RESUMO: O presente trabalho apresenta o debate acerca do denominado “poder hermenêutico dos juízes”, isto é, o poder que decorre das possibilidades que o juiz tem enquanto intérprete das normas. Dessa forma, investiga a existência de uma discricionariedade na função jurisdicional, isto é, se em sua função decisória os juízes apenas interpretam ou também criam o Direito, ou mesmo se em toda interpretação estaria abrigado um ato de criação. Para tanto, analisa o conceito de discricionariedade judicial, em sua evolução histórica e sob a ótica de autores de escolas positivistas e pós-positivistas, para ao final oferecer um conceito próprio. Discute-se ainda o fenômeno da criação judicial de direito, perquirindo a existência de uma resposta correta no âmbito da intepretação jurídica.
Palavras-chave: Discricionariedade judicial. Resposta correta. Criação judicial de direito.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Conceito de discricionariedade judicial – 3. Evolução histórico-filosófica da discricionariedade no Direito - 3.1 A discricionariedade no positivismo exegético - 3.2 A discricionariedade judicial no positivismo kelseniano - 3.3 A decisão judicial no realismo jurídico de Benjamin Cardozo - 3.4 A discricionariedade judicial no “pós positivismo”: a argumentação jurídica de Robert Alexy e o direito como integridade de Ronald Dworkin - 3.4.1 A discricionariedade judicial em Robert Alexy - 3.4.2 O Direito como integridade de Ronald Dworkin e seu contraponto em Hart - 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo apresentar o debate acerca do denominado “poder hermenêutico dos juízes”, isto é, o poder que decorre das possibilidades que o juiz tem enquanto intérprete das normas. A discussão acerca da existência de uma discricionariedade judicial surge da questão de saber se os juízes apenas interpretam ou também criam o Direito, ou mesmo se em toda interpretação estaria escondido um ato de criação.
A discricionariedade, todavia, é um conceito tradicional do direito administrativo, no qual está embutido o juízo de conveniência e oportunidade a ser feito pelo agente público. Na acepção da atuação do agente administrativo, discricionariedade significa liberdade de escolha entre diferentes possibilidades legítimas de atuação, uma opção entre “indiferentes jurídicos”[1]. A margem de escolha que é dada para que o agente atue dentro dos limites da lei.
Não é exatamente esse o sentido de discricionariedade que está aqui a se tratar. No sentido tradicional que é adotado pelo direito administrativo, inexistiria discricionariedade judicial, haja vista que o juiz não faz escolhas livres nem suas decisões são estritamente políticas. Essa constitui uma das distinções mais cruciais entre o positivismo e o não positivismo[2].
Como será visto, para Kelsen, principal referência do positivismo normativista romano-germânico, o ordenamento jurídico forneceria, em muitos casos, apenas moldura, conjunto de possibilidades decisórias legítimas. A escolha de uma dessas possibilidades, continua ele, seria um ato político, isto é, plenamente discricionário. Para o teórico austríaco “(…) A interpretação feita pelo órgão aplicador do direito é sempre autêntica. Ela cria o Direito”[3].
A concepção não positivista[4], por sua vez, afasta-se desse ponto de vista, afirmando que o Direito é informado por uma pretensão de correção moral, pela busca de justiça, da solução constitucionalmente adequada. Essa ideia de justiça, em sentido amplo, é delimitada por coordenadas específicas, que incluem a justiça do caso concreto, a segurança jurídica e a dignidade humana. A existência da discricionariedade judicial não implicaria em afirmar que juízes fazem escolhas livres, pois estes estariam pautados por esses valores, com lastro constitucional.
Dessa forma, o problema hermenêutico está intimamente ligado à questão da legitimidade da decisão judicial e seus instrumentos de controle, guardando muita proximidade com o problema do ativismo judicial e da separação de poderes. Até que ponto os juízes estariam autorizados a adotar uma postura ativista, muitas vezes extrapolando as possibilidades interpretativas evidentes do texto?
Neste trabalho ofereceremos um conceito para a discricionariedade judicial, bem como será analisado como o problema hermenêutico se apresenta no âmbito do debate da filosofia do direito desde o século XVIII, com as revoluções de inspiração iluminista até os dias atuais, situando-o entre o jusnaturalismo, positivismo e pós-positivismo.
A partir do enfoque histórico percebe-se que o problema da limitação do poder dos juízes e das possibilidades interpretativas está intimamente ligado ao problema da legitimação do poder dos juízes. O argumento principal contra a ampliação das possibilidades interpretativas é o de que os juízes não têm legitimidade para aplicar o Direito além do que foi estritamente estabelecido pelos representantes do povo.
A Escola da Exegese compreendia que o poder dos juízes em dizer o Direito deveria ser limitado porque os juízes não teriam legitimidade para criar o Direito, mas apenas para interpretá-lo nos limites impostos pelo legislador, verdadeiro representante do povo.
Fato é que o Direito sempre se viu entre um movimento pendular de maior ou menor restrição à atividade interpretativa dos juízes. E a questão principal a fundar essa maior ou menor restrição reside na perquirição da legitimidade da criação judicial de direito. O que nos leva a uma série de questionamentos fundamentais:
1. A discricionariedade judicial decorre da própria natureza do direito, ou de outro modo, é possível aos juízes aplicar o Direito sem desenvolver uma atividade criativa?
2. Ao criarem Direito, os juízes estão livres para criarem qualquer Direito que desejarem dentro de uma margem de discricionariedade, ou há limitação para a criação?
3. É possível limitar a atividade criativa do julgador?
4. Ao interpretar a lei é possível se alcançar um único resultado, isto é, uma única solução correta?
Evidentemente, o presente artigo não busca apresentar uma solução definitiva para essas questões. Sua pretensão é apresentar as soluções que foram dadas por teóricos do Direito de influência na doutrina hodierna, para, de forma crítica, analisar a questão da legitimidade na criação judicial do Direito.
2. CONCEITO DE DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL
Em relação a inúmeras questões a solução dos problemas não se encontra pré-pronta no sistema jurídico. Ela precisará ser construída argumentativamente pelo juiz, a quem caberá formular juízos de valor e optar por uma das soluções comportadas pelo ordenamento. Não é incomum referir-se a essa maior participação subjetiva do juiz como discricionariedade judicial. A utilização da expressão pressupõe, no entanto, ter o seu significado previamente convencionado.
Discricionariedade judicial é um conceito que se desenvolve em um novo ambiente de interpretação jurídica, no qual se deu a superação da crença em um juiz que realizaria apenas subsunções mecânicas dos fatos às normas, lenda cultivada pelo pensamento jurídico clássico. Como nos ensina Barroso o fato inafastável é que a interpretação jurídica, nos dias atuais, reserva para o juiz papel muito mais proativo, que inclui a atribuição de sentido a princípios abstratos e conceitos jurídicos indeterminados, bem como a realização de ponderações. Para além de uma função puramente técnica de conhecimento, o intérprete judicial integra o ordenamento jurídico com suas próprias valorações, sempre acompanhadas do dever de justificação. Discricionariedade judicial, portanto, traduz o reconhecimento de que o juiz não é apenas a boca da lei, um mero exegeta que realiza operações formais. Existe dimensão subjetiva na sua atuação. Não a subjetividade da vontade política própria, mas a que inequivocamente decorre da compreensão dos institutos jurídicos, da captação do sentimento social e do espírito de sua época. [5]
Aharon Barak, ex-presidente da Suprema Corte de Israel, em obra de referência[6], defende que na interpretação da Constituição e das leis, em certas circunstâncias, o juiz deve exercer discricionariedade na determinação da relação adequada entre os propósitos objetivos e subjetivos do texto. De fato, uma teoria da interpretação não poderia ser construída sem discrição interpretativa como sua base. A interpretação sem discricionariedade judicial seria um mito. Qualquer teoria da interpretação deve basear-se em um inerente elemento interno de discricionariedade interpretativa.
Desta feita, a discricionariedade judicial existiria porque há textos legais que admitem mais de uma interpretação possível. Em tais circunstâncias, conferir-se-ia ao juiz “a prerrogativa soberana de escolha"[7], delimitada pelas visões fundamentais da comunidade jurídica. Por sua vez, a conceituação desta visão da “comunidade jurídica" seria, por sua natureza, imprecisa. Existindo muitos casos limítrofes sem resolução clara. Todavia para o autor, mesmo assim, a discricionariedade judicial é sempre limitada, nunca absoluta, citando, neste ponto o realista jurídico americano Benjamin Cardozo.
Para o autor, as limitações impostas à discricionariedade interpretativa são processuais e substantivas. As limitações processuais garantem a justiça do exercício do poder da discricionariedade judicial. O juiz deve tratar as partes igualmente. Deve basear sua decisão nas evidências apresentadas ao tribunal, e deve fundamentar essa decisão. Acima de tudo, o juiz deve agir de forma imparcial, sem recurso a preconceitos ou pré-juízos pessoais. As limitações substantivam significam que o exercício do poder discricionário deve ser racional, consistente e coerente. O juiz deve agir razoavelmente, levando em consideração as restrições institucionais impostas pelas outras partes do sistema jurídico[8]. E complementa (tradução livre):
Qual será o juiz que tem conhecimento de todas essas responsabilidades e limitações fazem? Para além dos acima mencionados limites procedimentais e substantivos, não há regras para exercer discrição, exceto que o juiz deve escolher a solução que lhe parece a melhor acomodação dos fins concorrentes que ele ou ela considerou. Dentro deste escopo, o pragmatismo opera. Meu conselho é que, nesta fase da atividade interpretativa, o juiz deve aspirar a alcançar justiça. Isso significa justiça para as partes perante o tribunal e com respeito ao sistema jurídico. Justiça guia todo o processo interpretativo porque, de fato, a justiça é um dos principais valores do sistema jurídico. Dentro dos limites da discricionariedade judicial, a justiça torna-se um valor "residual" que pode decidir os casos difíceis. Claro, é natural que juízes diferentes possuam diferentes concepções de justiça, porque a justiça é uma conceito complexo. Apesar de toda a sua complexidade teórica, no entanto, cada de nós tem um sentimento intuitivo sobre a solução justa de uma disputa. Este sentimento deve nos guiar em todas as etapas do processo interpretativo. Deve direcionar nossas decisões nos casos difíceis, quando a discricionariedade judicial se torna nossa ferramenta mais essencial.[9] (Nossa tradução).
Desta feita, para fins deste trabalho, a expressão “discricionariedade judicial” poderá ser conceituada como o reconhecimento de que, para além de uma função puramente técnica de conhecimento, o intérprete judicial integra o ordenamento jurídico com suas próprias valorações, sempre acompanhadas do dever de justificação. Em certos momentos interpretativos, em face da plurissignificação ou de alto grau de abstração de um texto normativo, admitir-se-á na atuação do julgador uma dimensão subjetiva. Não a subjetividade da vontade política própria, mas a que inequivocamente decorre da compreensão dos institutos jurídicos, da captação do sentimento social e do espírito de sua época. [10]
Todavia, desde logo deve-se frisar que, diferentemente da pesquisa de Aharon Barak, este trabalho pretende estabelecer critérios mais restritivos para a utilização da discricionariedade judicial.
Por outro lado, a questão da discricionariedade judicial é tema guarda uma relação direta com a tese da existência ou não de uma única resposta correta no Direito, mesmo nos casos difíceis, isto é, em questões complexas de direito e moralidade política. Trata-se de uma construção que se situa no âmbito de sua crítica geral ao positivismo jurídico e ao uso que dois dos seus maiores expoentes — Kelsen e Hart — deram à discricionariedade judicial.
A discussão em torno da existência de uma única resposta correta é decorrente da questão acerca da existência ou não da verdade em toda e qualquer situação e os métodos para revelá-la. Se existe uma única resposta correta — e não diferentes pretensões de resposta correta —, é porque existiria, então, uma verdade ao alcance do intérprete. Mas quem tem o poder de validar a verdade proclamada pelo intérprete? Portanto, a questão deixa de ser acerca da efetiva existência de uma verdade ou de uma única resposta correta, e passa a ser a de quem tem autoridade para proclamá-la[11].
