RESUMO: O presente artigo busca analisar a situação jurídica dos adolescentes em conflito com a lei. Primeiramente, conceitua-se o ato infracional, analisando-se sua carga normativa e política, e descrimina-se, pormenorizadamente, as características do devido processo legal na Infância e Juventude Infracional. Após, passa-se à análise crítica das medidas socioeducativas previstas no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, constata-se que, em que pese se sustente a ratio ressocializadora de tais medidas, fato é que são constatados inúmeros obstáculos durante a execução que acabam por anular qualquer possível eficácia de ressocialização.
Palavras-chave: Ato infracional. Devido Processo Legal. Medidas socioeducativas. Falhas. Ressocialização.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. ATO INFRACIONAL NO ECA. 2.1 Conceito 2.2 Inimputabilidade 2.2.1 Conceito 2.2.2 Menoridade penal 2.3 Procedimento para apuração de ato infracional cometido por adolescente 2.3.1 Dos direitos individuais 2.3.2 Das garantias processuais 3. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. 3.1 Natureza jurídica 3.2 Espécies 3.2.1 Advertência 3.2.2 Obrigação de reparar o dano 3.2.3 Prestação de serviços à comunidade 3.2.4 Liberdade assistida 3.2.5 Inserção em regime de semiliberdade 3.2.6 Internação em estabelecimento educacional 3.2.7 Medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA 3.3 A execução das medidas socioeducativas 3.3.1 Medidas socioeducativas em meio aberto 3.3.2 A ineficiência na execução das medidas socioeducativas 4. CONCLUSÃO 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
Como todo e qualquer cidadão, os adolescentes possuem seus direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988. Contudo, em virtude da sua vulnerabilidade e hipossuficiência, juntamente às crianças, têm um status de prioridade, nos moldes do art. 227 da Constituição:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Nesse contexto, o art. 230 da Carta Magna prevê serem penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Nesta mesma linha, o ECA, em seu art. 104, confirma a inimputabilidade do menor de 18 anos, mas prevê a plena capacidade do cometimento do chamado ato infracional. Trata-se de infração análoga aos crimes e contravenções penais previstos no ordenamento jurídico brasileiro, mas com o único diferencial de ser cometido por menores de idade.
Tendo em vista a situação peculiar da pessoa em formação e em desenvolvimento, a resposta do Estado ao juízo de reprovação social deve ser exercida com moderação e equilíbrio, sem, no entanto, minimizar as consequências decorrentes do ato infracional, de molde a não incutir no adolescente infrator a ideia da impunidade.
Assim, não há que se falar em aplicação de pena, mas sim de medidas socioeducativas quais sejam: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços a comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional e, por fim, qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI, conforme o art. 105 do ECA.
O presente trabalho conceituará o instituto do ato infracional, abordando a política criminal brasileira, assim como os princípios e garantias que caracterizam o devido processo legal na esfera do Direito Penal Juvenil.
Em seguida, será realizada uma análise crítica das medidas socioeducativas e dos entraves existentes que em muito dificultam sua eficácia ressocializadora.
Por fim, na conclusão, será feita uma breve reflexão sobre os principais obstáculos encontrados na Seara Penal Juvenil.
2 ATO INFRACIONAL NO ECA
1.1 Conceito
O ato infracional é o ato condenável, de desrespeito às leis, à ordem pública, aos direitos dos demais cidadãos ou ao patrimônio, cometido por crianças ou adolescentes[1]. Trata-se de conduta contrária ao ordenamento jurídico perpetrada por aqueles considerados inimputáveis frente à legislação brasileira.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 103, considera ato infracional “a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Dessa forma, observa-se que se trata de infração análoga aos crimes e contravenções penais previstos no Código Penal e legislações esparsas, com o único diferencial de ser praticado por menores de idade.
Dessa maneira, constata-se que o ato infracional assemelha-se ao crime objetivamente, mas difere do mesmo subjetivamente. Explica-se: aquele para assim ser caracterizado tem que se referir ao cometimento de uma infração prevista EXPRESSAMENTE em lei, respeitando-se o princípio da legalidade e tipicidade. Adotou-se, portanto, técnica de tipificação delegada, pois tudo o que é considerado crime para o adulto também é em igual medida considerado para o adolescente. Todavia, a infração deixa de ser chamada de crime/ contravenção penal e passa a ser denominada ato infracional quando o agente é inimputável em razão da idade (menor de 18 anos).
Napoleão X. do Amarante, na obra de Munir Cury, delimita a incidência das infrações penais:
“A infração penal, como gênero, no sistema jurídico nacional, das espécies crime ou delito e contravenção, só pode ser atribuída, para efeito da respectiva pena, às pessoas imputáveis, que são, em regra, no Brasil, os maiores de 18 anos. A estes, quando incidirem em determinado preceito criminal ou contravencional, tem cabimento a respectiva sanção. Abaixo daquela idade, a conduta descrita como crime ou contravenção constitui ato infracional. Significa dizer que o fato atribuído à criança ou ao adolescente, embora enquadrável como crime ou contravenção, só pela circunstância de sua idade, não constitui crime ou contravenção, mas, na linguagem do legislador, simples ato infracional.[...] (2008, p. 361)” (grifamos)
Impende salientar que os princípios delimitadores da ação Estatal também incidem na seara do Direito Penal Juvenil. Nessa esteira, o princípio da intervenção mínima, também chamado de “ultima ratio”, impõe que o Direito Penal Juvenil somente deva ser aplicado em último caso, quando não for possível aplicar nenhum outro ramo social ou do próprio Direito.
Nesse mesmo sentido, a chamada fragmentariedade, corolário do princípio acima mencionado, norteia que o Direito Penal Juvenil somente deva atuar nos comportamentos reprováveis mais graves, quais sejam, os tipificados pelo ordenamento, a fim de que esteja configurado o injusto penal.
Dessa forma, o princípio da legalidade e da tipicidade atuam, juntos, como limitadores da intervenção penal sobre adolescentes. O ato infracional só existe se: (a) há, previamente, sua previsão em lei (“nullum crimen nula poena sine lege”), sendo certo que a lei deve ser escrita, anterior, estrita e clara; e (b) o fato cometido é típico, ou seja, se há exata correspondência entre o agir do adolescente e a descrição contida na lei penal incriminadora.
Assim, a relevância penal decorre da previsão típica do ato infracional, que autoriza a imposição de uma medida socioeducativa como resposta, onde haveria a pena criminal para o adulto.
1.2 Inimputabilidade
Conforme anteriormente exposto, o adolescente não comete crime e a ele não pode ser imposta pena. Isso porque uma conduta somente poderá caracterizar um crime ou contravenção penal se for típica, ilícita e culpável. O injusto penal (fato típico e antijurídico) perpetrado pelo adolescente continua sendo reprovável e punível, mas o elemento culpabilidade, no Direito Penal Juvenil, possui suas peculiaridades em função da idade do infrator, pessoa com condição peculiar de desenvolvimento.
Importante esclarecer, desde já, que não há que se falar que no ato infracional o elemento culpabilidade não existe. A culpabilidade deve também ser considerada, porque, evidentemente, pode o adolescente cometer qualquer ato infracional em razão de erro sobre a ilicitude do fato, mediante coação irresistível, em obediência a ordem não manifestamente ilegal, porque apresentava doença mental geradora de incapacidades volitiva e intelectiva, ou mesmo quando tenha origem em embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior. O Direito Penal Juvenil somente excluiu o elemento relativo à menoridade penal, haja vista ter o legislador previsto que, nesses casos, se aplicaria a legislação especial e não o Código Penal.
Assim, continuarão sendo analisados os 3 elementos da culpabilidade: (i) imputabilidade (excluindo-se aqui a maturidade, mas mantendo a análise da sanidade); (ii) potencial conhecimento de ilicitude; (iii) exigibilidade de conduta diversa.
Tendo em vista que o presente estudo busca analisar as infrações cometidas por adolescentes, far-se-á uma análise mais aprofundada do elemento (in)imputabilidade, mormente no que se refere à maturidade.
1.2.1 Conceito
A imputabilidade é a capacidade de livre autodeterminação, capacidade genérica de entender e querer. É o conjunto de condições pessoais que dão ao agente a faculdade de atuar de modo distinto, permitindo, assim, que lhe seja atribuída juridicamente a responsabilidade pelo injusto típico.
Nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt[2]:
“Imputabilidade é a capacidade ou aptidão para ser culpável, embora, convém destacar, não se confunda com responsabilidade, que é o princípio segundo o qual o imputável deve responder por suas ações. [...] Assim, sem a imputabilidade entende-se que o sujeito carece de liberdade e de faculdade para comportar-se de outro modo, com o que não é capaz de culpabilidade, sendo, portanto, inculpável.”
Para tal, mister se faz a presença de dois elementos: maturidade e sanidade. A análise da maturidade é objetiva, pura e simplesmente em função da idade que a pessoa tinha na data do cometimento da infração, enquanto que a análise da sanidade, apesar de também ser verificada no momento em que a ação ocorreu, precisa ser feita por profissionais da área médica/ psicológica a fim de ser verificada alguma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto.
Dessa forma, a inimputabilidade estará, de forma incontroversa, presente toda vez que faltar ao agente um desses elementos. Passa-se à análise pormenorizada da maturidade mental, por ser a causa da menoridade penal, ponto nevrálgico deste trabalho.
1.2.2 Menoridade penal
O art. 230 da Carta Magna c/c art. 27 do Código Penal preveem que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Dessa forma, o legislador entendeu que somente aqueles maiores de 18 anos estariam sujeitos ao Código Penal, enquanto os menores de idade seriam analisados de acordo com a legislação especial.
A legislação especial referida é o tão conhecido Estatuto da Criança e do Adolescente que, em seu art. 104, confirma a inimputabilidade do menor de 18 anos, mas prevê a plena capacidade para o cometimento do chamado ato infracional, acima conceituado, desde que configurado o injusto penal.
