Resumo: O presente artigo objetiva traçar um histórico da execução provisória da pena, debater a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a fim de fazer um ensaio sobre a compatibilização com o princípio da presunção de inocência com as recentes decisões sobre o tema. A controvérsia ainda está longe de ser pacificada, uma vez que encontra-se na pauta do Supremo Ação Direta de Constitucionalidade (ADC n.º 54). Daí a necessidade de fornecer elementos hábeis ao corpo jurídico para a solução da controvérsia. De início a jurisprudência da Corte Suprema harmonizou os valores da eficiência da jurisdição e da presunção de inocência, a fim de dar celeridade ao sistema processual criminal e segurança jurídica à população. Porém o tema reclama melhor solução, onde propomos resolução através da perquirição da natureza jurídica da execução provisória em matéria penal, a saber: uma prisão processual, de natureza preventiva, que autoriza a prisão após a decisão de segunda instância que não tem recurso com efeito suspensivo , sem que haja ferimento ao princípio da presunção de não-culpabilidade ou inocência.
Palavras-chave: Execução Provisória – Prisão após acórdão recorrível – Natureza Jurídica Cautelar – Princípio da presunção de inocência - Não-culpabilidade
Abstract: This article aims to trace a history of the provisional execution of the sentence, discuss the jurisprudence of the Supreme Court in order to do an essay on the compatibility with the principle of presumption of innocence with the recent decisions on the subject. The controversy is still far from being pacified, since it is on the agenda of the Supreme Direct Action of Constitutionality (ADC n.º 54). Hence the need to provide skillful elements to the legal body for the solution of the controversy. At the outset, the jurisprudence of the Supreme Court harmonized the values of the efficiency of the jurisdiction and the presumption of innocence, in order to speed up the criminal procedural system and legal security to the population. But the subject complains best solution, which we propose resolution by perquisition the legal nature of provisional enforcement in criminal matters, namely: a procedural prison, preventative, authorizing the arrest after the decision of second instance which has no recourse in effect suspensory, without prejudice to the principle of presumption of non-culpability or innocence..
Keywords: Provisional enforcement - Detention after appealable collegiate judgment - Legal nature - Principle of presumption of innocence - Non-culpability
SUMÁRIO: 1. Resumo 2. Introdução 3. Desenvolvimento 3.1. Discussão 3.2. Análise de resultados 4. Considerações finais 5. Referências bibliográficas.
Com o recente julgamento do Habeas Corpus 152.752, em 04 de abril de 2018, impetrado pelo ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, reacendeu-se a discussão sobre a possibilidade de prisão após a condenação em 2ª instância.
Tal repercussão do caso nos meios jurídicos nos despertou o interesse pelo assunto, a ponto de buscarmos aprofundamento suficiente para formar nossa convicção e auxiliar na construção da ciência jurídica processual penal.
O entendimento que vinha até então sendo aplicado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) era proveniente do julgamento do HC 126.292, publicado em 05.10.2016, onde o STF por 7 votos contra 4 votos vencidos (Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso Melo e Ricardo Lewandowsky) decidiu que cabe a execução provisória da pena após a decisão condenatória de segunda instância, mesmo que haja a possibilidade de recurso. Entendimento esse que foi reafirmada, agora em 2018, no julgamento do HC 152.752, assim ementado:
“HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. COGNOSCIBILIDADE. ATO REPUTADO COATOR COMPATÍVEL COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF. ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. INOCORRÊNCIA. ALEGADO CARÁTER NÃO VINCULANTE DOS PRECEDENTES DESTA CORTE. IRRELEVÂNCIA. DEFLAGRAÇÃO DA ETAPA EXECUTIVA. FUNDAMENTAÇÃO ESPECÍFICA. DESNECESSIDADE. PEDIDO EXPRESSO DA ACUSAÇÃO. DISPENSABILIDADE. PLAUSIBILIDADE DE TESES VEICULADAS EM FUTURO RECURSO EXCEPCIONAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM DENEGADA. [...]”
