “delito informático” poderia ser talhado como aquela conduta típica e ilícita, constitutiva de crime ou contravenção, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, praticada por pessoa física ou jurídica, com o uso da informática, em ambiente de rede ou fora dele, e que ofenda, direta ou indiretamente, a segurança informática, que tem por elementos a integridade, a disponibilidade a confidencialidade. (ROSSINI, 2004, p. 110.)
A ausência física do agente compromete muito a determinação do autor do delito, isso por que o anonimato é característica do uso da internet, por isso as tipificações de tais delitos são fundamentais para coibir tais praticas. Crimes cibernéticos estão relacionados com qualquer utilização informática a que o agente tenha contato para tais práticas.
Tais crimes não só são inerentes a usuários comuns, mas até mesmo em locais públicos como é o caso do julgado do TJ-RS:
CRIME CIBERNÉTICO - FUNCIONÁRIO PÚBLICO - DELITO SEM COMPLEXIDADE - ESSÊNCIA DOS CRIMES DE ALTERAÇÃO DE SISTEMA INFORMATIZADO - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS - PENA BASE FIXADA NO MÍNIMO. Funcionário da CEEE que transfere no sistema, débito de fornecimento de energia para pessoa fictícia. Crime cibernético tipificado no art. 313-A do Código Penal. Sendo favoráveis todas as circunstâncias judiciais, a pena base deve situar-se no mínimo. Não se pode entender como complexa, conduta de agente nessas condições, já que a alteração de dados em sistema informatizado é da própria...
(TJ-RS - ACR: 70043570068 RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Data de Julgamento: 06/10/2011, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/10/2011)
Destarte, tal caso serve para demonstrar que os crimes cibernéticos estão implantados em todos os segmentos e merecem ser tipificados, uma vez que dos danos produzidos por estes geram inúmeros transtornos, como a violação de direitos fundamentais que são imprescindíveis para a convivência e bem estar social.
As barreiras para identificar os agentes criminosos são muitas, o poder de polícia junto com o Ministério Público ainda não chegou ao patamar de eficiência exigido para esse tipo de crime, por mais que sejam muito eficazes no combate dessas praticas. Frente a essa nova realidade, no ordenamento jurídico surgiu o Ciberdireito, ou ainda Direito Digital, um novo ramo do direito especializado em crimes cometidos na internet, mas que abrange as outras áreas, como civil, penal, consumidor etc.
O surgimento de um ramo próprio para tratar desse tema foi fundamental para que esses crimes sejam tratados com maior seriedade e rigor. Tal fato é a evolução do próprio direito frente Às necessidades sociais que surgiram com o alcance mundial da internet e dos efeitos desta no mundo jurídico.
1.1 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
A Constituição Federal, como lei maior, traz consigo previsões de direitos que se fazem necessários para a convivência em sociedade, e que se estende ao âmbito da internet. São direitos fundamentais que devem ser respeitados independentemente de onde estão sendo violados. No ciberespaço, todos os dias tais direitos são violados, entretanto, por falta de legislações acerca do tema, tais condutas passam impunes. Os direitos fundamentais possuem duas dimensões, o objetivo e o subjetivo, Paulo Thadeu Gomes da Silva explica da seguinte forma:
[...] Por dimensão subjetiva entende-se que o indivíduo tem reconhecidos em seu favor, pelo ordenamento jurídico, direitos que valem contra o Estado, isto é, o individuo pode impor seus interesses contra os órgãos obrigados. (SILVA, 2010, pg. 106)
Assim, encaixando os direitos fundamentais violados na internet, na dimensão subjetiva, pode-se dizer que, quando um indivíduo tem, por exemplo, seus dados pessoais violados e transmitidos a terceiros sem prévio consentimento, este poderá utilizar-se de seu direito subjetivo para acionar o poder do Estado para resolver tal lide, podendo ser nas esferas cível e penal. Ocorre que sem uma norma penal regulamentadora tal conduta não poderá ser punida criminalmente, uma vez que pelo princípio da legalidade, não há crime sem lei anterior que o defina e nem pena sem prévia cominação legal.
Com isso, conclui-se que para que o direito subjetivo seja cumprido e os direitos fundamentais sejam resguardados com eficácia é necessário suprir a carência de leis específicas para as condutas criminosas decorrentes do uso da internet. Destarte, pelo ponto de vista coletivo, ocorre com certa frequencia a violação de direitos coletivos na internet, uma vez que esta possui mecanismos, seja pelas redes sociais ou ferramentas de integração, que permitem que pessoas possam juntar-se para cometer tais delitos contra outros grupos. Grupos que incitam ódio a negros, mulheres, homossexuais, por exemplo, existem e crescem a medida que percebem que seus atos não são fiscalizados e punidos como deveriam.
