ANDRÉ LIMA CERQUEIRA[1]
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo discutir as interferências das normas penais inquisitivas no “livre” convencimento do juiz. Analisaremos normas presentes no Código de Processo Penal que se aproximam de um juiz, autor e soberano, dentro do processo, fato que transforma o processo penal em uma fantasiosa busca da verdade real, reduzindo garantias constitucionais do acusado. Através de intensa pesquisa bibliográfica, sob a perspectivas de autores como Aury Lopes Jr. (2015), Alexandre Rosa (2013) e Luigi Ferrajoli (2002), buscaremos comprovar a necessidade de adequação do Código de Processo Penal ao Sistema Garantista da nossa Constituição Federal, evitando, assim, o abuso do poder estatal, transformando o juiz num mero espectador, criando, desta forma, condições de imparcialidade e de livre convencimento.
Palavras-chave: Inquisitório. Acusatório. Livre convencimento. GarantiasProcessuais.
THE INTERFERENCE OF THE INQUISITORY CRIMINAL RULES IN THE "FREE" CONVENTION OF THE JUDGE.
ABSTRACT: The purpose of this article is to discuss the interference of criminal law inquiries in the "free" conviction of the judge. We will analyze norms present in the Code of Criminal Procedure that approach a judge, author and sovereign, within the process, a fact that transforms the criminal process into a fanciful search for real truth, reducing constitutional guarantees of the accused. Through intense bibliographical research, under the perspective of authors such as Aury Lopes Jr. (2015), Alexandre Rosa (2013) and Luigi Ferrajoli (2002), we will seek to prove the need to adapt the Criminal Procedure Code to the Guarantor System of our Federal Constitution , thus avoiding the abuse of state power, transforming the judge into a mere spectator, thus creating conditions of impartiality and free conviction.Keywords: Inquisitorial. Accusatory. Free convincing. Procedural Guarantees.
1. INTRODUÇÃO
Analisar o “livre” convencimento do juiz é de extrema importância para que possamos contribuir com uma análise crítica do nosso ordenamento processual penal a fim de buscarmos adequá-lo aos preceitos internacionais de Direitos Humanos e à nossa Constituição Federal.
Para tal, temos como objetivos demonstrar que as normas penais inquisitórias presentes no sistema processual penal brasileiro, influenciam no convencimento do juiz, desrespeitando assim a regra do jogo processual. Será aqui verificado, que o juiz ao acumular a função de julgador e acusador, limita a aplicação das Garantias constitucionais do acusado, aumentando seu poder autoritário e soberano dentro do processo.
De início, abordaremos a evolução histórica, o conceito e a variação do Sistema Processual Penal ao longo do tempo, conforme o predomínio da ideologia presente a cada época. Nesse contexto, será discutido como se desenvolveu o sistema processual inquisitório e como ocorreu a transição paulatinamente para o sistema acusatório. Assim, pontuaremos as características de ambos os sistemas, buscando explicar que o sistema inquisitório traz uma aglutinação de funções nas mãos dos juízes, atribuindo poder instrutório ao julgador, diminuindo a estrutura dialética e fazendo do juiz o senhor soberano do processo, afetando assim, Direitos e Garantias constitucionais do acusado.
Logo após, dando seguimento ao contexto, serão avaliadas quais as possíveis incidências das normas inquisitórias no Sistema Processual Brasileiro, verificando a sua inadequação à Carta Magna de 1988, que adotou o sistema acusatório. Concluindo esse primeiro momento, abordaremos a necessidade do cumprimento das Garantias Processuais e esclarecendo a importância de limitar o poder do Estado.
Em seguida mostraremos que a verdade real não passa de um mito, servindo de justificativa para o ativismo judicial, acalmando a consciência do julgador, onde o juiz transforma-se em inquisidor, buscando alcançar uma verdade inalcançável. Provaremos, neste trabalho, sob a perspectiva de teóricos renomados como Aury Lopes Jr. (2015), Alexandre Rosa(2013) e Luigi Ferrajoli (2002) entre outros, que a verdade processual a ser alcançada é a verdade aproximada, a qual as partes trazem toda a carga probatória ao processo, cabendo ao juiz apenas o papel de julgar conforme as provas e informações trazidas pelas partes.