Pela análise literária do princípio da presunção de não culpabilidade até que houvesse o trânsito em julgado do processo o réu não poderia ser preso, pois a aplicação da pena privativa de liberdade reclama o trânsito em julgado.
Da lição de Damásio de Jesus transcrevemos a cristalina definição do que vem a ser o princípio da presunção de não culpabilidade: “antes de sentença condenatória transitar em julgado, há impossibilidade de se impor, ao acusado de um crime qualquer, medida de coação pessoal ao seu direito de liberdade, que se revista de características de execução de pena”
Esboçaremos leitura sistêmica, buscando interpretação histórica da questão, além de correlacioná-la com inovações processuais e jurisdicionais, tais como Súmulas Vinculantes, Repercussão Geral, Recursos Repetitivos e a Lei da Ficha Limpa para aprofundarmos no tema, e consequentemente na solução do problema aqui proposto.
A contribuição e o provável avanço que ocorrerá com o desenvolvimento da pesquisa é trazer segurança jurídica ao país com decisões na seara penal mais justas.
A partir de que momento um réu pode ir preso em um processo criminal? Qual é a jurisprudência que vem sendo aplicada? Por quais fases esta jurisprudência passou? Qual plausibilidade de se aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória?
Vejamos como se comportou o instituto da execução provisória no processo civil nesse período de transformação da jurisprudência processual penal. Também vamos avaliar como a lei da ficha limpa pode ter influenciado na formação da jurisprudência.
Objetiva este trabalho realizar da revisão bibliográfica sobre o tema, analisando a respectiva evolução doutrinária, jurisprudencial e normativa, aprofundando, principalmente, o estudo sobre o princípio da presunção de inocência confrontando-o com a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
Buscaremos a multidisciplinaridade entre Direito Processual Penal e o Direito Processual Civil para buscarmos respostas consistentes aos desafios do tema, guardadas as devidas cautelas, pois sabedores de que o Direito processual penal trata da liberdade do ser, enquanto a ciência processual civil, trata em grande volume de direitos patrimoniais disponíveis.
Pretendemos, especificamente, analisar os Sistema de Direitos e Garantias Fundamentais; discursar sobre o Princípio da presunção de inocência ou não-culpabilidade, fazendo a distinção entre os axiomas; analisar os tipos de prisão existentes, em especial a prisão após condenação em segunda instância, buscando sua natureza jurídica; traçar um paralelo multidisciplinar entre Direito Processual Penal e o Processual Civil, para, enfim, discursar sobre o processo legislativo constitucional apto a compatibilizar o Princípio da presunção de inocência e demais dispositivos estudados.
O presente trabalho utiliza o método lógico-dedutivo, em sua maior parte, baseando-se na construção doutrinária, jurisprudencial e normativa, sendo analisada a referência dos institutos abordados em face dos princípios que integram o regime jurídico.
A pesquisa bibliográfica sobre o tema, por meio de artigos jurídicos, doutrina, revistas jurídicas, jurisprudência, normas constitucionais e infraconstitucionais, correlacionando-a multidisciplinarmente com elementos das diversas ciências processuais.
Para tanto, analisaremos mais detidamente as decisões do STF, pois, em análise inicial aparenta a corte não ter dado resposta convincente ao enfrentamento da literalidade do art. 5º, LVII, da CF, ainda mais por que deixou de analisar conjuntamente as ADC’s relativas ao tema.
A interpretação da possibilidade de prisão após condenação passa por constante transformação. Façamos um breve histórico recente da discussão:
Até o ano de 2009 o art. 393 do Código de Processo Penal (CPP) determinava que após a sentença de 1º grau que condenasse o réu ele poderia ser imediatamente preso.
Dispunha o art. 393, revogado no ano de 2011, que eram efeitos da sentença condenatória recorrível: ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança; ser o nome do réu lançado no rol dos culpados.