Na dimensão objetiva, Paulo Thadeu Gomes da Silva explana da seguinte forma:
A dimensão objetiva dos direitos fundamentais tem a ver com a nova configuração estatal que atribui papel ao Estado não mais apenas de agente que deve se manter omisso e não interferir e uma determinada esfera de liberdade do indivíduo, mas sim, já agora agir para proteger direitos fundamentais, inclusive contra a violação perpetrada por particulares. [...] (SILVA, 2010, pg. 108).
A forma mais eficaz do Estado cumprir sua função objetiva dos direitos fundamentais é pelo processo legislativo, uma vez que para garantir a proteção de determinados direitos é necessário valer-se de leis especiais, como por exemplo, a prática do racismo, tortura, et., precisaram de leis especiais para que os direitos protegidos por elas fossem efetivamente resguardados, assim também é com a privacidade na internet, é necessário que o ordenamento jurídico brasileiro possua leis que determinam maior controle e criminalização de condutas ilícitas.
No artigo 5º, X da CF, está entabulada a previsão de que as pessoas têm o direito a inviolabilidade de sua vida privada, intimidade, honra, imagem, assegurado inclusive o direito a indenização por eventuais danos morais e materiais decorrentes de condutas que violem tais direitos. José Miguel Garcia Medina, em sua constituição comentada descreve a proteção da vida privada possui dois níveis de privacidade, que são a intimidade e a vida privada e as distingue:
[...] Vida privada opõe-se a noção de vida pública, já que se refere a dados e informações da pessoa que não são compartilhados com todos, indistinta e universalmente. Essa diferenciação, a nosso ver, é importante nos dias atuais, em que muitas pessoas optam, deliberadamente, por expor informações de sua vida publicamente (seja em jornais, revistas ou programas televisivos, seja em redes sociais na internet – cf. comentário a seguir) as informações relativas a vida privada dizem respeito àqueles que convivem e se relacionam com a pessoa. (MEDINA, 2014, pg. 84)
Quando se trata de intimidade, Medina explica que esta, por sua vez, está relacionada à àquilo que são mais pessoal e reservado, incluindo pensamentos segredos, sentimentos e emoções que não são compartilhados com terceiros, o que torna a intimidade ainda mais reservada do que a vida privada, pois esta ultima, pode ser compartilhada com pessoas de convivência, por exemplo, já a intimidade está mais intrínseca dentro da pessoa.
O que ocorre na internet é a violação da vida privada devido a dois fatores, o primeiro é a falta de leis regulamentadoras e a segunda é a dificuldade de limitar tais acessos uma vez que facilmente os usuários confundem a linha tênue entre liberdade de expressão e o respeito ao outro que está recebendo tal opinião, não raro é os casos de dados divulgados seguidos de opiniões que ferem a honra de outrem.
Existe, porém um fator que dificulta a noção de condutas na internet que é os limites da proteção à intimidade e à vida privada. José Miguel Garcia Medina versa:
[...] A proteção à intimidade é limitada, p.ex., quando alguém expõe informações pessoais em redes sociais na internet, o que demonstra como a pessoa dimensiona a própria intimidade. Se a pessoa usa suas características e qualidades pessoais publicamente em seu benefício (em sua vida profissional, por exemplo), autolimita, com isso, à proteção de sua privacidade e intimidade, na medida em que tal atributo integre o rol de qualidades relacionadas ao papel social exercido pela pessoa. [...]. (MEDINA, 2014, pg. 85).
Assim, se uma pessoa possui um cargo público que requer reputação ilibada, ou ainda certa formação acadêmico, etc., é necessário que se tenha a divulgação de sua vida privada para que ele possa assumir tal cargo. Nos cargos públicos eletivos, para que a população forme seu pensamento critico é preciso que tal candidato os informe de que possui uma vida dentro da moral e ética social inerentes a tal população.
Nestes casos, a divulgação de dados da vida privada não pode ser considerada ilícita, pois existem interesses significativos, a atenção é dada ao fato de que o repasse dessas informações deve ser de cunho informacional e não depreciativo e ainda de dados que corroboram para a atuação de tal cargo ou função na sociedade. Por mais repreensíveis que sejam dados da vida privada, estas não podem ser repassados no intuito de humilhar, depreciar ou ferir a honra da pessoa, mesmo que seja inerente a atividade desenvolvida.