Conforme será apresentado, a controvérsia acerca da existência de uma discricionariedade judicial ou de uma resposta correta no Direito retrata uma das polêmicas mais primevas na teoria do Direito, tendo sido alcançadas, ao longo da história, diferentes conclusões.
3. Evolução histórico-filosófica da discricionariedade no Direito
A história da hermenêutica jurídica está ligada ao próprio esforço de configuração e repartição do poder do Estado como hoje enxergamos. A divisão das funções de Estado em três poderes independentes e harmônicos entre si retrata momentos históricos de maior limitação ao poder dos juízes e outros de movimento a possibilitar a livre aplicação do Direito, permitindo decisões judiciais de acordo com o “ideal de justiça”, mesmo que não haja uma definição acerca desse conceito pelos legisladores.
Para compreender o momento atual é necessário a compreensão do que veio antes dele. Nesse sentido, analisaremos a discricionariedade nos momentos histórico-filosóficos do positivismo e do “pós-positivismo” jurídicos.
3.1 A discricionariedade no positivismo exegético
Como forma de melhor compreender a posição atual do fenômeno da discricionariedade judicial, e sua relação com a criação judicial de direito, faz-se necessária a análise da evolução da relação da teoria jurídica com este fenômeno.
O ponto de partida escolhido para análise é o positivismo jurídico, em razão de sua posição inauguradora de uma teoria jurídica moderna. Apesar disso, o juspositivismo mostra-se como fenômeno multiforme, não se podendo falar em uma única modalidade de positivismo jurídico. Sendo assim, como será demonstrado, a própria relação do positivismo jurídico com a discricionariedade é ressignificada à luz de cada segmento desta corrente teórica.
Conforme leciona Nagibe de Melo Jorge Neto[12], as revoluções do século XVIII impuseram à política e ao poder estatal o reconhecimento dos direitos fundamentais da liberdade e da igualdade de todos perante a lei, inclusive no voto, na possibilidade de escolha dos representantes do povo e no poder, ainda que indireto, de fazer aprovar as leis que governariam a todos de modo igual. A lei positivada passou a ser entendida como garantia maior de direitos que o Direito natural.
Assim, se antes da consolidação do Estado moderno, o juiz tinha certa liberdade de escolha na determinação da norma a aplicar, depois da Revolução Francesa, os juízes passaram a ser vistos como instâncias conservadoras do sistema político que tendiam, em suas decisões, a manter o status quo, o regramento do Antigo Regime, em detrimento das modificações operadas pelos legisladores, legítimos representantes do povo. Sendo assim, o movimento da codificação surge outrossim com o escopo de limitar o poder dos juízes. Confira-se:
Como ensina Bobbio, antes da consolidação do Estado moderno, o juiz “tinha uma certa liberdade de escolha na determinação da norma a aplicar. (...)
O primeiro movimento de reação contra a livre interpretação do Direito pelos juízes foi a codificação das leis. A interpretação da lei pelos juízes, se não bem delimitada, poderia importar em manobra para impedir ou burlar o poder do povo, expresso na vontade das assembleias e parlamentos. Como explica Caenegem, ‘(h)istoricamente, a codificação foi uma arma contra o judiciário, ou a casta da noblesse de robe, que possuía os seus cargos e invocava nebulosos princípios gerais que não estavam escritos em lugar nenhum’. [13]
O Positivismo Exegético, que dominou o século XIX, teve como origem a referência às Ciências Naturais, buscando conferir ao Direito a mesma empiricidade e objetividade daquelas ciências. Sendo assim, tudo aquilo que não fosse redutível ao crivo da experimentação era tratado como metafísico/irracional. Assim, o Positivismo rejeitava o Direito Natural, baseado na ideia de uma ordem jurídica preexistente e superior.
Em seu recorte inicial, o positivismo jurídico (do latim ius postivum) já traz a noção de ter por objeto somente aquilo que está positivado. A Escola da Exegese, nascida do positivismo inicial/exegético, demonstra o apego tão somente à Lei e aos Códigos. A positivação possibilitaria um conhecimento objetivo, um direito certo. Assim, a Escola da Exegese baseia-se na premissa de que o Direito é feito pelo parlamento, representante da vontade do povo, resumindo-se à lei. O poder dos juízes em dizer o Direito deveria ser limitado porque os juízes não têm legitimidade para criar o Direito, mas tão somente possuem competência para interpretá-lo nos estritos termos em que estabelecido pelos representantes do povo. Dessa forma, na esteira do código civil napoleônico, dispunha-se que os juízes devem se ater à interpretação literal das leis, sendo os magistrados nada mais que a “bouche de la loi”.
Conforme nos ensina Edilson Nobre Junior, essa tendência recaiu no Título III, Capítulo V, da Constituição da França de 3 de setembro de 1791, cujo art. 3º dispunha: “Os tribunais não podem, nem se imiscuir no exercício do Poder legislativo, ou suspender a execução das leis, nem empreender funções administrativas, ou convocar diante deles os administradores por razão das funções destes” [14]. Nesse sentido, o Decreto que dispôs sobre a organização dos tribunais judiciários, de 16 a 24 de agosto de 1790, pelo qual toda vez que os juízes reputassem necessário interpretar uma lei por duvidar de seu sentido deveriam dirigir-se ao Poder Legislativo, juntamente com o Tribunal de Cassação, inicialmente órgão auxiliar do Parlamento, o qual foi instituído com a missão de corrigir os equívocos cometidos pelos tribunais na interpretação do texto da lei.
O papel do juiz, dada a aversão à sua figura pelos revolucionários, decorrente de sua forte vinculação à nobreza, restou reduzido à mera emissão da “voz da lei”. Uma das premissas do positivismo exegético era a de que os Códigos seriam os instrumentos jurídicos capazes de abarcar e normatizar toda a realidade e situações sociais, cabendo aos juízes tão somente o papel de declarar o direito, que estaria pronto sempre ex ante.
O Direito sempre teria as respostas antes do surgimento das questões, e a interpretação se limitaria à função de “reconhecer o Direito” aplicável ao caso. Para a Escola da Exegese a atividade jurisdicional é um ato mecânico que se realiza através de juízos silogísticos, a mera subsunção do fato à regra posta.
Apesar do supramencionado, conforme Lênio Streck[15], é incorreto afirmar-se que no positivismo exegético não havia discricionariedade. A diferença é que a discricionariedade estaria completamente no legislador.
As premissas do positivismo exegético se mostraram de duvidosa validade e exigência de uma postura judicial meramente mecanicista revelou-se um mito, não sendo capaz de possibilitar uma resposta jurídica adequada à época de sua criação.
Conforme nos leciona Nagibe de Melo[16], a Escola da Exegese dominou todo o século XIX, sofrendo críticas de movimentos importantes como a Livre Pesquisa Científica de François Gény; a Escola Histórica do Direito, de Savigny; a Jurisprudência dos Interesses, de Phillipp Heck, o Movimento para o Direito Livre, com Eugen Ehrlich. Em comum, todas as críticas apontavam para a insuficiência da Lei e dos códigos para abarcar todo o fenômeno jurídico e a realidade social.
O Direito é criado para regular uma gama surpreendente de manifestações humanas, que a cada dia ressurgem, se modificam ou se renovam, o que dificilmente poderia ser abarcado em códigos e leis criados pela razão humana. As críticas restaram por abalar o ideal racionalista do positivismo exegético. O positivismo, todavia, renasce de modo muito mais engenhoso e elaborado com a Teoria Pura do Direto de Hans Kelsen.
3.2 A discricionariedade judicial no positivismo kelseniano
Em sua obra, o austríaco Hans Kelsen buscou uma teoria jurídica que pudesse salvaguardar a ciência do Direito de influências externas, como a política e a ideologia. O autor não nega o problema da justiça e da moral, o que faz simplesmente é deslocar esses problemas para fora da ciência do Direito. Em sua Teoria Pura do Direito, escrita em 1934, dispõe que, quanto à interpretação de um texto legal, seria possível apenas elencar as significações possíveis, mas não seria possível dizer qual significação seria a correta.
Diferentemente do positivismo exegético, o positivismo kelseniano reconhece e explora a questão da criação judicial de direito e da discricionariedade judicial, trabalhando os conceitos à luz da indeterminação/determinação direito em um contexto de hierarquia normativa. Confira-se:
Esta determinação nunca é, porém, completa. A norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato através do qual é aplicada. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica, o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato. Mesmo uma ordem o mais pormenorizada possível tem de deixar àquele que a cumpre ou executa uma pluralidade de determinações a fazer. Se o órgão A emite um comando para que o órgão B prenda o súdito C, o órgão B tem de decidir, segundo o seu próprio critério, quando, onde e como realizará a ordem de prisão, decisões essas que dependem de circunstâncias externas que o órgão emissor do comando não previu e, em grande parte, nem sequer podia prever.
Daí resulta que todo o ato jurídico em que o Direito é aplicado, quer seja um ato de criação jurídica quer seja um ato de pura execução, é, em parte, determinado pelo Direito e, em parte, indeterminado. A indeterminação pode respeitar tanto ao fato (pressuposto) condicionante como à conseqüência condicionada. A indeterminação pode mesmo ser intencional, quer dizer, estar na intenção do órgão que estabeleceu a norma a aplicar.
(…)
Em todos estes casos de indeterminação, intencional ou não, do escalão inferior, oferecem-se várias possibilidades à aplicação jurídica. O ato jurídico que efetiva ou executa a norma pode ser conformado por maneira a corresponder a uma ou outra das várias significações verbais da mesma norma, por maneira a corresponder à vontade do legislador - a determinar por qualquer forma que seja - ou, então, à expressão por ele escolhida, por forma a corresponder a uma ou a outra das duas normas que se contradizem ou por forma a decidir como se as duas normas em contradição se anulassem mutuamente. O Direito a aplicar forma, em todas estas hipóteses, uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível.[17] (Negritamos).
A aplicação do direito pressupõe uma necessidade de fixar o sentido das normas, de interpretação das mesmas. A interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior. Daí resulta que todo o ato jurídico em que o Direito é aplicado, quer seja um ato de criação jurídica quer seja um ato de pura execução, é, em parte, determinado pelo Direito e, em parte, indeterminado.
Esse grau de indeterminação inicial do direito poderá ser maior ou menor, da forma em que a norma jurídica estiver positivada, como princípio, cláusula geral ou regra específica. Um grau de indeterminação maior, como o presente nos princípios e cláusulas gerais, possibilita uma “moldura mais larga”, dentro da qual existirão mais possibilidades de aplicação do Direito do que uma regra específica, na qual o grau de indeterminação é menor.
Conforme reconhece o próprio Kelsen, a indeterminação pode mesmo ser intencional, quer dizer, estar na intenção do órgão que estabeleceu a norma a aplicar. Assim, ao criar normas altamente principiológicas o legislador está, conscientemente, delegando o poder de criação do direito aos aplicadores, sejam eles os administradores ou os órgãos jurisdicionais. Dentro dessa indeterminação, pela qual o Direito não oferece ao intérprete, de pronto, uma resposta acabada, é que Kelsen explica a sua tese de que o Direito a aplica se transforma em uma moldura normativa, dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação. Confira-se:
Se por “interpretação” se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e, conseqüentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro desta moldura existem. Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que - na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar - têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito - no ato do tribunal, especialmente. Dizer que uma sentença judicial é fundada na lei, não significa, na verdade, senão que ela se contém dentro da moldura ou quadro que a lei representa - não significa que ela é a norma individual, mas apenas que é uma das normas individuais que podem ser produzidas dentro da moldura da norma geral.