Observa-se, então, que o ordenamento jurídico delimitou a idade de 18 anos como momento a partir do qual o sujeito atinge maturidade suficiente para ser responsabilizado penalmente por seus atos, sob égide do Código Penal.
O sujeito que possui idade inferior a 18 anos é considerado imaturo para efeitos penais e, por isso, por presunção absoluta, não pode ser responsabilizado por seus atos, segundo as normas do Código Penal.
Todavia, não há que se falar em impunidade, mas apenas em inimputabilidade. A lei estabelece medidas de responsabilização compatíveis com a condição de peculiar pessoa em desenvolvimento destes agentes[3].
Dessa forma, uma vez comprovado que o sujeito possui menos de 18 anos, haja vista a presunção absoluta do ordenamento jurídico, será considerado inimputável e, consequentemente, caso tenha praticado um ilícito penal, será responsabilizado nos moldes previstos pela legislação especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Impende esclarecer que a opção do legislador foi a de utilizar o critério puramente biológico, qual seja, aquele que condiciona a responsabilidade à idade da pessoa. Assim, basta que se comprove que o agente é menor de 18 anos[4] para estar caracterizada a inimputabilidade, independentemente de possuir a plena capacidade de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se segundo esse entendimento, ignorando-se a questão psicológica.
Dessa maneira, o indivíduo que ainda não completou aquela idade, não tem, segundo presunção absoluta do ordenamento jurídico, o grau de maturidade para fazer-se penalmente responsável. Pressupõe-se, por critérios políticos-criminais, seu desenvolvimento mental incompleto. No dia que completa essa idade – na data do seu aniversário de 18 anos -, cessa a inimputabilidade, passando o mesmo a ser considerado plenamente imputável, salvo, é claro, se for portador de enfermidade mental.[5]
Dessa forma, o comum argumento “Mas o garoto de 17 anos sabe muito bem o que faz, a pessoa de 15 anos sabe o que é o certo e o errado” em nada importa, pois basta a comprovação da idade inferior a 18 anos para restar configurada a inimputabilidade. Trata-se de critério escolhido pelo legislador, foi a política criminal adotada pelo Brasil.
No Brasil, por questões de política criminal, optou-se por um critério rígido. Trata-se de presunção absoluta do ordenamento jurídico: uma vez comprovado que o agente possui menos que 18 anos, não há argumento que o torne penalmente imputável. Sendo assim, ficará sob a incidência da Lei nº 9.069/90 e somente lhe poderá ser imputada a prática do ato infracional e, consequentemente, medidas socioeducativas (desde que seja adolescente), nunca crime e pena como forma de sanção.
Neste diapasão, observa-se que o Brasil adotou a orientação mais comum entre os diversos países do mundo. Tanto assim, que o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, no que se refere à responsabilidade penal, estabelece que esta principia aos 18 anos.
Dessa forma, constata-se que a menoridade penal é muito mais uma questão de política criminal do que médica ou psicológica. A ciência não comprovou, ainda, uma idade específica que, uma vez atingida pelo indivíduo, determine que o mesmo atingiu a maturidade necessária para considerá-lo apto a praticar crime.
1.3 Procedimento para apuração de ato infracional cometido por adolescente
Nessa linha de pensamento, é preciso que o Estado comece dando o exemplo. O erro cometido pelo adolescente em conflito com a lei não pode justificar uma conduta abusiva e sem limites do Estado. Se o objetivo da sociedade, presentada pelo Estado, é realmente ressocializar o adolescente, é preciso que o procedimento para apuração do ato infracional seja feito respeitando os princípios e garantias processuais expressos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Carta Magna, de modo a incutir, desde já, no adolescente o ideal de respeito às leis e aos direitos dos demais cidadãos.
Importante transcrever parte do texto de Oscar Vilhena Vieira, Secretário Executivo do Ilanud, a respeito da “Reciprocidade e o jovem infrator”[6]:
“Uma vez que as crianças e os adolescentes não participam na formação das leis que devem respeitar, o seu vínculo de respeito para com essas leis, e, para com as autoridades responsáveis por sua aplicação, só poderá se dar a partir da percepção de que os adultos e o Estado respeitam aquelas regras por eles mesmos impostas em relação às crianças e adolescentes. Ou seja, somente a partir do momento em que as crianças e adolescentes tenham confirmadas suas expectativas de que os adultos respeitam seus direitos, é que tenderão a também cumprir suas obrigações. A insinceridade dos adultos e do Estado no cumprimento de suas obrigações legais não permite ao jovem compreender qual o código de referência que deve reger as relações sociais; ou pior, ensina às crianças e aos adolescentes que tudo é válido, inclusive desrespeitar seus próprios compromissos quando isso parecer útil.” (grifo nosso)
O Estatuto da Criança e do Adolescente, como norma programática que é, previu, em seus artigos 106 a 111, os direitos individuais e garantias processuais daqueles adolescentes em conflito com a lei. Todavia, mister faz-se esclarecer que as disposições são exemplificativas, sendo certo que todas as demais garantias de um Estado Democrático de Direito, inclusive as previstas na Constituição Federal, aplicam-se ao Direito Penal Juvenil.
Tal postura demonstra a internalização de preceitos reconhecidos na Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança e nas Regras de Beijing. Transcreve-se:
“7. Direitos dos jovens
7.1 Respeitar-se-ão as garantias processuais básicas em todas as etapas do processo, como a presunção de inocência, o direito de ser informado das acusações, o direito de não responder, o direito à assistência judiciária, o direito à presença dos pais ou tutores, o direito à confrontação com testemunhas e a interrogá-las e o direito de apelação ante uma autoridade superior.” (grifamos)
Em suma, há que se ter um processo justo e permeado pelo respeito dos direitos e garantias fundamentais. Apenas com um agir de acordo com as formalidades legais os indivíduos, mormente sujeitos em desenvolvimento, poderão ser punidos ou privados de seus bens.
2.3.1 Dos direitos individuais
O artigo 106 do ECA prevê que “nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”. Observa-se que a legislação especial praticamente transcreveu o inciso LXI do art. 5º da Carta Magna, mas fez algumas alterações, em função da inimputabilidade do agente in casu, senão vejamos: (a) o artigo fala em “privado de sua liberdade” e não em prisão, haja vista que tal pena se trata de sanção aplicada aos imputáveis, conforme previsão do art. 32 do Código Penal; e (b) não há que falar em crime ou transgressão militar.
Assim, são resguardados os direitos dos adolescente, mormente no que se refere à privação da liberdade, tendo em vista a gravidade da medida. O dispositivo busca evitar atitudes arbitrárias do poder de polícia estatal, sendo impossível a apreensão do adolescente para as chamadas “averiguações”. O artigo é claro, o adolescente somente poderá ser privado de sua liberdade em caso de flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade competente.
Considerando ser o adolescente também um sujeito de direitos (doutrina da proteção integral), o parágrafo único prevê o “direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos”. A norma busca resguardar direitos do adolescente, dentre eles o de permanecer calado e os de ser assistido por advogado, nos moldes do art. 5º, incisos LXIII e LXIV da Carta Magna.
O art. 107 do ECA, por sua vez, ao determinar a comunicação do ocorrido à autoridade competente e à família do apreendido busca exatamente tutelar a condição peculiar de desenvolvimento do adolescente. Assim, a ratio do legislador foi exatamente garantir que um adulto, responsável pelo infrator, ficasse a par do ocorrido, a fim de possibilitar o resguardo de todos os seus direitos.
A possibilidade de internação provisória do adolescente em conflito com lei é prevista como mecanismo que visa a assegurar a integridade física e moral do acusado, em função da doutrina da proteção integral. Todavia, o art. 108 do ECA estabeleceu o prazo máximo de 45 dias para tal medida provisória justamente com o fito de impedir abusos perpetrados pela autoridade competente, bem como para evitar que isso acabe sendo mais uma das causas para as delongas processuais.
Em conformidade com o princípio da fundamentação das decisões judiciais, previsto no art. 93, inciso IX da Constituição Federal, no Direito Penal Juvenil também as decisões, mormente aquelas que determinam a internação do adolescente, devem ser fundamentadas. Acrescente-se que a internação provisória somente poderá restar configurada quando estiverem presentes indícios fortes de autoria e materialidade do ato infracional.
O capítulo II do título III do ECA encerra a previsão dos direitos individuais em seu art. 109 com a previsão de que “o adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada”.
2.3.2 Das garantias processuais
Tendo em vista sua tamanha importância dentro de um Estado Democrático de Direito, o Estatuto da Criança e do Adolescente inicia seu capítulo sobre garantias processuais com o princípio do devido processo legal (art. 110 ECA), mandamento constitucional insculpido no art. 5º, inciso LIV da Constituição Federal.
O princípio prevê que somente poderá ser privada a liberdade de alguém se forem respeitadas todas as formalidades previstas em lei. Assim, é garantido a todos os cidadãos, inclusive adolescentes em conflito com a lei, por serem sujeitos de direito, a tramitação regular e legal do processo. É preciso sempre ter em mente que a liberdade é a regra, sendo a sua privação a exceção.
Outrossim, impende salientar que nem a norma infraconstitucional nem a constitucional especificou qual a liberdade somente poderá ser cerceada com o respeito ao devido processo legal. Tendo em vista se tratar de norma concessiva de direito, não cabe ao intérprete dar interpretação restritiva, delimitando somente alguns tipos de liberdade. Dessa forma, entende-se que QUALQUER liberdade somente poderá ser restringida se devidamente respeitado o devido processo legal.
Considerando a amplitude do princípio, por vezes pode parecer que seu conteúdo encontra-se esvaziado. Todavia, em verdade, todos os demais princípios como juiz natural (art. 5º, incisos XXXVII e LII CF), contraditório, ampla defesa (art. 5º, LV CF), presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII CF), inadmissibilidade de provas lícitas,... são verdadeiros corolários do devido processo legal. O devido processo legal implica o exercício de todo o conjunto de garantias assecuratórias da cidadania. Como bem salientou o Professor Paulo Rangel[7] “O devido processo legal é o princípio reitor de todo o arcabouço jurídico processual. Todos os outros derivam dele.”
