ADEMIR GASQUES SANCHES[1]
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar, de uma forma um pouco mais profunda, os crimes sexuais contra criança e adolescentes. No Brasil, crianças a adolescentes são constantemente aliciados e exploradas, tanto na sua própria residência, quanto fora dela, esse é um problema grave que deve ser salientado e estudado. Essa prática, tão bárbara e desumana, vem aumentando drasticamente mesmo com a criação do ECA, que trouxe diversos meios de proteção aos jovens, sendo uma verdadeira revolução no ordenamento jurídico, mas ainda assim não consegue, de forma satisfatória, a proteção necessária. Considerando a incidência tanto do ECA quanto do Código Penal nesses tipos de delito, não obstante, o foco do artigo também está nas questões jurisprudenciais e doutrinárias sobre o tema.
Palavras-chave: Criança, Adolescente, ECA, Código Penal, Crimes Sexuais.
ABSTRACT: This article aims to analyze, in a somewhat, more profound way, the sexual crimes against children and adolescents. In Brazil, children and adolescents are constantly encouraged and exploited, both in and out of their own home, this is a serious problem that must be stressed and studied. This practice, so barbaric and inhuman, has been increasing dramatically even with the creation of the ECA, which has brought various means of protection to the young, being a true revolution in the legal system, but still can not satisfactorily provide the necessary protection. Whereas the incidence of both the ECA and the Criminal Code on these types of crime, nevertheless, the focus of the article is also on the jurisprudential and doctrinal issues on the subject.
Key-words: Child, Adolescent, ECA, Criminal Code, Sexual Crimes.
1 INTRODUÇÃO
A legislação é importante para garantir intensamente a proteção à criança e ao adolescente em vários aspectos, no entanto, nem sempre na história foi assim. Essa foi uma conquista graças a criação de leis que favoreçam o direito e garantam a segurança. Ao ser promulgada, a atual Constituição Federal, em seu artigo 227 relacionado ao indivíduo diz:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Mesmo com a lei maior garantindo tal proteção, ainda era necessária a criação de uma legislação específica, envolvendo crianças e adolescentes, diante os delitos que eram cometidos contra tais. A legislação seria o principal “carro chefe” na proteção dos menores.
A referida legislação veio alguns anos depois, e atualmente é conhecida como ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. O referido diploma normativo tem como objetivo, segundo Guilherme Freira, de proteger a criança e adolescente de forma extremamente ampla não se limitando apenas em tratar de medidas repressivas e de atos infracionais.[2]
Dessa maneira, não se deve analisar a questão do abuso sexual infantil apenas pelos ditames da lei, o presente artigo tem como objetivo ir muito mais além do que isso, através de metodologias e pesquisas, sendo a hermenêutica primordial para o entendimento de leis, como também a compreensão de textos de autores que se preocuparam a fazer uma análise da problemática sobre o abuso dos indefesos. É preciso analisar a situação como um todo, envolvendo família e a sociedade acerca das vítimas.
2 ORIGEM DO DIREITO PENAL
O abuso sexual, seja de criança ou adolescente, é um tipo penal e deve ser reprimido pelo Estado. Para entender essa questão, é necessário adentrar um pouco na história do direito penal e analisar suas principais funções, bem como sua evolução ao longo do tempo.
Desde que o indivíduo passou a conviver em sociedade várias consequências foram surgindo, inclusive os crimes. Diante situações de risco e que feria a dignidade humana, houve necessidade de criação de normas para impedir e/ou tentar controlar a prática dessas ações, criou-se assim o Direito. Não foi algo restrito, qualquer grupo social possui algum tipo de regras e punições a quem pratica alguma ação contrária ao interesse coletivo, não era somente uma questão de penalidade, mas sim de sobrevivência. Uma certa necessidade para que os indivíduos tivessem punições, fazendo assim, com que a pratica dessas ações que colocam a vida de alguém em risco como também a sua dignidade tivesse justiça diante uma crueldade. Com isso, percebe-se que o Direito surgiu como algo fundamental na sociedade, possuindo forte influência na vida do ser.