Dentro desse aspecto, adentra-se à questão da honra e imagem, José Miguel Garcia Medina ainda coloca:
A constituição também protege a imagem. A honra de uma pessoa pode ser atingida quando indevidamente usada sua imagem, bem como, p.ex. em face do mau uso do seu nome [...] A inviolabilidade da honra e imagem diz respeito não apenas a atos que causem transtorno, mas, também, ao uso indevido. (MEDINA, 2014, pg. 85)
Assim, o uso indevido da imagem de alguém, mesmo existindo o limite da proteção da intimidade e da vida privada, pode resultar em danos morais e materiais. A internet, principalmente com as redes sociais, é um campo amplo, rápido e certeiro para condutas danosas como esta. A dificuldade de identificar o autor é ainda maior, uma vez que o compartilhamento de imagens e informações possui um fluxo intenso, dificultando achar a fonte da conduta ilícita.
No Pacto de San José da Costa Rica, em seu artigo 13, item 1, dispõe: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e expressão”. Tal item ainda menciona que esse direito inclui receber e difundir informações independentemente das fronteiras, por qualquer meio, sendo assim, deixa margem apara incluir a internet como meio válido para o repasse de informações.
Importante frisar que, o direito a liberdade de expressão é um dos mais importantes tanto do ordenamento jurídico brasileiro quanto internacional, é fundamental que seja respeitado e resguardado. A questão em tela são os limites entre o direito de um indivíduo ser livre para expressar-se e o direito de outrem não ser ofendido o ter danos morais ou materiais decorrentes a essa expressão.
Fato este, incluso no item 5, ainda do artigo 13, que diz:
Art. 13. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia a favor do ódio nacional, racial, ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. (Pacto San José da Costa Rica, Art 13. Item 5)
Portanto, a liberdade de expressão, não é um direito absoluto, deve sim, respeitar os demais direitos, inclusive o de outrem não ser lesado em sua honra por opiniões proferidas por terceiros. Disseminar ódio na internet também se enquadra, uma vez que os alcances dessas expressões são ilimitados, nesse mesmo sentido, Luiz Flávio Gomes e Valerio de Oliveira Mazzuoli entendem:
Os Estados têm o dever de proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à descriminalização, à hostilidade, ao crime ou à violência. [...] se preocupou a Convenção em reprimir toda propaganda (a favor da guerra) ou apologia (ao ódio nacional, racial, ou religioso) que constitua incitamento à descriminalização, à hostilidade, ao crime ou à violência. (GOMES, 2010, pg. 159)
Destarte, a internet não pode ser meio de apologia às condutas ilícitas, uma vez existentes limites à liberdade de expressão. Para apurar as irregularidades no ciberespaço é preciso antes formular normas que possam coibir tais condutas ilícitas, sobretudo impondo sanções para aqueles que as praticam.
Por fim, cabe destacar a súmula 403 do STJ, que trata da indenização pela publicação não autorizada de imagem com a seguinte redação: Independente de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. Assim é devida a indenização por independentemente de ter causado danos materiais para a vítima, cabendo dano moral pela publicação de imagem.
2 MARCO CIVIL DA INTERNET
Adentrando de forma mais pontual na tipificação dos crimes cibernéticos, é necessário analisar ponto como o Marco Civil da internet, que é uma inovação legislativa consideravelmente importante para o sistema de normas, a aplicação do princípio da legalidade e a tipicidade penal, com ênfase em sua importância para regular os crimes cibernéticos.
O Marco Civil da internet é sem dúvidas, o maior avanço legislativo frente às novas tecnologias. Tal marco refere-se à lei 12.936/14, onde estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Tem o intuito de orientar os usuários acerca de seus comportamentos, bem como regular serviços e conteúdos na rede.
Popularmente, a lei é chamada de Constituição da Internet, visando prevenir praticas criminosas no ciberespaço, e estabelecendo garantias quanto à privacidade dos usuários e liberdade de expressão, assim, impedir condutas delituosas e criar um ponto de referência para que seus usuários tenham base de como se portar na internet.
O Marco Civil da internet surgiu de uma proposta de lei nº 2.126, por uma iniciativa do Poder Executivo e passou por diversas comissões até ser cancelado pela Câmara dos Deputados, em 2014, trazido novamente à pauta, o projeto foi emendado, aprovado, e sancionado pela então presidente Dilma Rousseff em 23 de Abril de 2014 em uma Conferência Internacional, ou também conhecida NETMundial, em São Paulo.
Apesar de preencher uma lacuna na legislação, esta lei não traz tipificações de crimes ou delitos, mas sim, define responsabilidades relativas à utilização dos meios digitais. Dividida em cinco capítulos, prevê desde direitos e garantias do usuário até a atuação do poder público.