O artigo 111 do ECA, por sua vez, traz em seus incisos garantias processuais expressas decorrentes do devido processo legal, sendo segundo Péricles Frade, “as quatro primeiras de natureza entranhadamente constitucional e as demais constantes de textos extravagantes de expressão internacional e abrangidas pela Constituição de forma oblíqua.”
Trata-se, conforme acima explicado, de rol meramente exemplificativo, sendo certo que toda e qualquer garantia constitucional ou adotada por declarações, pactos, convenções ou tratados cujos textos tenham sidos aprovados internamente pelo Brasil deve ser aplicada aos adolescentes em conflito com a lei.
A título ilustrativo, passa-se à correlação das garantias enumeradas no art. 111 ECA e aquelas previstas na Carta Magna: (a) pleno e formal conhecimento da acusação (art. 111, inciso I ECA c/c art. 5º, incisos LII e LIV CF); (b) igualdade na relação processual e defesa técnica por advogado (art. 111, incisos II e III CF c/c art. 5º, caput, incisos LIV, LV e art. 133 CF); e (c) assistência judiciária gratuita (art. 111, inciso IV ECA c/c art.5º, LXXIV e art. 134 CF).
Após essa breve introdução acerca das garantias processuais, passa-se à análise de sua aplicação prática desde o cometimento da infração até o pronunciamento da sentença com o encaminhamento do adolescente à medida socioeducativa aplicada.
Com o registro de ocorrência acerca de suposta infração cometida por adolescente, mister se faz que o delegado de polícia aplique, subsidiariamente, as normas gerais previstas no Código de Processo Penal, conforme previsão do art. 152 ECA.
O art. 172 do ECA dispõe que “o adolescente apreendido em flagrante de ato infracional será, desde logo, encaminhado à autoridade policial competente”. No caso do Rio de Janeiro, trata-se do Delegado titular da repartição policial especializada, qual seja, a Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente – DPCA.
Impende salientar que se houver dúvida sobre a verdadeira idade do infrator, que alega ser menor de idade e não possui documento, este deverá ser tratado como se inimputável fosse, inclusive para fins de lavratura dos procedimentos, até que haja esclarecimento via documental ou por perícia médica.
Em meio a tamanha repercussão midiática no que diz respeito ao cometimento de atos infracionais por adolescente, mister faz-se esclarecer que o Delegado de Polícia deve repelir qualquer atitude que vise a expor a imagem e identidade do menor de idade. Tal proibição é expressamente disposta no art. 143 do ECA “é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescente a que se atribua autoria de ato infracional”. O parágrafo único continua “qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome”.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“Ementa: ADMINISTRATIVO - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ( ECA )-PICHAÇÃO - NOTÍCIA EM JORNAL ENVOLVENDO MENORES COMO AGENTES DECONDUTAS ILÍCITAS - AUTORIZAÇÃO DO JUIZ DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE- INEXISTÊNCIA - SANÇÃO ADMINISTRATIVA - LEI 8.069 /90, ART. 247 -PRECEDENTES STJ. - É vedado aos órgãos de comunicação social a divulgação total, ou parcial, de atos ou fatos denominados infracionais atribuídos acriança ou adolescente, sem a devida autorização do MM. Juiz da Infância e da Juventude. - Sendo de conhecimento da imprensa a existência de representação da Curadora contra os menores, por danos ao patrimônio público, descabe a alegação de inocorrência de ato infracional a justificar a condutado recorrente. - "A criança e o adolescente têm direito ao resguardo da imagem e intimidade. Vedado, por isso, aos órgãos de comunicação social narrar fatos, denominados infracionais, de modo a identificá-los"(REsp. 55.168/RJ, DJ de 9.10.1995). - Recurso especial não conhecido. STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 130731 SP 1997/0031486-3 (STJ) Data de publicação: 28/06/2004” (grifamos)
Se não for caso de flagrante, mas houver indícios da participação do adolescente na infração, a autoridade deverá fazer o registro do fato por meio de boletim de ocorrência, seguido pela oitiva dos presentes sobre os fatos narrados e, após, o adolescente deve ser liberado mediante termo de entrega aos pais/ responsáveis ou ao Conselho Tutelar, na ausência daqueles. O delegado então instaurará procedimento investigatório denominado Auto de Investigação de Ato Infracional e, ao final, caso fique constatado indícios de autoria e materialidade, encaminhará à Promotoria da Infância e Juventude Infracional relatório das investigações e os documentos pertinentes ao caso.
Todavia, em caso de estado de flagrância, a autoridade policial deve determinar a lavratura do boletim de ocorrência e iniciar o procedimento nos termos disposto no art. 173 ECA:
“Art. 173. Em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa, a autoridade policial, sem prejuízo do disposto nos arts. 106, parágrafo único, e 107, deverá:
I - lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente;
II - apreender o produto e os instrumentos da infração;
III - requisitar os exames ou perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria da infração.
Parágrafo único. Nas demais hipóteses de flagrante, a lavratura do auto poderá ser substituída por boletim de ocorrência circunstanciada.”
Assim, se o ato infracional tiver sido cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa, o procedimento é o auto de apreensão em flagrante. Todavia, se não tiver existido violência ou grave ameaça à pessoa, será lavrado boletim de ocorrência circunstanciado, mais simples que o auto de apreensão.
Outrossim, independentemente do procedimento, fato é que a elaboração do documento deve ser sempre cautelosa, aprofundada, clara e específica, uma vez que será a base para uma possível representação do Ministério Público.
Após, o Delegado de Polícia, em conformidade com o art. 174 ECA, passará à análise da manutenção ou não da apreensão do adolescente. A leitura do artigo é clara, a regra deve ser a liberação do adolescente, sendo certo que somente em função da gravidade do ato e de sua repercussão social deverá o adolescente permanecer internado para garantia de sua segurança social ou manutenção da ordem pública.
Contudo, os termos segurança social e manutenção da ordem pública trazem verdadeiros problemas ao cotidiano dos atos infracionais. A uma porque possuem conteúdo amplamente vago, sendo difícil sua limitação, permitindo, por vezes, a prática de abusos que justificam a manutenção da apreensão do adolescente nos termos mencionados. A outra porque o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente não delimitou parâmetros para tais justificativas. Assim, verdadeiros abusos e injustiças são amparados pelo próprio ECA que foi criado justamente para resguardar os interesses e direitos de crianças e adolescentes.
Uma vez liberado o adolescente, é imprescindível que seja emitido termo de compromisso e responsabilidade de apresentação do adolescente infrator ao membro do Ministério Público com atribuição e, após, os pais ou responsável do adolescente deverão assiná-lo. A doutrina enfatiza que responsável é aquele que possui o dever legal de guarda, não sendo adequada liberação do adolescente a qualquer pessoa, como um vizinho. Assim, caso não haja pais/ responsáveis legais, o órgão a ser acionado é o Conselho Tutelar ou até mesmo o Juiz.
Por outro lado, caso o adolescente não seja liberado, deverá ser encaminhado, imediatamente, ao representante do Ministério Público junto com cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência. Após sua oitiva e das demais testemunhas, o Parquet poderá, conforme disposto no art. 180 do ECA: (a) promover o arquivamento dos autos; (b) conceder a remissão (próprio Promotor de Justiça concede a liberação do adolescente); e (c) representar à autoridade judiciária para aplicação de medida socioeducativa, podendo requerer a internação provisória como cautelar.
Observa-se, então, que enquanto a questão estiver na órbita pré-processual e não houver decisão judicial, é de competência do Ministério Público a possibilidade de liberação do jovem mantido sob custódia policial até a apresentação ao órgão do parquet, salvo se, neste interregno, houver decisão judicial pelo internamento provisório[8]. Martha de Toledo Machado[9] conclui:
“Visando, ainda, assegurar concreta observância aos princípios de excepcionalidade e brevidade da privação da liberdade do adolescente autor de ato infracional, a lei criou verdadeira e inovadora garantia processual consubstanciada nos artigos 175 e 179. [...] estabelece o artigo 175 que a autoridade policial, desde logo, deverá apresentar o adolescente ao Promotor de Justiça, sendo certo que na impossibilidade de apresentação imediata deve fazê-lo no prazo improrrogável de 24 horas, expressamente reconhecido como tal por disposição do parágrafo segundo do referido artigo.
E esta apresentação se realiza não apenas para que o titular exclusivo da ação socioeducativa pública forme sua convicção a respeito de como proceder, mas também para que exerça outra forma de controle de observância das garantias concedidas ao adolescente autor de ato infracional, entre elas a ampla defesa, a brevidade e a excepcionalidade da privação de liberdade e do respeito a sua condição de pessoa em desenvolvimento, ainda na esfera administrativa. [...]
Note-se, outrossim, que se trata de efetiva sobreposição de instâncias de controle na esfera administrativa da prática dos atos de instrução, posto que, na gritante maioria dos casos em que subsiste a constrição da liberdade do adolescente apreendido em flagrante pela autoridade policial, esses atos de instrução já foram praticados pelo delgado de polícia. E esta repetição de atos, a toda evidência, funda-se na necessidade de criar mecanismo que favoreçam, concretamente, a observância do regime de proteção especial estabelecido na Constituição, configurando garantia outorgada ao adolescente.”
Assim, observa-se que a Constituição, em seu art. 227, caput e §3º criou ambiente de proteção especial à liberdade do adolescente, em função de sua condição especial de desenvolvimento. O ECA, nesse mesmo sentido, como norma programática que é, pormenorizou essas garantias e inovou contemplando outras garantias processuais, tais como esse duplo controle para privação provisória da liberdade do adolescente em conflito com a lei.
Após elaborar relatórios a respeito do ocorrido, o delegado de polícia os encaminhará ao Promotor de Justiça com atribuição. Em nome do princípio do promotor natural (art. 5º incisos XXXVII e LIII CF), há prévia disposição em lei de existência de um órgão de execução do Ministério Público para atuar em determinado caso concreto. Em se tratando de adolescentes em conflito com a lei, a promotoria será a da Infância e Juventude – infracional.