Assim, o direito penal possui como finalidade a proteção de bens que são importantes para a sociedade, como exemplo a vida, liberdade e patrimônio. É de principal importância o não esquecimento que esses bens são os responsáveis pela sobrevivência da sociedade organizada. Como pauta Rogerio Grecco (2007):
A finalidade do Direito Penal é proteger os bens mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade, ou, nas precisas palavras de Luiz Regis Prado, “o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos – essenciais ao indivíduo e à comunidade.
Ao lado das sanções, o Estado cria certas medidas visando reprimir a ocorrência dos fatos que procuram violar os bens tutelados pelo direito. Dentre as medidas tem a pena, considerada a mais severa, e a medida de segurança, considerada mais branda. Então, todo esse conjunto de normas, que visa a proteção de determinados bens e a imposição de certas sanções, é chamado Direito Penal.
3 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
É unanime da doutrina e jurisprudência que o ECA foi uma verdadeira revolução no ordenamento jurídico. O referido estatuto regulamentou a proteção dada pelo artigo 227 da CF/88, e além disso fez com que as crianças deixassem de ser mero objeto e passassem a ser titulares de direitos e garantias fundamentais.
Com o Estatuto, diversos mecanismos foram criados para a proteção das crianças e adolescentes, podemos citar: Os Conselhos Tutelares, Conselhos de Direitos e a competência dada ao Ministério Público como guardião dos direitos infanto-juvenis e ser legitimado para a propositura de ações que visam a proteção dos incapazes.
É claro que todos esses avanços foram possíveis através de vários erros que aconteceram no passado, e além disso, com todo o sistema de proteção envolvendo crianças e adolescentes se deu por causa do princípio da dignidade humana, principio esse que foi escolhido pela sociedade como sendo o pilar base de todo ordenamento, e não só isso, “configura, em suma, verdadeira “cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana”, o que significa dizer que todo ser humano encontra-se sob seu manto, aqui se incluindo, por óbvio, nossas crianças e adolescentes” (MACIEL, 2013).
3.1 ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ECA
O artigo 2º da Lei 8.069/90 descreve que criança é a pessoa de ate doze anos de idade incompleto, já o adolescente é a pessoa entre doze e dezoito anos. Pela simples análise do disposto nota-se que o legislador optou pelo critério biológico para a fixação do âmbito de aplicação. Estudos comprovam que a formação do cérebro se completa apenas na vida adulta, assim:
Na adolescência o córtex pré-frontal ainda não refreia emoções e impulsos primários. Também nesta fase de formação o cérebro adolescente reduz as sensações de prazer e satisfação que os estímulos da infância proporcionam, o que impulsiona a busca de novos estímulos. Atitudes impensadas, variações de humor, tempestade hormonal, onipotência juvenil são características comuns a esta fase de formação fisiológica do adolescente, justificando tratamento diferenciado por meio da lei especial que o acompanha durante esta etapa de vida (MACIEL, 2013).
A aplicação do ECA é importante, mesmo com a emancipação, não há força o suficiente para retirar o adolescente emancipado dos “braços do estatuto”. De maneira simplificada, a emancipação não é capaz de conferir maturidade para pessoa que ainda se encontra em formação. Nesse sentido:
O E.C.A. não exclui a proteção aos menores emancipados. Incidência objetiva aos menores de 18 anos, diante do princípio da ampla proteção. O jornal que divulga o nome do menor a quem é atribuído ato infracional deve responder pela infração do art. 247, da referida lei, não podendo prevalecer o direito de informar sobre o direito de maior proteção à criança e ao adolescente previsto na Constituição Federal. Ponderação de valores entre a regra do art. 220 e a do art. 227, ambos da C.R.F.B., a acarretar a constitucionalidade do pré-falado art. 247 do E.C.A. Sentença que se confirma. Recurso conhecido e desprovido (TJ-RJ, 2009).
O direito à vida está disciplinado no artigo 5º caput da CF/88 e prevê a inviolabilidade do direito à vida. Mas tal direito é muito mais amplo do que se pode imaginar, trata-se, na verdade, o direito à vida é o mais básico dos direitos, sendo um pré-requisito para os demais, sendo o mais sagrado[3]. Em outras palavras, é o pilar para a existência de outros direitos básicos do ser humano, como saúde, moradia, educação, cultura e lazer.