A jurisprudência tradicional crê, no entanto, ser lícito esperar da interpretação não só a determinação da moldura para o ato jurídico a pôr, mas ainda o preenchimento de uma outra e mais ampla função - e tem tendência para ver precisamente nesta outra função a sua principal tarefa. A interpretação deveria desenvolver um método que tornasse possível preencher ajustadamente a moldura prefixada. A teoria usual da interpretação quer fazer crer que a lei, aplicada ao caso concreto, poderia fornecer, em todas as hipóteses, apenas uma única solução correta (ajustada), e que a “justeza” (correção) jurídico-positiva desta decisão é fundada na própria lei. Configura o processo desta interpretação como se se tratasse tão-somente de um ato intelectual de clarificação e de compreensão, como se o órgão aplicador do Direito apenas tivesse que pôr em ação o seu entendimento (razão), mas não a sua vontade, e como se, através de uma pura atividade de intelecção, pudesse realizar-se, entre as possibilidades que se apresentam, uma escolha que correspondesse ao Direito positivo, uma escolha correta (justa) no sentido do Direito positivo.
Não há absolutamente qualquer método – capaz de ser classificado como de Direito positivo - segundo o qual, das várias significações verbais de uma norma, apenas uma possa ser destacada como “correta” - desde que, naturalmente, se trate de várias significações possíveis: possíveis no confronto de todas as outras normas da lei ou da ordem jurídica.
Apesar de todos os esforços da jurisprudência tradicional, não se conseguiu até hoje decidir o conflito entre vontade e expressão a favor de uma ou da outra, por uma forma objetivamente válida. Todos os métodos de interpretação até ao presente elaborados conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca a um resultado que seja o único correto.[18]
Assim, para a teoria pura do direito, a ideia de que a determinação do ato jurídico a ser aplicado poderia ser obtida através de qualquer espécie de conhecimento do Direito preexistente, seria uma autoilusão contraditória, pois vai contra o pressuposto da possibilidade de uma interpretação.
Para Kelsen, toda decisão que se mantenha “dentro da moldura” estabelecida será conforme ao Direito. Dessa forma, não seria possível se falar em uma única resposta correta, mas possivelmente a várias soluções. Não existiria um método interpretativo capaz de alcançar a “verdade”, de forma objetiva, e essa tentativa seria ilusória.
Dessa forma, a discricionariedade judicial se torna um fenômeno indissociável à interpretação. A crítica ao pensamento kelseniano é que ele se limitaria a descrever o fenômeno, demonstrando as múltiplas possibilidades dentro da moldura da indeterminação normativa e admitindo que não há resposta objetivamente correta, mas não prescrevendo qual seria a maneira de controlar a discricionariedade da decisão judicial, de forma a legitimá-la, e não fazê-la simplesmente ser a vontade de poder de quem a profere. Parece o autor compreender como ingênua tal pretensão[19].
Sendo assim, se por um lado o formalismo kelseniano aumenta o poder dos juízes, conferindo-lhes amplo espaço de atuação; por outro vira as costas da ciência do Direito ao problema da justiça.
A compreensão da atuação discricionária do juiz, discricionariedade judicial, como um ato de poder, mesmo que se delimite a proferir as soluções possíveis dentro de uma mesma moldura interpretativa, possibilita a arbitrariedade judicial. É possível, que em uma situação A, extraia-se da norma uma solução favorável para X, todavia, quando Y pleiteie a mesma tutela diante da situação A, extraia-se da norma uma solução que lhe é desfavorável, ambas dentro da mesma moldura normativa, por que a discricionariedade judicial seria ato de poder.
Podemos exemplificar com decisões do próprio Supremo Tribunal Federal brasileiro. Em março de 2016, a então Presidente da República, Dilma Rousseff, nomeou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como seu ministro da Casa Civil. O ex-presidente era investigado pela Operação Lava Jato, em Curitiba, suspeito de ter recebido vantagens indevidas de empreiteiras envolvidas em esquema de corrupção na estatal brasileira de petróleo, a Petrobras.
O Partido Popular Socialista (PPS) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) impetraram mandado de segurança coletivo (respectivamente, nº 34.070 nº 34.071) em face do ato de nomeação, buscando a declaração de sua nulidade, sob o fundamento de que nomeação era ato administrativo viciado em razão de desvio de finalidade, visto que o único objetivo da nomeação seria conferir ao ex-presidente o cargo de Ministro de Estado para que gozasse do foro de prerrogativa de função perante o Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso I, “c”, da CF/88)[20], deixando de estar sujeito à jurisdição da justiça federal de primeira instância.
Em decisão liminar, do ministro Gilmar Mendes, o STF suspendeu a eficácia da nomeação do ex-presidente, determinando a manutenção da competência da justiça em primeira instância, argumentando que: i) o mandado de segurança era cabível; ii) a nomeação era forma de garantir prerrogativa de função para não se sujeitar à competência da primeira instância[21].
Por outro lado, em 3 de fevereiro de 2017, menos de um ano depois da decisão, o novo presidente, Michel Temer, nomeou Wellington Moreira Franco como novo ministro de Estado da Secretaria Geral da Presidência. Àquela data, Moreira Franco já havia sido citado trinta e quatro vezes por um dos delatores da Odebrecht, por suposto envolvimento em contribuições ilegais para campanhas eleitorais.
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e a Rede Sustentabilidade (Rede) impetraram mandado de segurança coletivo (respectivamente, nº 34.615 e nº 34.069) em face do ato de nomeação, buscando a declaração de sua nulidade, argumentando que a nomeação era ato administrativo viciado em razão de desvio de finalidade, visto que o único objetivo seria conferir o cargo de Ministro de Estado para que gozasse do foro de prerrogativa de função perante o Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso I, “c”, da CF/88), deixando de estar sujeito à jurisdição da justiça federal de primeira instância. Pugnaram, assim, pela aplicação do mesmo entendimento da decisão anterior.
Em decisão liminar do ministro Celso de Mello, o STF indeferiu o pedido liminar, considerando que a nomeação de alguém para o cargo de Ministro de Estado, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 87 da Constituição da República, não configura, por si só, hipótese de desvio de finalidade, e que este não poderia ser presumido, eis que a prerrogativa de foro – que traduz consequência natural e necessária decorrente da investidura no cargo de Ministro de Estado (CF, art. 102, I, “c”) – não importa em obstrução e, muito menos, em paralisação dos atos de investigação criminal ou de persecução penal[22].
Assim, duas decisões oriundas do mesmo tribunal, cuja bases fáticas e jurídicas guardam alto grau de semelhança, apresentaram fundamentos e resultados completamente diversos. Em uma visão do direito apenas descritiva, em que se considera adequada a tomada de qualquer das decisões dentro de uma “moldura normativa” seria justificável a adoção de entendimentos tão diversos para casos semelhantes e que guardaram entre si curto lapso de tempo.
Dessa forma, perceba-se que, dentro de possibilidades interpretativas dentro da moldura de indeterminação de um mesmo ato normativo, em relação a uma situação similar, o STF conferiu soluções diversas. Se se compreende que a discricionariedade judicial da interpretação de uma norma aberta é mero ato de poder do juiz, então, deve-se compreender que as soluções díspares conferidas pelo tribunal à mesma situação não merecem quaisquer críticas. O que não constitui a visão adotada por este trabalho.
Na forma de organização do Poder Judiciário adotada pela Constituição de 1988, a nosso ver acertada, os juízes gozam de vitaliciedade e não se submetem a qualquer tipo de aprovação popular para ingresso/manutenção em seus cargos, o que permite a independência judicial. Todavia, a forma como esse sistema foi elaborado não se coaduna com uma compreensão de discricionariedade judicial como ato de poder, visto que, nesse caso, estaria se conferindo a um agente estatal que não passa pelo crivo popular para ingressar ou se manter no cargo o poder de fazer tomar as fundamentais da sociedade, o que violaria a própria noção de democracia.
Além da crítica acima disposta, alguns autores ainda apontam que a visão positivista do direito, ao dissociar o Direito de uma concepção moral, teria facilitado a ascensão de regimes autoritários e horrores como o nazismo:
(…) As principais consequências forma o questionamento cada vez maior da legitimidade das decisões dos juízes e a constatação, com os horrores da II Guerra Mundial, de que o Direito é insuficiente se não é capaz de discutir a questão da justiça. A surpresa diante do raciocínio jurídico formalista é muito bem ilustrada por Hanna Arendt, quando descreve a atitude do oficial nazista ao cumprir o Direito escrito[23].
No mesmo sentido, Luís Roberto Barroso:
Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da 2ª Guerra, a ética e os valores começam a retornar ao Direito[24].
Não concordamos por completo as opiniões dos autores supracitados, visto que não se pode inferir com segurança que o positivismo possibilitou o horror do nazismo. Kelsen, ao deslocar a questão da justiça para fora do Direito, apenas compreendia que em um sistema democrático o conceito de justiça, que não é uno e já teve diversas vestimentas durante a história, deveria ser decidido democraticamente pelo povo, desde que se observasse uma democracia real, que respeitasse direitos fundamentais[25].
Todavia, discordar das críticas acima não nos faz concordar com o modelo kelseniano, principalmente diante de como o sistema judiciário no Brasil é organizado. Em um sistema democrático é necessário que haja legitimidade no uso da discricionariedade pelos juízes.
3.3 A decisão judicial no realismo jurídico de Benjamin Cardozo
O realismo jurídico norte-americano é teoria da decisão que se origina da corrente filosófica do pragmatismo jurídico.
O realismo jurídico, assim como os demais movimentos jurídicos, possui diversas facetas que em muitas situações guardam entre si severas controvérsias. Para análise deste trabalho, a escolha recaiu sobre o realismo jurídico de Benjamin Cardozo, considerado mais moderado em relação a alguns excessos dos demais realistas.
Cardozo não aprova os excessos do realismo, mas aceita a ideia fundamental que está em conceber que o juiz contempla na tomada da decisão um vasto e pouco preciso rol de princípios, costumes e padrões morais[26].
Dessa forma, Cardozo foi um realista no sentido de que adaptava as circunstâncias normativas às instâncias da vida real, percebendo o Direito como servo das necessidades humanas e não dos desejos dos poderosos, defendendo um modelo interpretativo mais “flexível”. Mesmo assim, o Direito criado pelos juízes não seria livre. Neste sentido, transcreve-se síntese do pensamento de Cardozo:
A Constituição prevalece sobre uma lei escrita, mas uma lei escrita, se coerente com a Constituição prevalece sobre a lei dos juízes. Nesse sentido, o Direito criado pelos juízes é secundário e subordinado ao Direito criado pelos legisladores.
(…)
A causa última do Direito é o bem estar da sociedade. A norma que não atinge seu objetivo não pode justificar permanentemente sua existência.
(…)
Não quero dizer, é claro que os juízes tenham a incumbência de abandonar a seu bel prazer as normas existentes, em favor de outro conjunto de regras que possam considerar convenientes ou sábias. Digo que, quando são instados a dizer até que ponto é necessário ampliar ou restringir as normas, devem deixar que o bem estar da sociedade determine o caminho, a direção e a distância disto.[27]
Cardozo dessacraliza o magistrado, ser que como qualquer outro, ao decidir imprime no ato decisórios suas idiossincrasias. Neste sentido, cabe transcrição o cerne do pensamento de Cardozo como embrião teórico da criação judicial de direito:
Resta por fim uma porcentagem – não muito grande, mas também nem tão pequena a ponto de ser desprezível – em que a decisão num ou noutro sentido será levada em conta no futuro e poderá avançar ou retardar, ora muito, ora pouco, o desenvolvimento do Direito. São esses casos em que o elemento criativo do processo judicial encontra sua oportunidade e potencialidade. Foi basicamente deles que me ocupei em tudo o que disse aqui.
Em certo sentido, é verdade que muitos desses casos podem ser decididos de uma maneira ou de outra. Com isso quero dizer que é possível encontrar razões plausíveis e totalmente convincentes para justificar uma ou outra decisão. Aqui entra em jogo aquele equilíbrio de julgamento, aquela verificação e seleção de considerações de analogia, lógica, utilidade e equidade que estive tentando descrever.