Procura-se comprovar que a aplicação de normas inquisitórias dentro do processo, induz o julgador ao erro, contaminando seu “livre” convencimento, fazendo o juiz agir intuitivamente e muitas vezes por clamor social, tornando-o um verdadeiro justiceiro em nome da sociedade.
Concluindo, demostraremos a necessidade de uma adequação do processo penal brasileiro as normas constitucionais. Entendemos que o Código de Processo Penal deve ser reformulado de maneira a estimular a sociedade brasileira a pensar conforme o sistema acusatório, visto que, hoje, tem-se um pensamento totalmente preso à mentalidade inquisitória.
2. SISTEMA INQUISITÓRIO VERSUS SISTEMA ACUSATÓRIO
O sistema processual variou ao longo dos séculos, influenciado por diferentes culturas, ideologias e governos. Lopes Jr. (2015) como maior parte da doutrina, defende que até meados do século XII havia a predominância do sistema acusatório e que partir de então com o controle da igreja católica sobre o Estado e com instituição do tribunal de inquisição, o sistema inquisitório passou a prevalecer, acumulando na mão do julgador o poder de investigar, acusar, defender e julgar.
Ainda de acordo com Lopez Jr. (2015), somente a partir do início século XIX com a Revolução Francesa, onde se começou a privilegiar a valorização do homem, é que o sistema inquisitório veio a perder força, sendo esse movimento intensificado a partir dos séculos seguintes com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, os quais, paulatinamente, vêm sendo implantados pelo mundo, demonstrando a necessidade de sistemas processuais de cunho acusatório.
Os traços do sistema inquisitório e acusatório são bem definidos, ao passo que, seguindo a perspectiva de Lopes Jr. (2015), o sistema inquisitório tem como principais características: a gestão e inciativa probatória na mão do juiz, inexistindo uma separação entre a função de acusar e julgar, violando as normas garantidoras de direitos humanos, pois torna o juiz imparcial, contamina o contraditório e torna desigual a paridade de armas e oportunidades entre as partes.
O juiz no sistema inquisitório é o senhor das ações. Ele atua de acordo com suas vontades e convicções, restringindo os direitos dos acusados, Fernando da Costa Tourinho Filho, assim descreve o Juiz inquisidor:
[...] é ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e quem, afinal, profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito. Nenhuma garantia se confere ao acusado. Este aparece em uma situação de tal subordinação, que se transfigura e se transmuda em objeto do processo e não em sujeito de direito. (TOURINHO FILHO, 1992, p.83).
Já o sistema acusatório na mesma linha de Lopes Jr. (2015), tem como principais características: uma clara distinção entre acusar e julgar, onde as partes são responsáveis pela iniciativa probatória, mantendo o juiz como um terceiro parcial, o que contribui para um tratamento igualitário entre partes, garantido o contraditório e a ampla defesa. Desta forma, o juiz fica livre para decidir de acordo com o que foi trazido ao processo pelas partes, aumentando assim, a segurança jurídica. Luigi Ferrajoli (2002) define o sistema inquisitivo e acusatório da seguinte maneira:
Pode-se chamar acusatório todo sistema processual que tem o juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o julgamento como um debate paritário, iniciado pela acusação, à qual compete ônus da prova, desenvolvido com a defesa mediante um contraditório público e oral e solucionado pelo juiz, com base em uma livre convicção. Inversamente, chamarei inquisitório todo sistema processual em que o juiz procede de ofício à procura, à colheita e à avaliação das provas, produzindo um julgamento após instrução escrita e secreta, na qual são excluídos ou limitados o contraditório e os direitos da defesa.(FERRAJOLI,2002,p.452).