3.2 DIREITOS ASSEGURADOS Á CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
A atual Constituição Federal conferiu amplos direitos a todos, incluindo crianças e adolescentes. Ao citar direitos, é preciso analisá-los em conjunto com o ECA e sempre tem o interesse da criança e do adolescente em primeiro lugar. A princípio, é importante frisar que o direito à saúde está intimamente ligado ao da vida, nesse sentido:
Ementa: paciente com “diabetes melitus” – pessoa destituída de recursos financeiros – direito à vida e à saúde – fornecimento gratuito de medicamentos de uso necessário, em favor de pessoa carente – dever constitucional do estado (cf, arts. 5º, “caput”, e 196) – precedentes (stf) – recurso de agravo improvido. O direito à saúde representa consequência constitucional indissociável do direito à vida (...) (STF, 2003).
Assim sendo, no artigo 7º o ECA diz que “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”. Ou seja, o sujeito é o próprio ser em concepção, o ECA adotou a teoria concepcionista em seu artigo 7º. Nas palavras de Guilherme Nucci:
O objetivo deste dispositivo, em verdade, é garantir que o Poder Público seja obrigado a tutelar o nascimento daqueles que não têm amparo suficiente, seja por falta de recursos financeiros dos pais, seja porque a mãe não deseja mantê-lo sob sua guarda e proteção. Em suma, é dever do Estado assegurar esse nascimento saudável (NUCCI, 2014, Forense).
3.2.1 Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade
No que diz respeito aos direitos da liberdade, ao respeito e a dignidade, todos previstos nos artigos 16, 17 e 18 do E.C.A, estão em consonância com a Constituição Federal, precisamente em seus artigos 1º, III e artigo 5º caput. Os três artigos do E.C.A “abordam separadamente cada um dos direitos enumerados no art. 15” (BARROS, 2016), pois, liberdade, respeito e dignidade “são valores sociais que permeiam todo o sistema jurídico, da Constituição a atos normativos de menor hierarquia. Por ser a Lei nº 8.069/90 um diploma voltado à proteção da criança e do adolescente, com maior razão devem-se destacar tais direitos de forma expressa” (BARROS, 2016).
Novidade trazida pelo estatuto é o chamado direito ao respeito, este incluindo a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, identidade, autonomia, valores, ideias, crenças, dos espaços e também dos objetos pessoais. Dessa forma, tal direito está em perfeita relação com os direitos de personalidade, que são aqueles inerentes à pessoa e à sua dignidade (art. 1.°, III, da CF/1988). Nas palavras de Flavio Tartuce (2014, p.139) “os direitos da personalidade têm por objeto os modos de ser, físicos ou morais do indivíduo e o que se busca proteger com eles são, exatamente, os atributos específicos da personalidade, sendo personalidade a qualidade do ente considerado pessoa. Na sua especificação, a proteção envolve os aspectos psíquicos do indivíduo, além de sua integridade física, moral e intelectual, desde a sua concepção até sua morte(...)”.
O artigo 18 do ECA trata do direito a dignidade e diz que é um dever da sociedade como um todo, assegurar a dignidade da criança e do adolescente, colocando-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Esse direito tratado pelo CF/88 acaba fazendo parte dos chamados direitos fundamentais e segundo Bernardes e Vianna (2015), os direitos fundamentais são um conjunto de normas que possuem como objetivo satisfazer ideias vinculadas à dignidade da pessoa humana.
3.2.2 Dos crimes contra a dignidade sexual
Os crimes contra a dignidade sexual, de princípio, previa apenas os crimes contra os costumes, a atual redação veio com o passar do tempo e com a necessidade de adequação do diploma penal com a evolução da sociedade, em outras palavras, era extremamente necessário que determinados crimes fossem revistos, principalmente em razão da mudança de valores da sociedade. Dessa maneira, o código penal tutelava a moral da sociedade. Importante frisar que lei penal não interferia na vida sexual dos indivíduos, apenas reprimia as condutas anormais que afetassem a moral de todos.