Essa era a diretriz que vinha orientando a jurisprudência:
‘‘HABEAS CORPUS’. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. NÃO-CONFIGURAÇÃO DE ‘REFORMATIO IN PEJUS’. ‘HABEAS CORPUS’ DENEGADO.
1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de ser possível a execução provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos pendentes de julgamento não têm efeito suspensivo.
2. Não configurada, na espécie, ‘reformatio in pejus’ pelo Tribunal de Justiça do Paraná. A sentença de primeiro grau concedeu ao Paciente ‘o benefício de apelar’ em liberdade, não tendo condicionado a expedição do mandado de prisão ao trânsito em julgado da decisão condenatória.
3. ‘Habeas corpus’ denegado.’ (...)
(STF, 1ª Turma, HC 91.675/PR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJE 157
06/12/2007). Grifo nosso.
Outro comando salutar à compreensão do tema vem do parágrafo único, incluído em 2008, posteriormente convertido no ano de 2012 em § 1º do art. 387, do Código de Processo Penal (CPP) pois trata da prisão preventiva após a condenação. Diz o referido comando que o juiz ao proferir a sentença penal condenatória aplicará as penas e decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta.
De 2009 até 2016: com o emblemático julgamento do HC 84.078 pelo STF o réu somente passou a poder ser preso e cumprir a pena após o esgotamento de todos os recursos no STJ e STF. Confira o que foi ementado, por ocasião da decisão:
EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. (…) (STF, Pleno, HC 84.078/MG, Rel. Min. Eros Grau, j. 05.02.2009)
Esse julgamento foi tão representativo que em 2011 a lei 12.403/2011, inspirada na jurisprudência acima, revogou o art. 393 e editou o art. 283 ambos do CPP, reafirmando que ninguém pode ser preso senão em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado e era o entendimento que vinha sendo aplicado.
Vejamos o que diz o artigo 283 do Código de Processo Penal:
Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
Após isso, no ano de 2016, com o julgamento do HC 126.929 em fevereiro e das Ações Diretas de Constitucionaldade (ADC’s) 43 e 44 em outubro daquele ano houve nova reviravolta. Com a alteração desse entendimento, o STF passou a entender que a prisão não cabe nem após a condenação em primeira instância tampouco após esgotados todos os recursos possíveis e sim a partir da condenação em segunda instância. Vejamos o que foi ementado à época:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.
1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.
2. Habeas corpus denegado. (STF, Plenário, HC 126.929, Rel. Teori Zavascki, j. 15.12.2015)
Enfim, chegamos no ano de 2018 quando ocorreu o julgamento do HC 152.752, que envolvem a prisão do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. De onde partiremos com nossos estudos a fim de buscar a compatibilização da prisão após condenação em segunda instância com o princípio da presunção de não culpabilidade.
A questionabilidade da tese acima funda-se, principalmente, na violação do princípio da presunção de não culpabilidade (também conhecido na doutrina por princípio da presunção de inocência), insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição Federal (CF), que colacionamos aqui:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Buscando conceituar o princípio da não culpabilidade, Rangel (2015) nos auxilia ao contextualizar:
O princípio da presunção da inocência tem seu marco principal no final do século XVIII, em pleno Iluminismo, quando na Europa Continental, surgiu a necessidade de se insurgir contra o sistema penal inquisitório, de base romano-canônico, que vigia desde o século XII. Nesse período e sistema, o acusado era desprovido de toda e qualquer garantia. [...] Com a eclosão da Revolução Francesa, nasce o diploma marco dos direitos e garantias fundamentais do homem: a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, de 1789.
Antes, porém, anoto a valiosa lição de Pacelli (2011):
Princípios, então, que se apresentam como normas fundamentais do sistema processual, sem os quais não se cumpriria a tarefa de proteção aos direitos fundamentais. O Direito Processual Penal, portanto, é, essencialmente, um Direito de fundo constitucional.