É aqui que o juiz assume a função de legislador.
Em meus primeiros anos como juiz, era tamanha minha perturbação de espírito que eu não conseguia perceber que não havia rastros ou vestígios no oceano em que me lançara. Eu buscava a certeza. Fiquei deprimido e decepcionado quando descobri que essa busca era fútil.
(…) Passei a ver que o processo, em seus níveis mais elevados, não é descoberta, mas criação. [28] (Negritamos).
Mas o assunto não se esgota com o reconhecimento de seu poder. Bem abaixo da consciência residem outras forças, os gostos e as aversões, as predileções e os preconceitos, o complexo de instintos, emoções, hábitos e convicções que compõem o homem, seja ele litigante ou juiz.
(…)
É um ideal que os grandes publicistas e juízes afirmam ser possível atingir. “Os juízes de uma nação”, diz Montesquieu, “são apenas bocas que pronunciam as palavras do Direito, seres inanimados que não podem moderar sua força nem seu rigor”.
Assim também Marshall “O poder judicial nunca é exercido com o propósito de fazer cumprir a vontade do juiz; é sempre com o propósito de fazer cumprir a vontade da lei” - soa sublime; é dito com clareza e elegância, mas nunca será mais do que parcialmente verdadeiro.
(…)
No extremo oposto estão as palavras do jurista francês Saleilles, em seu tratado De la Personnalité Juridique: “Primeiro, se almeja o resultado; depois, se encontra o princípio; é essa a gênese de toda interpretação jurídica.
(…) Mais próximas da verdade, e a meio caminho entre esses dois extremos, estão as palavras de Roosevelt: “Os principais legisladores de nosso país talvez sejam, e muitas vezes são, os juízes, pois é neles que assenta a autoridade final. (…) eles direcionam todo o processo de criação das leis.[29]
Cardozo, em que pese seja classificado por muitos como realista jurídico, adota uma posição moderada, que nos parece descrever com fidelidade o papel do juiz diante dos “casos difíceis”.
Se de um lado compreende que o Direito criado pelos juízes é secundário e subordinado ao Direito criado pelos legisladores e que o juiz encontra-se adstrito à norma positivada[30], não lhe competindo fazer ou desfazer as normas postas a seu bel prazer ou conveniência[31] e que o juiz não pode se substituir ao legislador, declarando a inconstitucionalidade de uma lei por considerá-la inadequada, excessiva ou baseado em suas convicções morais[32], por outro lado compreende que o papel do juiz não é meramente mecanicista como desejavam os positivistas exegéticos. Em alguns tipos de casos, que poderiam ser corretamente decididos de uma maneira ou de outra, e são nesses que o elemento criativo do processo judicial encontra sua oportunidade e potencialidade, a decisão judicial não seria descoberta, mas criação.
E demonstrando a proximidade do pensamento de Benjamin Cardozo com os ditos atuais “pós-positivistas”, o autor compreende que na utilização desse elemento criativo, isto é, na função de criador do Direito, o juiz deve fazê-lo em conformidade com a razão e a justiça, mas deve procurar não em função do compreende por si próprio de razão e justiça, mas de acordo com o que compreende que a moralidade costumeira dos homens e mulheres sensatos compreendem como justiça[33]. Sua lição merece transcrição:
Meu dever de juiz talvez seja materializar no Direito não as minhas aspirações, convicções e filosofias pessoais, mas as aspirações, convicções e filosofias dos homens e das mulheres do meu tempo.[34]
Cardozo exarou esses entendimentos em palestras proferidas ainda na década de 1920. Para o autor desta dissertação, estas lições, mais do que nunca, continuam atuais. Servindo como ponto de partida para uma compreensão mais propositiva à teoria jurídica no tocante à criação do Direito e da necessidade de controle da discricionariedade judicial.
Dessa forma, Cardozo compreende que o juiz se encontra adstrito à norma positivada, não lhe sendo facultado fazer ou desfazer as normas postas de acordo com seu bel prazer ou conveniência. Ademais, o juiz não pode pretender substituir o legislador, declarando a inconstitucionalidade de uma lei por considerá-la inadequada, excessiva ou baseado em suas convicções morais, todavia, para o autor, é indiscutível que o papel do juiz não é meramente mecanicista como desejavam os positivistas exegéticos. Em alguns tipos de casos, que poderiam ser corretamente decididos de uma maneira ou de outra, a decisão judicial não seria descoberta, mas criação. É o que a doutrina contemporânea passou a denominar de “casos difíceis”, nos quais há uma participação do juiz na construção do significado normativo.
3.4 A discricionariedade judicial no “pós positivismo”: a argumentação jurídica de Robert Alexy e o direito como integridade de Ronald Dworkin
No Direito, a reação à frustração e desesperança causadas pelo positivismo não foi o retorno ao Direito natural, ao invés disso, deu-se uma espécie de síntese entre o jusnaturalismo e o positivismo. Essa síntese dá-se com a positivação dos valores e dos ideais de justiça nos textos jurídicos.
A delimitação do pós-positivismo, como uma vertente jurídica, revela-se ainda incerta. Parece que o desconforto face às incertezas do naturalismo e a excessiva limitação do positivismo empurraram muitos filósofos do Direito para um espaço teórico impreciso e difuso, que ainda aguarda definição. Por isso, há quem prefira utilizar a terminologia “não-positivismo”.
Para Nagibe de Melo[35], o ponto em comum das variações do pós-positivismo estaria no reconhecimento de que o Direito é amplamente indeterminado, sobretudo pelo caráter aberto e indeterminado dos princípios, direitos fundamentais, valores, bem como do papel central do reconhecimento do intérprete como criador do Direito. Dessa forma, para o autor, enquanto o jusnaturalismo tem como principal fonte do Direito a natureza, seja a natureza entendida na sua vertente histórica, teleológica ou puramente racional; e o positivismo tem a sua principal fonte de Direito na lei aprovada pelos parlamentos; o pós-positivismo tem a sua principal fonte de Direito nos princípios, espécie de norma de conteúdo axiológico e moral. Os princípios seriam a porta de entrada para discussões éticas e morais no Direito.
Para Barroso[36], o pós-positivismo constitui um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação, “buscando ir além da legalidade estrita, mas não desprezando o direito posto”. Procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. Na sua visão, a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras seria uma característica marcante desse novo paradigma.
Na visão de Paulo Bonavides, o jusnaturalismo, o positivismo e o pós-positivismo são vistos como fases por que passa o reconhecimento de juridicidade dos princípios. No jusnaturalismo, os princípios ocupariam uma esfera abstrata de normatividade duvidosa; no positivismo, os princípios já se encontram no Direito escrito, mas apenas nas funções de integração do sistema jurídico. Já no pós-positivismo, a promulgação de Constituições atuais denotaria a hegemonia axiológica dos princípios, que estariam convertidos “em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”[37].
Em uma tentativa de sistematização: o “pós-positivismo” vai além de admitir passivamente a indeterminação do Direito, ele busca estabelecer critérios de racionalidade na interpretação do Direito, seja em uma vertente hermenêutica seja em uma vertente argumentativa, com possibilidade de “correção” pelo intérprete.
O presente trabalho busca responder a questões de acordo com o referencial teórico que parece o mais adequado à prática judicial brasileira e às questões enfrentadas. Nesse sentido, o estudo do que é o pós-positivismo e de algumas de suas vertentes demonstra-se justificado em razão da ampla influência que este vem possuindo no Direito Brasileiro, principalmente a partir da década de 1990, compreendidas como não positivistas as correntes que admitem a positivação de valores e princípios, que constituem verdadeiras portas de entrada para conteúdos morais no debate jurídico.
Não se deve desconsiderar as críticas que afirmam que a concepção pós-positivista do Direito seria somente uma construção retórica cujo escopo é legitimar a adequação do sentido de Direito a uma concepção moral subjetiva do julgador. Talvez sim, afinal, todas as soluções hermenêuticas para a discricionariedade judicial aqui apresentadas podem na realidade ser simplesmente ignoradas pelos juízes em suas decisões.
Enquanto as teorias explicam o que é o Direito ou pretendem dizer como deve ser interpretado, as decisões judiciais, de algum modo, são o próprio Direito sendo interpretado e não se deixam limitar pelas teorias. Dessa forma, qualquer discussão sobre a natureza do fenômeno jurídico deve iniciar analisando como, efetivamente, se dá pelos legisladores e pelos juízes a construção do Direito.
Cumpre frisar: a teoria deve ter seus olhos voltados para a realidade, de forma a construir ferramentas que permitam o aperfeiçoamento da própria prática. Deve haver, então, uma relação de simbiose e mútua interferência entre a teoria e a prática, sendo necessário que a teoria ofereça uma descrição adequada do fenômeno da decisão judicial.
Assim, não faz sentido que uma certa teoria do Direito afirme que os juízes não exercem ou não podem exercer certa parcela de criação do Direito, mas que tão somente aos legisladores cumpre tal missão, e de que os juízes devem se ater ao sentido literal da lei, e que, ainda assim, os juízes continuem a criar o Direito, alargando/alterando/reescrevendo interpretativamente a própria norma que se extrai do texto, e suas decisões continuem a ser válidas e cumpridas.
Dentro deste contexto e diante da orientação que este trabalho adota de perquirir a teoria sem perder de vista a realidade, revela-se necessária a apresentação das propostas de controle da discricionariedade judicial de Ronald Dworkin e Robert Alexy, dois autores considerados “pós-positivistas” cujas ideias hodiernamente gozam de expressiva influência na doutrina e tribunais nacionais.
3.4.1 A discricionariedade judicial em Robert Alexy
Conforme anteriormente exposto, Robert Alexy apresenta a “tese qualitativa” da distinção entre regras e princípios, que utiliza o modo de aplicação de cada espécie de norma como critério distintivo suficiente da separação. Para esta tese o critério da generalidade não é suficiente para aferir a distinção posto que incapaz de proporcionar uma diferenciação essencial. Para Alexy, a questão está em assentar a distinção por meio dos modos de aplicação de cada espécie normativa, bem como na forma de proceder em caso de conflito normativo.
Regras seriam diferentes dos princípios porque são aplicáveis na maneira do tudo-ou-nada (all-or-nothing-fashion). Destarte, a aplicação das regras envolve uma operação intelectual simples denominada de subsunção, não dando margem a maiores especulações teóricas. Regras são relatos objetivos e aplicáveis a um conjunto determinado de situações. A subsunção é o enquadramento dos fatos na previsão abstrata da norma, que produzirá o resultado jurídico.
Desta feita, a aplicação das regras se opera na modalidade tudo ou nada, isto é, ou regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Uma regra somente deixará de incidir sobre a hipótese de fato que contempla se for inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver em vigor.
Os princípios, como visto, possuem maior grau de abstração, não especificando diretamente a conduta a ser seguida, posto que constituem uma decisão política relevante a indicar a direção e não o caminho. Todavia, um ordenamento jurídico democrático se caracteriza por uma ordem pluralista a adequar em seu corpo valores e fundamentos contrapostos, resultados das influências e do poder de grupos de pressão consolidados ou em luta por sua consolidação. Dessa forma, a colisão de princípios faz parte da lógica do sistema, em razão de sua dialeticidade. O intérprete deve reconhecer aos princípios uma dimensão de peso e importância e à luz do caso concreto, devendo fundamentadamente, e preservando o máximo de cada um, aferir a vontade do texto. A aplicação dos princípios dar-se-á, em geral, pela técnica da ponderação.
A ponderação será a técnica de decisão jurídica aplicável aos casos difíceis (hard cases), onde a subsunção mostra-se insuficiente pois a situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia e especialidade que indicam soluções diferenciadas. O método se dá através do sopesamento e balanceamento de bens, interesses e valores. Método este que ganhou importância na rotina da atividade jurisdicional hodierna[38].
