CARLOS E. ROMEIRO PINHO[1]
(Orientador)
RESUMO: A violência doméstica e familiar contra mulher é um problema social que atinge mulheres em todo o mundo. No Brasil o tema ganhou destaque após o advento da Lei n°.11.340/06, intitulada Lei Maria da Penha que traz apoio e soluções às mulheres que sofrem violência doméstica, através das medidas protetivas de urgência. A presente pesquisa tem como objetivo levar-nos a refletir sobre a violência de gênero que ocorre no seio familiar, investigando as políticas públicas do município de Casa Nova a favor das vítimas de violência doméstica, no que tange a proteção e coibição desses atos, bem como, investigar a atividade do Centro de Referência de Assistência Social na cidade em relação ao atendimento a essas mulheres. Nessa perspectiva, analisaremos os aspectos sócio-histórico-cultural da violência de gênero, como também as possíveis consequências, dados do Ministério Público do Estado da Bahia e Centro de Referências Especializado de Assistência Social do município.
Palavras-Chave: Violência Doméstica; Mulher; Políticas Públicas
ABSTRACT: Domestic and family violence against women is a social problem that affects women around the world. In Brazil, the theme gained prominence after the advent of Law No. 11.340 / 06, entitled Maria da Penha Law, which provides support and solutions to women who suffer domestic violence through emergency protective measures. The present research aims to lead us to reflect on the gender violence that occurs within the family, investigating the public policies of the municipality of Casa Nova in favor of victims of domestic violence, regarding the protection and restraint of these acts, and as well as to investigate the activity of the Reference Center of Social Assistance in the city in relation to the care of these women. From this perspective, we will analyze the socio-historical-cultural aspects of gender violence, as well as the possible consequences, given by the Public Ministry of the State of Bahia and the Specialized Reference Center for Social Assistance of the municipality.
Key Words: Domestic Violence; Woman; Public policy
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo levar-nos a refletir sobre a violência de gênero que ocorre no seio familiar, investigando as políticas públicas do município de Casa Nova a favor das vítimas de violência doméstica, no que tange a proteção e coibição desses atos, bem como, investigar a atividade do Centro de Referência de Assistência Social na cidade em relação ao atendimento a essas mulheres.
Nessa perspectiva, analisaremos os aspectos sócio-histórico-cultural da violência de gênero, como também as possíveis consequências, dados do Ministério Público do Estado da Bahia na cidade de Casa Nova e Centro de Referências Especializado de Assistência Social – CREAS do município.
É sabido que, ao longo dos tempos mulheres vêm sendo alvo das mais diversas formas de violência no contexto familiar, de forma recorrente e presente, sobretudo, em muitos países, tendo como autores desses delitos os próprios parceiros ou familiares, motivando graves violações de direitos humanos e crimes hediondos.
A violência familiar se revela de diversas formas, seja física, verbal, psicológica, emocional ou patrimonial e ocorrem contumazes e muitas vezes de forma velada, se enquadrando num padrão de comportamentos previstos pela Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/06.
Ao trilharmos a história da humanidade, percebemos que as mulheres convivem em situação de desvantagem e submissão em relação ao homem, em razão da cultura do patriarcalismo, repleta de machismo que se encontra arraigada na sociedade desde os tempos mais longínquos, espalhando diversos tipos de preconceito, discriminação e misoginia em relação ao sexo feminino.
Nesse sentido, a disparidade de gênero foi considerada usual e aceitável, bem como, a subjugação feminina à figura máscula, o que deu espaços para discriminações entre castas e violências domésticas. Desse modo, a ausência da compreensão dessas desigualdades de gênero masculino e feminino conduz à negação de direitos e tolerância social, o que gera mais violência.
Nesse diapasão, urge reconhecer as diferentes formas de violência, debruçar sobre as causas, sobre as raízes culturais, dimensionar este gravíssimo problema social e, assim, evoluir em concepções e práticas que possam reverter o quadro discriminatório de gênero que outorga e perpetua entre gerações agressões reiteradas contra mulheres e meninas, para isso é preciso envolver a figura masculina na superação da cultura da violência, bem como assegurar o protagonismo das mulheres por meio de políticas públicas para o enfrentamento à violência.
Vale destacar que a pesquisa reveste de grande importância, mormente que no ano de 2018 a Lei Maria da Penha completou 12 (doze) anos de sua criação, no entanto, os números de casos de violência doméstica e feminicídio no país ainda é preocupante e exige um trabalho de conscientização.
Nesse viés, os dados do Conselho Nacional de Justiça revelam que na Justiça Estadual no ano de 2016, tramitaram 1,2 milhão de processos referentes à violência doméstica e familiar, o que corresponde, em média, a 11 processos a cada mil mulheres brasileiras. A região Nordeste é a que apresentou a menor demanda à Justiça, com média de 6,9 processos a cada mil mulheres residentes. Região Norte: 12,1 processos a cada mil mulheres; Região Sudeste: 12,4 processos a cada mil mulheres; Região Sul: 13,2 processos a cada mil mulheres residentes; Centro-Oeste: 19,3 processos a cada mil mulheres (CNJ, 2018).