Renato Brasileiro conceitua (2012):
"Consiste no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório)"
A literalidade do inciso LVII do art. 5º da Carta Magna impõe ao julgador o respeito ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória para que o réu seja considerado culpado, e é essa aparente dissonância entre o entendimento do STF e a literalidade do texto constitucional que nos motiva a buscar base jurídica para melhor enfrentamento da controvérsia.
Aprofundemo-nos, agora, no estudo do princípio da presunção de inocência. Há diferença entre princípio da presunção de inocência e princípio da presunção de não culpabilidade? Façamos essa distinção:
A Convenção Americana de Direitos Humanos, (Pacto de São José da Costa Rica) traz em seu art. 8º, item 2, o princípio da presunção de inocência: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa” (grifo nosso). Daí a denominação: Princípio da Presunção de Inocência. Já a Constituição da República traz em seu art. 5º, LVII, os dizeres “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” daí surge outra nomenclatura: Princípio da Presunção de não-culpabilidade (grifo nosso).
A doutrina trata ambos termos como expressão de um só princípio, como sinônimos. Porém há um detalhe, na Constituição, ela diz que a pessoa não será considerada culpada até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Já a Convenção Americana sobre Direitos Humanos diz que é presumidamente inocente o acusado “enquanto não for legalmente comprovada sua culpa” a expressão grifada é aberta, porém, em interpretação sistemática da convenção, essa proteção se estende até o exercício do direito ao duplo grau de jurisdição. Pois é nessa convenção que se assegura o duplo grau de jurisdição da matéria de fato e de direito. Após o exercício desse duplo grau é que está legalmente comprovada sua culpa.
A título de aprofundamento, ressalte-se que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) traz em seu art. 9º o comando: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado (…).
Já a nossa Constituição por um lado amplia a presunção de inocência até a ocorrência do trânsito em julgado, porém, s.m.j., o que veda são os efeitos da condenação, dentre eles o lançamento do nome do réu no rol dos culpados. O que discorreremos com maior pertinência a seguir.
O limite temporal de ambas normas é diferente: na convenção (exercício ao duplo grau) na Constituição (após o trânsito em julgado).
DISCUSSÃO
A decisão no HC 126.292 é a fonte que orienta a jurisprudência do STF acerca da possibilidade de prisão após condenação em 2ª instância, orientando inclusive o HC 152.752 do ex-Presidente Lula, ela foi muito aplaudida por membros do Ministério Público e da Magistratura, pois dá efetividade às decisões judiciais na seara penal.
Passemos ao comento dos fundamentos do Relator:
“O tema relacionado com a execução provisória de sentenças penais condenatórias envolve reflexão sobre (a) o alcance do princípio da presunção da inocência aliado à (b) busca de um necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça criminal.”
O brocardo jurídico “justiça tardia é injustiça” já guiava os juristas a buscar celeridade processual desde tempos remotos. Façamos um parêntese para relembrar do caso Pimenta Neves, réu confesso, foram 11 anos entre a data do fato e o trânsito em julgado. Com efeito, um novo elemento na discussão da controvérsia foi trazido pelo poder constituinte reformador no ano de 2004, ao erigir o princípio da duração razoável do processo ao status de garantia fundamental (EC 45/2004). Com isso deu-se novo fôlego ao princípio da efetividade da função jurisdicional. Pela conjugação dos referidos princípios elencados nos incisos XXXV e LXXVII do artigo 5º da CF é garantido aos jurisdicionados o acesso à justiça, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, no intuito de assegurar acesso efetivo.
Responder aos anseios da sociedade, deve ser pensado com cautela. Devemos, sim, ouvir os anseios da sociedade, cansada da impunidade. Porém a precaução a se atender o clamor popular é resguardar-se de que não haja violação de garantias fundamentais, pois uma vez admitindo-se isso, posteriormente se admitirá a prova ilícita, a inquirição no lugar do contraditório, o fim do duplo grau de jurisdição etc., até ter todo o sistema de garantias cair em ruína, uma vez que a sociedade traz um discurso de encarceramento muito forte.