Assim, o promotor de justiça analisará os fatos e provas no exercício de sua independência funcional e, uma vez constatado o cometimento do ato infracional, representará à autoridade judiciária para imposição de medidas socioeducativas ao adolescente em conflito com a lei.
Na forma do art. 182, §1º do ECA c/c art. 41 do Código de Processo Penal, a denúncia deverá conter a descrição de todas as elementares do injusto penal cuja autoria se representa, qualificação do acusado e classificação do ato infracional, sob pena de ser inepta a inicial.
Via de regra a representação será escrita e formal. Todavia, em nome do princípio da celeridade processual, é possível que o Promotor de Justiça represente oral e diretamente ao Juízo, em audiência, após apresentação do adolescente em conflito com a lei.
O princípio do contraditório, previsto no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal, assegura que o réu de uma ação judicial: (a) tenha notório e efetivo conhecimento da existência de uma demanda contra si; e (b) possa exercer seu direito de defesa em face de todas imputações feitas em seu desfavor.
O mecanismo pelo qual o sujeito é informado de que existe uma ação judicial interposta pelo Ministério Público cujo objetivo é aplicação de medidas sócio educativas em face de si é a citação. Trata-se não só de garantia processual, mas verdadeira garantia constitucional, sendo certo que suas formas de efetivação são as mesmas previstas pelo Código de Processo Penal (arts. 351 a 359). Ressalte-se que, pelo fato de o acusado ser menor de idade, seu responsável também deve ser citado sobre todo teor do processo e notificado a comparecer à audiência junto com o adolescente, ambos acompanhados de advogado ou de defensor público.
A esse respeito, leciona Tourinho Filho[10]:
“[...] em todo o processo de tipo acusatório, como o nosso, vigora tal princípio, segundo o qual o acusado, isto é, a pessoa contra quem se propõe ação penal, goza de direito ‘primário e absoluto’ da defesa. O réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, que possa ser condenado sem ser ouvido. Tal princípio consubstancia-se na velha parêmia: audiatur et altera pars – a parte contrária deve também ser ouvida.
Assim, de acordo com tal princípio, a defesa não pode sofrer restrições, mesmo porque o princípio supõe completa igualdade entre acusação e defesa. Uma e outra estão sutadas no mesmo plano, em igualdade de condições, e, acima delas, o órgão jurisdicional, como órgão ‘superpartes’, para, afinal, depois de ouvir as alegações das partes, depois de apreciar as provas, ‘dar a cada um o que é seu’.”
Assim, o que se pretende é estabelecer, ao máximo possível, a igualdade das partes no processo. É preciso que haja paridade das armas no processo, dando sempre à parte direito de desdizer aquilo que foi dito pela outra no processo a fim de que ambas tenham a oportunidade de influenciar, legitimamente, o convencimento do Juízo, terceiro imparcial.
Para tal, mister se faz a concretização do princípio da ampla defesa, disposto no art. 5ª, inciso LV da Carta Magna. Na seara penal, a ampla defesa assume contornos ainda mais fortes, pois há possibilidade de: (a) autodefesa (assegura-se ao adolescente o direito de ser ouvido pelo Juízo da Infância e Juventude, Ministério Público e pela Defensoria Pública – arts. 124, inciso I, 141, 179 e 186 do ECA); e (b) defesa técnica, sendo dever do Juízo assegurar que o acusado tenha efetiva defesa técnica, para além de uma auto defesa, sob pena de a sentença proferida contra um réu indefeso ser nula.
Neste diapasão, para que a defesa técnica reste configurada, é preciso que o defensor seja enérgico e contrarie todos os pontos levantados pelo Parquet, lutando, ao máximo, para o afastamento de qualquer medida socioeducativa, mormente aquelas privativas de liberdade.
O ECA, em seu art. 207, impõe a defesa do adolescente por advogado sempre que lhe for atribuída a autoria de ato infracional em procedimento judicial. Dessa forma, durante a audiência de apresentação que se instala com o recebimento da representação, não há possibilidade de o adolescente ser ouvido em juízo, pois não estará acompanhado de um defensor. Assim, caso seja realizada sua oitiva, haverá nulidade do ato, em função do desrespeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
A Constituição Federal, expressamente em seu art. 227, garante prioridade absoluta às crianças e adolescentes, em função de sua especial condição de desenvolvimento e pelo fato de que a delonga temporal constitui verdadeiro óbice à recuperação/ ressocialização de um adolescente em conflito com a lei, sendo certo que como bem asseverou Rui Barbosa “a justiça tardia tende sempre a produzir injustiça”.
Nessa linha de pensamento, o Estatuto da Criança e Adolescente estabelece que a internação provisória, de forma alguma, poderá ser superior a 45 dias (art. 108 ECA). Sendo assim, conclui-se que a sentença final deve ser proferida dentro desse prazo e o adolescente liberado após o esgotamento do mesmo.
O descumprimento de tal prazo é tão fortemente condenável que o Estatuto, em seu art. 235, comina pena de seis meses a dois anos para quem descumpra, injustificadamente, o prazo nele fixado em favor de adolescente privado de liberdade.
Tamanha a importância da garantia de prioridade absoluta que também se aplica aos Tribunais, nos quais os recursos interpostos terão preferência no julgamento e são dispensados revisores (art. 198, inciso III do ECA).
Busca-se, assim, que a sentença ao final proferida tenha real eficácia para ressocializar aquele adolescente, evitando a movimentação de toda a máquina pública por nada. O adolescente, como sujeito em transformação que é, precisa de respostas imediatas para suas dúvidas e problemas e, eventual prolongamento excessivo do processo o tornará inócuo, pois as convicções e personalidade já estarão plenamente formadas, ainda que com cicatrizes deixadas pelo sistema. Nas lições de Mauro Campello:
“A celeridade do julgamento é direito do adolescente e a negação deste direito é uma forma perversa de lhe negar justiça, negando a vigência ao princípio constitucional da prioridade absoluta. Constitui-se, assim, em uma primazia na prestação jurisdicional, tanto na fase do processo de conhecimento, inclusive no segundo grau, tanto na fase de execução da medida socioeducativa. [...]
A celeridade do processo se constitui em um direito subjetivo público do adolescente, porém não pode se prestar à prática da injustiça rápida, com atropelo de garantias e produção de ampla dilação probatória, devendo prevalecer a máxima in dubio pro reo.”
3 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
As medidas socioeducativas constituem a resposta estatal, aplicada pela autoridade judiciária (Súmula 108 do STJ), ao adolescente que cometeu ato infracional. Uma vez configurada a prática do ato infracional, o adolescente será submetido ao processo de apuração, respeitando-se seus direitos e garantias processuais, conforme explicitado no capítulo 2 deste trabalho.
No fim, o Juiz competente, qual seja, da 2ª Vara da Infância e Juventude, no caso do Rio de Janeiro, proferirá uma sentença na qual, uma vez comprovada a prática do ato infracional, serão impostas as medidas socioeducativas dispostas no art. 112 do ECA: (a) advertência; (b) obrigação de reparar o dano; (c) prestação de serviços à comunidade; (d) liberdade assistida; (e) semiliberdade; (f) internação; e (g) medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA.
Ressalte-se que, conforme previsão do art. 113 do ECA, tais medidas poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, podendo haver substituição a qualquer tempo, de acordo com as características do ato infracional cometido (circunstâncias e gravidade), as peculiaridades do adolescente que o cometeu (inclusive a sua capacidade de compreender e de cumprir as medidas que lhe serão impostas) e suas necessidades pedagógicas.
Outrossim, ainda que na data da sentença o agente já tenha atingido a maioridade, será cabível a aplicação das medidas socioeducativas se, na data do fato, o adolescente possuía entre 12 e 18 anos.
3.1 Natureza Jurídica
A definição da natureza jurídica de um instituto é de suma importância, na medida em que sua classificação indicará as regras e normas aplicáveis, evitando debates por vezes prejudiciais aos próprios objetivos daquela seara.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, criou a chamada doutrina da proteção integral, segundo a qual os direitos de crianças e adolescentes devem ser assegurados, pelo ordenamento jurídico, com absoluta prioridade. É válido transcrever o dispositivo:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (grifo nosso)
Nesta mesma linha de raciocínio, com forte teor programático, o Estatuto da Criança e do Adolescente reforçou o ideal da etapa garantista - penal juvenil - caracterizada pela proteção integral das crianças e dos adolescentes, reconhecidos como sujeitos de direito, mas diferenciados pela condição peculiar de desenvolvimento.
Esse novo modelo, respeitando a condição de crianças e adolescentes, superou o paradigma menorista, segundo o qual a população infanto-juvenil era tratada como simples objeto de tutela[11].
O conteúdo e a abrangência da mudança de paradigma introduzida pela Doutrina da Proteção Integral, no ordenamento jurídico brasileiro, são de alta complexidade, mas podem ser ilustrados por seis aspectos principais[12]: a) reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos; b) institucionalização da participação comunitária por intermédio dos Conselhos de Direitos, com participação paritária e deliberativa para traçar as diretrizes das políticas de atenção direta à infância e juventude; c) hierarquização da função judicial, com a transferência de competência aos Conselhos Tutelares para agir diante da ameaça ou violação de direitos da criança no âmbito municipal; d) municipalização da política de atendimento; e) eliminação de internações não vinculadas ao cometimento – devidamente comprovado – de delitos ou contravenções; e f) incorporação explícita de princípios constitucionais em casos de infração penal, prevendo-se a presença obrigatória de advogado e a função do Ministério Público como de controle e contrapeso.