Outrossim, esses dados dizem respeito às muitas mulheres que não quebram as barreiras do medo e denunciam, todavia, há as que não chegam a denunciar por medo, ou em virtude das mais diversas dependências seja financeira, emocional, psicológica entre outras.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA LUTA POR IGUALDADE DE GÊNERO
É sabido que na maioria das vezes as formas de opressão do sexo feminino são geradas pela questão de gênero e é uma realidade mundial, sendo que a luta pela igualdade entre homem e mulher não é hodierno e, nesse sentido, essas práticas só podem ser entendidas em um contexto histórico-cultural.
Assim, é necessário conceituarmos “gênero” e suas perspectivas.
O gênero é o primeiro modo de dar significado às relações de poder. Por conseguinte, é ubíquo, permeando as instâncias do simbólico, das normas de interpretação do significado dos diferentes símbolos, da política institucional e da política lato sensu e da identidade masculina ou feminina ao nível da subjetividade. Desta sorte, embora o gênero não se consubstancie em um ser específico, por ser relacional, atravessa e constrói a identidade do homem e da mulher (SAFFIOTI, 1995, p. 25).
O sistema sexo-gênero é um sistema de poder que não é experimentado da mesma maneira por todas (os). Vai além da identidade sexual, pois alude a desigualdade de acesso a recursos e ao poder na cena pública e doméstica (RUBIN, 1986).
Nas últimas décadas, surgiram teorias que legitimaram a hierarquização do sexo masculino sobre o feminino, determinando os direitos, espaços, atividades e condutas próprias de cada sexo e que foram perpetuando ao longo da história.
Nessa perspectiva, podemos pontuar na história da humanidade vários exemplos que confirmam os pensamentos machistas, v.g., na Grécia há o mito da caixa de Pandora onde relata que devido a curiosidade, que é específica do sexo feminino, Pandora havia aberto a caixa e deixado todos os males do mundo saírem para atormentar os seres humanos, fazendo assim, uma alusão de que as mulheres são responsáveis por desencadearem todos tipo de mal.
Outrossim, pode-se ver na própria religião, quando na Bíblia Sagrada, no livro de Gênesis conta que Eva desobedeceu a Deus e foi expulsa do paraíso juntamente com Adão, seu esposo, trazendo para humanidade o pecado original (CNBB, 2014).
Com isso, a mulher era vista e tratada como mero objeto de satisfação masculina, servindo apenas para procriação, cuidado com os filhos e ser submissa às suas vontades e prazeres, sendo mantidas exclusivamente em situações subalternas, resultando na desvalorização e descriminação nos diversos meios em que se encontrava inserida. Sobre esse ponto, Santos e Oliveira legitimam:
Socializadas em âmbito privado, coube às mulheres a tarefa de cuidar dos filhos, dos pais, do marido, da casa de modo geral, figurando como responsáveis pela manutenção da ordem em casa, apaziguadoras de conflitos, refletindo-se esses cuidados nas atividades que assumem ao participarem dos espaços públicos. (SANTOS; OLIVEIRA, 2010, p. 12).
Nessa dimensão, a mulher foi posta em lugar de desvantagem em relação ao homem, determinado por relações sociais historicamente construídas, colocando-a em situação de subordinação e opressão, com papeis sociais e espaços diferenciados para atuação da divisão sexual do trabalho.
Aquelas que não se contentavam e buscavam novas atitudes, eram consideradas bruxas e eram condenadas à morte, queimadas em praça pública.
A dominação patriarcal estar estruturada e sustentada por meio dos seguintes mecanismos que vão reinventando, reproduzindo e perdurando:
1) A prática da violência contra as mulheres para subjugá-las; 2) O controle sobre o corpo; 3) A manutenção das mulheres em situação de dependência econômica e 4) A manutenção, no âmbito do sistema político e práticas sociais, de interdições à participação política das mulheres (CAMURÇA, 2007, p. 15).
Contudo, as mulheres foram tomando consciência de seu papel e valor na construção da sociedade e buscaram ampliar seus direitos e espaços no meio em que estavam inseridas, mobilizando e organizando movimentos como forma de reivindicar a valorização do sexo feminino.
O primeiro movimento denominado sufragista teve como pioneira Bertha Lutz tinha que lutavam somente pelo direito do voto feminino, não se discutia nesse período a opressão sofrida pelas mulheres, apenas deseja-se emancipação do sexo feminino, ou seja, buscava-se uma equiparação dos direitos políticos.