Em relação ao Sistema Processual Brasileiro, o qual variou ao longo tempo, assim como o Sistema Processo Penal em qualquer outro país, essa variabilidade segue os elementos democráticos ou autoritários de cada constituição. No Brasil, no entanto, temos uma inadequação: o atual Código de Processo Penal é 1941, conta com mais de 72 anos e durante todo esse período sofreu apenas algumas alterações, ainda mantendo resquícios inquisitórios.
A Constituição Federal é norma suprema, base norteadora de todas as leis do sistema jurídico brasileiro. O fato é que o nosso Código Processual Penal foi promulgado durante o Estado Novo, da era Vargas, na vigência da Carta Magna de 1937. Seguindo a linha de pensamento de Lenza (2013), a Constituição Federal de 1937, foi promulgada em uma época conturbada e inserida de conflitos, onde existia um grande antagonismo entre a direita fascista, defendendo um Estado autoritário, e o movimento de esquerda que destacava os ideais socialistas, comunistas e sindicais.
A carta de 1937 teve forte influência fascista, razão pela qual os direitos fundamentais foram fortemente enfraquecidos, instaurando a ditadura. Esse regime autoritário da época trouxe ao Processo Penal Brasileiro, um sistema inquisitório, o Governo tinha todo domínio sobre o judiciário e o juiz amplo poder sobre o processo, o que comprometia fortemente os direitos de defesa dos acusados.
Ainda segundo Lenza (2013), com o fim da Ditadura Militar, surgiu uma nova ordem política, baseada em um Estado Democrático. Foi promulgada a nossa atual Constituição Federal, com valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito. Esse novo modelo constitucional irradiou-se por todo o sistema jurídico, visto a necessidade de adequação à nova ordem constitucional, inclusive, com reformas completas do Código Civil e Código de Processo Civil e a criação de novas leis, como por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e Adolescente. Diferentemente, nosso Código de Processo penal, sofreu simples alterações.
O sistema inquisitório não é compatível com os preceitos da nossa atual Carta Magna, que claramente adotou o sistema acusatório, garantindo trato digno e respeitoso ao acusado, a ampla defesa e o contraditório pleno e a imparcialidade do juiz. Ainda estamos longe de uma total adequação do processo penal brasileiro aos princípios norteadores do novo Estado democrático de direito, visto que nosso sistema processual ainda possui fortes traços de inquisitoriedade.
Apesar de alguns doutrinadores defenderem a ideia de um sistema processual misto, visto a presença de normas dentro do processo penal de cunho acusatório e inquisitório, esse pensamento deve ser afastado. Não existe sistema misto, porque o sistema inquisitório não é compatível com o Sistema Acusatório. Portanto, não há possibilidade de mistura entre os dois sistemas. Nesta linha de pensamento, Miranda Coutinho (2011) afirma que não há um princípio unificador entre os dois sistemas, sendo o nosso sistema inquisitório, assim disposto:
[...] o dito sistema misto é a conjugação dos outros dois, mas não tem um princípio unificador próprio, sendo certo que ou é essencialmente inquisitório (como o nosso), com algo (características secundárias) proveniente do sistema acusatório, ou é essencialmente acusatório, com alguns elementos característicos (novamente secundários) recolhidos do sistema inquisitório.( COUTINHO, 2001, p. 11).
Ainda estamos dentro de um Sistema Inquisitivo, visto que nosso Código de Processo Penal encontra-se em desconformidade com as garantias alcançadas pelos Tratados de Direitos Humanos (dos quais o Brasil é signatário) por aqui ratificados e com a própria Constituição Federal. Esses resquícios inquisitórios dentro do Processo Penal Brasileiro trazem sérios problemas às Garantias Constitucionais dos acusados, assim como é de se extrair das palavras de Aury Lopes Junior:
É da essência do sistema inquisitório a aglutinação de funções na mão do juiz e atribuição de poderes instrutórios ao julgador, senhor soberano do processo. Portanto, não há uma estrutura dialética e tão pouco contraditório. Não existe imparcialidade, pois uma mesma pessoa (juiz-autor) busca a prova (iniciativa e gestão) e decide a partir da prova que ela mesma produziu. (LOPES JR., 2015, p.42).