Sobre a questão da responsabilização juvenil regulamentada pelo ECA, ensina Emilio Garcia Mendez[13]:
“A construção jurídica da responsabilidade penal dos adolescentes no ECA (de modo que foram eventualmente sancionados somente os atos típicos, antijurídicos e culpáveis e não os atos ‘anti- sociais’ definidos casuisticamente pelo Juiz de Menores), inspirada nos princípios de Direito Penal Mínimo constitui uma conquista e um avanço extraordinário normativamente consagrados no ECA. Sustentar a existência de uma suposta responsabilidade social em contraposição à responsabilidade penal não só contradiz a letra do ECA (art.103) como também constitui - pelo menos objetivamente – uma posição funcional a políticas repressivas, demagógicas e irracionais. No contexto do sistema de administração da justiça juvenil proposta pelo ECA, que prevê expressamente a privação de liberdade para delitos de natureza grave, impugnar a existência de um Direito Penal Juvenil é tão absurda como impugnar a Lei da Gravidade. Se em uma definição realista do Direito Penal se caracteriza pela capacidade efetiva – Legal e legítima – de produzir sofrimentos reais, sua impugnação ali onde a sanção de privação de liberdade existe e se aplica constitui uma manifestação intolerável de ingenuidade ou o regresso sem dissimulação ao festival de eufemismos que era o Direito de ‘Menores’”. (grifo nosso)
Tendo em vista o conceito de medidas socieducativas, a doutrina da proteção integral e as peculiaridades dos agentes, por serem pessoas em situação de desenvolvimento, constata-se que a sua natureza jurídica é de sanção-educação, uma vez que pretende não só a retribuição pelo mal praticado, mas, principalmente, a ressocialização e reinserção do adolescente no convívio social, evitando-se a formação de um ciclo vicioso que por certo acarretaria em futuros problemas prisionais.
Isso porque os adolescentes em conflito com a lei precisam, como sujeitos que estão construindo seu caráter/ personalidade, de mais educação, orientação, formação e não simplesmente do encarceramento, principalmente daquele presente na realidade brasileira que permite não só a ociosidade dos detentos, mas uma realidade subumana, dentro da qual ninguém sairá melhor do que entrou.
Ressalte-se, por outro lado, que a resposta do Estado ao juízo de reprovação social não pode ignorar e minimizar as consequências decorrentes do ato infracional, de modo a não incutir no adolescente infrator a ideia de impunidade.
Assim, as medidas socioeducativas impostas em função do ato infracional devem ser equilibradas, buscando não só punir o ato praticado, mas, principalmente, mostrar a essa pessoa em desenvolvimento o porquê de aquilo ser errado e ajudá-lo a se reinserir na sociedade.
3.2 Espécies de medidas socioeducativas
3.2.1 Advertência
Trata-se da medida socioeducativa mais branda prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente e, por isso, poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade da infração e indícios suficientes de autoria.
Em sede de audiência especialmente designada com tal finalidade, o juiz irá repreender o adolescente, alertando-o, juntamente com seu responsável, para as possíveis consequências de uma eventual reincidência na prática do ato infracional. A admoestação verbal deverá ser reduzida a termo e assinada, haja vista se tratar de ato solene.
3.2.2 Obrigação de reparar o dano
Aos atos infracionais com reflexos intrinsecamente patrimoniais é recomendável que a autoridade judiciária aplique a medida de obrigação de reparar o dano prevista no art. 116 do ECA. Há 03 formas tradicionais para tal: (a) restituição da coisa; (b) ressarcimento do dano; e (c) outra forma de compensação do prejuízo da vítima.
Todavia, haja vista a natureza jurídica das medidas socioeducativas, qual seja, sanção-educação, é preciso que o ônus financeiro recaia no adolescente. Caso fique constatado que essa espécie de medida somente acarretará ônus aos responsáveis, resta inequívoco que a finalidade da medida não estará sendo atendida, razão pela qual, nos moldes do p.u do art. 116 do ECA, a medida deverá ser substituída por outra mais adequada.
3.2.3 Prestação de serviços à comunidade – PSC
Tal medida consiste na prestação de serviços comunitários, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como programas comunitários ou governamentais e não governamentais.
Explicita regra que institui o SINASE que incumbe à direção do programa de atendimento da medida de prestação de serviços à comunidade (CREAS) selecionar e credenciar entidades assistenciais, hospitais, escolas ou outros estabelecimentos congêneres, e os programas comunitários ou governamentais nos quais os adolescentes deverão cumprir a medida socioeducativa, d acordo com o perfil do socioeducando e o ambiente no qual a medida será cumprida.[14]
Trata-se de uma das medidas que, uma vez executada de forma eficiente, melhor poderá alcançar os fins reeducativos e ressocializadores almejados pela aplicação das medidas socioeducativas, haja vista que o adolescente irá colaborar para o desenvolvimento de sua comunidade, ao mesmo tempo em que refletirá sobre os atos infracionais cometidos. É o que dispõe o Prof. José Barroso Filho[15]:
“O sucesso dessa inovação dependerá muito do apoio que a própria comunidade der à autoridade judiciária, ensejando oportunidade de trabalho ao sentenciado. Sabemos que é acentuado o preconceito social contra os convictos, tornando-se necessária uma ampla campanha de conscientização das empresas e de outras entidades para que esse tipo de pena possa vingar. Inicialmente, será prudente contar apenas com órgãos e estabelecimentos públicos, tornando obrigatória a sua adesão a essa forma de punir. E quanto aos particulares seria recomendável, pensar-se em alguma maneira de estimular o interesse pela colaboração, como seriam os incentivos fiscais ou preferência em concorrências públicas”.
Nada obstante, o doutrinador João Batista Costa Saraiva[16] alerta:
“As disposições do Estatuto no art. 117 como locais de prestação de serviço são meramente ilustrativas (hospitais, entidades assistenciais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais). O adequado é que o trabalho a ser realizado seja promotor da condição de cidadania do jovem e não o exponha a condições vexatórias ou humilhantes. Daí porque as entidades que recebem os prestadores de serviço devam estar comprometidas com a propostas socioeducativa a ser executada, não apenas se locupletando do trabalho do adolescente como uma mão de obra graciosa. Tão importante quanto preparar o adolescente para este tipo de atividade, será a preparação e a qualificação do órgão onde o serviço será prestado, de modo que tal tarefa redunde em um processo de crescimento e aprendizado, significando um lugar de reconhecimento.” – grifamos.
3.2.4 Liberdade assistida
A ideia desta medida é manter o adolescente em conflito com a lei no seio familiar de forma que fique integrado na sociedade e com apoio de seus entes queridos, mas sob a supervisão da autoridade judiciária, a quem cabe determinar o cumprimento e cessação da medida. Assim, a liberdade assistida busca acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
Trata-se de medida que delimita o estilo de vida do adolescente, restringindo de alguma forma a sua liberdade, mas possibilita que o sujeito em situação especial de desenvolvimento permaneça em seu convívio familiar. Assim, a medida busca reeducar e ressocializar o adolescente através de um modelo assistencial, evitando-se processos traumáticos de afastamento familiar. A rotina do adolescente é alterada, mas a sua essência permanece, na medida em que ele continua residindo no mesmo local, frequentando estabelecimento de ensino e tendo contato com amigos/ parentes.
Juntamente com a medida de prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida é uma das medidas socioeducativas com maior tendência ao sucesso, na medida em que o ponto nevrálgico de ambas é a ideia da reflexão, reeducação, ressocialização do adolescente, as duas procuram reestruturar a rotina dos adolescentes, de forma que eles próprios se conscientizem acerca do que fizeram e, por vontade própria, queiram retomar as rédeas de sua vida e modificar os caminhos até então escolhidos.
O professor José Barroso Filho[17] alerta:
“em nosso contexto social, não basta vigiar o menor, como se faz em outros países, sendo necessário, sobretudo, dar-lhe assistência sob vários aspectos, incluindo psicoterapia de suporte e orientação pedagógica, encaminhando ao trabalho, profissionalização, saúde, lazer, segurança social do adolescente e promoção social de sua família. Em resumo, é um programa de vida, que a equipe técnica do Juizado prepara para o adolescente autor do ato infracional, depois de computados os dados do processo judiciário e feito o levantamento social do caso junto à família e à comunidade”.
Contudo, é preciso que os responsáveis pela orientação dos adolescentes sejam profissionais capacitados, fortemente apoiados pelo Estado e com elevado níveo de auxílio material, sob pena de a medida ser totalmente ineficaz e ainda incutir nesses adolescente a ideia de impunidade pelos atos praticados, estimulando-os a permanecer no caminho até então escolhido.
3.2.5 Inserção em regime de semiliberdade
É uma das medidas mais restritivas de liberdade, só perdendo para internação, implicando em institucionalização. Determina que o adolescente se sujeite às regras de uma casa de permanência; exerça, obrigatoriamente, atividades externas de profissionalização e escolarização e retorne, obrigatoriamente, ao estabelecimento. Todavia, o jovem poderá permanecer com a família aos finais de semana, desde que autorizado pela coordenação da Unidade de Semiliberdade.
Pode ser imposta como início de cumprimento de medida socioeducativa ou como forma de transição do regime da internação para o da liberdade assistida. Apesar de não comportar prazo determinado, mister se faz sua revisão a cada 06 (seis) meses.
3.2.6 Internação em estabelecimento educacional
Trata-se da medida socioeducativa mais grave, determinando a privação da liberdade, desde que respeitados os princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento.
Tendo em vista a gravidade da medida, somente poderá ser aplicada nos casos previstos no art. 122 do ECA (interpretação estrita): I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta (máximo de 03 meses).
Em conformidade com o princípio da brevidade e de acordo com os §2º, 3º e 5º do art. 122 do ECA, a medida não comporta prazo, mas deve ser revista a cada 06 (seis) meses, não poderá exceder jamais o prazo de 03 (três) anos (adolescente deverá ser transferido para o regime de semiliberdade ou liberdade assistida) e a liberação será compulsória quando o indivíduo completar 21 (vinte e um) anos.
Em nome do princípio da excepcionalidade, a internação somente deverá ser aplicada nos casos em que a gravidade do ato infracional cometido e a ausência de estrutura do adolescente indicar que a possibilidade de reincidência em meio livre é muito grande.