Dessa forma, no início do século XX, ainda de forma lenta as mulheres tiveram o direito de expressar sua cidadania através do sufrágio, todavia, apenas as mulheres casadas, viúvas e solteiras desde que tivessem renda própria podiam votar. “A expressão dos movimentos de luta das mulheres e homens em meados de 1937 ainda era contestada, pois o voto feminino não era obrigatório, passando a ser 14 anos depois” (CARDOSO; CARDOZO, citado por CARVALHO; MANDALOZZO, 2014, p. 5).
Após, surgiu o movimento feminista começou a lutar contra a dominação masculina, o direito à educação, a sexualidade e o divórcio e tinha como militantes, mulheres intelectuais, anarquistas e líderes operárias. Calha salientar que o principal objetivo desse movimento é a libertação da dominação masculina e não somente a emancipação feminina.
Com isso, as mulheres lutam pela afirmação de seu papel na sociedade, passando a contestar que não há inferioridade entre elas e o sexo masculino, de forma a se articularem em luta impulsionando visões contrárias, com o fito de influenciarem novas disposições tanto na política pública, como nas relações socioafetivas que são construídas.
Foi com a promulgação da Carta Magna de 1988 em seu art. 5º que houve a consolidação da igualdade de gênero, sendo cláusula pétrea, preconizando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como na esfera cível em que afirma que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.
Em relação à vida conjugal, a CF/88 em seu art. 226, §5º, ainda equipara os direitos e deveres da mulher e do homem quando preconiza ainda a igualdade de gênero. Outrossim, a coibição da violência contra a mulher é trazida no próprio texto constitucional no art. 226, §8º, como o planejamento familiar como livre decisão do casal.
Contudo, a Convenção de Belém do Pará foi um marco na luta pela prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, afirmando que a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais, o que limita total ou parcialmente a observância, gozo e exercício de tais direitos e liberdades (CIDH, 1994).
Neste tocante, malgrado os avanços dos crescentes movimentos feministas no Brasil, a mulher brasileira ainda é explorada e oprimida no meio social, sobretudo, dentro do próprio lar, sendo que a raiz dessa opressão é cultural e social, por isso, para erradicá-la é necessário não somente uma transformação, mas uma revolução cultural e social.
1.2. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A LEI MARIA DA PENHA
A Lei nº. 11340/06 foi intitulada por Lei Maria da Penha em homenagem a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica, tendo por autor, seu ex marido, que praticou por duas vezes tentativa de homicídio em desfavor da mesma. Sendo que a primeira vez, ele a alvejou com disparo de arma de fogo que atingiram suas costas enquanto esta dormia, deixando-a paraplégica. A segunda tentativa foi no período de sua recuperação, em que tentou matá-la por eletroplessão. (CORTÊS; MATOS, 2009, p. 10).
Com isso, Maria da Penha levou o Brasil a receber da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados Americanos - uma recomendação para que fossem tomadas as providências quanto à criação de legislação do país a fim de coibir de forma efetiva a violência doméstica e familiar.
A partir daí, a violência doméstica e familiar deixou de ser questão meramente familiar e passou a ser de responsabilização do Estado que deve coibi-la e dar toda proteção à vítima de violência.
Ninguém desconhece que a criação deste tipo penal especial e produto da grande atuação dos movimentos feministas, que, é bom que se diga, por justiça, receberam apoio de inúmeros segmentos da sociedade, sem qualquer ranço social, ideológico ou político. Procurou-se, por outro lado, minimizar o drama da violência doméstica que assola o país, fazendo diariamente milhares de vítimas, em sua imensa maioria constituída por mulheres e crianças. (BITENCOURT, 2012, p. 138).
Vale frisar, que o agressor, quando condenado, recebia penas restritivas de direito que consistiam em prestação de serviço à comunidade, pagamento de cestas básicas ou multas, haja vista que eram consideradas infrações de menor potencial ofensivo. Diante disso, “nas hipóteses de violência doméstica, com maior ênfase, jamais se pode aceitar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois banaliza a gravidade do crime” (NUCCI, 2017, p.189).
Contudo, com o advento da Lei nº 11.340/06, houve mudanças significativas na interpretação da legislação. Desse modo, é vedada a aplicação de penas restritivas de direito aos crimes cometidos em contexto de violência doméstica e familiar, sendo entendimento pacificado nos Tribunais Superiores do país, restando proibida a apreciação desses casos aos Juizados Especiais Criminais – JECRIM, regulamentados pela Lei 9.099/96.
O art. 17 da Lei n. 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, estabelece que “é vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica ou familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa”. Trata-se, em verdade, de vedação meramente parcial, pois a conversão em outras espécies de penas restritivas não foi proibida (ESTEFAM; GONÇALVES, 2016, p. 42).
Essa lei delineou os tipos de violência e os sujeitos dos crimes, sendo sujeito ativo qualquer pessoa e o sujeito passivo deve ser necessariamente a mulher. Valendo destacar que a violência é provocada em razão do gênero e por pessoa a quem tenha ou teria tido alguma relação doméstica, seja de parentesco ou quem tenha sentimento de afeto.