Ao citar escrito do Ministro Gilmar Mendes, o Ministro Teori Zavascki percebe dois pontos marcantes: o legislador não sinaliza o que vem a ser a definição de culpado, e que há de se notar uma progressividade na demonstração da culpa durante o curso do processo:
“(…) a definição do que vem a se tratar como culpado depende de intermediação do legislador.
Ou seja, a norma afirma que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da condenação, mas está longe de precisar o que vem a se considerar alguém culpado.
O que se tem, é, por um lado, a importância de preservar o imputado contra juízos precipitados acerca de sua responsabilidade. Por outro, uma dificuldade de compatibilizar o respeito ao acusado com a progressiva demonstração de sua culpa.(…)
Nesse estágio, é compatível com a presunção de não culpabilidade determinar o cumprimento das penas, ainda que pendentes recursos” (in: Marco Aurélio Mello. Ciência e Consciência, vol. 2, 2015). (grifo nosso)
Outro argumento bem lançado pelo Ministro é que a prisão após julgamento em segunda instância não fere o princípio do duplo grau de jurisdição, pois é no “âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado”. Os Recursos Especial e Extraordinário “não configuram desdobramento do princípio do duplo grau de jurisdição”, daí a edição da súmula 07 do STJ e da súmula 279 do STF, uma vez que excepcionais recursos não se prestam à análise de fatos e provas, portanto têm devolutividade limitada.
E repisa: “os recursos de natureza extraordinária não têm por finalidade específica examinar a justiça ou injustiça de sentenças em casos concretos. Destinam-se, precipuamente, à preservação da higidez do sistema normativo” ainda mais pela inclusão da repercussão geral da matéria, em 2004, como requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário, que estatisticamente limitou ainda mais a possibilidade de êxito em matéria criminal na ordem de apenas 4% dos casos, conforme fala do Ministro Joaquim Barbosa no julgamento do HC 84.078.
Quanto à possibilidade de se cometer equívocos nas instâncias ordinárias, ressalta que há instrumentos processuais eficazes, tais como as medidas cautelares para conferir efeito suspensivo a recursos especiais e extraordinários, bem como o Habeas Corpus, que a despeito de interpretação mais restritiva sobre seu cabimento, em casos de teratologia, são concedidos de ofício pelo STF.
Via de regra, os recursos excepcionais não são dotados de efeito suspensivo (art. 637 do CPP), o que corrobora para a relativização do princípio da presunção de inocência: “tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização” (grifo nosso).
Tal posicionamento alinha-se ao limite temporal do princípio da presunção de inocência insculpido no pacto de São José da Costa Rica, que é o encerramento do segundo grau de jurisdição a autorizar a prisão do réu.
Some-se isto ao fato de que em nenhum país do mundo a execução de uma condenação fica suspensa, após o exercício do duplo grau de jurisdição. O relator ainda colaciona em seu voto estudo com a experiência de vários países, como Inglaterra, França, Portugal e Espanha. A crítica que a doutrina faz nesse ponto, e, com razão, é que tal previsão deveria ser objeto de lei.
Os recursos antes da edição desta jurisprudência configuravam, em grande parte, exercício abusivo do direito de recorrer. Diversos tinham nítido caráter procrastinatório, inclusive buscando a prescrição, pois conhecedores do art. 117, IV, os defensores almejavam-na, já que o último marco interruptivo do prazo prescricional antes início do cumprimento da pena é a publicação da sentença ou do acórdão recorríveis.
Dentre os argumentos que pesam contra a prisão após condenação em segunda instância ressalta-se que a LEP, Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210/84) é posterior ao art. 637 do CPP que trata da não suspensividade do Recurso Extraordinário para que se prossiga com a execução da sentença. A LEP traz em seu art. 105 a necessidade de se haver transitado em julgado a sentença para que o juiz ordene a expedição de guia de recolhimento para a execução, o que estaria em conformidade com o princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade, portanto a LEP haveria derrogado o comando do art. 637 do CPP.