Nesse sentido, os ensinamentos do professor João Batista Costa Saraiva[18]:
"A privação de liberdade é um mal. Mal que até poderá ser necessário diante da incapacidade humana de desenvolver outra alternativa. Mas sempre um mal, cabendo aqui revisitar Foucault. A opção pela privação da liberdade resulta muito mais da inexistência de outra alternativa do que da indicação de ser esta a melhor dentre as alternativas disponíveis. Somente se justifica enquanto mecanismo de defesa social, pois não há nada mais falacioso do que o imaginário de que a privação de liberdade poderá representar em si mesma um bem para o adolescente a que se atribui a prática de uma ação delituosa".
Nessa mesma linha de pensamento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“Ementa: ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONALANÁLOGO AO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS. INTERNAÇÃO POR PRAZOINDETERMINADO. NÃO CONHECIMENTO DO MANDAMUS ORIGINÁRIO. SUPRESSÃO DEINSTÂNCIA. EXCEPCIONALIDADE DA INTERNAÇÃO. AUSÊNCIA DE EMPREGO DEVIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA CONTRA PESSOA. IMPOSSIBILIDADE DEINTERNAÇÃO POR TEMPO INDETERMINADO. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE.CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEMCONCEDIDA DE OFÍCIO. I. Hipótese na qual o adolescente praticou ato infracional equiparado ao delito de tráfico de drogas, tendo sido imposta a medida protetiva de internação. II. Sobressai a incompetência deste Superior Tribunal de Justiça para a análise da impetração, quando a matéria de fundo, alegada no mandamus, não foi objeto de debate e decisão pelo Tribunal a quo. III. Medida extrema de internação que só está autorizada nas hipóteses previstas taxativamente no art. 122 do ECA, pois a segregação de menor é, efetivamente, medida de exceção, devendo ser aplicada ou mantida somente quando evidenciada sua necessidade – em observância ao próprio espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual visa à reintegração do menor à sociedade. IV. Conduta praticada pelo adolescente que é desprovida de violência ou grave ameaça à pessoa, não se admitindo a aplicação de medida mais gravosa em razão da gravidade genérica do ato infracional. V. Devem ser reformados o acórdão recorrido e a sentença de 1º grau, a fim de que outra decisão seja prolatada, afastando-se a aplicação de medida socioeducativa de internação, e permitindo que o adolescente aguarde tal desfecho em liberdade assistida. VIII. Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício, nos termos do voto do Relator. STJ - HABEAS CORPUS HC 205661 SP 2011/0100489-0 (STJ) Data de publicação: 05/03/2012” (grifamos)
No que se refere ao princípio de respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, os Profs. Eduardo Roberto de Alcântra Del-Campo e Thales César de Oliveira alertam sobre a necessidade de se respeitar esses indivíduos “em razão do agudo processo de transformação física e psíquica por que passa o ser humano na adolescência e que reclama atenção redobrada das entidades de atendimento para que possa ocorrer uma efetiva ressocialização”.
Nessa linha de pensamento, mister se faz que o Estado, na hora de aplicar a medida socioeducativa, haja dentro dos estritos limites impostos pela lei, evitando-se qualquer espécie de abuso, pois a medida visa à reeducação e ressocialização o adolescente e não incutir ainda mais em sua mente a ideia de desrespeito a direitos e garantias dos demais cidadãos.
É importante ressaltar que a internação deve ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração, conforme previsão do art. 123 do ECA.
3.2.7 Medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA
Primeiramente, é importante frisar que, tendo em vista o princípio da proteção integral das crianças e adolescentes, o rol das medidas de proteção é meramente exemplificativo, sendo certo que outras medidas semelhantes poderão ser tomadas com o fito de tutelar os direitos desses indivíduos em situação peculiar de desenvolvimento.
No que se refere aos adolescentes em conflito com a lei, em geral, as medidas de proteção serão aplicadas cumulativamente às medidas socioeducativas em espécie, sempre visando não a mera sanção do adolescente, mas a sua reflexão, reeducação e consequente ressocialização.
Excetuando-se as medidas de acolhimento institucional, inclusão em programa de acolhimento familiar e colocação em família substituta, são aplicáveis aos adolescentes em conflito com a lei:
I – Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade: em geral é cumulativa às medidas não restritivas de liberdade, como a reparação do dano. Dependendo das circunstâncias, caso seja constatado que houve alguma espécie de negligência por parte do responsável, é recomendável a imposição de uma das medidas do art. 129 do ECA aos mesmos. Ressalte-se que a entrega do adolescente ao responsável não é feita no Juizado e sim na Instituição na qual o adolescente esteja.
II – Orientação, apoio e acompanhamento temporários: é a medida executada por uma equipe multidisciplinar do Juízo. Assistentes sociais, psicólogos, entre outros profissionais atuarão, de forma conjunta, com o objetivo de avaliar, orientar e realizar o tratamento de eventuais traumas/ problemas familiares existentes.
III – Matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental: é o encaminhamento do adolescente à Instituição de Ensino. Trata-se de medida de proteção aplicada na maioria dos casos, vez que todos os adolescente encontram-se em idade escolar.
IV – Inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente: trata-se de medida que visa orientar a família, mormente no que se refere à relação/ diálogo entre genitores e filhos. No Rio de Janeiro, há a chamada Escola de Pais.
V – Requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial: nada mais é que o encaminhamento à rede oficial de saúde quando verificado algum problema de saúde.
VI – Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos: aplicável quando o adolescente apresenta quadro de dependência química, sendo certo que a necessidade deve ser comprovada por meio de exame médico e psicológico.
3.3 'A execução das medidas socioeducativas
Para fins de melhor compreensão do presente trabalho, impende destacar que o presente tópico pretende dar um maior enfoque à execução das medidas socioeducativas em meio aberto e os entraves existentes. Assim, neste item serão tecidos brevíssimos comentários quanto às disposições comuns a todas as medidas.
No que se refere à competência do Juízo da Execução, mister faz-se esclarecer que será firmado pelo local da execução da medida socioeducativa. Assim, é possível que o processo de conhecimento seja julgado diante do Juízo do local do ato infracional (art. 147, §1º do ECA) e a execução seja feita perante outro.
A Resolução 119/2006 aprovou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e a Lei 12.594/2012 instituiu o SINASE, regulamentando a execução das medidas destinadas a adolescente que tenha praticado ato infracional e determinando a elaboração de Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo (art. 3º, inciso II) com diretrizes, objetivos, metas, prioridades e formas de financiamento e gestão das ações de atendimento para os 10 (dez) anos seguintes, sem sintonia com o disposto no ECA.
Em seu art. 8º a Lei do SINASE determinou que “Os Planos de Atendimento Socioeducativo deverão, obrigatoriamente, prever ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação para o trabalho e esporte, para os adolescentes atendidos, em conformidade com os princípios elencados na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)”.
Assim, a Resolução 160/2013 feita pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA aprovou o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, prevendo ações articuladas, para 10 (dez) anos seguintes, nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação para o trabalho e esporte para os adolescentes que encontram-se em cumprimento de medidas socioeducativas, e apresentando as diretrizes e o modelo de gestão do atendimento socioeducativo.
Em cumprimento ao disposto no parágrafo único do art. 1º da Resolução 160/2013[19], o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, por meio da Deliberação nº 1.099/2014, aprovou o Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo da Cidade do Rio de Janeiro que visa direcionar o atendimento ao adolescente no cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto, devendo ser a referência para a execução dessas medidas no município do Rio de Janeiro.
Visando ao cumprimento do disposto no art. 100 do ECA, qual seja, atribuir convivência familiar e comunitária no processo de reintegração social do adolescente autor de ato infracional, houve a municipalização do atendimento socioeducativo[20] (art. 88, inciso I do ECA).
Na cidade do Rio de Janeiro, a partir de 2008, as medidas socioeducativas em meio aberto (liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade) passaram da gestão da Secretaria de Estado de Educação – SEEDUC/ Departamento Geral de Ações Socioeducativas – DEGASE para a Secretaria de Desenvolvimento Social – SMDS, sendo executadas nos Centros de referência Especializado de Assistência Social – CREAS[21].
Assim, o DEGASE, órgão vinculado à Secretaria de Estado de Educação, passou a ser somente responsável pela execução das medidas socioeducativas em meio fechado aplicadas aos jovens em conflito com a lei pelo Judiciário.
3.3.1 Medidas socioeducativas em meio aberto
Conforme acima exposto, passa-se à análise pormenorizada das medidas em meio aberto, quais sejam, a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade. No caso da primeira, o acompanhamento ocorre mensalmente, ao passo que na PSC os relatórios são encaminhados ao Juízo de 2 em 2 meses.
Independentemente de qual seja a medida, os três primeiros atendimentos são voltados ao estabelecimento de um vínculo entre os profissionais e o adolescente. Assim, busca-se entender a realidade na qual o jovem encontra-se inserido, os problemas sociais existentes, seus interesses pessoais/profissionais e a dinâmica familiar.
Nesses encontros, é imprescindível a presença do responsável a fim de que seja elaborado o chamado plano individual de atendimento – PIA, onde será determinada, obrigatoriamente, a matrícula do adolescente da rede de ensino, convencionado com o adolescente as atividades que serão feitas, haverá o direcionamento a cursos profissionalizantes, tratamento à drogadição, setor de psicologia, entre outros, sendo certo que deverá haver a homologação pelo Juízo de execução, após ouvido o Ministério Público e a defensoria.
Deverá ainda constar do PIA: o histórico escolar do adolescente e as anotações sobre o seu aproveitamento, que deverão ser buscadas junto ao estabelecimento de ensino que porventura tenha o adolescente frequentado; os dados sobre o resultado da medida anteriormente aplicada e cumprida em outro programa de atendimento; e os resultados de acompanhamento especializado anterior[22].
A partir da elaboração do PIA não se faz mais obrigatória a presença familiar para confecção dos relatórios seguintes a serem encaminhados à VIJI. Todavia, sempre que houver o binômio possibilidade/ interesse familiar, a presença do responsável será sempre bem vinda. O adolescente passa então a ser acompanhado pela equipe técnica e os relatórios elaborados são encaminhados ao Judiciário.