O propósito da Lei Maria da Penha é dar um basta à violência doméstica, o que nem sempre é alcançado ao perpetuar-se a situação de conflito mediante a instauração de processo criminal, quando já solvidas todas as questões que lhe serviam de causa. Ao depois, subtrair a possibilidade da desistência da representação vai inibir a denúncia por parte da vítima que, ao registrar a ocorrência, não deseja nem se separar do agressor e nem que ele acabe na cadeia. Ela vai em busca de ajuda para que a violência cesse. Obtido este resultado no incidente de aplicação de medida protetiva, nada justifica o prosseguimento da ação penal que se desencadeou quando do registro da ocorrência (DIAS, 2007, p. 16).
Nesse sentido, a referida Lei n. 11.340/06, em seu art. 5º traz o conceito de violência doméstica:
Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação intima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. (BRASIL, 2006).
Outro aspecto importante, é que a Lei mencionada, a sua aplicação garante não somente as relações heteroafetivas, mas também, a relação homoafetiva é contemplada. Este já é o entendimento de muitos Tribunais:
UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE.
É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo. (AC 70012836755, Sétima Câmara Cível, TJRS, Relatora: Maria Berenice Dias, Julgado em 21.12.05) (BRASIL, 2005). [grifo nosso].
Nessa linha de pensamento, é preciso distinguir os sujeitos ativo e passivo do crime de violência doméstica e familiar para que o mesmo seja configurado:
Para a configuração da violência doméstica não é necessário que as partes sejam marido e mulher, nem que estejam ou tenham sido casados, já que a união estável também se encontra sob o manto protetivo da lei. Admite-se que o sujeito ativo seja tanto homem quanto mulher, bastando a existência de relação familiar ou de afetividade, não importando o gênero do agressor, já que a norma visa tão somente à repressão e prevenção da violência doméstica contra a mulher. Quanto ao sujeito passivo abarcado pela lei, exige-se uma qualidade especial: ser mulher, compreendidas como tal as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino (CUNHA, 2016).
Diante disso, é preciso pontuar e conceituar as diferentes formas de violência contra a mulher, com fulcro na Lei Maria da Penha, em seu art. 7º:
a) Violência Física: “entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”. É o tipo de violência mais comum, é aquela que deixa marcas ou não no corpo da vítima, socos, pontapés, chutes, tapas, puxões de cabelo etc. (BRASIL, 2018);
b) Violência Psicológica: é um tipo de violência que se pode afirmar que é a mais perversa, haja vista que deixa marcas indeléveis e irremediáveis que perdura para a vida toda da mulher que a sofre. Para a Lei 11.340/06:
Entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (BRASIL, 2018);
c) Violência Sexual: a Lei Maria da Penha preconiza a violência sexual em seu art. 7º como,
Qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (BRASIL, 2018);
d) Violência Moral: conforme a Lei Maria da Penha em seu art. 7º: é “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”;
e) Violência Patrimonial: é aquela que restringe o direito de ir e vir da mulher obstando os meios de sua subsistência. Para a Lei Maria da Penha,
Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; (BRASIL, 2018).
Compreende-se assim, violência doméstica como aquela que ocorre no seio familiar, normalmente entre pessoas que nutrem relação de afeto, parentes, cônjuges/companheiros, muito embora, também acontece em desfavor dos petizes (filhos, enteados) e contra idosos.
Nesse sentido calha destacar o que nos diz o doutrinador Rogério Greco:
Na verdade, a violência doméstica, ou seja, aquela que ocorre, especificamente, nos lares, não é um produto de nossa sociedade moderna, pois sempre aconteceu. No entanto, em um passado não muito distante, argumentávamos, a fim de não proteger suas vítimas, que aquilo dizia respeito a um problema de família e que terceiros, estranhos àquela relação, “não tinham que se meter”. É muito conhecido o ditado popular que diz: “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Esses anos todos passividade estatal fizeram com que a violência nos lares aumentasse cada dia mais. (GRECO, 2017, p. 178).
1.3. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
As medidas protetivas de urgência são elencadas no capítulo II da Lei Maria da Penha, e tem como principal objetivo estabelecer mecanismos de proteção e assistências, buscando assegurar a integridade física, moral, psicológica e patrimonial da mulher, vítima de violência doméstica e familiar, dando garantia da proteção jurisdicional, independentemente de raça, cor, orientação sexual, classe social, religião, cultura, escolaridade ou idade.
A concessão das medidas protetivas está condicionada a condutas que caracterizem a violência contra a mulher no contexto doméstico e familiar, descritos na referida lei.
O artigo 18 da Lei 11.340/06 dispõe:
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;
III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis (BRASIL, 2018).