Por isso, Alexy[39] firma existir uma dimensão de peso entre princípios nos casos de colisão, exigindo para sua aplicação um mecanismo de “proporcionalidade”. Assim, em face de uma colisão de princípios, o valor decisório será dado a um princípio que tenha no caso concreto maior peso relativo, sem que isso signifique invalidação ou descarte do princípio compreendido como de peso menor. O que garantiria a racionalidade da decisão, evitando que a aplicação do direito se torne mera preferência subjetiva do julgado, decisionismo.
Assim, para Alexy os princípios apresentam a natureza de mandamentos de otimização, e na sua colisão deve-se observar a técnica da ponderação. Vejamos:
(...) princípios são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, em relação às possibilidade jurídicas e fáticas. Os princípios são, por conseguinte, mandados de otimização que se caracterizam porque podem ser cumpridos em diferentes graus e porque a medida de seu cumprimento não só depende de possibilidades fáticas, mas também de possibilidades jurídicas. (...) Por outro lado, as regras são normas que exigem um cumprimento pleno e, nessa medida, podem sempre ser somente cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então é obrigatório fazer precisamente o que se ordena, nem mais nem menos. As regras contêm por isso determinações no campo do possível fático e juridicamente.[40]
A estrutura da proporcionalidade divide-se em três sub-regras quem devem ser analisadas em sequência: (i) adequação, (ii) necessidade e (iii) proporcionalidade em sentido estrito. A sequência deste procedimento teórico, uma construção alçada a partir de uma teoria da argumentação jurídica, seria capaz de conduzir a decisões judiciais dotadas sempre de racionalidade.
Em sua Teoria da Argumentação Jurídica, Alexy se detém em racionalizar os argumentos do discurso prático geral que acabam aparecendo nas decisões judiciais. A textura aberta da norma para o autor é uma das formas de abertura do discurso jurídico para o discurso prático geral, a conectar argumentos jurídicos e morais.
Conforme leciona Lênio Streck[41], a teoria da argumentação jurídica pretende oferecer critérios racionais para justificar a argumentação moral que penetra no sistema jurídico. Dessa constatação Alexy identifica questões que dizem respeito à natureza do Direito, subdividindo-a em duas dimensões: real e ideal. Daí a sua tese da dupla natureza do Direito. A primeira dimensão é representada pelos elementos factuais que compõem o Direito. Para Alexy, seria a legalidade conforme o ordenamento e a eficácia social, demonstrando os elementos coercitivos e empíricos do Direito. A segunda dimensão, por outro lado, retrata do caráter normativo do Direito, que opera por meio de uma pretensão de correção, isto é, a pretensão de que tanto as decisões como os sistemas judiciais necessitam de uma justificação moral para exercerem sua legitimidade.
Essa dupla dimensão do Direito se torna mais clara diante dos casos difíceis, em que há a colisão de princípios. O postulado da proporcionalidade oferecido por Alexy, que utiliza como ferramenta a técnica da ponderação para aferir o peso dos princípios, possibilita o preenchimento da decisão por argumentos do tipo prático geral, fazendo com que argumentos morais determinem a decisão. Assim, critica-se que, embora a usual classificação de Robert Alexy como “pós-positivista”, o seu modelo teórico ainda permite decisões amplamente discricionárias e o reconhecimento da decisão judicial como um ato de vontade.
Na medida em que a forma de aplicação dos princípios se dá através da ponderação, a solução dos casos difíceis passa a comportar a incorporação de elementos externos ao direito, próprios do discurso prático geral. Assim, a colisão de princípios passa pelo procedimento da ponderação de princípios, que apresenta uma estrutura discricionária, o que é reconhecido pelo próprio Alexy, in verbis:
Os direitos fundamentais não são um objeto passível de ser dividido de uma forma tão refinada que inclua impasses estruturais – ou seja, impasses reais no sopesamento -, de forma a torná-los praticamente sem importância. Neste caso, então, existe uma discricionariedade para sopesar, uma discricionariedade tanto do legislativo quanto do judiciário.[42]
García Figueroa, neste sentido, vai apontar que uma das fragilidades da argumentação de Robert Alexy é a consagração da discricionariedade dos operadores jurídicos ante a crescente amplitude do âmbito das possibilidades discursivas. Uma discricionariedade judicial que remete ao próprio positivismo. O autor, então, aponta um positivismo latente no interior da teoria da argumentação alexyana[43].
Em outras palavras, a teoria de Robert Alexy não pretende estabelecer critérios para que a decisão chegue ao melhor resultado possível, está mais preocupada com a racionalidade do discurso e com a possibilidade de alcançar um resultado “correto”. Do ponto de vista de Alexy, “correto” não é a única solução correta, “correto” está mais ligado à ideia de racional. E racional é o resultado obtido por meio de uma argumentação que siga determinado procedimento.
A teoria da argumentação jurídica de Alexy abre espaço para considerar da decisão judicial como ato de vontade, embora limitada em muitos pontos, por critérios racionais. Conforme Nagibe Melo é possível afirmar, fazendo-se uma paralelo “que Alexy estabelece critérios racionais para o estabelecimento da moldura normativa no sentido kelseniano. A partir daí, é impossível seguir”[44].
Em sua teoria da argumentação jurídica, Alexy estabelece os seguintes critérios de racionalidade para a argumentação jurídica, que devem ser seguidos pelos juízes como modo de assegurar a racionalidade do sistema de justiça. São as regras de possibilidade do discurso prático:
(1.1) Nenhuma falante pode contradizer-se.
(1.2) Todo falante só pode afirmar aquilo em que ele mesmo acredita.
(1.3) Todo falante que aplique um predicado F a um objeto A deve estar disposto a aplicar F também a qualquer objeto igual a A em todos os aspectos relevantes.
(1.4) Diferentes falantes não podem usar a mesma expressão com diferentes significados.[45]
As regras de razão:
(2) Todo falante deve, se lhe é pedido, fundamentar o que afirma, a não ser que possa dar razões que justifiquem negar uma fundamentação.
(2.1) Quem pode falar, pode tomar parte no discurso.
(2.2) (a) Todos podem problematizar qualquer asserção.
(b) Todos podem introduzir qualquer asserção no discurso.
(c) Todos podem expressar suas opiniões, desejos e necessidades[46].
As regras de carga de argumentação:
(3.1) Quem pretende tratar uma pessoa A de maneira diferente de uma pessoa B está obrigado a fundamentá-lo.
(3.2) Quem ataca uma proposição ou uma norma que não é objeto de discussão, deve dar uma razão para isso.
(3.3) Quem aduziu um argumento, está obrigado a dar mais argumentos em caso de contra-argumentos.
(3.4) Quem introduz no discurso uma afirmação ou manifestação sobre suas opiniões, desejos ou necessidades que não se apresentem como argumento a uma manifestação anterior tem, se lhes for pedido, de fundamentar por que essa manifestação foi introduzida na afirmação[47].
As regras de fundamentação:
(5.1.1) Quem afirma uma proposição normativa que pressupõe uma regra para a satisfação dos interesses de outras pessoas, deve poder aceitar as consequências de dita regra também no caso hipotético de ele se encontrar na situação daquelas pessoas.
(5.1.2) As consequências de cada regra para a satisfação dos interesses de cada um devem ser aceitas por todos.
(5.1.3) Toda regra deve ser ensinada de forma aberta e geral.
(5.2.1) As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem resistir à comprovação de sua gênese-histórico crítica. Uma regra moral não resiste a tal comprovação:
a) Se originariamente se pudesse justificar racionalmente, mas perdeu depois sua justificação, ou
b) Se originariamente não se pode justificar racionalmente e não se podem apresentar também novas razões suficientes.
(5.2.2) As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem resistir à comprovação de sua formação histórica individual. Uma regra não resiste a tal comprovação se se estabeleceu com base apenas em condições de socialização não justificáveis[48].
Há ainda uma regra de fundamentação relacionada à realizabilidade fática, a mesma regra deve ser observada nos discursos jurídicos.
(5.3) Devem ser respeitados os limites de realizabilidade faticamente dados[49].
Dessa forma, a argumentação jurídica poderá discutir as próprias regras processuais, o uso da linguagem ou poderá passar a discurso empírico, como no caso de análise de prova.
Analisemos agora as regras relacionadas ao discurso jurídico propriamente dito, considerado em sentido amplo. Em relação ao discurso jurídico, Alexy propõe regras de justificação interna e externa. As regras de justificação interna estão amplamente amparadas pelo princípio da universalidade e pela regra da saturação.
(J.2.1) Para a fundamentação de uma decisão jurídica deve-se apresentar pelo menos uma norma universal.
(J.2.2.) A decisão jurídica deve seguir-se logicamente ao menos de uma norma universal, junto a outras proposições.
(J.2.3) Sempre que houver dúvida se A é um T ou M, deve-se apresentar uma regra que decida a questão.
(J.2.4) São necessárias as etapas de desenvolvimento que permitam formular expressões cuja aplicação ao caso em questão não seja discutível.
(J.2.5) Deve-se articular o maior número possível de etapas de desenvolvimento.[50]
Por fim, as regras relacionadas aos cânones de interpretação envolvem a fórmula máxima da ponderação, vista no início da exposição:
(J.6) Deve ser saturada toda forma de argumentação que houver entre os cânones da interpretação.
(J.7) Os argumentos que expressam uma vinculação ao teor literal da lei ou à vontade do legislador histórico prevalecem sobre outros argumentos, a não ser que se possam apresentar motivos racionais que deem prioridade a outros argumentos.
(J.8) A determinação do peso de argumentos de diferentes formas deve ocorrer segundo regras de ponderação.
(J.9) Devem-se levar em considerações todos os argumentos possíveis e que possam ser incluídos por sua forma entre os cânones da interpretação[51].
O problema da tese é que o discurso jurídico não utiliza argumentos de modo estruturado e formal como proposto por Alexy. No discurso jurídico que acontece na prática dos juízos e tribunais, o discurso ocorre como acontece na argumentação do dia-dia, com a diferença que o discurso jurídico segue regras processuais, e, na maioria das vezes, utiliza-se de uma linguagem técnico-jurídica. Tirando isso, não se distancia significativamente da forma de argumentação das demais instâncias da vida cotidiana. Dessa forma, o meio mais apropriado para a análise e crítica dos argumentos seria a lógica informal.
Conforme Nagibe de Melo[52], as formas dos argumentos trazidas por Alexy devem ser consideradas, portanto, apenas como propostas de método de trabalho, instrumentos que facilitam o raciocínio jurídico, mas que de resto, não trazem maiores ganhos seja em termos de legitimidade, seja em termos de validade, mas apenas em termos de racionalidade e instrumento de crítica das decisões. O ganho de racionalidade é um ganho de grau, podendo-se dizer que o argumento terá maior ou menor força seguindo essa ou aquela forma, mas não se podendo dizer que será irracional pelo só fato de não seguir uma determinada forma.
Duas críticas principais podem ser feitas à teoria da argumentação jurídica. Em primeiro lugar, pode-se dizer que, mesmo com as regras da argumentação jurídica não é possível chegar a uma única decisão correta, como admite o próprio Alexy.
O segundo é a constatação fática de que na maioria (ou na quase totalidade) das vezes, os requisitos da teoria não são adequadamente atendidos nas decisões judiciais. A ponderação é utilizada como fórmula geral para encobrir o argumento, de modo a diminuir a legitimidade da decisão.
Apesar das críticas, é inegável que a teoria de Alexy busca oferecer critérios que racionalizem e limitem a discricionariedade judicial. O problema que se vê atualmente dá-se na utilização da mesma pelos tribunais. O problema é que o postulado da proporcionalidade, idealizado por Alexy para racionalizar a utilização da discricionariedade, vem sendo utilizado retoricamente em decisões judiciais como argumento de forma a meramente “chancelar teoricamente” o decisionismo.