Outra crítica que não se pode olvidar é: para que serve então o princípio da presunção de não culpabilidade? Não se pode negar que nossa Constituição Cidadã foi além da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao traçar como marco temporal o trânsito em julgado da condenação para que o réu seja considerado culpado. A decisão do STF sem dúvidas atende o preceito insculpido na convenção, porém é inegável que nossa Constituição visa maior proteção à liberdade.
Nas palavras do Ministro Marco Aurélio: “Qual é esse significado, senão evitar que se execute, invertendo-se a ordem natural das coisas – que direciona a apurar para, selada a culpa, prender –, uma pena, a qual não é, ainda, definitiva.”
Registre-se que a presunção de inocência representa uma notável conquista histórica dos cidadãos em sua permanente luta contra a opressão do Estado e o abuso de poder. E que no Brasil ganhou contornos ainda mais fortes, pois a constituinte veio a ser o ponto de ruptura entre o regime autoritário da ditadura militar e a nova democracia que se lançava no horizonte. Interpretando historicamente o princípio, vê-se que o constituinte originário não quis apenas ter como inocente o réu até a ocorrência da condenação em segundo grau, quis ele estender tal presunção, s.m.j., até o trânsito em julgado da condenação.
ANÁLISE DE RESULTADOS
Dando um passo a seguir na argumentação, vislumbro que as recentes mudanças no ordenamento jurídico trazidas pelo novo CPC e por alterações legislativas em relação aos Recursos Especiais e Extraordinários impactarão na interpretação do princípio da presunção de inocência. Teses com repercussão geral reconhecida têm caráter vinculante, que traz maior segurança jurídica ao cidadão, que se orienta por uma jurisprudência menos instável. A possibilidade de edição de súmulas vinculantes pelo STF, o julgamento de recursos repetitivos no STJ também caminham nessa esteira. Outro fator importante, para o que chamo de estabilização da jurisprudência é a presença do Incidente de Assunção de Competência (IAC) e do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), trazidos pelo Novo CPC, e que nada obsta sua aplicação no Processo Penal, por aplicação analógica supletiva.
Tais modificações no direito pátrio trazem elementos do direito consuetudinário (Comon Law) ao dar maior presença e eficácia à jurisprudência dos Tribunais. Daí chamar estas medidas de estabilizadoras da jurisprudência.
Mencionar os elementos estabilizadores da jurisprudência é salutar à solução da controvérsia, já adianto, pois inegavelmente trariam ao Processo Penal a celeridade necessária para a ocorrência do trânsito em julgado em tempo razoável, e, consequentemente, maior respeito ao princípio da não-culpabilidade.
A solução da controvérsia, a nosso ver, passa pelo estudo da natureza jurídica da Execução Provisória da Pena com a prisão em segunda instância. Primeiro insta diferenciar prisão-pena de prisão processual. A prisão processual, também chamada de prisão cautelar e prisão provisória, pode ocorrer nos seguintes casos que a doutrina enumera: a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, a decorrente de pronúncia e a decorrente de sentença condenatória recorrível e a prisão decorrente de acórdão recorrível.
A prisão em flagrante é aquela que ocorre durante o ato criminoso ou logo após se sucedido de perseguição. A prisão temporária é regulamentada pela Lei 7.960/89, tem seu lugar na fase inquisitiva (pré-processual) e, em geral, é decretada para assegurar o sucesso de uma determinada diligência e antecede a prisão preventiva.