Sob tal enfoque, a lei preconiza que as medidas protetivas são requeridas pela ofendida ou a requerimento do Ministério Público, devendo o Poder Judiciário ser provocado. Por outro lado, ao ser provocado, o juiz pode agir de ofício para aplicar outras medidas protetivas que julgar pertinente no caso, a fim dar a efetiva proteção que a lei garante à vítima, podendo ser cumulativas ou não. Ademais, quando o pedido é feito pela vítima, o Ministério Público sempre será ouvido.
É salutar pontuarmos que as medidas protetivas de urgência são organizadas dentro da Lei Maria da Penha em três eixos de intervenção jurisdicional.
A saber: o primeiro é a punição, que está relacionada aos instrumentos para efetivá-las, por meios da aplicação processual que estão dispostas no art. 5º e 23 desta lei; o segundo diz respeito à proteção e assistência que é dada à vítima, como também, as medidas que são utilizadas ao agressor em seu artigo 22; a terceira, por seu turno, versa sobre a prevenção da violência doméstica e familiar que é de responsabilidade dos órgãos públicos na criação de políticas públicas que criem ações para prevenir esses atos violentos.
Com efeito, em seus artigos 22 até o 24, a Lei Maria da Penha traz um rol de medidas protetivas com o fito de assegurar mais segurança e proteção à mulher que sofre violência doméstica e familiar, seja a sua integridade física como a integridade patrimonial e de sua prole. Essas medidas não estão voltadas apenas para proteger a ofendida, mas também para deter o agressor de voltar a agredir a vítima.
Desse modo, a lei assegura à vítima ao pedir medida protetiva na ocorrência de violência no âmbito doméstico e familiar, separação de corpos, alimentos, proibição do agressor se aproximar da mesma e de seus familiares ou de frequentar determinados locais, dentre outras que fica a critério do magistrado.
Contudo, o que se vê em muitos casos, é agressores que mesmo sendo denunciados e lhes impostas às medidas protetivas de urgência, retomam a agredir as vítimas e até mesmo a praticar feminicídio, mesmo estando sob imposição da justiça. Assim, “objetivou-se, além de assegurar a tranquilidade no âmbito familiar, combater com maior rigor a violência doméstica ou intrafamiliar contra a mulher, protegendo-a de agressões atrozes, covardes, silenciosas” (MASSON, 2016, p. 303).
Nesse viés, é possível extrair que,
O que se pode notar é a dificuldade da aplicação e também da fiscalização das medidas protetivas quando se trata de conferir uma efetiva determinação judicial, tendo em vista que, muitas vezes, torna-se impossível aplicar tais dispositivos em sua integralidade. Vários são os fatores que contribuem para a não concretização dessas medidas (SOUSA, 2008, p. 25).
É notório que as medidas protetivas não são suficientes por si mesmas, se não há fiscalização para que as mesmas sejam cumpridas, permitindo o agressor livre para praticar outros delitos de mesma natureza.
É costumeiro ouvirmos notícias de casos de mulheres que passam a vida toda sendo agredidas por seus esposos/companheiros e quando resolvem buscar ajuda não se sentem protegidas de fato, pois muitos agressores não são intimidados diante das medidas lhe impostas e passam a agredir muito mais suas companheiras, levando-as à morte.
Não bastasse a época em que juízes transformaram a agressão à mulher na contraprestação de cestas básicas, ao arrepio da lei, atualmente, vê-se ainda parcela (mínima, por certo) do Judiciário infringindo o disposto em preceito legal. Noutros termos, insistem esses setores em conceder pífias punições a agressores da família, tal como a pena alternativa de limitação de fim de semana, que representa, na maioria das Comarcas, passar cinco horas no sábado e no domingo em sua própria residência. Chega a ser pior que a concessão de cestas básicas. Fazem crer tais decisões a cegueira em relação à vitimização da mulher em face do agressor – companheiro, marido ou namorado, que, muitas vezes, termina em morte. Enfrenta-se, lamentavelmente, também, o machismo escondido de certos juízes, que ainda pensam ser injustificada a punição do homem somente porque bateu na mulher. Os tempos mudaram, mas alguns magistrados permanecem presos a convicções esdrúxulas, totalmente fora do seu tempo. (NUCCI, 2017, p. 124) [grifo nosso].
Ademais, a Lei 11.340/06 avilta em seu art. 28 a existência de equipes multidisciplinares que tem como foco fornecer atendimento integral e humanizado às ofendidas, tendo como finalidade precípua auxiliar o juiz na aplicação das medidas.
1.4. CREAS NO ENFRETAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
O Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS constitui uma unidade do Sistema Único de Assistência Social que tem como objetivo prestar serviços especializados e continuados às pessoas e famílias com direitos violados, discriminação e/ou infrigência aos direitos humanos, visando o fortalecimento do vínculo familiar e comunitário com a efetiva proteção da família.