Destarte, o Marco Civil, apesar de sua nomenclatura, não deixa de ter interesses e versar sobre matéria penal, como é o caso dos princípios elencados no artigo 2º, II, que prevê os direitos humanos como fundamento ao respeito à liberdade de expressão. Tal lei é dividida em cinco capítulos, que merecem ser analisados.
O primeiro capítulo versa sobre as disposições preliminares, onde o legislador elencou em seis artigos princípios que servem com fundamento para o uso da internet. A sua primeira determinação é sobre sua finalidade, como dispõe de forma bastante clara o artigo 1º:
Art. 1o Esta Lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria. (BRASIL, Lei nº 12.936, 2014, art. 1º)
Assim, não só determina regras de comportamentos aos usuários, mas também, como os entes federativos podem se posicionar acerca do tema. Para tanto, as disposições preliminares trouxe princípios como, liberdade de expressão, defesa do consumidor, proteção da privacidade, direitos humanos, a pluralidade e a diversidade etc.
Além disso, como dispõe o artigo 4º, a lei define o objetivo do uso da internet no Brasil, que é a promoção do direito à internet a todos, o acesso à informação, ao conhecimento, e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos, observar-se-á que até então, o marco civil apenas explanou legislativamente o que já é sabido popularmente, mas que ainda assim, não tais objetivos não eram tão bem definidos.
Além disso, a inovação e o fomento à ampla difusão de novas tecnologias, modelos de uso e de acesso, bem como, a adesão de padrões tecnológicos abertos que permitam à comunicação, a acessibilidade e a interoperabilidade entre aplicações e base de dados também são objetivos elencados no artigo 4º.
Ao fechar o primeiro capítulo, o marco civil trouxe definições importantes para sanar quais quer dúvidas acerca do que é internet, terminal, administrador de sistema autônomo, conexo à internet, registro de conexão, aplicações de internet e registros de acesso a aplicações de internet, conceitos estes que para os operadores do direito e sociedade, por vezes podem ser confundidos, uma vez que as terminologias tecnológicas são diferentes. O artigo 6º, o último das disposições preliminares, traz a seguinte redação:
Art. 6º Na interpretação desta Lei, serão levados em conta, além dos fundamentos, princípios e objetivos previstos, a natureza da Internet, seus usos e costumes particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural. (BRASIL, Lei nº 12.936, 2014, art. 1º)
No segundo capítulo, são tratados os direitos e garantias dos usuários, tais como a inviolabilidade da intimidade, do sigilo do fluxo de informações e comunicações, a manutenção da qualidade de conexão contratada, da vida privada, a clareza de informações e cláusulas nos contratos de prestações de serviços e políticas de uso da web. Assim, se caso existirem cláusulas que usurpem esses direitos, serão consideradas nulas.
No artigo 7º, destaca-se o inciso, o VII, que dispõe:
Art 7º [...]
VII – não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei; (BRASIL, Lei nº 12.936, 2014, art. 1º)
Ou seja, não se pode, sem consentimento, utilizar dados dos usuários, e aqui entram, e-mails, CPF, RG, pesquisas, sites que foram pesquisados etc., que foram disponibilizados via internet. Isso ocorre para evitar fraudes, estelionatos, violações ao código de defesa do consumidor, entre outras condutas delituosas que podem surgir diante do acesso a esses dados.
O terceiro capítulo, que dispõe sobre a provisão de conexão e de aplicações de Internet, é o mais longo dentre os cinco, e trata da guarda de conexão, acesso, aplicação da internet, dados pessoais e de comunicação, não pode ser vasculhadas por provedores ou fornecer tais registros a terceiros sem consentimento, salvo ordem judicial. Para que assim, a intimidade, honra, liberdade e imagem sejam resguardadas.
Um dos pontos mais polêmicos do capítulo três é o fato de que este determina que o provedor de internet não será civilmente responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo por terceiros, tal como entabula o artigo 18, complementado pelo 19 que diz:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. (BRASIL, Lei nº 12.936, 2014, art. 1º)
Ademais, no capítulo quatro o Marco Civil traz importantes disposições acerca da atuação do poder público frente ao tema. Para isso, abre-se maior oportunidade da sociedade de atuar, como diz o artigo 30, a defesa dos interesses elencados no Marco Civil pode ser tanto individual quanto coletivo. Quanto ao poder público está elencados algumas diretrizes para que este atue com mais eficiência e rigor. Como exemplo a publicidade e disseminação de dados e informações públicas, o que permite a sociedade maior clareza da atividade do poder público.