A prisão preventiva por sua vez não tem prazo pré-definido, pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou da ação penal, quando houver indícios que liguem o suspeito ao delito (presença do fumus boni iuris e o periculum in mora). Ela tem a finalidade de garantir a efetividade da justiça, vale dizer, garantir que a sentença condenatória seja executada, nos seguintes casos: como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2013, p. 581) esclarecem o que vem a ser a garantia da ordem pública:
A ordem pública é expressão de tranquilidade e paz no seio social. Em havendo risco demonstrado de que o infrator, se solto permanecer, continuará delinquindo, é sinal de que a prisão cautelar se faz necessária, pois não se pode esperar o trânsito em julgado da sentença condenatória. É necessário que se comprove o risco.
Capez (2016), trata da garantia da ordem econômica como sendo derivação da ordem pública, trazida pela lei antitruste (Lei 8.884/94), concluo por óbvio que é no tocante ao aspecto econômico que os atos do agente podem influenciar. Ensina que a conveniência da instrução criminal, como fundamento para decretação da prisão preventiva, deve ser empregada como último instrumento só devendo ser utilizada caso a liberdade do indivíduo cause sérios riscos à tutela da prova. O autor relaciona garantia de assegurar a aplicação da lei penal ao eminente risco de fuga que permita ao agente furtar-se da execução da pena.
A decorrente de pronúncia regida pelo artigo 585 do CPP era reservada aos crimes dolosos contra a vida e encontra-se tacitamente revogada, conforme nos orienta o informativo 579 do STF:
Consignou-se que, com a reforma do CPP pela referida Lei 11.689/2008, o art. 585 do CPP encontrar-se-ia implicitamente revogado, uma vez que o réu somente deve se recolher ao cárcere se o magistrado assim entender necessário e desde que de modo motivado. HC 101244/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 16.3.2010. (HC-101244)
A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível (art. 393, I) foi revogada em 2011, dando lugar ao art. 283. Por último, dentre as prisões processuais, a prisão decorrente de acórdão recorrível a qual nos debruçamos ao comento durante todo este artigo acadêmico.
Já a prisão-pena, para execução de pena se aplica a condenados que responderam ao processo em liberdade e é decretada quando se esgotam os recursos cabíveis, isto é, com a ocorrência do trânsito em julgado da decisão condenatória. Tem seu regramento na LEP, mencionado anteriormente.
É certo que após a edição do art. 283 em 2011, transcrito anteriormente, das sete modalidades de prisão (seis cautelares e uma execução da pena) restaram apenas quatro: em flagrante delito, a temporária e a preventiva estas de natureza cautelar e a execução da pena após o trânsito em julgado.
Nas palavras de Luiz Flávio Gomes “nenhuma prisão cautelar mais, no nosso país, pode fugir dos parâmetros fixados pelo art. 312 do CPP”. Vale dizer, que havendo necessidade de se prender alguém em qualquer fase processual, há de ser necessário atentar para os requisitos e fundamentos da prisão preventiva. Com efeito, a prisão na ocasião da pronúncia, a da sentença condenatória recorrível e a do acórdão condenatório recorrível não foram revogadas, e sim passaram a ter nova disciplina. Alinharam-se à prisão preventiva, que certamente é a prisão processual que não contém vício algum de constitucionalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A solução da controvérsia, a nosso ver, passa pelo estudo da natureza jurídica da Execução Provisória da Pena com a prisão em segunda instância. Até a revogação do art. 393 era nítida sua característica de prisão processual. Com o advento do art. 283 inspirado pelo HC 84078 / MG a prisão após condenação em segunda instância erroneamente passou a ser interpretada como prisão-pena.
É de extrema relevância perquirirmos a natureza jurídica da prisão após a condenação em segunda instância, como fizemos no capítulo anterior, também conhecida por prisão após acórdão recorrível, pois nela repousarão nossas conclusões. Ora, se concluirmos que se trata de prisão-pena sua leitura confrontada com o princípio da presunção de inocência ganha um contorno, se concluirmos que se trata de prisão processual, por óbvio ganhará outro.