Nesta senda, o CREAS está voltado para situações de vulnerabilidade ou risco pessoal e social, sobretudo, proteger as vítimas de violência, de modo a enfrentar os revezes da vida pessoal e social, tendo como finalidade precípua monitorar, reduzir a ocorrência dos riscos, seu agravamento ou reincidência de todo tipo de violência. Desse modo,
Estes serviços devem funcionar em estreita articulação com os demais serviços da proteção social básica e da especial, com as demais políticas públicas e demais instituições que compõem o Sistema de Garantia de Direitos, no intuito de estruturar uma rede efetiva de proteção social (BRASÍLIA, 2013).
Vale destacar que o CREAS atende, orienta e apoia indivíduos que tem a situação de risco e vulnerabilidade comprovada, ou seja, são pessoas que sofrem ou sofreram de fato todo tipo de violência, abandono, maus-tratos, negligência, ameaça e qualquer tipo de discriminação, trabalho infantil, mendicância, jovens que fazem uso de substâncias psicoativas, adolescentes que praticam atos infracionais e se encontram em medidas socieducativas em regime aberto ou prestação de serviço à comunidade.
Assim, os serviços ofertados pelo CREAS são: Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI, Abordagem Social e Serviço para pessoas com Deficiência, Idosos e suas famílias, atendimento a jovens que fazem uso de entorpecentes, bem como, cumprimento de medidas socioeducativas pelos petizes em meio aberto de liberdade assistida, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e apoio a Comunidade LGBT, descumprimento de condicionantes do Programa Bolsa Família em decorrência de violação de direitos, além de oferecer informações, orientação jurídica, apoio à família, apoio ao acesso à documentação pessoal e estímulo à mobilização comunitária, como também, orienta e encaminha os cidadãos para os serviços de assistência social ou demais serviços públicos.
1.5 METODOLOGIA
O principal objetivo dessa pesquisa é identificar os principais tipos de violência doméstica que algumas mulheres sofrem na cidade de casa nova, bem como, identificar as políticas públicas na coibição da violência doméstica e familiar na aludida cidade, tomando por base alguns órgãos no município, como o CREAS, o Ministério Público e o Judiciário.
Assim, o percurso metodológico, com fulcro em análise qualitativa, de cunho descritivo e exploratório, pontuando de forma contextualizada e socializada, com sujeitos que vivem em contexto determinado, considerando o meio social e o momento atual em que os mesmos vivem foi organizado da seguinte forma:
a) Inicialmente realizou-se a pesquisa bibliográfica sobre o tema Violência Doméstica, logo;
b) Resolveu-se ir a campo de pesquisa a fim de colher dados sociodemográficos da população feminina que registraram Boletim de Ocorrência entre os anos de 2016/2018, com base na demanda do Parquet, e foram selecionadas quatro mulheres participantes da entrevista individual semiestruturada;
c) Os critérios para a escolha das cinco mulheres entrevistadas foram: o pedido de medidas protetivas de urgência no Ministério Público pela ofendida no ano de 2018 entre os meses de maio e junho, período destinado à coleta das informações por meio de entrevistas semiestruturadas. Na oportunidade, as mulheres que aceitaram o convite para participarem da pesquisa receberam informações sobre seus objetivos e tomaram ciência do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que depois de lido, foi devidamente assinado pelas participantes.
d) Foram realizadas ainda, entrevistas com profissionais do Centro de Referências Especializado de Assistência Social – CREAS do município de Casa Nova-BA.
Desta feita, vale salientar que a presente pesquisa não teve intenção de ser um estudo de caráter estatístico para o município em questão, mas apenas levar a uma reflexão sobre a violência de gênero, buscar uma mudança significativa na comunidade local com o fito de coibir e prevenir a violência de gênero.
1.5.1. Caracterização do CREAS de Casa Nova-BA
O CREAS Valter Rui está localizado na Quadra M, nº 05, Centro, no município de Casa Nova-BA, tendo sido implantado em 04 de outubro de 2010 e atende aproximadamente 100 pessoas ao mês que vivenciam ou vivenciaram as mais diversas situações de risco pessoal e tiveram seus direitos violados.
Em Casa Nova o CREAS é co-financiado com recursos federais e operacionalizado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, garantindo privacidade e preservação da integridade e dignidade dos seus usuários.
A equipe multidisciplinar do CREAS em Casa Nova é formada por um coordenador, um assistente social, um psicólogo, um advogado, uma recepcionista, dois abordadores sociais, dois educadores sociais (pedagogos), um auxiliar de serviços gerais e um motorista.
Atualmente o órgão atua entre as famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social, com violação de direitos fundamentais, protegido pela Constituição Federal, como todo tipo de violência, negligência, afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medida de proteção, pessoas que vivem de mendicância, abandono, trabalho infantil, discriminação por orientação sexual e/ou raça/etnia, descumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família em decorrência de violação de direitos, cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade por adolescentes, entre outras.
O CREAS no município atua desenvolvendo atendimento e acompanhamento psicossocial e jurídico, visitas domiciliares, acompanhamentos de casos, bem como campanhas educativas e palestras.