Além do PIA, existe a chamada síntese informativa (basicamente é um relatório de acompanhamento do adolescente), o relatório de impossibilidade (equipe técnica informa que o adolescente não poderá cumprir a medida em função de algum problema médico ou em caso de óbito) e o relatório de extinção (CREAS emite parecer pelo fim do cumprimento das medidas socioeducativas, embasando o pedido em documentos/ laudos).
Dessa forma, o CREAS é o órgão responsável pela fiscalização e orientação do cumprimento das medidas socioeducativas. Para a composição do quadro de pessoal do atendimento socioeducativo nas entidades e/ou programas deve-se considerar que a relação educativa pressupõe o estabelecimento de vínculo, que por sua vez depende do grau de conhecimento do adolescente. Portanto, é necessário que o profissional tenha tempo para prestar atenção no adolescente, que conheça pessoalmente o entorno que vive e que ele tenha um grupo reduzido destes sob sua responsabilidade. Sendo assim, o SINASE prevê a composição mínima do quadro de pessoal em cada modalidade de atendimento socioeducativo[23].
Na execução da medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade a equipe mínima deve ser composta por: 01 (hum) técnico para cada vinte adolescentes e 01 (hum) referência socioeducativa para cada grupo de até dez adolescentes e 01 (hum) orientador socioeducativo para até dois adolescentes simultaneamente a fim de garantir a individualização do atendimento que a medida pressupõe. Tanto a referência quanto o orientador socioeducativo são pessoas próprias dos locais de prestação de serviço que estarão incumbidos de acompanhar qualitativamente o cumprimento da medida do adolescente[24].
Já na execução da medida socioeducativa de liberdade assistida a equipe mínima deve ser composta por técnicos de diferentes áreas do conhecimento, garantindo-se o atendimento psicossocial e jurídico pelo próprio programa ou pela rede de serviços existentes, sendo a relação quantitativa determinada pelo número de adolescentes atendidos[25].
Todavia, apesar da natureza jurídica de sanção-educação e das orientações do SINASE, fato é que a eficácia dessas medidas, por vezes, é comprometida em função dos empecilhos impostos pelo sistema.
3.3.2 A ineficiência na execução das medidas socioeducativas
A frequente sensação de impunidade alimenta um discurso cada vez mais fervoroso em favor da redução da maioridade penal, em função da falsa ideia de que o sistema atual estimularia o cometimento de atos infracionais análogos a crimes graves por adolescentes, uma vez que não haveria punição[26]. Todavia, estudos e pesquisas demonstram que a realidade brasileira não é marcada pela impunidade[27], mas sim pela falta de eficiência na execução das medidas socioeducativas, o que acaba fomentando a reincidência de adolescentes no cometimento de atos infracionais.
Em verdade, a legislação brasileira prevê mecanismos vanguardistas capazes de ressocializar adolescentes. Todavia, o Estado e a sociedade brasileira demonstram uma total falta de comprometimento com a efetivação dos objetivos delineados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, a realidade da Infância e Juventude Infracional é marcada pela inexistência/ insuficiência de programas de execução de medidas em meio aberto; falta de recursos; carência do sistema de internamento e abusos cometidos pelo próprio poder Constituído e pelos cidadãos brasileiros.
É importante frisar que as falhas a seguir apresentadas foram constatadas após a realização da pesquisa de campo junto aos profissionais que atuam diretamente com os socioeducandos em meio aberto.
O primeiro empecilho encontrado é tutelado pela própria ordem jurídica quando a lei 12.594/12 estabelece em seu art. 43, §3º:
“Art. 43. A reavaliação da manutenção, da substituição ou da suspensão das medidas de meio aberto ou de privação da liberdade e do respectivo plano individual pode ser solicitada a qualquer tempo, a pedido da direção do programa de atendimento, do defensor, do Ministério Público, do adolescente, de seus pais ou responsável.
§ 3o Admitido o processamento do pedido, a autoridade judiciária, se necessário, designará audiência, observando o princípio do § 1o do art. 42 desta Lei.”
Apesar de o SINASE estabelecer ser faculdade do Juízo de Execução promover audiência para avaliação do adolescente que esteja cumprimento medida socioeducativa, a doutrina e os profissionais das instituições responsáveis pela execução das medidas criticam a disposição normativa.
João Batista Costa Saraiva[28] afirma:
“Convenço-me que deveria ser obrigatória esta audiência, e não facultativa, comprometendo o Juízo com o processo socioeducativo em curso por conta da oportuna imediação com o caso concreto” - grifamos
A psicóloga Thais Vargas da Secretaria Municipal de Assistência Social acrescenta que até 2014 as audiências de reavaliação não existiam e, com isso, o contato do adolescente com o juiz só ocorria no momento inicial, sendo certo que todo o acompanhamento se fazia por meio de relatórios. No exercício de 2015, o procedimento de avaliação começou, ainda que a passos pequenos, a efetivar as audiências até então facultativas. Todavia, observa-se que a mudança foi fruto da postura forte e ativa da nova Juíza e que esse acompanhamento ainda não é a realidade de grande parte dos adolescentes.
A psicóloga reforça que o contato dos adolescentes com os operadores de direito revela-se muito importante, pois é passada a ideia de autoridade, reforçando o que a equipe técnica sustenta em seus atendimentos. A adesão desses jovens às propostas oferecidas aumenta, de forma substancial, quando a figura do magistrado se faz presente e não meramente por meio de um carimbo nas decisões proferidas. A disponibilidade subjetiva dos agentes de direitos é medida de suma importância.
Assim, observa-se que o próprio sistema tutela a participação meramente formal do Judiciário, sendo necessária a dependência constante de uma postura ativa do Juiz no que se refere ao acompanhamento de cada adolescente. Nessa esteira, os profissionais responsáveis pela aplicação da sanção-educação por vezes conhecem a realidade das medidas socioeducativas por meio de relatórios, sem tenham um feedback real daquilo que estão defendendo/julgando no processo judicial.
Outro entrave à eficácia ressocializadora das medidas socioeducativas é a excessiva demanda frente a um quantitativo restrito de profissionais. Em que pese muitos achem que a realidade se superlotação se restringe somente às Instituições de Internação (como é o caso da Instituição João dos Alves que tem capacidade para 112 internos, mas possui 240), fato é que os CREAS (órgão responsável pelo acompanhamento das medidas em meio aberto) passam pela mesma dificuldade.
O CREAS Daniela Perez[29] possui uma equipe com 5 assistentes sociais, 2 psicólogos, 2 pedagogos, 1 advogado e 1 carro de abordagem para atender 118 adolescentes que cumprem medida em meio aberto; 54 adultos que cumprem pena alternativa; fazer abordagem social; encaminhar ofícios para as Varas; atender idosos, deficientes e crianças em situação de vulnerabilidade[30]. É notório que os funcionários encontram-se assoberbados, sendo quase que impossível o oferecimento de um acompanhamento efetivo a cada um dos adolescente socioeducandos.
Ademais, o desestímulo se torna frequente, na medida em que a equipe técnica só possui um feedback dos casos que deram errado, pois ou os adolescentes voltam ao CREAS/DEGASE para cumprir nova medida ou serão novamente encontrados já no SEAP. Os casos em que as medidas aplicadas foram eficazes tornam-se desconhecidos, pois inexiste um controle de informações.
Soma-se a isso o fato de que a criação de um vínculo de confiança entre a equipe técnica e os adolescentes é uma tarefa árdua. Ao mesmo tempo em que o orientador precisa cumprir seu dever formal e burocrático de prestar contas do acompanhamento à autoridade judicial, é imperiosa a construção de uma relação paritária, com viés de auxílio e parceria. Contudo, a dificuldade se inicia com o oferecimento de oportunidades que não agradam nenhum pouco esses jovens, a começar pela obrigatoriedade de matrícula em Instituição de Ensino.
Nesse contexto, mais um problema surge: a falta de adesão dos socioeducandos aos programas propostos.
O Estatuto da criança e do Adolescente em seus artigos 18-A e 18-B prevê ser a educação direito dos adolescentes que estejam cumprindo medida socioeducativo, sendo certo que eventuais abusos devem ser sancionados de acordo com a gravidade do caso.
A escolarização e a profissionalização, assim, são direitos dos adolescentes independentemente de estarem cumprindo medida socioeducativa. Todavia, como a maioria deles quando chega no sistema socioeducativo já está fora da escola há muito tempo, a visão que esses jovens possuem da escola não é de um direito seu, mas sim uma obrigação/ punição imposta pelo sistema em função do ato infracional cometido. Isso sem falar que muitas das escolas se mostram resistentes a aceitar a matrícula de um jovem que esteja cumprindo medidas.
Ademais, os poucos projetos existentes por vezes não são nenhum pouco atrativos a esses adolescentes. O documentário “Nova Casa”[31] explicita muito bem essa situação quando critica o objetivo do modelo tradicional de manter esses adolescentes ocupados, sob a justificativa de que “cabeça vazia dá espaço para ideias ruins”. Projetos que existem apenas formalmente, para preencher o tempo desses jovens, em nada contribuem para a efetiva ressocialização. Oficinas lúdicas e não técnico profissionais como ensinar a fazer boneca e origami vão atrair quais adolescentes?
Os cursos e programas oferecidos devem ser pensados de forma a despertar o interesse desses jovens. É preciso um “gap” mínimo para esses adolescentes se imaginarem realizando aquela atividade e terem a sensação de pertencimento àquele grupo social. O contato com uma realidade diversa do seu cotidiano e o diálogo com pessoas que possuem uma outra visão da vida estimularão a mudança naquele adolescente, o rompimento com o ciclo vicioso existente há gerações na família.
Todavia, surge aí o maior entrave à política de ressocialização: a sociedade ainda é preconceituosa, o discurso é sempre mudar o adolescente para a sociedade, mas nunca adaptar a sociedade para o menino.