Destarte, já existem jurisprudências acerca do marco civil da internet, demonstrando mais uma vez que é necessário tipificações de delitos cometidos no ciberespaço. Tal decisão versa sobre responsabilidade civil na internet, onde o autor do crime proferiu ofensas pela rede social “Facebook” e causou prejuízos à vitima. Ao tipificar criminalmente condutas como estas, a sociedade terá mais segurança em utilizar as redes e coibirá os crackers que cometem esse tipo de crime. O TJ-RS decidiu:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO COMINATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. FACEBOOK. REDE DE RELACIONAMENTOS. POSTAGEM OFENSIVA PROVIMENTO ANTECIPATÓRIO DE TUTELA VISANDO EXCLUIR O PERFIL DO INDIGITADO AGRESSOR. DEFERIMENTO PARCIAL PELO JUÍZO SINGULAR COM BASE EM DISPOSITIVO DA LEI DO MARCO CIVIL DA INTERNET. LEI Nº 12.965/2014, ART. 22. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DESPROVIDO LIMINARMENTE, COM FULCRO NO ARTIGO 557, "CAPUT", DO CPC. (Agravo de Instrumento Nº 70064449457, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 28/04/2015).
(TJ-RS - AI: 70064449457 RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Data de Julgamento: 28/04/2015, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 12/05/2015).
Por final, as disposições finais prevêem a liberdade dos usuários à utilizarem os mecanismos como os convém, obviamente dentro dos seus direitos e deveres, citando ainda o controle do acesso aos seus filhos menores a conteúdos impróprios. Com isso, vale dizer que o Marco Civil é faz jus ao seu nome e marca a legislação brasileira acerca do tema por ele debatido, mostrando mais uma vez a importância de normas que regulem o comportamento social na internet.
2.1 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio da Legalidade, para o direito penal é fundamental para a aplicação da lei penal na sociedade. Tal princípio faz parte de uma concepção minimalista, do Direito Penal do Equilíbrio, que remete ao fato do direito ter que ser equilibrado, não tender a ir para lados extremos demais para não comprometer a seriedade e a eficácia da aplicação da lei penal, visão esta que Rogério Greco diz da seguinte maneira: “Numa análise comparativa, podemos afirmar que o princípio da legalidade ocupa lugar de destaque em uma concepção minimalista, voltada para o Direito Penal do Equilíbrio”. (GRECO, 2005, pg. 141)
Com essa concepção, fica clara a importância do principio da Legalidade para o direto penal e por consequência para os crimes cibernéticos, uma vez que pelo artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal, não existirá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, o que também é disposto no artigo 1º do CP.
Assim, não poderá ter crimes cibernéticos sem leis que os definam, e nem pena para esses crimes sem prévia cominação legal, e ai está o grande problema da escassez de legislações acerca do tema, uma vez que nosso código penal é de 1940, uma época que o ciberespaço não existia e como consequência também inexistiam cries nesses moldes.
Neste mesmo diapasão entende Mirabete:
Pelo princípio da legalidade alguém só pode ser punido se, anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que o considere crime. Ainda que o fato seja imoral, antissocial ou danoso, não haverá possibilidade de se punir o autor, sendo irrelevante a circunstancia de entrar em vigor, posteriormente, uma lei que o preveja como crime. (MIRABETE, 2014, pg. 39)
O princípio da legalidade possui grande parcela de controle de condutas e uniões uma vez que é ele que previne que o direito não se exceda nas punições, pois, ao dizer que é necessárias leis que prevêem e punem certas condutas, não dá margem ao poder judiciário para condenações sem fundamentos legais, e como consequência, traz à sociedade a certeza de que haverá condenações justas e fundamentadas.
Além disso, ao elaborar normas, o legislador, além de atentar-se a necessidade real de criação destas, é necessário que sejam compatíveis com a CF, por obediência hierárquica. Assim também entende Rogério Greco:
[...] hoje em dia, não se sustenta um conceito de legalidade de cunho meramente formal, sendo necessário, outrossim, investigar a respeito de sua compatibilidade material com o texto que lhe é superior, vale dizer, a Constituição. Não basta que o legislador ordinário tenha tomado as cautelas necessárias no sentido de observar o procedimento legislativo correto, a fim de permitir a vigência do diploma legal por ele editado. Deverá, outrossim, verificar o contudo, a matéria objeto da legislação penal, não contradiz os princípios expressos e implícitos constantes de nossa lei Maior. (GRECO, 2012, PG. 17)
No que cerne as características do princípio da legalidade, este se subdivide em quatro funções, mas antes de adentrar a elas, é necessário salientar que não se faz necessário diferenciar o princípio da legalidade de reserva legal, uma vez que a diferenciação nominal do principio não é relevante, assim também entende Rogério Greco, verbis:
[...] não entendemos como necessário diferenciar legalidade de reserva legal. Isso porque, para que o ordenamento jurídico-penal seja inovado, independentemente da escolha nominal que se dê ao principio, é preciso que o legislador observe o único procedimento legislativo apto para tanto. (GRECO, 2012, pg.18).