Nesse diapasão, em relação à violência doméstica, o CREAS local, ao tempo da presente pesquisa, acompanha 19 (dezenove) casos de abusos de crianças e adolescentes que sofrem qualquer tipo violência no ambiente familiar, bem como, maus tratos a pessoas idosas.
O acompanhamento dessas pessoas é feito por meio de estudos sociais com visitas domiciliares, encaminhando as vítimas para acompanhamento psicológico, dando todo tipo de apoio a essas famílias.
Os serviços ofertados na unidade local são necessariamente serviço de proteção e atendimento especializado à família e indivíduos, orientação jurídica, apoio à família, apoio no acesso à documentação pessoal, além de encaminhar os munícipes para os demais serviços de assistência social existentes na cidade, como estimular a mobilização comunitária.
1.5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Com base na demanda do Ministério Público Estadual, entre os anos de 2016 a 2018 foram encaminhados ao Parquet 75 (setenta e cinco) Inquéritos Policiais instaurados para apurar práticas de crime de violência doméstica na cidade de Casa Nova-BA. Sendo que no ano de 2016 foram 18 inquéritos, em 2017 foram 10 inquéritos e no ano de 2018 foram lavrados 47 procedimentos investigativos policiais.
Dentre os tipos de violência mais reclamados foram física e psicológica.
Diante disso, entrevistou-se 03 mulheres vítimas de violência domestica e familiar que se dispuseram a relatar as agressões sofridas. Dessa forma, selecionou-se alguns trechos:
VÍTIMA 1:
“No início eu pensei que ele era o amor da minha vida. Foram 16 anos de sofrimento. Eu passei tanta fome, ele me batia, me violentava, me torturava, me estuprava. Me dava soco, pontapés. Me chamava de vagabunda, puta, dizia que eu tinha homem. Quebrou os dentes todo de minha boca, só ficaram três.”
VÍTIMA 2:
“Ele me enforcava, me batia, dava “pisão” em meu pé. Cuspia em minha cara. Dizia que tinha nojo de mim e que ninguém iria me querer, que eu não tinha nada de interessante. Que eu era feia. Chegou um dia que ele colocou uma faca em meu pescoço dizendo que iria me matar”.
VÍTIMA 3:
“As agressões eram constantes. Ele me xingava de puta, rapariga e que iria estourar minha cabeça”.
Diante dos relatos, é possível perceber que dia após dia as mulheres são tratadas como objetos que o homem pode usar, gozar e dispor nas mãos de seus companheiros que usam de sua dominação sobre o sexo mais frágil para subjugar, humilhar e agredir. As agressões iniciam-se sempre de forma verbal e terminam sempre de forma letal.
Contudo, foi informado pelo CREAS que as vítimas de violência doméstica e familiar do município não buscam acompanhamento com a equipe multiprofissional por vergonha ou mesmo devido a demora da demanda do judiciário e muitas desistem, negam está sofrendo violência e até afirmam que o marido/companheiro não agride mais.
Na oportunidade, foi entrevistada também um Membro do Ministério Público da II Promotoria de Justiça de Casa Nova, a Bela. Dra Aline Curvêlo Tavares de Sá, acerca de seu posicionamento em relação à violência de gênero, sobretudo no município:
“A violência de gênero é um mal que precisa ser combatido em todas as modalidades de violência que ocorre. Existe a violência física, que deixa marcas. Existe a violência sexual que deixa também muitos traumas, mas existe também a violência emocional, a violência financeira. Há vários tipos de violência que acontecem e às vezes as mulheres não se dão conta porque estão englobadas dentro da cultura de machismo e ainda impera na nossa sociedade e em especial no nordeste”.
Em relação aos projetos do Ministério Público Estadual de combate à violência a signatária do órgão ministerial do Estado da Bahia da II Promotoria de Justiça de Casa Nova, apontou:
“O Ministério Público da Bahia encampa a ronda Maria da Penha nas cidades que estão disponíveis como forma de fiscalizar a efetividade das medidas protetivas e tornar o seu efetivo cumprimento. Nos municípios maiores, há políticas diversas e os projetos são encampados no GEDEM. Como Casa Nova é um município pequeno, uma comarca com 70 mil habitantes e por dois anos estive sozinha à frente da comarca, procuramos dar prioridade aos processos Maria da penha e medidas protetivas de urgência tratando, ainda que com réus soltos com a mesma prioridade que damos a réus presos para evitar que os processos tenham um trâmite que não seja célere e pudesse ocasionar mortes e riscos”.