O discurso e o estímulo capitalistas permanecem, mas as oportunidades de um recomeço fomentadas pela própria sociedade são ínfimas perto do universo de empresas existentes. O poder público, via de regra, abre espaço para o recomeço desses adolescentes, todos os CREAS, CRAS e os abrigos, além do TJRJ, Vila Olímpica, entre outros já recebem socioeducandos, mas a política social excludente impossibilita a absorção de todos, por vezes até mesmo Instituições Religiosas não aceitam receber esses jovens.
Além, disso, muitas das vezes os serviços oferecidos são burocráticos (ex: atendimento ao telefone, recepcionamento de público, montagem de som, serviço de “posso ajudar” em estacionamento) e em locais de trabalho desestimulantes. Resultado: inúmeros são os casos de adolescentes que têm sua prestação de serviço à comunidade prolongada porque não há local para a medida ser cumprida ou que, apesar de cumprirem, a eficácia ressocializadora inexiste, uma vez que aquilo é feito por obrigação, não despertando qualquer interesse naquele jovem.
Neste diapasão, resta incontroverso que não existe uma (re), mas sim uma (des)socialização desses adolescentes após o cumprimento da medida. Se já existiam problemas sociais que fomentaram esse jovem a praticar o ato infracional, fato é que, diante desse contexto, a realidade só será ainda mais agravada pela raiva pós punição.
Assim, observa-se que, na prática, as medidas socioeducativas acabam só tendo o viés punitivo, sendo certo que a ressocialização é rara diante dos entraves acima apresentados, fomentando a quantidade e a gravidade dos atos infracionais cometidos.
4. CONCLUSÃO
Considerando a peculiar situação de desenvolvimento dos adolescentes, o presente trabalho buscou analisar um tema atual perante à realidade brasileira.
De início, buscou-se enquadrar os atos antijurídicos praticados pelo adolescente, diferenciando os atos infracionais dos crimes/ contravenções penais cometidos pelos civilmente capazes e esclarecer os direitos e garantias presentes dentro do devido processo legal estabelecido pelo legislador.
Após, passou-se à descrição das medidas socioeducativas existentes e, diante de dados estatísticos, foi possível chegar à conclusão de que aquelas executadas em meio aberto merecem uma maior atenção do legislador, em função do maior poder ressocializador que possuem. Todavia, foram constatados inúmeros empecilhos em sede de execução das medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade.
Diante do exposto, o presente artigo busca gerar no leitor uma reflexão sobre o atual sistema brasileiro, a fim de que as estruturas existentes sejam repensadas e recriadas, permitindo uma atuação mais eficiente do Estado e da sociedade brasileira.
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http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2015-retificado.pdf - Acesso em: 12 de out. 2015
[1] Cf. Revista Jurídica Consulex, n° 193, p. 40, 31 de Janeiro/2005.
[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte geral 1. Ed. Saraiva. 16ª edição. P. 408.
[3] SARAIVA, João Batista Costa. Compêndio de Direito Penal Juvenil. Adolescente e ato infracional. Ed. Livraria do advogado. 4ª edição. P. 48.
[4] A prova se faz pela certidão de nascimento ou outro documento que mostre a data de nascimento. Somente caso inexista qualquer documento que o agente deve ser submetido ao exame de idade óssea.
[5] SOUSA, Artur de Brito Gueiros. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano Japiassú. Curso de Direito Penal 1. Ed. Campus Jurídico. 1ª edição. P.243.
[6] Cf. In: Reciprocidade e o Jovem Infrator. Revista do Ilanud nº 3, Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente: São Paulo, 1997. P.28.
[7] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Ed. Atlas. 22ª edição. P. 04.
[8]SARAIVA, João Batista Costa. Op. Cit.. P. 119.
[9] Cf. texto “Algumas ponderações sobre o regime especial de proteção da liberdade do adolescente autor de ato infracional”.
[10] FILHO, Tourinho. Processo Penal. Ed. São Paulo. 8ª edição. P. 47.
[11] DALCIN, Wagner. Direito Penal juvenil: A prescrição dos atos infracionais. Porto Alegre, abril de 2007. Disponível em: http://www.escoladaajuris.org.br/phl8/arquivos/TC000004.pdf. Acesso em: 29 set. 2015.
[12] SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. 2006. P.61.
[13]MENDEZ, Emílio Garcia. Adolescentes e Responsabilidade Penal: um debate latinoamericano. Porto Alegre: AJURIS, ESMP-RS, FESDEP-RS, 2000. P. 16.
[14] SARAIVA, João Batista Costa. Op. Cit. P. 163.
[15] PIMETEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade. Editora Revista dos Tribunais, 1983. P. 170/171.
[16] SARAIVA, João Batista Costa. Op. Cit. P. 164.
[17] FILHO, José. Do ato infracional. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2470>. Acesso em: 22 mai. 2006.
[18] SARAIVA, João Batista Costa. Op. Cit. P. 172.
[19] Cf. Art 1º, Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, conforme disposto no parágrafo 2º do art. 7º da Lei 12.594/2012 deverão, com base no Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, elaborar seus planos decenais correspondentes em até 360 (trezentos e sessenta) dias a partir da publicação desta Resolução que aprova o Plano Nacional e assegura sua publicidade, disponibilizando-o, a partir desta data em: www.direitoshumanos.gov.br.
[20] https://www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/sinase.pdf - ““12. MUNICIPALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO – artigo 88, inciso I do ECA O significado da municipalização do atendimento no âmbito do sistema socioeducativo é que tanto as medidas socioeducativas quanto o atendimento inicial ao adolescente em conflito com a lei devem ser executados no limite geográfico do município, de modo a fortalecer o contato e o protagonismo da comunidade e da família dos adolescentes atendidos. Não se deve confundir municipalização do atendimento com descentralização político administrativa já que se a municipalização fosse uma espécie de descentralização estaria inserida no inciso que trata desta temática (inciso III do artigo 88 do ECA) e não como diretriz autônoma disposta no inciso I do artigo 88 do mesmo Estatuto. Esclarece-se ainda que o conceito de atendimento na diretriz da municipalização não tem o mesmo significado do disposto no § 7º do artigo 227 da Constituição, já que o primeiro visa determinar que as práticas de atendimento à criança e ao adolescente ocorram no âmbito municipal, enquanto o segundo refere-se a toda política destinada à criança e ao adolescente. Nesse sentido, a municipalização do atendimento é um mandamento de referência para as práticas de atendimento, exigindo que sejam prestadas dentro ou próximas dos limites geográficos dos municípios. Portanto, a municipalização do atendimento preconizada pelo ECA não tem a mesma significação do conceito de municipalização adotado pela doutrina do Direito Administrativo, que o assume como uma modalidade de descentralização política ou administrativa. 20 A municipalização do atendimento tem conteúdo programático, sendo uma orientação para os atores na área da infância e da adolescência, funcionando como objetivo a ser perseguido e realizado sempre que houver recursos materiais para tanto e não se configurarem conflitos com outros princípios da doutrina da Proteção Integral considerados de maior relevância no caso concreto. Além disso, a municipalização do atendimento não deve ser instrumento para o fortalecimento das práticas de internação e proliferação de Unidades. Dentro desse contexto, a municipalização das medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade é ainda mais premente, uma vez que elas têm como lócus privilegiado o espaço e os equipamentos sociais do Município. Nelas há maior efetividade de inserção social, na medida em que possibilitam uma maior participação do adolescente na comunidade, e, ao contrário das mais gravosas, não implicam em segregação.” – Acesso em 10 de nov. 2015
[21]http://www.cmdcario.com.br/downloads/206Del%201099%20plano%20socioeducativo%20c%20anexo.pdf – Acesso em: 10 de nov. 2015.
[22] SARAIVA, João Batista Costa. Op. Cit. P. 144.
[23] Cf. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Brasília-DF: CONANDA, 2006. P 43.
[24] Ibid.
[25] Ibid. P 44.
[26] 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2015-retificado.pdf Acesso em 27 de out. 2015:
<<De qualquer forma, o estudo permite estabelecer uma estimativa do percentual de homicídios praticados por adolescentes sobre os homicídios totais nos anos de 2013 e 2014. Neste sentido, percebe-se que a taxa é de 10,4% do total de 16.553 homicídios esclarecidos em 2013, e de 10,7% do total de 17.854 homicídios esclarecidos em 2014. Se por um lado percebe-se que o percentual não é irrelevante, por outro fica demonstrado que a contribuição de adolescentes para a taxa total de homicídios no Brasil é pequena, e que boa parte deles acaba submetida de forma célere a medida socioeducativa de internação de até 3 anos.>>
[27] Com relação ao argumento da impunidade, o Anuário apresenta os dados sobre a evolução do número de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no período de 1996 a 2013, incluindo as medidas de internação, internação provisório e semiliberdade. Em números absolutos, passamos de um total de 4.245 adolescentes submetidos a estas medidas em 1996 a um total de 23.066 adolescentes em 2013, crescimento da ordem de 443,36%, que demonstra o aumento da utilização pelo sistema de justiça juvenil dos mecanismos de controle socioeducativo com restrição à liberdade previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ao longo deste período.- http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2015-retificado.pdf
[28] SARAIVA, João Batista Costa. Op. Cit. P. 139.
[29] Possui atribuição nos bairros: Anil, Barra da Tijuca, Camorim, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia, Jacarepaguá, Gardênia Azul, Guamari, Itanhangá, Joá, Pechincha, Praça Seca, Recreio dos Bandeirantes, Tanque, Taquara, Vargem Grande, Vargem Pequena e Vila Valqueire.
[30] Informação obtida em sede de entrevista pessoalmente feita no CREAS Daniela Perez junto à coordenadora Roberta Araújo (informação verbal).
[31] Cf. Exibido no evento “Em Cine – Ciclo de Debates – O sol não é quadrado e Nova Casa: Documentário” realizado no dia 04 de novembro de 2015 na Faculdade de Comunicação Social da UERJ.
Advogada. Graduada em Direito pela UERJ (2016).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Marina Oliveira. Uma breve análise do ato infracional e suas consequências jurídicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52519/uma-breve-analise-do-ato-infracional-e-suas-consequencias-juridicas. Acesso em: 22 nov 2024.
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