A primeira função do princípio da legalidade é a nullun crimen nulla poena sine lege praevia, que proíbe que uma conduta seja punida sem lei que o defina, neste caso, se não houver lei que defina como crime a conduta do agente no tempo do fato, tal conduta não será passível de condenação. Trazendo para os crimes cibernéticos, enquanto não houver previsão expressa de que tal conduta é crime o agente continuará praticando-o sem punição.
Não havendo leis específicas para os crimes cibernéticos, os agentes não terão o caráter intimidativo ou até mesmo educativo que é inerente à lei penal. Em contrapartida, não é possível a retroatividade da lei quando esta prejudica o réu, ou seja, ninguém pode responder por um crime se ao tempo do fato este era considerado atípico.
A segunda função do princípio da legalidade é a nullun crimen nulla poena sine lege scripta, no qual é proibido criar leis baseadas somente nos costumes. Mesmo assim, deve-se observar os costumes não como fonte da lei, mas sim, como ferramenta de interpretação da lei penal. Rogério Greco, versa:
[...] não podemos confundir criação típica por intermédio dos costumes, com a sua utilização como ferramenta de interpretação dos tipos penais. Na verdade, sem o consentimento dos costumes seria impossível a real compreensão de muitas infrações penais. [...] (GRECO, 2015, pg. 21).
Tendo como base essa vertente do princípio da legalidade, obviamente, apenas pelos costumes não poderia criar tipos penais incriminadores, mas, pode-se interpretar a lei de acordo com eles. No que tange os crimes cibernéticos, é necessário utilizar-se dessa vertente, uma vez que a forma de cometer crimes modificou-se com o passar do tempo, principalmente no ciberespaço.
Como terceira função, tem-se nullun crimen nulla poena sine lege scricta, que quer dizer que é proibido a analogia in mallam partem, ou seja, não se pode fazer para uma condenação, uma analogia a uma lei que prejudica o réu, somente sendo permitido analogia in bonam partem, ou seja, a que beneficia o réu. Assim, caso não exista um alei que regule os crimes cibernéticos, obrigatoriamente deve-se adotar a analogia in bonam partem, fato este que colocaria em risco outros princípios, como o da proporcionalidade da pena por exemplo.
Por fim, tem-se nullun crimen nulla poena sine lege certa, que determina que a lei penal deva ser passível de compreensão de todos aqueles que a lêem, Rogério Greco, mais uma vez explica:
Não basta que a lei penal esteja em vigor anteriormente à prática do fato pelo agente para que possa ser efetivamente aplicada. Todos devem, ainda, ter a possibilidade de compreender exatamente o conteúdo da proibição, para que possam se comportar de acordo com a norma. Portanto, para que não seja ofensiva ao principio da legalidade, a lei penal deve ser certa, clara, precisa e o mais simples possível, permitindo a sua mais exata compreensão. (GRECO, 2015, pg. 25)
Destarte que as funções do princípio da legalidade indicam um norte a ser seguido para que uma norma penal seja suficientemente passível de ser seguida e cumprida. Para os crimes que ocorrem no ciberespaço, é de profunda importância que essas funções junto com as demais características do principio da legalidade sejam cumpridas para que os usuários e vítimas desses crimes possam utilizar-se da internet com a segurança de que seus diretos estão sendo garantidos.
Ainda cabe salientar o procedimento legislativo das normas penais que segue o comum (ordinário), e possui algumas fases respectivas. Dirley da Cunha Júnior, descreve da seguinte forma:
O procedimento ordinário compreende as seguintes fases: a) Apresentação do projeto, que em regra, ocorrerá perante a câmara dos deputados [...]; b) exame do projeto pelas comissões permanentes, que emitirão pareceres a respeito; c) deliberação ou votação; e d) revisão na casa legislativa revisora, que, em regra, será o Senado, onde se repetirão todas as fases anteriores. (JÚNIOR, 2015, pg. 857)
A iniciativa do projeto é a primeira fase, onde a propositura das leis pode ser tanto ordinária quanto complementar, determinada pelo artigo 61 da CF que dispõe:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (CF, 1988, art. 61).
Após a iniciativa do projeto, este será discutido pelo Congresso Nacional, e posteriormente encaminhado ao Presidente da República, que poderá ou sancioná-lo ou vetá-lo, total ou parcialmente. Caso o sancione, o Presidente da República o promulgará, o próximo passo é a publicação da lei, que terá vigência imediata ou não.