Houve muitas alterações no código penal, um exemplo diz respeito sobre as mulheres, das quais vem adquirindo cada vez mais espaço junto à sociedade, demostrando que são tão capazes e independentes. Mas infelizmente, essa não era a imagem que se tinha na década de 40, na qual as mulheres sofriam demasiada repressão. Assim, por conta da maior participação das mulheres junto à sociedade, percebeu a necessidade de alteração dos antigos “crimes contra os costumes”, tendo em vista ser uma expressão completamente preconceituosa e machista. Nas palavras de Cleber Masson (p. 48, 2014): “de fato, somente a “mulher honesta” era tutelada por alguns tipos penais, mas não se exigia igual predicado dos homens. Discutia-se se a esposa podia ser vítima do estupro praticado pelo marido, sob a alegação de obrigatoriedade de cumprimento do famigerado “débito conjugal”. E, após árduo trabalho veio a Lei 12.015/2009, responsável por diversas modificações relacionado aos crimes sexuais.
3.3 ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Relacionado a crianças, estupro de vulnerável é um problema grave e muito comum, que tem como objeto tutelado a dignidade sexual do menos de 14 anos e de qualquer pessoa que se encontre em situação de enfermidade ou doença mental. Este delito está tipificado no artigo 217-A do Código Penal e diz que:
Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena — reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
O termo vulnerabilidade é extremamente amplo e leva em conta a obrigação de proteção do Estado a certas pessoas e a certos tipos de situações. Assim, vulnerável é qualquer pessoal que esteja em situação de fragilidade. Uma bela explicação é dada por Fernando Capez, que diz:
A lei não se refere aqui à capacidade para consentir ou à maturidade sexual da vítima, mas ao fato de se encontrar em situação de maior fraqueza moral, social, cultural, fisiológica, biológica etc. Uma jovem menor, sexualmente experimentada e envolvida em prostituição, pode atingir às custas desse prematuro envolvimento um amadurecimento precoce. Não se pode afirmar que seja incapaz de compreender o que faz. No entanto, é considerada vulnerável, dada a sua condição de menor sujeita à exploração sexual (p.77, 2012).
A ação nuclear desse tipo penal consiste em ter conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com menos de 14 anos ou pessoas que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o discernimento necessário para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Pois bem, para fins meramente didáticos é preciso ter um conceito de conjunção carnal e ato libidinoso. Segundo a doutrina, conjunção é a introdução do pênis na cavidade vaginal da mulher, já o ato libidinoso seria qualquer outra forma de realização de um ato sexual, diferente da conjunção carnal. Nesse sentido é o posicionamento recente do STJ:
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o momento consumativo do crime de estupro de vulnerável ocorre com a simples prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, consistente, no caso, em passar a mão na genitália, acariciar os seios e beijar a barriga de uma criança que, à época dos fatos, possuía 07 (sete) anos de idade. 2. Inadmissível a pretendida desclassificação para a forma tentada pela menor gravidade da conduta, fundamentada nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, por se mostrar manifestamente contrária à lei. 3. Agravo regimental improvido (STJ, 2018).
Importante deixar claro que com as modificações trazidas e a possibilidade de os atos libidinosos serem enquadrados no presente tipo penal, as mulheres também podem ser autoras do delito.
Pois bem, há questionamentos sobre um dilema, o artigo 217-A deixa claro ao dizer que a vítima precisa ter menos de 14 anos, mas entra a problemática se a vítima tiver o consentimento sobre o ato sexual ainda seria crime ou não. Diante o entendimento predominante é que sim, haveria crime mesmo com o consentimento do menor, pois ainda assim não teria o discernimento ou ideias claras sobre aquilo, como também a manipulação dos mais velhos sobre eles. Assim, nas palavras de Fernando Capez (2002):
Os Tribunais Superiores vinham adotando entendimento no sentido de que a presunção de violência seria absoluta quando o crime fosse praticado contra vítima menor de idade (juris et de jure). Assim, sustentava-se que o consentimento de menor de 14 anos para a prática de relações sexuais e sua experiência anterior não afastariam a presunção de violência para a caracterização do estupro ou do atentado violento ao pudor; da mesma forma, o comprovado concubinato do réu com a vítima menor de 14 anos não teria o condão de elidir a presunção de violência.