Estamos, então, diante um sistema que precisa ser revisto e que seja orientado pelo modelo acusatório, de modo a tornar as decisões dos tribunais brasileiros livres de qualquer influência inquisitória, aplicando assim, as Garantias Processuais previstas nos ordenamentos internacionais e nacionais.
3. A FUNÇÃO DO SISTEMA GARANTISTA NA LIMITAÇÃO DO PODER ESTATAL E INFLUÊNCIA DAS NORMAS INQUISITIVAS AO “LIVRE” CONVENCIMENTO DO JUIZ
As normas de cunho Garantista vieram para limitar o poder do Estado sobre seus subordinados. Com a Constituição Federal de 1988, normas fundamentais dos Direitos dos Homens ganharam relevante força na tentativa de evitar atrocidades já vistas no passado sombrio da humanidade.
A fim de garantir a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, foram trazidas para dentro da nossa Constituição Federal as Garantias Processuais Penais na tentativa de tornar o processo penal justo, com paridade de armas entre a defesa e a acusação, afastando o juiz da atividade probatória, permanecendo, este, na sua real função que é a de julgar. Com isso, devemos levar em consideração as palavras do grandioso Alexandre Morais da Rosa:
[...] a constituição, nesta concepção garantista, deixa de ser meramente normativa (formal), buscando resgatar o seu próprio conteúdo formador, indicativo do modelo de sociedade que se pretende e de cujas linhas ás práticas jurídicas não podem se afastar, inclusive no âmbito do Direito e do processo penal. ( ROSA, 2013 p.32).
A aplicação das Garantias Constitucionais, dentro do processo, inibe o poder autoritário do Estado, combatendo, dentro do processo penal, o ativismo judicial. Somente com a utilização para um modelo Garantista é que o sistema processual está autorizado a emitir um juízo condenatório. Segundo FERRAJOLI (2002, p.37) “toda atividade judicial – é um “saber-poder”, quer dizer, uma combinação de conhecimento (veritas) e decisão (autorictas). Em tal entrelaçamento, quanto maior é o poder menor será o saber, e vice-versa”.
Feitas as explanações sobre as Garantias constitucionais, cabe agora analisarmos o impacto das normas inquisitivas dentro Processo Penal Brasileiro quanto à sua influência sobre o “livre” convencimento do juiz, verificando os efeitos dessas normas na decisão final tomada pelo juiz. Diversos dispositivos legais do Código de Processo Penal demonstram um caráter inquisitivo, a exemplo dos artigos 156, 209 e 234, todos do referido Código, que assim dispõem:
· Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
· Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.
§ 1o Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.
§ 2o Não será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à decisão da causa.
· Art. 234. Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível.
E o que todas essas normas acima têm em comum? São normas inquisitivas que estão presentes no título VII do Código de Processo Penal, que tratam sobre as provas do processo, destinadas ao convencimento do juiz na sua tomada de decisão final. E qual a consequência disso dentro do processo? É o que explanaremos mais adiante.
Faz-se necessário esclarecer que todas essas normas acima citadas têm como base o princípio da Verdade Real. Assim Guilherme de Souza Nuccid escreve:
Atuação de ofício pelo juiz: trata-se de decorrência natural dos princípios da verdade real e do impulso oficial. Em homenagem à verdade real, que necessita prevalecer no processo penal, deve o magistrado determinar a produção de provas que entender pertinentes e razoáveis para apurar o fato criminoso. Não deve ter a preocupação de beneficiar, com isso, a acusação ou a defesa, mas unicamente e tão somente atingir a verdade. (NUCCI, 2014, p.337).
Ocorre que a verdade real não passa de um mito para justificar o poder autoritário do Estado sobre aqueles que, teoricamente, devem ser afastados da sociedade, ou seja, a verdade real é um poder oferecido ao juiz, e quanto mais poder nas mãos do juiz, menor será seu saber sobre a realidade na sua tomada de decisões.