Em se tratando de prisão-pena a execução provisória, nosso entendimento é que, de fato haveria inconstitucionalidade, pois a prisão-pena é elementar à condenação, devendo esta ser aplicada apenas após o trânsito em julgado da decisão condenatória. O que vem a ser a expressão “considerado culpado” grafada no princípio elencado no inc. LVII do art. 5º da CF, senão ser preso para início do cumprimento da pena e ter seu nome lançado no rol dos culpados?
Porém, o que defendemos é que a prisão após acórdão condenatório recorrível, ou execução provisória, como preferir, trata-se de prisão processual, de matiz constitucional, que fora a partir de 2011 açambarcada pelo instituto da prisão preventiva, uma vez que é perfeitamente compatível com a garantia da ordem pública, com a progressividade da culpa em tal avançada fase processual e com o princípio da não culpabilidade.
O clamor popular tem guarida e repouso na garantia da ordem pública, fundamento esse da prisão preventiva, que sempre que for decretada essa decisão deverá ser fundamentada, aí os anseios da sociedade não causam danos à estrutura do Estado Democrático de Direito e podem ser ouvidos com o devido respeito, já que o povo é o titular soberano do direito. Clara e evidente é a necessidade de estancar a sensação de impunidade que a sociedade vive, já que ela participa ativamente desta ruptura de paradigma. Basta recordar-se das manifestações ocorridas em 2013 aliadas à promulgação da Lei da Ficha Limpa, esta, de iniciativa popular.
A garantia da ordem pública, fundamento da prisão preventiva, é o cerne de nossa argumentação, que traz a execução provisória como modalidade de preventiva. Por isso trazemos o argumento de Barroso que em seu voto asseverou com a prudência do juiz sábio ao afirmar que após o julgamento da apelação “esgotam-se as instâncias ordinárias e a execução da pena passa a constituir, em regra, exigência de ordem pública, necessária para assegurar a credibilidade do Poder Judiciário e do sistema penal.” Tal argumento, transcrevemos aqui pois dá sustentação à nossa tese de que trata-se de prisão cautelar a execução provisória, e não de prisão pena.
Promover a quebra do paradigma da impunidade do sistema criminal, ao evitar que a necessidade de aguardar o trânsito em julgado de recursos sem efeito suspensivo impeça a aplicação da pena (seja pela prescrição seja pela demora em se concluir o julgamento), pois justiça tardia é injustiça, É medida pragmática que se impõe, como evidenciou Barroso em seu voto e demonstra-se eficaz ao dar resposta à sociedade, principalmente às vítimas de crimes e seus familiares que simplesmente não conseguem entender o por que de nunca haver a condenação de seu algoz. Pragmaticamente, ainda ressalta que a decisão equilibra o sistema, desestimulando a interposição de recursos protelatórios e diminui o grau de seletividade do sistema punitivo brasileiro uma vez que é sabido que a manutenção de recursos em Brasília é cara e apenas os mais abastados podem mantê-los.
A peculiaridade de ter-se a execução provisória do acórdão, com a natureza jurídica de prisão processual é que ela, apesar de sua natureza cautelar, traz a necessidade ao Estado de indenizar no caso de absolvição futura, por se tratar de um direito tão caro ao cidadão, a sua liberdade, dada também a inafastabilidade do Poder Judiciário. Certo também é que se lhe aplica todo o regramento da prisão provisória, como sua revogabilidade e a possibilidade de nova decretação previstas no art. 316 do CPC.
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Bacharel em Direito, Servidor Público pertencente às carreiras do Ministério Público do Estado de Minas Gerais como Oficial do Ministério Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Orliênio Antônio Gonçalves da. A prisão após condenação em segunda instância. Ensaio sobre a compatibilização com o princípio da presunção de inocência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 fev 2019, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52688/a-prisao-apos-condenacao-em-segunda-instancia-ensaio-sobre-a-compatibilizacao-com-o-principio-da-presuncao-de-inocencia. Acesso em: 22 nov 2024.
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