3.3.1 Prostituição e/ou exploração sexual infantil
De acordo com o favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável o presente delito está tipificado no artigo 218-B do CP e diz que:
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.
§ 3º Na hipótese do inciso II do § 2o, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.
Além do Código Penal o ECA, em seu artigo 244-A já previa esse tipo de delito e nos diz que:
Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: Pena – reclusão de quatro a dez anos e multa, além da perda de bens e valores utilizados na prática criminosa em favor do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da unidade da Federação (Estado ou Distrito Federal) em que foi cometido o crime, ressalvado o direito de terceiro de boa-fé. (...)
Importante mencionar que em 1996, na cidade de Estocolmo, foi realizado o I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, e nesse momento foram definidas quatro modalidades de exploração sexual: prostituição, turismo sexual, pornografia e tráfico para fins sexuais.
Relacionado a exploração sexual, não necessariamente a vítima irá obter algum lucro, mas muitas vezes se submete “a algum tipo de exploração sexual somente para que tenha um lugar onde morar, o que comer etc (...). Por isso, permitem que seus corpos sejam usados por pessoas inescrupulosas e, com isso, passam a receber o básico para sua subsistência. Na verdade, saem da situação de miserabilidade para a de pobreza. Muitas, inclusive, trocam seus corpos por drogas” (GRECO, p. 149, 2017). Segundo Rogério Greco, o conceito de prostituição seria:
A prostituição é definida como a atividade na qual atos sexuais são negociados em troca de pagamento, não apenas monetário, mas podendo incluir a satisfação de necessidades básicas (alimentação, vestuário, abrigo) ou o acesso ao consumo de bens e de serviços (restaurantes, bares, hotéis, shoppings, butiques, diversão) (p. 149, 2017).
Além disso, para Damásio de Jesus:
Prostituição é um modo de viver da pessoa, consistindo em entregar-se sexualmente a quem a solicita, mediante o recebimento do preço. São seus requisitos: 1) habitualidade; 2) número indeterminado de pessoas a quem se entrega. Exploração sexual, de sua parte, constitui elemento normativo do tipo inserido no tipo penal por intermédio da Lei n.º 12.015/2009. Considerando que o legislador equiparou essa ideia à de prostituição, utilizando-se da interpretação analógica, deve-se vincular os dois conceitos, que portanto se autolimitam (embora não se confundam); isto é, o espaço de incidência da exploração sexual há de ser paralelo ao da prostituição, incluindo-se no tipo penal situações em que o agente tire proveito da sexualidade alheia, tratando a vítima como mercadoria (p. 124, 2013).
Com a nova nomenclatura que o presente delito recebeu, deixa claro quem seria o sujeito passivo de tal. Não há dúvidas que as vítimas do crime são as crianças e os adolescentes, aqueles com até 12 anos incompletos e estes entre 12 e 18 anos de idade e também os vulneráveis, que segundo o CP são os 14 anos ou menos, bem como aqueles que possuem determinada enfermidade ou deficiência mental. A respeito sobre sujeito ativo do delito e quem poderia praticá-lo, diante a análise do artigo 218-B, isso não exige nenhuma característica específica para o autor, assim conclui que qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo do delito, sendo ele um crime comum.
3.4 EXTENSÃO DAS PENAS
Segundo o inciso I do artigo de acordo com a extensão das penas 218-B: § 2º incorre nas mesmas penas: Quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo. Com esse inciso o tipo penal busca responsabilizar aquele que pratica o comportamento sexual com menor de 18 anos. Para deixar claro esse inciso, diz Rogério Greco (p. 155, 2017): “Por mais que se diga que tanto as meninas quanto os rapazes acima de 14 anos já possuem um amplo conhecimento ligado à área sexual, principalmente pela fartura de materiais disponíveis, temos que preservar ao máximo sua indenidade sexual, ou, pelo menos, até que atinjam a maioridade, aos 18 anos completos”.