A fantasiosa verdade real cria para o juiz uma ilusória e sedutora consciência de que o ele pode reconstruir os fatos como eles se deram. Esse jogo de poder e busca por uma verdade real impossível de ser alcançada, acaba por criar, na consciência do juiz, uma ilusória informação perfeita, fato que, fatalmente, poderá levá-lo às decisões precipitadas, injustas e, muitas vezes, sem observância às Garantias Processuais do acusado.
A fantasiosa verdade real não passa de um mero instrumento inquisitório, capaz de justificar como verdade, fatos incapazes de serem alcançados, servindo apenas como modelo de justificativa ideológica para acalmar a consciência dos acusadores e julgadores. CARNELUTTI (1965) já demonstrou brilhantemente que a verdade no processo jamais pode ser real, pois o homem é incapaz de alcançar fatos passados, e que a verdade processual não existe, sendo a verdade real mera criação do Sistema Inquisitório. Por essa mesma linha, doutrinadores como Aury Lopez Junior afirmam o seguinte:
O mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório; com o “interesse público”(cláusula geral que serviu de argumentos para as maiores atrocidades); com sistemas políticos autoritários, com a busca de uma “verdade” a qualquer custo (chegando a legitimar a tortura em determinado momento históricos); e com a figura do juiz-autor ( inquisidor ).(LOPES JR. 2015, p.381).
A busca por essa fantasiosa verdade real faz com que o juiz abandone seu fiel papel de julgador dentro do processo e passe a justificar sua interferência no processo no papel de jogador, o que não lhe cabe, ou seja, acumula papeis: o de acusador e o de julgador. Isso acaba por contaminar o seu “livre” conhecimento, ocasionando, inevitavelmente, uma concepção autoritária e irracionalista do processo penal, podendo acarretar sérias consequências aos direitos dos acusados.
O “livre” convencimento do juiz deve sempre existir nos seus decisórios, porém, é preciso que esse “livre” convencimento tenha seus limites, limites estes, que devem ser impostos por um sistema acusatório, onde o juiz exerça puramente a qualidade de julgador, cabendo às partes a responsabilidade de trazerem a seu conhecimento os fatos necessários para que o julgador tome sua decisão final. Com cada jogador cumprindo seu papel dentro do jogo processual, a verdade será aquela mais aproximada da realidade, respeitando as garantias da defesa e acusação, podendo dizer que o “livre” convencimento do juiz foi respeitado e sem interferências externas conforme o entendimento de LOPES JR. (2015).
A estrapolação do “livre” convencimento do juiz gera atos decisórios intuitivos e subconscientes. Somos enseivados de ideologias próprias do ser humano (políticas, religiosas, culturais, etc.) e esse pensamento intuitivo e ideológico é o mais comum que usamos, porque é o mais fácil de ser aplicado, levando-nos, na maioria das vezes, ao erro, pois julgamos o que nos propomos a acreditar. Acabamos criando criminosos e o discurso político e social leva-nos sempre a obsessão de punir. Assim é dentro da própria sociedade, e o juiz por estar dentro dela acaba sendo levado por esse sentimento coletivo de justiça, onde o “inimigo” deve ser afastado do meio social, nem que para isso sejam restringidas garantias conferidas ao cidadão.
Seguindo Lopes Jr.. (2015), quando não limitados o poder do juiz, criamos figuras que na aparência são boas pessoas, preocupadas em fazer justiça, ou, pelo menos, o que se entende por justiça. Assim, criamos figuras que acreditam fazer milagres em prol de um coletivo revoltado com os problemas sociais e uma mídia altamente incentivadora da comoção social.
Esse modo intuitivo do juiz, faz com que ele trabalhe com “presunção de culpa”, pois convivemos com meios sociais e midiáticos, onde condenamos antes de realmente conhecer o acusado ou seu contexto fático, típico do modelo inquisitório, ainda presente no nosso ordenamento processual. Reforçando esse pensamento, Zanoide (2010, p.637) diz que “O círculo vicioso começa com a violação da presunção de inocência como “norma de tratamento”, pois há desautorizada e indevida exposição do imputado à mídia”.