3.4.2 O Direito como integridade de Ronald Dworkin e seu contraponto em Hart
Ronald Dworkin nos oferece não uma teoria da decisão judicial, mas fundamentos sobre os quais é possível criar-se uma teoria. O autor oferece uma concepção do Direito como integridade em oposição a outras duas concepções que denomina de convencionalismo e pragmatismo jurídico. Em apertada síntese, para o autor, o convencionalismo se fundaria na concepção de que a interpretação do Direito seria meramente um ato de descoberta a não envolver criação por parte do intérprete. Já o pragmatismo, base filosófica do realismo jurídico norte-americano, permitiria aos juízes “inventar” a lei a partir de decisões que lhes pareçam melhores para o futuro da comunidade, ignorando qualquer dever de coerência. As duas versões lhe pareciam incorretas, a primeira por rejeitar o papel criativo-construtivo do intérprete e a segunda por permitir uma criação livre de direito.
Nesse sentido, Dworkin proclama que: “(…) O direito como integridade deplora o mecanismo do antigo ponto de vista de que ‘lei é lei’, bem como o cinismo do novo ‘realismo’. Considera esses dois pontos de vista como enraizados na mesma falsa dicotomia entre encontrar e inventar a lei.”[53]
Em contraposição à Kelsen, para quem a vagueza é inerente à linguagem jurídica e os juízes poderiam decidir discricionariamente, em efetiva criação do Direito, Dworkin apresenta objeções a esta construção. Defende que as partes em um processo possuem o direito de que a solução jurídica esteja de acordo com o ordenamento previamente estabelecido[54], que é efetivamente o fundamento para todos os casos, limitando a discricionariedade judicial e o poder criativo dos juízes.
A norma jurídica é gênero a possuir como espécies as regras e os princípios. Assim, a sociedade é formada por pessoas que além de obedecerem as regras criadas pelo acordo político, reconhecem também princípios como mandamentos (comunidade de princípios). Os princípios para Dworkin, então, serviriam para limitar um juízo discricionário, visto que ainda que existisse um caso de absoluta ausência de regra aplicável, existiriam princípios que indicariam o direito para um dos demandantes.
Conforme Streck[55] é nesse contexto que deve ser compreendida a tese da resposta correta. A questão não é a existência de uma única solução jurídica, mas que mesmo havendo, mais de uma possibilidade juridicamente defensável, o direito sempre teria (uma) resposta. Dessa forma, o direito enquanto um sistema de regras e princípios não abriria a possibilidade para um juízo discricionário, já que teria sempre uma história institucional a ser reconstruída e que a indicaria a melhor solução a ser tomada.
Nesse contexto de respeito do juízo a uma “história institucional”, Dworkin apresenta uma aproximação metodológica entre o Direito e a Literatura ao dispor da figura do “romance em cadeia”, em que compara o trabalho do juiz com o de um romancista. Esse romance em cadeia é uma metáfora para o Direito/jurisprudência. O direito/jurisprudência deve ser escrito de forma coletiva, impondo a quem deve escrevê-lo um dever de coerência. Assim, quanto mais se desenvolvem os capítulos, maior será a vinculação narrativa/histórica do próximo autor que também é um intérprete. Como o romancista de um romance em cadeia, o juiz também encontra-se vinculado a uma cadeia de precedentes, e a sua observância é um dever de coerência. In verbis:
Podemos comparar o juiz que decide sobre o que é direito em alguma questão judicial, não apenas com os cidadãos da comunidade hipotética que analisa a cortesia que decidem o que essa tradição exige, mas com o crítico literário que destrincha as várias dimensões de valor em uma peça ou um poema complexo.
Os juízes, porém, são igualmente autores e críticos. Um juiz que decide o caso McLoughlin ou Brown introduz acréscimos na tradição que interpreta; os futuros juízes deparam com uma nova tradição que inclui o que foi feito por aquele. Mas a contribuição dos juízes é mais direta, e a distinção entre autor e intérprete é mais uma questão de diferentes aspectos do mesmo processo. Portanto, podemos encontrar uma comparação ainda mais fértil entre literatura e direito ao criarmos um gênero literário artificial que podemos chamar de “romance em cadeia”.
(...)
Em tal projeto, um grupo de romancistas escreve um romance em série; cada romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo, que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por diante. Cada um deve escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira possível o romance em elaboração, e a complexidade dessa tarefa reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade.[56]
A perspectiva de um “romance em cadeia” busca impedir que o autor/intérprete proceda de modo subjetivista – no sentido de que a história começa nele, e portanto, poderia fazer o que bem entendesse. O Direito é uma única história, iniciada antes dele e continuada como se escrita por um só, mas que em realidade seja uma obra de inúmeras mãos[57].
Por isso, há opiniões que afirmam que a proposta dworkiana supera tanto um convencionalismo positivista quanto um pragmatismo realista. Para alguns positivistas, como visto, em determinadas situações o intérprete poderia se tornar um autor sem passado. Já para os realistas jurídicos em seus segmentos mais radicais, que sustentam um desapego à tradição, cada decisão é nova, e os juízes em vez de intérpretes seriam apenas autores.
É inegável, todavia, que como as demais, identificam-se problemas na tese dworkiana, notadamente no que se refere à relação do uso da moral política própria do juiz na integridade. O próprio Dworkin tenta refutar as possíveis críticas, para tanto usa a metáfora do “juiz Hércules”, um juiz com tempo e paciência infinitos, além de conhecimento sobrehumano dos precedentes, para solucionar os problemas que lhe são apresentados:
Que críticas seus argumentos podem atrair? A primeira da lista que me proponho examinar acusa Hércules de ignorar o verdadeiro direito dos danos morais e de substituir suas próprias concepções ao verdadeiro conteúdo do direito.
(...)
A segunda objeção é mais sofisticada. Agora, o crítico diz: “É absurdo admitir que exista uma única interpretação correta de dois casos de danos morais. Uma vez que descobrimos duas interpretações desses casos, nenhuma das quais pode ser preferida à outra em bases ‘neutras’ de adequação, nenhum juiz seria forçado pelo princípio da integridade concernente à jurisdição a aceitar nenhuma delas. Hércules escolheu uma, e o fez por razões claramente políticas; sua escolha reflete apenas sua própria moral política. Nessas circunstâncias, sua única opção consiste em criar um direito novo em consonância com sua escolha. Não obstante, é fraudulento que ele afirme que descobriu, através de sua escolha política, qual é o conteúdo do direito. Está apenas oferecendo sua opinião sobre o que este deveria ser”.
(...)
A uma concepção de direito pedimos que nos ofereça uma descrição dos fundamentos do direito – das circunstâncias nas quais as afirmações sobre o que é o direito deveriam ser aceitas como verdadeiras ou bem fundadas – que nos mostre por que o direito autoriza a coerção. O direito como integridade responde que os fundamentos do direito estão na integridade, na melhor interpretação construtiva das decisões jurídicas do passado, e que o direito é, portanto, sensível à justiça no sentido reconhecido por Hércules.
O espírito da integridade, que situamos na fraternidade, seria violado se Hércules tomasse sua decisão de outro modo, que não fosse a escolha da interpretação que lhe parece a melhor do ponto de vista da moral política como um todo.[58]
Dworkin não responde satisfatoriamente a questão, enquanto a acusação argumenta que Hércules escolheu uma das soluções com base em sua própria moral política, o autor defende que Hércules apenas decidiu com base na interpretação que lhe parece a melhor do ponto de vista da moral política como um todo. Ou seja, a defesa de Dworkin é de que, subjetivamente, aquela parece a Hércules a melhor interpretação, por isso não haveria uma violação à integridade.
O entendimento de Dworkin tem contraponto nas ideias expressadas por Hart, em sua obra O Conceito de Direito. Para Hart, em qualquer sistema jurídico, haverá sempre casos juridicamente não regulados em que relativamente a determinado ponto, nenhuma decisão em qualquer dos sentidos é ditada pelo Direito. Nesses casos, em que o Direito se apresenta como parcialmente indeterminado ou incompleto, o juiz cria direito novo, preenchendo as lacunas através do exercício de um poder discricionário. Todavia, esses poderes seriam “intersticiais”, sujeitos a muitos constrangimentos substantivos, não podendo ser utilizado de maneira arbitrária[59].
Sendo assim, em dados momentos, compreendemos que o discurso de Ronald Dworkin não se divorcia do propugnado ainda na década de 1920 pelo próprio Benjamin Cardozo, considerado um realista moderado, que já defendia um “dever de coerência” no uso de princípios pelos juízes. Confira-se:
Não devo estragar a simetria da estrutura jurídica com a introdução de incoerências, irrelevâncias e exceções artificiais, a menos que haja alguma razão suficiente e esta geralmente será uma consideração relativa à história, ao costume, à política ou à justiça.
(…)
Se um conjunto de causas envolve a mesma questão, as partes esperam que se chegue à mesma decisão. Seria uma injustiça gritante decidir causas consecutivas com base em princípios opostos. Se uma causa foi decidida de modo desfavorável a mim ontem, quando eu era réu, devo esperar o mesmo julgamento, se sou eu o demandante. Uma decisão diferente despertaria em mim um sentimento de ressentimento e erro; seria uma violação material e moral dos meus direitos.
(…)
A adesão ao precedente deve então ser a regra, não a exceção, para que os litigantes tenham fé na administração imparcial da justiça nos tribunais.[60]
A diferença é que Ronald Dworkin torna mais sofisticada a tentativa de limitação da discricionariedade judicial em busca da solução correta com o postulado da integridade. Para o autor[61], os juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem casos difíceis tentando encontrar, em algum conjunto coerente de princípios sobre os direitos e deveres das pessoas, a melhor interpretação da estrutura política e da doutrina jurídica de sua comunidade. Assim, o dever de integridade abrange não somente o dever de observar os precedentes, mas, para além deste preceito, é necessário que o intérprete atue do melhor ponto de vista possível da moral política substantiva.
Perceba-se que Dworkin separa duas posições, uma posição antimajoritária à luz da CF, e a posição do juiz que se guia pela moral popular. Então isso é o direito? Talvez, deva-se, até aqui, considerar o que pontuou no tocante à integridade, mas aperfeiçoar o que disse em relação à modificação de posicionamento anterior. Os casos muito difíceis vão forçá-lo a desenvolver, lado a lado, sua concepção do direito e sua moral política, de modo que ambas se dêem sustentação mútua. Dworkin defende que pode existir resposta correta no casos difíceis, in verbis:
“Nenhum aspecto do direito como integridade tem sido tão mal compreendido quanto sua recusa em aceitar a opinião popular de que não existem respostas exclusivamente certas nos casos difíceis do direito. Eis uma afirmação representativa do ponto de vista que Hércules rejeita: ‘ Os casos difíceis são difíceis porque diferentes grupos de princípios se ajustam suficientemente bem a decisões do passado para serem considerados como interpretações aceitáveis deles. Advogados e juízes vão divergir sobre qual deles é mais equitativo ou mais justo, mas nenhuma das partes pode realmente estar certa, pois não existem padrões objetivos de equidade e justiça, que um observador neutro pudesse utilizar para decidir-se por um deles. Assim, o direito como integridade chega à conclusão de que não há, na verdade, direito algum em casos difíceis como o McLoughlin. Hércules é um impostor porque finge que suas opiniões subjetivas são, em certo sentido, melhores do que as opiniões dos que não concordam com ele. Seria mais honesto, de sua parte, admitir que, além de sua preferências pessoais, não tem fundamentos nos quais apoiar sua decisão”.[62]
Lênio Streck[63] pontua a sua visão acerca da integridade e coerência de Ronald Dworkin, compreendendo que haverá coerência se os mesmos preceitos e princípios que foram aplicados nas decisões o forem para os casos idênticos. Dessa forma, o dever de coerência assegura a igualdade, visto que diversos casos terão a igualdade de consideração por parte do Judiciário. Isso somente poderia ser alcançado por meio de um holismo interpretativo, constituído a partir de uma circularidade hermenêutica. Coerência significaria, então, igualdade de apreciação do caso, de tratamento do caso, e de “jogo limpo”.