O delito não é absoluto, como também nada no Direito é absoluto. Segundo o próprio Rogério Greco, o autor do delito pode incidir em erro, articulando: “para que o agente responda nos termos do inciso I do § 2º do art. 218-B do Código Penal deverá, obrigatoriamente, ter conhecimento da idade da vítima. O erro sobre a idade importará em atipicidade do comportamento” (p. 155, 2017). Nesse sentido:
Mantida a absolvição, diante da existência de dúvida a respeito do conhecimento do acusado acerca da efetiva idade da vítima, notadamente se considerado que no “face” a menor postou idade muito superior aos seus 12 anos e em virtude de sua compleição física, peso e altura muito superiores a das demais meninas de sua faixa etária (TJ-RS, 2016).
3.4.1 Segredo de justiça
Nos termos ao artigo 234-B do CP, os processos referentes aos crimes sexuais tramitaram em segredo de justiça, tendo em vista a intimidade envolvida. Mas é claro que o presente artigo trata de uma exceção, não foge do conhecimento a publicidade dos atos processuais, mas “em hipóteses excepcionais a Constituição Federal autoriza a publicidade restrita, limitando o acesso aos atos processuais a determinadas pessoas, normalmente as partes e seus procuradores. É o que se extrai do seu art. 5.º, inc. LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (MASSON, p. 161, 2015).
Ora, falando de crimes sexuais é indiscutível a relação entre segredo de justiça e direito à intimidade. O legislador acerta ao criar o artigo 243-B, estando ele em perfeita sintonia com os preceitos constitucionais, nesse sentido:
O decreto de prisão não traz qualquer motivação concreta para a prisão, quando apenas faz referência às circunstâncias já elementares do delito, valendo-se de fundamentação abstrata e com genérica regulação da prisão preventiva, além de presunções e conjecturas, evidenciando a ausência de fundamentos para a custódia cautelar. A norma de segredo de justiça do art. 234-B do Código Penal abrange também o acusado da prática de crimes sexuais, devendo constar da autuação apenas as suas iniciais (De 10/11/2014). Recurso em habeas corpus provido, para a soltura do paciente M DO R DE S, o que não impede nova e fundamentada decisão de necessária cautelar penal, inclusive menos gravosa do que a prisão processual, e indeferida o pedido formulado pelo Ministério Público Federal (STJ, 2008).
3.4.2 A denúncia nos crimes sexuais
Com a Lei 12.650/12 houve uma grande mudança em relação à denúncia nos crimes sexuais. Antes, a prescrição do delito começava da data de quando era pratica (teoria da atividade), adotada como regra em novo ordenamento penal.
A aplicação da lei penal no tempo é determinada, ainda, pelo momento do crime. Este, nos termos do art. 4º do CP, é aquele em que o sujeito pratica a conduta (ação ou omissão), ainda que outro seja o momento do resultado. Cuida-se da teoria da atividade (ESTEFAM, p. 151. 2013).
A lei 12.650 trouxe importantes mudanças em relação aos crimes sexuais. Agora, a prescrição começa a correr apenas quando a vítima alcança sua maioridade:
Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.
Com a mudança, as chances do autor do delito sair impune diminuíram drasticamente, pois, nas palavras de Andre Estefam (2003): “A exceção fundamenta-se no fato de as vítimas desses crimes, em razão de sua fragilidade psíquica e pelo receio de serem desacreditadas, ocultarem a ocorrência do delito, somente revelando-o em sua fase adulta, o que poderia impedir a punição do culpado, favorecido pela prescrição”.
3.4.3 Dia nacional de combate ao abuso e à exploração sexual infantil
Dessa maneira, é importante salientar que o dia nacional de combate ao abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes leva a uma história triste. Em 18 de maio de 1973, uma garota de apenas 8 anos de idade, chamada Araceli Cabrera, foi sequestrada, estuprada e brutalmente assassinada na cidade de Vitória-ES, até hoje esse crime continua sendo um mistério.