Conclui-se que o princípio da legalidade, basilar e fundamental ao direito penal, determina que uma norma só poderá impor uma sanção através de uma lei, seguindo procedimentos constitucionalmente assegurados, sendo assim, obedecer tais regras é imprescindível para que os crimes cibernéticos passam gozar de todos os aparatos legais e assegurar os bens jurídicos que estão ao alcance desta lei.
2.2 DA TIPICIDADE PENAL DOS CRIMES CIBERNÉTICOS
Destarte, a tipicidade dentro do direito penal, é uma das principais bases que o sustenta, uma vez que, o poder judiciário somente poderá punir um crime se este for tipificado legalmente, ou seja, sem tipo penal, não há o que se falar de sanções, independentemente de sua natureza.
Para entendermos o conceito de tipo, Rogério Greco descreve,
Tipo, como a própria denominação diz, é o modelo, o padrão de conduta que o Estado, por meio de seu único instrumento – a lei -, visa impedir que seja praticada, ou determinada que seja leva a efeito por todos nós. (GRECO, 2015, pg. 211)
Neste mesmo sentido também entende Guilherme Sousa Nucci:
Para cuidarmos do fato típico, devemos voltar os olhos aos conceitos de tipo penal, tipicidade, conduta, resultado pelo nexo causal, pois o fato típico é a síntese a conduta ligada ao resultado pelo nexo causal, amoldando-se ao modelo legal incriminador. Em outras palavras ocorre uma ação ou omissão, torna-se viável a produção de resultado juridicamente relevante; constatada a tipicidade (adequação do fato típico da vida real ao modelo descrito abstratamente em lei), encontramos o primeiro elemento de crime. (NUCCI, 2015, pg. 143)
A tipicidade penal está amparada pelo princípio da legalidade, onde, a conduta do agente deve ter a adequação com a descrição do crime, ou seja, os fatos que ocorreram, sejam eles omissivos ou comissivos devem se encaixar na descrição que está descrito no artigo, caso contrário será configurado como atípico.
Também entende Mirabete, quando afirma que a tipicidade, é a correspondência exata do fato com o tipo penal. Assim, o modelo de conduta definido pelo Estado, serve como modelo para guiar os comportamentos da sociedade, na falta deste o risco de condutas danosas, principalmente no que tange o mundo virtual, que causam diversos transtornos é muito provável.
Vale lembrar que o tipo, deve descrever o comportamento humano, por exemplo, no caso da pedofilia, aquele que produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente, incorrerá no artigo 240 do ECA. Portanto, já é sabido pela sociedade a proibição expressa de que caso um agente cometer uma das condutas descritas acima, estará infringindo uma norma penal e como consequência estará sujeito a pena do referido artigo.
Daí se dá a importância da tipificação dos delitos cometidos na internet, não se pode cobrar da sociedade uma determinada comportamento se a proibição não está definida pela lei, pois assim determina o principio da legalidade. A titulo de exemplo, caso o agente deteriore e-mails ou dados de um computador onde só contenha arquivos ou mensagens que possuem conversas informais, não poderá ser punido, pois não obteve patrimônio material da vítima e, portanto não há o que se falar em crime contra o patrimônio.
Os tipos penais possuem algumas classificações, as primeiras são o tipo básico e derivado. O primeiro refere-se à conduta descrita no caput do artigo, onde, de forma simples, em respeito ao nullun crimen nulla poena sine lege certa, o legislador descreve a conduta que visa coibir. O tipo derivado por outro lado, refere-se às causas de aumento e diminuição de pena, ou seja, circunstancias que tornam a conduta do caput mais gravosa ou menos gravosa.
Outra classificação são a respeito de tipos normais ou anormais, os normais referem-se à tão somente elementos objetivos, e os tipos anormais aqueles que também traziam elementos subjetivos do tipo. Tal classificação, segundo Rogério Greco, caiu em desuso, como explica da seguinte forma:
Hoje em dia perdeu o sentido tal discussão, pois, para aqueles que adotem a teoria da ação final, dolo e culpa se encontram na conduta do agente e esta, a seu turno, está localizada no fato típico. Assim, todo tipo penal contém elementos subjetivos, mesmo que não sejam tão evidentes como acontece com as expressões acima referidas. (GRECO, 2012, pg. 47).
Ademais existem também os tipos fechados e os abertos, onde o primeiro propõe que o tipo penal descreve a conduta de forma completa, não deixado margem para posteriores complementações por quem a interpreta. Já os tipos abertos deixam essa margem, ou seja, quem aplicará tal norma possui essa liberdade de complementação.