Por sua vez, a integridade é antitética ao voluntarismo e da discricionariedade. Desta feita, por mais que o julgador desgoste de determinada solução legislativa e da interpretação possível que dela se faça, ele não pode violar a integridade do Direito, estabelecendo um “grau zero de sentido”, como que, fosse o Direito uma novela, matar o personagem principal, como se isso – a morte do personagem – não fosse condição para a construção do capítulo seguinte[64].
A integridade é virtude política a ser adotada por uma autêntica comunidade de princípios (para além de uma associação de indivíduos meramente circunstancial, ou pautada num modelo de regras), e se expressa pela coerência principiológica na lei, na Constituição e na jurisprudência. Aqui já de pronto transparece uma questão nova: a coerência e integridade são antitéticas ao pamprincipiologismo, pela simples razão de que a “invenção” de um “princípio” sempre é feita para quebrar a integridade e a cadeia de coerência do discurso.
Compreendemos que o trabalho de Ronald Dworkin avança a teoria jurídica no sentido de propor meios de legitimação para o processo de copartipação na criação do direito por parte dos intérpretes. Ao dispor os pressupostos de integridade e coerência na interpretação e enxergar a construção do Direito como um “romance em cadeia”, propondo a tese da resposta correta, limita a discricionariedade judicial e legitima a participação do intérprete na construção do Direito.
Todavia, em que pese a considerarmos um avanço em relação ao estado da arte anterior acerca da criação interpretativa do direito, compreendemos que a tese dworkiana ainda carece de critérios objetivos para legitimação do fenômeno aqui discutido. Visto o dever de coerência e integridade serem sempre subjetivamente aferidos.
4. CONCLUSÃO
A questão da discricionariedade judicial, cuja questão central reside na decisão judicial nos denominados “casos difíceis”, é fulcral em um sistema democrático – no regime democrático, o povo é o real titular do poder, que o exerce, ainda que indiretamente, por seus representantes eleitos. Como explicar, então, o poder de não apenas interpretar, mas em certa medida de ser um cocriador da norma, mesmo sem exercer suas funções através da escolha popular?
Fato é que o paradigma kelseniano do decisionismo, da decisão judicial enquanto ato de vontade/poder, não foi adequadamente superado até hoje, e a discricionariedade judicial tem sido reapropriada em teorias argumentativas que pretendem dar uma solução à luz da racionalidade.
Gostemos ou não, não se pode desconhecer da realidade atual e inevitável de uma certa criação judicial de direito, com a prolação de decisões interpretativas com efeitos modificativos ou corretivos da exegese que se faz do texto da lei. São as denominadas “decisões manipulativas”.
A doutrina italiana que possui certa maturidade no trabalho deste tema, considera manipulativa a decisão mediante a qual o órgão de jurisdição constitucional modifica ou adita normas submetidas a sua apreciação[65].
De acordo com essa doutrina, a sentença aditiva é aquela em que o órgão julgador declara inconstitucional certo dispositivo legal não pelo que expressa, mas sim pelo que omite, tendo por resultado o alargamento do texto da lei ou de seu âmbito de incidência[66]. Um exemplo da justificação da sentença aditiva dar-se-ia pelo princípio da isonomia, nas situações em que a lei concede certo benefício ou tratamento a determinadas pessoas, mas discriminatoriamente exclui outras que se enquadrariam na mesma situação.
Trata-se daquilo que Canotilho denominou de declaração de inconstitucionalidade com efeito acumulativo (aditivo), visto que a decisão “alarga o âmbito normativo de um preceito, declarando inconstitucional a disposição na ‘parte em que não prevê’, contempla uma ‘exceção’ ou impõe uma ‘condição’ a certas situações que deveria prever”[67]. Conforme Gilmar Mendes[68], como espécies de decisões de eficácia aditiva devem ser referidas as: i) decisões demolitórias com efeitos aditivos (quando é suprimida uma lei inconstitucional constritora de direitos), as aditivas de prestação (que têm impacto orçamentário) e as aditivas de princípio (onde são fixados princípios que o legislador deve observar ao prover a disciplina que se tem por indispensável ao exercício de determinado direito constitucional.
No direito brasileiro já existem inúmeros julgados a utilizar esta técnica, como por exemplo o MI 708/DF, cujo remédio constitucional questionou a mora na regulamentação do direito de greve dos servidores públicos inscrito no art. 37, VII, da CF/88, e cuja decisão reconheceu (sentença aditiva) que fosse garantido o direito de greve ao servidor público civil, aplicando-se, no que couber, a Lei nº 7.783/1989, que dispõe do exercício do direito de greve na iniciativa privada.
Outro exemplo é o RMS 22.307, que tratou do reajuste para servidores civis não contemplados por lei que o concedeu aos militares. Neste, o STF entendeu que o reajuste de 28,86% concedido aos servidores militares, pelas Leis nº 8.662/1993 e 8.627/1993, deveria ser estendido também aos servidores civis do Poder Executivo, observadas as eventuais compensações decorrentes dos reajustes diferenciados pelos mesmos diplomas legais.
Por sua vez, as decisões manipulativas com efeitos substitutivos são aquelas em que o juízo constitucional declara a inconstitucionalidade da parte em que a lei estabelece determinada disciplina ao invés de outra, substituindo a disciplina advinda do Poder Legislativo por outra, consentânea com o parâmetro constitucional. Dessa forma, o órgão julgador não apenas anula a norma impugnada, como também a substitui por outra, essencialmente diferente, criada pelo próprio tribunal, o implica na produção heterônoma de ato legislativo ou de um direito judicial.
O estudo da doutrina italiana e portuguesa das decisões manipulativas é exemplificativo para demonstrar a realidade de uma criação judicial de direito na atual quadra histórica. O fato é que a afirmação de que o poder judicial nunca é exercido com o propósito de fazer cumprir a vontade do juiz, mas sempre com o propósito de fazer cumprir a vontade da lei é parcialmente verdadeiro. A interpretação é uma atividade criativa, em que parte das concepções daquele que a realiza, consciente ou inconscientemente, afetará o resultado.
A grande questão é o desenvolvimento de parâmetros para que essa atividade não constitua uma subversão ao regime democrático e a separação de poderes. Evitar o decisionimo, o “assim decido, porque assim desejo”, consiste, então, em uma necessidade da teoria jurídica contemporânea para legitimar a atividade jurisdicional como exercida.
A teoria da argumentação de alexyana – doutrina que tem alcançando grande influência em dissertações, teses e decisões judiciais no Brasil – não resolve o subjetivismo, nem efetivamente limita a discricionariedade. Para piorar, mesmo nas decisões judiciais que afirmam utilizá-la não se percebe uma coerência na utilização, nem a observância dos critérios que o próprio criador prescreveu. Ou seja, a teoria da argumentação de Alexy vem sendo utilizada de forma meramente retórica para possibilitar a manipulação do Direito de acordo com a conveniência do decisor.
Por outro lado, compreendemos que o trabalho de Ronald Dworkin avança a teoria jurídica no sentido de propor meios de legitimação para o processo de copartipação na criação do direito por parte dos intérpretes. Ao dispor os pressupostos de integridade e coerência na interpretação e enxergar a construção do Direito como um “romance em cadeia”, propondo a tese da resposta correta, limita a discricionariedade judicial e legitima a participação do intérprete na construção do Direito.
Todavia, em que pese a considerarmos um avanço em relação ao estado da arte anterior acerca da criação interpretativa do direito, compreendemos que a tese dworkiana ainda carece de critérios objetivos para legitimação do fenômeno aqui discutido. Visto o dever de coerência e integridade serem sempre subjetivamente aferidos.
Sendo assim, demonstradas no primeiro capítulo as razões que ocasionaram uma expansão sem precedentes no poder do Judiciário, que permitiram ao Judiciário brasileiro, em especial ao STF, não se limitar a intervir na produção normativa apenas no aspecto negativo, isto é, fulminando normas jurídicas já vigentes por violarem a Constituição Federal, mas a assumir, inegavelmente, uma “função positiva”, isto é, de criador da norma jurídica. Bem como cotejada, no segundo capítulo, a discussão acerca da existência de uma “discricionariedade judicial”, e os parâmetros trazidos por diversos teóricos para tentar estabelecer uma limitação/racionalização/legitimação da mesma.
O terceiro e último capítulo trará critérios e parâmetros, mas também limitações, para a participação do intérprete no processo de construção do Direito, considerando a necessidade de dotar este processo de legitimidade, bem como o papel representativo que as Cortes vêm assumindo na sociedade brasileira e mundial.
O grande dilema jurídico contemporâneo consiste em construir condições para evitar que o Judiciário (ou o poder dos juízes) se sobreponha ao próprio direito. Afinal o Direito não é, nem poderia ser, tão somente aquilo que os tribunais dizem que ele é.
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[1]GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 283.
[2] BARROSO, Luís Roberto. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. In: Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, UniCEUB, V. 5, número especial, 2015. P. 33.
[3] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. (trad. João Baptista Machado). 6ª ed. - São Paulo: Martins Fontes. 1998. P. 248: “Através deste ato de vontade se distingue a interpretação jurídica feita pelo órgão aplicador do Direito de toda e qualquer outra interpretação, especialmente da interpretação levada a cabo pela ciência jurídica. A interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria Direito.”
[4] BARROSO, Luís Roberto. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. In: Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, UniCEUB, V. 5, número especial, 2015. P. 33.
[5] Ibidem. P. 33.
[6] BARAK, Aharon. The Supreme Court 2001 Term – Foreword: A Judge on Judging: The Role of a Supreme Court in a Democracy. In: Harvard Law Review, Cambridge, V. 116, 2002.
[7]Para compreensão da visão jurídica do autor analisado, cumpre frisar que nesta expressão, em seu texto, ele cita a obra do realista jurídico Oliver Wendell Holmes – Law in Science and Science in Law. In: Collected legal papers.
[8] BARAK, Aharon. The Supreme Court 2001 Term – Foreword: A Judge on Judging: The Role of a Supreme Court in a Democracy. In: Harvard Law Review, Cambridge, V. 116, 2002. P. 81-82.
Do original em inglês:
The limitations imposed on interpretive discretion are procedural and substantive. The procedural limitations guarantee the fairness of the exercise of judicial discretion. The judge must treat the parties equally. He must
base his decision on the evidence presented to the court, and he must give reasons for that decision. Above all, the judge must act impartially, without appeal to personal biases or prejudices. The substantive limitations mean that the exercise of discretion must be rational, consistent, and coherent. The judge must act reasonably, taking into account the institutional constraints imposed by other parts of the legal system.
[9]Ibidem. P. 82.
Do original em inglês:
What will the judge who is aware of all these responsibilities and limitations do? Beyond the aforementioned procedural and substantive boundaries, there are no rules for exercising discretion, except that the judge must choose the solutiothat seems to him the best accommodation of the competing purposes he or she has considered. 239 Within this scope, pragmatism operates. My advice is that, at this stage of the interpretive activity, the judge should aspire to achieve justice. This means justice for the parties before the court and with regard to the whole legal system. Justice guides the entire interpretive process, for, indeed, justice is one of the core values of the legal system. Within the bounds of judicial discretion, justice becomes a "residual" value which can decide hard cases. Of course, it is only natural that different judges have different conceptions of justice, for justice is a complex concept. Despite all its theoretical complexity, however, each of us has an intuitive feeling about the just solution of a dispute. This feeling must guide us at all stages of the interpretive process. It must direct our decisions in hard cases, when judicial discretion becomes our most essential tool.
[10] BARROSO, Luís Roberto. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. In: Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, UniCEUB, V. 5, número especial, 2015. pp. 24-51
[11] Ibidem.
[12]JORGE NETO, Nagibe de Melo. Uma teoria da Decisão Judicial: Fundamentação, Legitimidade e Justiça. Salvador: Ed. Juspodivm, 2017. P. 52.
[13]Ibidem.
[14] NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Sentenças aditivas e o mito do legislador negativo. Revista de informação legislativa. V. 43, n. 170, p. 111-141. Abril/jun. 2006.
