É inerente ao Estado Democrático de Direito o controle do poder estatal em todos os níveis, com a participação da sociedade, na busca pela transparência, eficiência e legalidade da atuação das instituições.
A Polícia Judiciária, como órgão de Estado, não foge ao dever de prestar contas e de se submeter à fiscalização, devendo pautar suas ações em princípios democráticos.
Neste contexto, ganha relevo a accountability na Polícia Judiciária, haja vista o necessário equilíbrio na sua função repressiva da criminalidade e ao mesmo tempo garantidora de direitos fundamentais, tais como a liberdade e a dignidade das pessoas.
Accountability, em seu sentido mais abrangente, pode ser definida como a responsabilidade de prestar contas daquilo que se faz, o que significa apresentar o que faz, como faz e por que faz.[1]
A dimensão conceitual de accountability abrange answerability, que é a obrigação de informar e justificar as ações, e enforcement, que significa a recompensa pelos bons comportamentos e a punição pelos maus.[2]
Quando se fala em answerability é clara a correlação com a Polícia Judiciária, pois o dever de prestar contas é inerente à atuação policial, que está constantemente submetida à vigilância do Ministério Público, do Judiciário, da advocacia, da Defensoria Pública, e da sociedade.
Ademais, a Polícia Judiciária, no desempenho do seu mister, deve atuar com transparência, estando o Delegado de Polícia obrigado a fundamentar os seus atos decisionais, sujeitando-se a consequências caso aja em desconformidade com a lei.
Aí que entra a concepção de enforcement, no sentido de que como decorrência da fiscalização da atividade de polícia judiciária, toda má conduta implica responsabilização.
A prestação de contas, portanto, pela Polícia Judiciária, funciona como um mecanismo de qualificação de suas atividades, por isso o controle interno exercido pelas ouvidorias, corregedorias e chefias, além do controle externo.
Com relação ao controle externo da Polícia Judiciária, foi atribuído pelo artigo 129, inciso VII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ao Ministério Público, para ser exercido na forma de lei complementar.
No âmbito da União, coube à Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, dispor sobre o controle externo da atividade policial pelo Parquet.
Posteriormente, veio a Resolução nº 20, de 28 de maio de 2007, pela qual o Conselho Nacional do Ministério Público, sob o argumento de disciplinar o controle externo da Polícia pelo Ministério Público, ampliou o conteúdo da lei complementar, invadindo a seara legislativa, abarcando matéria cuja competência não lhe foi atribuída.
O vicio foi percebido pela Ordem dos Advogados do Brasil, que propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4220), arguindo que o Conselho Nacional do Ministério Público exorbitou o poder que lhe foi outorgado constitucionalmente e que teria cuidado de matérias atinentes a direito processual penal, polícia investigativa, e direcionamento do Ministério Público para realização de investigação criminal.
Na verdade, o controle da atividade policial pelo Ministério Público, que em tese teria sido instituído em razão dos conflitos de atribuições entre polícias, acabou se tornando, ele próprio, fonte de novos problemas.
A principal razão está no fato de que o Ministério Público não exerce o controle com isenção, haja vista seu interesse em presidir as investigações criminais, o que o põe em constante conflito com a Polícia Judiciária, a quem cabe, por expressa disposição constitucional, a apuração das infrações penais.
O Ministério Público, gradualmente, foi embrenhando-se no terreno da investigação criminal, de início com a justificativa de complementar a prova deficiente, depois com o pretexto de suprir as falhas da autoridade policial, até que, por derradeiro, arvorou-se impavidamente nas lidas da polícia judiciária, e todas as tentativas de conferir à polícia a exclusividade da investigação criminal foram obstadas pelo Ministério Público por meio de silogismos erísticos. Por trás de todas as iniciativas do Ministério Público, oculta-se a intenção de assumir o poder de polícia judiciária.[3]
Exemplo da constante tentativa do Ministério Público de avançar os limites de suas prerrogativas está nos incisos X e XI do artigo 25 da Lei 8.625 de 12 de fevereiro de 1993, que foram vetados por se tratar de matéria eminentemente processual que não poderia estar em uma lei destinada a dispor, exclusivamente, sobre a organização do Parquet.
Com referidos dispositivos, pretendia o Ministério Público a tramitação direta do inquérito policial e a estipulação de prazo, por seus membros, para conclusão das investigações, sem que houvesse o controle jurisdicional pela autoridade judiciária.
Portanto, o controle externo da Polícia Judiciária pelo Ministério Público se apresenta contaminado pela disputa do poder de investigação, o que o torna antidemocrático e incompatível com o atual estágio de evolução em que se inserem as instituições essenciais à justiça.