É preciso um maior controle do juiz dentro do processo, buscando não uma verdade real, mas sim, uma verdade processual mais próxima da realidade na qual o modelo acusatório prevaleça, mantendo o juiz na posição de juiz-espectador, cabendo às partes a parte probatória. Só assim conseguiremos alcançar com plenitude, as Garantias Processuais destinadas a todo cidadão. Diante do que foi dito, não podemos deixar de trazer o pensamento de Alexandre Morais da Rosa, ao afirmar que:
A função do jogo denominado processo é a de acertamento do “caso penal”: Cometida a conduta imputada, a pena somente será executada a partir de uma decisão jurisdicional, prese ao pressuposto: a reconstituição da conduta imputadano presente, acolhida por decisão fundamentada, a partir de uma visão de verdade processual decorrente em contraditório e com julgador sem função de jogador. (ROSA, 2013, p.58).
As normas inquisitórias acabam por induzir o julgador ao erro, mesmo que inconscientemente. Elas podem limitar as Garantias Constitucionais prevista pela nossa Constituição. A imparcialidade do juiz, o In Dubio Pro Reo e a Presunção de Inocência ficam comprometidas desde o momento que o juiz sai em busca de provas e acumula a função de acusador e de julgador. Sabemos que é impossível o juiz manter a neutralidade, mas, esta não pode ser confundida com imparcialidade. A presença do julgador fora da regra do jogo pode influenciar significativamente na sua posição, seja por indução ou por uma dúvida, fundada em uma certeza criada pelo próprio sentido de inconsciência. Não podemos assim, deixar de trazer o pensamento do estimado professor Geraldo Prado, que diz:
Desconfiado da culpa do acusado, investe o juiz na direção da introdução de meios de prova que sequer foram considerados pelo órgão de acusação, ao qual, nestas circunstâncias, acaba por substituir. Mais do que isso, aqui igualmente se verificará o mesmo tipo de comprometimento psicológico objeto das reservas quanto ao poder do próprio juiz iniciar o processo, na medida em que o juiz se fundamentará, normalmente, nos elementos de prova que ele mesmo incorporou ao processo, por considerar importantes para o deslinde da questão. Isso acabará afastando o juiz da desejável posição de seguro distanciamento das partes e de seus interesses contrapostos, posição essa apta a permitir a melhor ponderação e conclusão. (PRADO, 2005, p.218).
Podemos afirmar que o Princípio do Contraditório também é seriamente afetado pelas normas inquisitivas, pois não basta permitir que as partes debatam dentro do processo, é necessário que o juiz respeite as regras do jogo, que abra possibilidades para que as partes prequestionem, questionem e contraquestionem, a fim de analisar todas as posições trazidas ao processo e tomar a decisão mais conveniente, legal e justa. O julgador, então, deve participar ativamente dessa discussão entre as partes e buscar sempre a verdade aproximada trazida pelos argumentos das partes.
A participação ativa do juiz dentro processo do contraditório deve ser limitada com objetivo de evitar a sua participação como juiz-inquisidor ou com a atribuição de poderes instrutores do juiz, o que contaminaria o contraditório e prejudicaria a defesa das partes. Deve-se evitar a atuação inquisitória do magistrado, evitando atuação de ofício e as surpresas. O contraditório pleno é o que deve sempre ser buscado. Considerando essa imposição de limite sobre juiz no contraditório, Aury Lopes Jr. Diz o seguinte:
[...] Contraditório é uma abertura necessária para evitar a manipulação da prova por parte do juiz (ainda que inconscientemente). Sua ausência, além de constituir uma grave e insanável violação das regras do jogo (forma enquanto garantia), faz com que, segundo CORDERO, abram-se portas ao pensamento paranoide, pois, como dono do tabuleiro, o (juiz) inquisidor dispões de peças como lhe convém: a inquisição é um mundo verbal semelhante e se movem em quadros manipuláveis.(LOPES JR., 2015, p.373 - 374)
O nosso Código de Processo Penal, infelizmente, persiste em inúmeros traços inquisitórios, e, por mais que não possa existir um sistema puro, essas normas têm forte influência dentro do processo penal, portanto, estamos presos às amarras da inquisitoriedade. É preciso abandonarmos a “verdade real” e buscramos uma “verdade aproximativa”, limitando o poder do juiz e estabelecendo seu papel de simples julgador. Cabendo as partes anunciarem seus argumentos e produzem as provas.