[15] STRECK, Lênio. A Crítica Hermenêutica do Direito e a Questão da Discricionariedade Judicial. In: A discricionariedade nos sistemas jurídicos contemporâneos. Lênio Luiz Streck (org.). Salvador: Juspodivm, 2017. P. 45-46.
[16] JORGE NETO, Nagibe de Melo. Uma teoria da Decisão Judicial: Fundamentação, Legitimidade e Justiça. Salvador: Ed. Juspodivm, 2017. P. 56.
[17]KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. (trad. João Baptista Machado). 6ª ed. - São Paulo: Martins Fontes. 1998. P. 247.
[18] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. (trad. João Baptista Machado). 6ª ed. - São Paulo: Martins Fontes. 1998. P. 247-248.
[19] Neste sentido, confira-se trecho da obra:
A questão de saber qual é, de entre as possibilidades que se apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a “correta”, não é sequer - segundo o próprio pressuposto de que se parte – uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não é um problema de teoria do Direito, mas um problema de política do Direito. A tarefa que consiste em obter, a partir da lei, a única sentença justa (certa) ou o único ato administrativo correto é, no essencial, idêntica à tarefa de quem se proponha, nos quadros da Constituição, criar as únicas leis justas (certas). Assim como da Constituição, através de interpretação, não podemos extrair as únicas leis corretas, tampouco podemos, a partir da lei, por interpretação, obter as únicas sentenças corretas.
Se queremos caracterizar não apenas a interpretação da lei pelos tribunais ou pelas autoridades administrativas, mas, de modo inteiramente geral, a interpretação jurídica realizada pelos órgãos aplicadores do Direito, devemos dizer: na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva. Com este ato, ou é produzida uma norma de escalão inferior, ou é executado um ato de coerção estatuído na norma jurídica aplicanda.
Através deste ato de vontade se distingue a interpretação jurídica feita pelo órgão aplicador do Direito de toda e qualquer outra interpretação, especialmente da interpretação levada a cabo pela ciência jurídica. A interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria Direito. Na verdade, só se fala de interpretação autêntica quando esta interpretação assuma a forma de uma lei ou de um tratado de Direito internacional e tem caráter geral, quer dizer, cria Direito não apenas para um caso concreto mas para todos os casos iguais, ou seja, quando o ato designado como interpretação autêntica represente a produção de uma norma geral. Mas autêntica, isto é, criadora de Direito é-o a interpretação feita através de um órgão aplicador do Direito ainda quando cria Direito apenas para um caso concreto, quer dizer, quando esse órgão apenas crie uma norma individual ou execute uma sanção. A propósito importa notar que, pela via da interpretação autêntica, quer dizer, da interpretação de uma norma pelo órgão jurídico que a tem de aplicar, não somente se realiza uma das possibilidades reveladas pela interpretação cognoscitiva da mesma norma, como também se pode produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a aplicar representa.
Através de uma interpretação autêntica deste tipo pode criar-se Direito, não só no caso em que a interpretação tem caráter geral, em que, portanto, existe interpretação autêntica no sentido usual da palavra, mas também no caso em que é produzida uma norma jurídica individual através de um órgão aplicador do Direito, desde que o ato deste órgão já não possa ser anulado, desde que ele tenha transitado em julgado. E fato bem conhecido que, pela via de uma interpretação autêntica deste tipo, é muitas vezes criado Direito novo - especialmente pelos tribunais de última instância.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. (trad. João Baptista Machado). 6ª ed. - São Paulo: Martins Fontes. 1998. P. 248-249.
[20] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999).
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 3 out. 2017.
[21] (STF - MC MS: 34070 DF - DISTRITO FEDERAL 0051789-90.2016.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 18/03/2016, Data de Publicação: DJe-054 28/03/2016)
[22]Indefiro o pedido de medida liminar, fazendo-o com apoio nas mesmas razões por mim expostas na denegação de pleito cautelar formulado nos autos do MS 34.609-MC/DF, de que também sou Relator. Assinalo, por necessário, que o Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se a propósito da técnica da motivação per relationem ou por remissão, reconheceu-a compatível com o que dispõe o art. 93, inciso IX, da Constituição da República (AI 734.689-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, ARE 657.355-AgR/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, HC 54.513/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, RE 585.932-AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.): Reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação per relationem, que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República. A remissão feita pelo magistrado referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público, ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator)– constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir. Precedentes. (AI 825.520-AgR-ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Publique-se. Brasília, 14 de fevereiro de 2017. Ministro CELSO DE MELLO Relator
(STF - MC MS: 34615 DF - DISTRITO FEDERAL 0000971-03.2017.1.00.0000, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 14/02/2017, Data de Publicação: DJe-031 16/02/2017)
[23] JORGE NETO, Nagibe de Melo. Uma teoria da Decisão Judicial: Fundamentação, Legitimidade e Justiça. Salvador: Ed. Juspodivm, 2017. P. 58.
[24]BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>. Acesso em: 1 de mai. 2015. P. 4.
[25] KELSEN, Hans. A democracia. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
[27] CARDOZO, Benjamin. A natureza do processo judicial: palestras proferidas na Universidade de Yale. Trad. Silvana Vieira. Revisão técn. Alvaro de Vita. São Paulo: Martins Fontes, 2004. P. 5-47.
[28]Ibidem. P. 123.
[29] Ibidem. P. 123-127.
[30] Ibidem. P. 5.
[31] Ibidem. P. 47.
[32] Os tribunais, então, são livres para demarcar os limites das imunidades individuais a fim de formular seus julgamentos de acordo com a razão e a justiça. Isso não significa que, ao julgar a validade das leis escritas, sejam livres para impor suas próprias ideias de razão e justiça em lugar daquelas dos homens e mulheres aos quais servem.
(…)
Nessas questões, o que conta não é aquilo que acredito ser certo. É aquilo que posso razoavelmente acreditar que algum outro homem, de intelecto e consciência normais, poderia razoavelmente considerar como certo. Embora os tribunais devam exercer seu próprio julgamento, de forma alguma é verdade que é nula qualquer lei que aparecer aos olhos dos juízes, excessiva, inadequada a seu propósito aparente ou baseada em concepções de moralidade das quais eles discordam”
CARDOZO, Benjamin. A natureza do processo judicial: palestras proferidas na Universidade de Yale. Trad. Silvana Vieira. Revisão técn. Alvaro de Vita. São Paulo: Martins Fontes, 2004.. P. 63-64.
[33] Ibidem. P. 74.
[34] Ibidem. P. 128.
[35] JORGE NETO, Nagibe de Melo. Uma teoria da Decisão Judicial: Fundamentação, Legitimidade e Justiça. Salvador: Ed. Juspodivm, 2017. P. 59-61.
[36] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo
[37] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
[38] TORRES, Ricardo Lobo. Da ponderação de interesses ao princípio da ponderação. In: MIGUEL REALE: Estudos em homenagem aos seus noventa anos. Urbano Zilles (coord.). Porto Alegre: Edipuc-RS, 2000. P. 643-645.
[39] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 90.
[40] ALEXY, Robert. Derecho y razón práctica. 2. Ed. México: Fontamara, 1992, p. 12.
[41] STRECK, Lênio. A Crítica Hermenêutica do Direito e a Questão da Discricionariedade Judicial. In: A discricionariedade nos sistemas jurídicos contemporâneos. Lênio Luiz Streck (org.). Salvador: Juspodivm, 2017, p. 47.
[42]ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. (trad. Virgílio Afonso da Silva). São Paulo: Malheiros: 2008. P. 611.
[43] GARCÍA FIGUEROA, Alonso. La tesis Del casos especial y El positivismo jurídico. Doxa n. 22, 1999. P. 201-220.
[44] JORGE NETO, Nagibe de Melo. Uma teoria da Decisão Judicial: Fundamentação, Legitimidade e Justiça. Salvador: Ed. Juspodivm, 2017. P. 59-61.
[45]ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como Teoria da Justificação Jurídica (tradução: Zilda Hutchinson Silva). 2 ed. São Paulo: Landy, 2005. P. 191.
[46] Ibidem. P. 194-195.
[47]Ibidem. P. 197-198.
[48]Ibidem. P. 205.
[49]Ibidem. P. 206.
[50]Ibidem. P. 223-224.
[51] Ibidem. P. 241-243.
[52] JORGE NETO, Nagibe de Melo. Uma teoria da Decisão Judicial: Fundamentação, Legitimidade e Justiça. Salvador: Ed. Juspodivm, 2017. P. 59-61
[53]DWORKIN, Ronald. O império do direito (trad. Jefferson Luiz Camargo). 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. P. 274.
[54]DWORKIN, Ronald. O império do direito (trad. Jefferson Luiz Camargo). 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. P. 292-293: “O direito como integridade pressupõe, contudo, que os juízes se encontrem em situação muito diversa daquela dos legisladores. Não se adapta à natureza de uma comunidade de princípio o fato de que um juiz tenha autoridade para responsabilizar por danos as pessoas que agem de modo que, como ele próprio admite, nenhum dever legal as proíbe de agir. Assim, quando os juízes elaboram regras de responsabilidade não reconhecidas anteriormente, não têm a liberdade que há pouco afirmei ser uma prerrogativa dos legisladores. Os juízes devem tomar suas decisões sobre o “common law” com base em princípios, não em política: devem apresentar argumentos que digam por que as partes realmente teriam direitos e deveres legais “novos” que eles aplicaram na época em que essas partes agiram, ou em algum outro momento pertinente do passado.”
[55] STRECK, Lênio. A Crítica Hermenêutica do Direito e a Questão da Discricionariedade Judicial. In: A discricionariedade nos sistemas jurídicos contemporâneos. Lênio Luiz Streck (org.). Salvador: Juspodivm, 2017. P. 51.
[56]DWORKIN, Ronald. O império do direito (trad. Jefferson Luiz Camargo). 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. P. 275-276.
[57] Ibidem. P. 291: “O direito como integridade pede que os juízes admitam, na medida do possível, que o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os apliquem nos novos casos que se apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as mesmas normas. Esse estilo de deliberação judicial respeita a ambição que a integridade assume; a ambição de ser uma comunidade de princípios.”
[58] DWORKIN, Ronald. O império do direito (trad. Jefferson Luiz Camargo). 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. P. 309-314.
[59] HART, H. L. A. O conceito de direito. 2. ed. (Trad. de A. Ribeiro Mendes). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 335.
[60] CARDOZO, Benjamin. A natureza do processo judicial: palestras proferidas na Universidade de Yale. (Trad. Silvana Vieira. Revisão técn. Alvaro de Vita.) São Paulo: Martins Fontes, 2004. P. 20.
[61] DWORKIN, Ronald. O império do direito (trad. Jefferson Luiz Camargo). 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. P. 305.
[62] DWORKIN, Ronald. O império do direito (trad. Jefferson Luiz Camargo). 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. P. 318.
[63] STRECK, Lenio. Jurisdição, fundamentação e dever de coerência e integridade no Novo CPC. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-abr-23/observatorio-constitucional-jurisdicao-fundamentacao-dever-coerencia-integridade-cpc>. Acesso em 9 out. de 2017.
[64] Ibidem.
[65] GUASTINI, Riccardo. Estudos sobre la interpretación jurídica. México: Porruá, 2000, p. 47-49.
[66] Ibidem. P. 1432.
[67] CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da Constituição. 6. Ed. Coimbra: Almedina, 1993, p.1019.
[68] MENDES; BRANCO. Curso de direito constitucional. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1221.
Procurador do Estado do Maranhão. Mestre em Ciências Jurídicas pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (PPGCJ/UFPB). Pós-graduado em Direito e Processo Tributário pela Escola Superior da Advocacia da OAB/PB. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Conselheiro Editorial da Revista da Procuradoria Geral do Estado do Maranhão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Gabriel Meira Nóbrega de. Discricionariedade judicial e a tese da resposta correta Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52835/discricionariedade-judicial-e-a-tese-da-resposta-correta. Acesso em: 22 nov 2024.
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