Por conta desse terrível fato, o Congresso Nacional em 2000, instituiu o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes na data da morte de Araceli. Ainda assim, delitos como esse continua aterrorizando a todos, principalmente dentro da própria residência. Uma reportagem feita pelo G1, com base em informações do Ministério da Saúde, atestou que:
Entre 2011 e 2017, o Brasil teve um aumento de 83% nas notificações gerais de violências sexuais contra crianças e adolescentes, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde na segunda-feira (25). No período foram notificados 184.524 casos de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes. (COELHO, 2018).
A reportagem vai além, ainda segundo o boletim divulgado, a maioria dos agressores é do sexo masculino. Infelizmente no Brasil, a socialização se dá pelo uso da força, segundo Itamar Gonçalves da ONG Childhood Brasil, que auxiliou na reportagem, diz que os meninos “são culturalmente estimulados a dominar as meninas e mais tarde suas mulheres. Lembram das frases: 'Homem não chora', 'Predam suas cabras, meu cabrito está solto'. O papel do cuidado, da afetividade fica para as meninas". A mudança desse cenário exige uma participação mais ativa da sociedade sobre o tema, além é claro de maior participação dos governos em repressão a esses tipos de delitos.
3 CONCLUSÃO
Esse artigo teve como objetivo analisar de uma maneira um pouco mais profunda os delitos envolvendo crianças e adolescentes, analisando também a grande evolução que o ECA trouxe no ordenamento jurídico. Por muito tempo as crianças e adolescentes foram extremamente desprezados na sociedade, obrigados a trabalharem em ambientes extremamente prejudiciais (como exemplo durante a revolução industrial nas fábricas, plantações, minas de carvão), agora com o estatuto foi possível ter uma grande oportunidade para que os jovens possam se concentrar no que mais importa, estudos e em seu desenvolvimento sadio e em um ambiente propicio a isso.
Contudo, mesmo com a atuação forte do ECA em criar diversos mecanismos de proteção aos jovens, ainda há muito avanço pela frente. Crianças e adolescentes são a base da sociedade e merecem proteção total por parte da sociedade e do governo, além de uma educação de qualidade, para que nada possa interferir em um presente e futuro bom.
Por conseguinte, diante a análise do Código Penal, houve a evolução dos tipos penais que envolvem violência contra as crianças e adolescentes. O desenvolvimento da lei ao longo dos anos foi extremamente essencial para coibir a pratica desses delitos tão bárbaros e desumanos que acontecem diariamente. A legislação criminal é bem rígida quanto aos autores desses crimes tão bárbaros, mas não é o suficiente. O direito penal tem como objetivo punir aqueles que quebram as normas de convívio social, mas em relação aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes, o ordenamento precisa ainda mais rígido e evoluir nesse quesito, pautando em ações eficazes para proteger todas as crianças e adolescentes.
REFERÊNCIAS
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COELHO, Tatiana. Maioria dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes ocorre em casa; notificações aumentaram 83%. Ciência e Saúde, G1, 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/maioria-dos-casos-de-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes-ocorre-em-casa-notificacao-aumentou-83.ghtml>. Acesso em 20 de jan. 2019.
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TARTUCE, Flavio. Direito civil. Lei de Introdução e Parte Geral. 10ª edição. Método, 2014.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 16ª edição. Saraiva, 2017.
[1] Possui Graduação em Ciências Jurídicas pela Universidade Metodista de Piracicaba (1983). Especialista em Direitos Difusos e Coletivos - Universidade Camilo Castelo Branco (2002), Especialista em Direito Processual - Centro Integrado de Pós-Graduação Toledo (1999). Atualmente é professor titular da Fundação Municipal de Educação e Cultura de Santa Fé do Sul - FUNEC, da Academia de Polícia e da Universidade Brasil, campus de Fernandópolis - SP. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Direito, atuando, principalmente, nas seguintes disciplinas: Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Constitucional e Direito Administrativo Disciplinar.
[2] Guilherme Freire de Melo Barros - Estatuto da Criança e do Adolescente - 10ª Edição - Juspodivm – 2016
[3] TAVARES - André Ramos - Curso de Direito Constitucional - 16ª edição - Saraiva – 2017
Graduanda do Curso de: Direito na Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ZUCATTO, Mariana Farinaci. Abuso sexual infantil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 abr 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52819/abuso-sexual-infantil. Acesso em: 22 nov 2024.
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