Só assim poderemos garantir o LIVRE CONVENCIMENTO do magistrado, sem qualquer interferência, tornando o Sistema Processual Brasileiro Acusatório, cumprindo o que estabelece os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, assinados e ratificados pelo Brasil, e deixando nosso Código de Processo Penal totalmente preso às normas Constitucionais brasileiras.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de toda fundamentação teórica exposta, chegamos à conclusão que ainda nos encontramos dentro de um modelo processual que enfraquece a defesa, modelo este, próximo de Estados autoritários. É necessário, portanto, uma readequação do Sistema processual brasileiro à nossa Constituição Federal de 1988. A utilização de normas inquisitivas em contrassenso a normas de Direitos Fundamentais são normas substancialmente inconstitucionais e não devem mais ser aplicadas dentro do Processo Penal Brasileiro.
A nossa Constituição Federal de 1988 foi um marco na legislação brasileira, a qual deve ser rigorosamente cumprida. O Brasil assumiu vários compromissos internacionais, e tem a obrigação de adequar o Código Processual Penal brasileiro às Garantias Constitucionais estabelecidas diante da comunidade internacional e, para isso, deve-se moldar a um sistema fielmente acusatório.
Ressaltamos, que diante de tudo que foi pesquisado bibliograficamente, ficou cientificamente comprovado, que o juiz brasileiro é afetado seriamente pelas normas inquisitórias presente no nosso Código de Processo Penal, sendo este, impulsionado a agir inconscientemente, perdendo o laço com seu “livre convencimento” , induzindo-se ao próprio erro e afetando as Garantias Processuais dos acusados.
Restou, provado também aqui, que não basta apenas uma reforma no Código de Processo Penal brasileiro, adequando-se ao sistema acusatório. É preciso mudar a mentalidade da sociedade brasileira para que todos tenham ciência do que verdadeiramente é política social, pois, como já foi tratado neste trabalho, o juiz tende a agir inconscientemente e intuitivamente dentro do que a sociedade lhe impõe, ou seja, um senso de justiça muitas vezes precipitados e maléficos as Garantias constitucionais.
Sabemos que não iremos criar uma mentalidade acusatória na sociedade brasileira somente com a mudança da Lei Processual Penal brasileira, mas estamos cientes que o “ponta pé” inicial é uma ampla reforma do nosso Sistema Processual. Propomos aqui uma ampla filtragem na Lei Processual brasileira, com objetivo de eliminar ou de readequar os dispositivos incompatíveis com o Sistema Acusatório.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CARNELUTTI, Francesco. Verità, dubbio, certeza, V.200. Padova: RivistadiDirittoProcessuale, 1965.
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LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 17º edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 12º edição.São Paulo: Editora Saraiva, 2015.
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ZANOIDE, Maurício. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.
ZANOIDE, Maurício. Aula de Mentalidade Inquisitória,2017, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WEXVUmUOSWU
[1] Graduando do curso de Direito, Professor Especialista em Processo Penal
Graduando do curso de Direito, FACAPE/AEVSF- Petrolina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRUNO SILVA GUIMARãES, . A interferência das normas penais inquisitórias no "livre" convencimento do juiz Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52443/a-interferencia-das-normas-penais-inquisitorias-no-quot-livre-quot-convencimento-do-juiz. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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