Quanto aos desafios enfrentados na coibição e combate à violência doméstica e familiar:
“É um desafio muito grande fazer com que a máquina funcione e que a sociedade reflita sobre o machismo a que está imbuída. Há diversas situações, por exemplo, quando acontece um feminicídio que os jurados acabam por corroborar com as teses da defesa, que ela fez por merecer, que ela não deveria ter traído o marido, que ela não se dava o respeito, porque estava bebendo, estava tendo outro relacionamento, como se isso fosse algo em demérito da mulher, não como um direito que lhe assegura de uma vida nova. Então a sociedade precisa mudar, os diplomas legislativos precisam mudar, mas, além disso, precisamos que a máquina funcione, que as medidas protetivas de urgência tenham celeridade no seu deferimento na sua análise e efetividade no seu cumprimento, observamos em Casa Nova uma dificuldade na delegacia e depois de ter registrado a primeira queixa por violência física ou por ameaça. Mulheres retornam a delegacia e os servidores menos empenhado tentam não registrar e dizem que como elas já registraram, tem que procurar o fórum. Então essa circunstancia é delicada, o que nos leva a situação de controle externo e exigir o atendimento para essas mulheres porque a cada novo fato merece um novo registro e a delegacia finge desconhecer essa condição quando as encaminha para o fórum. No ponto de vista do fórum acreditamos também que poderia ter uma maior celeridade no deferimento e no acompanhamento da intimação dessas medidas porque as vezes há o deferimento relativamente célere, mas os oficiais de justiça demoram meses para cumprir. Então a gente não consegue implementar medidas de descumprimento de medida protetiva sem que o indivíduo tenha sido intimado da medida protetiva. Então são questões q a gente tenta fazer diariamente por meio de conscientização dos agentes estatais e promoção de debates e conscientização da sociedade sobre a necessidade de respeito à mulher, inclusive, a forma dela falar, o homem não interrompê-la quando ela estiver falando. São diversas situações que a gente presencia a violência acontecer e não se trata de mimimi, trata-se de um necessário enfretamento que precisa ser feito diariamente não só pelas mulheres, mas também, pelos homens para que alcancemos efetivamente a igualdade material.”
Desse modo, é possível verificar que por mais que haja a tentativa do autor da ação penal em buscar uma efetividade de forma célere, por outro lado há empecilhos de outros órgãos que evita que a violência seja combatida antes mesmo que a mesma termine de forma letal para as ofendidas.
Diante disso, só será possível a efetivação da justiça aos crimes de violência doméstica quando houver conscientização de todos os órgãos, trabalhando em conjunto em busca do mesmo objetivo e não de forma isolada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir que a violência de gênero no país é preocupante, ante o número alarmante que cresce a cada dia, mesmo diante de leis que coíbem severamente atos violentos contra a mulher.
Sendo assim, a violência doméstica e familiar traz problemas sérios a todos os envolvidos, sejam eles psicológicos ou físicos, além de ser considerado um problema social que atinge mulheres de todas as classes sociais e raças em toda sociedade civil.
Entretanto, há uma grande deficiência quanto às políticas públicas eficientes para atender e apoiar as vítimas de violência, o que as inibem de procurar ajuda, seja por vergonha ou medo do agressor.
A realidade é que as mulheres se sentem desprotegidas, vez que quando são agredidas buscam a Delegacia, mas são barradas pelos servidores que zombam das mesmas e não querem atendê-las, encaminhando-as para o judiciário de forma irresponsável, sabendo que nesse ínterim, muitas são mortas por seus parceiros.
No município de Casa Nova-BA, há uma deficiência muito grande quanto ao acolhimento de mulheres vítimas de violência familiar, não há uma proteção de forma efetiva que as proteja. Apesar de existir CREAS que trabalham em conjunto com vários órgãos, formando uma rede, todavia, as mulheres agredidas não buscam o centro de referência para terem acompanhamento e ser encaminhadas aos diversos órgãos por medo, vergonha ou ate mesmo porque a maioria dessas mulheres acabam voltando para o companheiro em razão da dependência financeira, sentimental etc.
Nesta senda, é imperioso destacar a falha na criação de políticas públicas no combate a violência de gênero, haja vista que falta mobilização e divulgação pelo próprio órgão, vezes que muitas mulheres desconhecem esse apoio e, por isso, não buscam ajuda, seja por falta de informação, seja por vergonha ou mesmo medo de ser agredida. Além da falta da conjuntura entre órgãos do judiciário e de fiscalização das leis.
Diante do exposto, sem a pretensão de limitar a discussão sobre o tema, é necessário a criação de políticas públicas efetivas que previnam a violência contra a mulher, levando informação sobre a própria Lei e seus direitos, como também, propiciar as que sofrem violência de seus parceiros/companheiros apoio psicológico e social.
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[1] Orientador, Bacharel em História pela UFPE, Bacharel em direito pela UICAP, coordenador do curso de direito da FACAPE. E-mail: [email protected]
Bacharelanda em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - FACAPE
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Fabrícia Braga de. Violência de Gênero e as Políticas Públicas de Prevenção e Coibição da Violência contra a Mulher na Cidade de Casa Nova-BA Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52424/violencia-de-genero-e-as-politicas-publicas-de-prevencao-e-coibicao-da-violencia-contra-a-mulher-na-cidade-de-casa-nova-ba. Acesso em: 22 nov 2024.
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