Logo, é imperativo que um governo que se propõe democrático adote estratégias democráticas e populares de controle da polícia e promova o fortalecimento das organizações sociais de modo que elas se traduzam em um “controle da sociedade sobre o Estado, sobre a polícia, sobre a Justiça, porque a democracia é sinônimo de poder do povo, requerendo, portanto, um novo perfil de relações entre o poder central e a população”.[4]
A possibilidade de um controle com viés democrático sobre a Polícia Judiciária é vislumbrada com a criação de um Conselho Nacional de Polícia Judiciária, nos moldes do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, que foram concebidos para oferecer aos cidadãos uma administração de justiça ágil, transparente e eficaz para a proteção dos direitos e reparação das violações.
Ora, não é outra a razão de ser de um Conselho Nacional de Polícia Judiciária, senão oferecer aos cidadãos uma polícia investigativa ágil, imparcial, transparente e eficaz para a garantia de direitos fundamentais.
Pretendendo a criação do Conselho Nacional de Polícia foi proposta a Emenda Constitucional nº 381/09, cujo objetivo está em conceber um órgão estruturado, imparcial e com efetiva condição de fiscalizar a conduta e zelar pela autonomia funcional dos integrantes das Polícias.
Também foi proposta a Emenda Constitucional nº 102/2011, para instituir o Conselho Nacional de Polícia, devendo lei complementar cuidar de sua competência e organização.
A Ordem dos Advogados do Brasil já se manifestou no sentido de que, para o controle externo da polícia, faz-se necessário um Conselho Nacional de Polícia Judiciária, composto de representantes da própria Polícia, de membros do Judiciário, do Ministério Público e da advocacia.[5]
Portanto, para um controle democrático da Polícia Judiciária, impõe-se a criação de um Conselho Nacional de Polícia Judiciária, formado por representantes da Polícia Judiciária, do Poder Judiciário, do Ministério Público, da advocacia e da sociedade, de forma que a investigação criminal possa ser realizada com autonomia e imparcialidade e os profissionais estejam sob olhares isentos e democráticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Consultor Jurídico. OAB propõe controle externo da Polícia Federal e Judiciária. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2008-mar-10/oab_propoe_controle_externo_policia_federal_judiciaria. Acesso em 25 set. 2018.
CUBAS, Viviane de Oliveira. ‘Accountability’ e seus diferentes aspectos no controle da atividade policial no Brasil. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7171/5750. Acesso em 25 set. 2018.
FREYESLEBEN, Márcio Luiz Chila. O controle externo da polícia judiciária. Disponível em: https://sindepol.com.br/site/artigos/o-controle-externo-da-policia-judiciaria.html. Acesso em 25 set. 2018.
PINHEIRO, Paulo S. [e] SADER, Emir. (1985), “O controle da polícia no processo de transição democrática no Brasil”. Temas Imesc, Vol. 2, nº 2.
SCHEDLER, Andreas. Por um conceito de accountability. In DIAMOND Larry - Para Entender a Democracia. Curitiba, PR: Atuação, 2017.
[1] CUBAS, Viviane de Oliveira. ‘Accountability’ e seus diferentes aspectos no controle da atividade policial no Brasil. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7171/5750. Acesso em 25 set. 2018.
[2] SCHEDLER, Andreas. Por um conceito de accountability. In DIAMOND Larry - Para Entender a Democracia. Curitiba, PR: Atuação, 2017.
[3] FREYESLEBEN, Márcio Luiz Chila. O controle externo da polícia judiciária. Disponível em: https://sindepol.com.br/site/artigos/o-controle-externo-da-policia-judiciaria.html. Acesso em 25 set. 2018.
[4] PINHEIRO, Paulo S. [e] SADER, Emir. (1985), “O controle da polícia no processo de transição democrática no Brasil”. Temas Imesc, Vol. 2, nº 2.
[5] Consultor Jurídico. OAB propõe controle externo da Polícia Federal e Judiciária. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2008-mar-10/oab_propoe_controle_externo_policia_federal_judiciaria. Acesso em 25 set. 2018.
Delegado de Polícia. Especialista em Segurança Pública. Especialista em Ciências Penais. Especializando em Direito de Polícia Judiciária.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRESSAN, Adilson José. Um Conselho Nacional de Polícia para o controle democrática da Polícia Judiciária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 dez 2018, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52542/um-conselho-nacional-de-policia-para-o-controle-democratica-da-policia-judiciaria. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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