Tal situação classificatória se dá ao fato de que o legislador não consegue prever todas as situações que possam ocorrer no cotidiano. Além disso, os tipos congruentes e incongruentes também fazem parte da classificação dos tipos penais, de modo que a definição de cada um é se a parte objetiva e subjetiva então em dissonância.
Segundo André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves, os tipos penais possuem três funções, que são de solucionar, garantir e motivar. A primeira de selecionar, quer dizer que cabe ao legislador escolher quais condutas do comportamento humano devem ser tipificadas, para que possam ser passíveis de sanção caso cometidas. A segunda, que é a de garantir, constitui que só será penalizada a conduta de se adequar perfeitamente ao tipo previsto em lei, fazendo jus ao principio da legalidade. Por fim, a função motivadora, consiste em fazer com que os destinatários cumpram com as normas estabelecidas de forma que não confrontem o modelo normativo.
Com isso, é de clara compreensão que a tipicidade de uma conduta leva ao indivíduo que é regido por tal norma incriminadora a consciência de que primeiro, seus atos possuem efeitos jurídicos e segundo, por consequência, que tal conduta sofrerá uma sanção correspondente ao mal que praticou na vida de outrem.
Mesmo com todas as classificações doutrinárias acerca da tipicidade, nada adiantará sem a celeridade necessária na criação de tipos penais dos delitos do ciberespaço. Nosso código penal, de 1940, junto com as legislações já existentes acerca do tema continua sendo insuficientes para o controle jurídico dessas condutas.
Aplicando os princípios até então mencionados, principalmente o da reserva legal, não há o que se falar em tipificação ou pena sem antes o delito estar devidamente previsto. Este, sem dúvidas é o maior obstáculo para o controle jurídico mais assíduo da internet. Deste modo, sem a tipificação adequada, a sociedade fica sempre a mercê de condutas invasivas e prejudiciais, o que gera, sem dúvidas, inseguranças acerca do uso da internet.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito penal possui uma ligação forte com as condutas criminosas da sociedade, bem como as do âmbito da internet. A cada dia cresce mais o número de usuários desta, pois, as pessoas estão cada vez mais conectadas e dependentes dessa ferramenta. As empresas, escolas, fóruns, hospitais, etc., só são passíveis de funcionamento por que estão informatizadas. Crianças, adolescentes, adultas e idosas utilizam-a diariamente para trabalhar, estudar, conectar-se com pessoas, até mesmo os relacionamentos estão dependentes dessa ferramenta.
Assim, o direito não pode ficar inerte quanto à essa nova forma de viver, uma vez que ele é uma ciência social, portanto, passível de evolução, e esta deve ser no mesmo ritmo da sociedade que rege. Estelionatos, pedofilia, crimes contra a honra, invasão de privacidade, divulgação de conteúdos pessoais não autorizados, entre outras condutas, apesar de já serem tipificadas, não estão sendo coibidas de forma satisfatória para a sociedade.
Dada a importância da tipificação dos crimes cibernéticos, é imprescindível que o poder legislativo formule tipos penais que abranja de forma mais significativa as condutas delituosas praticadas na internet. Ademais, condutas como esta, não possuem limites de jurisdição, uma vez que a internet, como a própria nomenclatura descreve é a rede mundial de computadores, portanto, sem limites fronteiriços que possam frear ou dificultar a propagação e divulgação de condutas.
Nesse processo de globalização, onde todos estão interligados, torna complexo identificar tais crimes, uma vez que o anonimato é a principal característica dos que cometem crimes na internet, e isso torna o tema ainda mais complexo. A dificuldade de rastrear e de identificar os agentes, uma vez que de tão vasta, a internet acaba sendo maior que o alcance do poder de fiscalização. A internet, não tem fronteiras, não tem limites, e para tanto, é necessárias novas formas de atuação do poder de polícia.
Destarte, a criação de tipos incriminadores por si só também é insuficiente, o que se observa na legislação penal atual é uma inflação de cunho legislativo, ou seja, existem leis demais e aplicabilidade de menos. Portanto, seria preciso leis inteligentes, no sentido de qualidade, para que tanto o poder judiciário possa aplicá-las de forma eficaz, tanto a sociedade possa ter ciência dessas leis e de seu teor, o que geralmente não ocorre como deveria principalmente no âmbito jurídico brasileiro, que possui uma vasta gama de leis.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EDIR, Izabella de Brito. Crimes Cibernéticos e a Tipificação Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 out 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52360/crimes-ciberneticos-e-a-tipificacao-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
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