Resumo: A polícia judiciária do estado de Alagoas instituiu a instrução normativa nº 002/2015-CONSUPOC/AL, por meio do Conselho Superior de Polícia Civil de Alagoas, objetivando materializar o instituto administrativo da investigação preliminar. A investigação preliminar tem a finalidade de, como meio prévio de coleta de informações, buscar a materialidade e eventual justa causa, elementos mínimos da busca da verdade real, para promoção da competente abertura de sindicância ou processo administrativo disciplinar. Neste sentido, o presente artigo busca desmitificar o real sentido da investigação preliminar no órgão correcional, sua definição, limitações de aplicabilidade e os princípios constitucionais e infraconstitucionais norteadores aplicáveis no processo administrativo, sobretudo no âmbito da Corregedoria Geral de Polícia Judiciária do Estado de Alagoas.
Palavras-chave: Polícia Judiciária. Instrução Normativa nº 002/2015-CONSUPOC/AL. Investigação preliminar. Busca da verdade real.
Abstract: The Judicial Police of the State of Alagoas instituted Normative Instruction nº 002/2015-CONSUPOC/AL, through the Superior Council of the Civil Police of Alagoas, aiming to materialize the administrative institute of preliminary investigation. The preliminary investigation has the objective, as a previous means of collecting information, to seek the materiality and possible just cause, minimum elements of the search of the real truth, to promote the competent opening of the investigation or administrative disciplinary process. In this sense, this article seeks to demystify the real meaning of the preliminary investigation in the correctional organ, its definition, limitations of applicability and the constitutional and infraconstitutional principles applicable in the administrative process, especially within the scope of the Civil Police Corregiment of the State of Alagoas.
Keywords: Judiciary Police. Normative Instruction nº. 002/2015-CONSUPOC/AL. Preliminary investigation. Search the real truth.
Sumário: Introdução. 1. Investigação preliminar. 1.1. Conceito e natureza jurídica da investigação preliminar. 1.2. Investigação preliminar: distinções entre sindicância e processo administrativo disciplinar. 1.3. Princípios aplicáveis no âmbito do processo administrativo. 2. Aspectos da investigação preliminar no âmbito da polícia judiciária do estado de Alagoas. 2.1. Instrução normativa Nº 002/2015 – Consupoc/AL. 2.2. A investigação preliminar no âmbito federal. 2.3. A investigação preliminar na efetiva busca da verdade real e sua aplicação no âmbito correcional. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado de Alagoas, devidamente disciplinado na Lei Estadual nº 5.247/1991, além de lecionar os direitos dos servidores públicos, prevê o rol de deveres e obrigações, sendo os artigos 144 e 145 o meio adequado para limitar e buscar o ius puniendi do Estado, em razão de eventual falta disciplinar praticada por agente público.
Com a instauração do competente processo administrativo a Administração Pública, por meio dos órgãos correcionais, dá início à construção de documentos comprobatórios, testemunhas, perícias etc., a fim de buscar a verdade real e, consequentemente, a justa causa e a materialidade do fato ilícito praticado pelo servidor público. Ocorre que nem sempre a apuração sumária na sindicância ou no processo administrativo disciplinar, consegue buscar elementos mínimos capazes de resultar na punição do servidor público, todavia, o servidor acaba por se sentir impotente, perseguido e desestimulado, ainda que o resultado seja o arquivamento do processo.
Abstendo-se a abertura de processos com procedimentos mais solenes e desnecessários, o Conselho Superior de Polícia Civil do Estado de Alagoas – CONSUPOC/AL instituiu a Instrução Normativa nº 002/2015 – CONSUPOC, que versa sobre a investigação preliminar de apuração de transgressões disciplinares no âmbito da Polícia Civil do Estado de Alagoas.
É sobre esse instrumento jurídico que o artigo em testilha justifica-se, ou seja, tem como sua principal função estabelecer os limites da investigação preliminar como mecanismo jurídico adequado à apuração de eventual ilícito administrativo cometido por servidor público, sendo tal procedimento, pela nossa ótica, a melhor forma de se buscar a verdade real, averiguando, preliminarmente, a (des)necessidade da instauração de sindicância administrativa disciplinar.
Em um primeiro momento, serão apresentados os dispositivos legais que versam sobre a investigação preliminar, seu conceito e natureza jurídica, sua distinção perante a sindicância administrativa disciplinar e o processo administrativo disciplinar e, por fim, os princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis ao processo administrativo. Num segundo momento, uma análise focada nos aspectos da investigação preliminar no âmbito da polícia judiciária do Estado de Alagoas, uma breve e concisa observação da Instrução Normativa nº 002/2015-CONSUPOC/AL.
A pesquisa baseou-se na coleta de dados em fontes bibliográficas, extraídas de livros físicos e de artigos publicados em periódicos na internet, sendo esta do tipo exploratória, e o seu método de abordagem hipotético-dedutivo.
Seguindo essa linha de análise, pretende-se demonstrar a importância da investigação preliminar como mecanismo adequado à busca da verdade real, e como tal procedimento administrativo prévio é capaz de contribuir com a busca efetiva da justa causa e da materialidade do fato e, a partir daí, dar início ou não à abertura do procedimento administrativo adequado, sem que para isso o servidor policial civil seja antecipadamente alvo de tensões psicológicas desnecessárias e constrangimentos inoportunos.
1. INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR
A investigação preliminar, também conhecida como fase prévia de investigação, consiste numa análise prévia que antecede a sindicância administrativa disciplinar (SAD) ou o processo administrativo disciplina (PAD), visto que possui a finalidade de, através da coleta de dados e confecção de documentos se possa averiguar a existência ou indícios de tipicidade do fato e de sua autoria, ou advindas de denúncia que dê subsídios (quando for o caso), à abertura do competente procedimento capaz de resultar no ius puniendi Estatal.
Neste breve contexto, passaremos a abordar de forma mais acurada, o conceito e a natureza jurídica da investigação preliminar na seara administrativa, assim como suas características que a distingue dos demais procedimentos administrativos disciplinares existentes.
1.1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR
Assim como o inquérito policial, a investigação preliminar tem cunho inquisitorial, sendo inaplicáveis os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois, in thesis, não há indicação de autoria de servidor público e, em razão disso, não há que se falar também em punição. A investigação preliminar serve tão somente para coleta de informações gerais relacionadas à suposta irregularidade eventualmente noticiadas e, a partir dela, colher-se elementos mínimos capazes de promover o competente procedimento disciplinar (SAD ou PAD).
Pode-se dizer que a investigação preliminar tem o condão de buscar “a tipicidade do fato, a existência ou não de causas excludentes de antijuridicidade e a culpabilidade do autor do delito[1]” e, por conseguinte, a finalidade da investigação preliminar está calcada “na reconstrução da verdade, cujas bases pautam-se na isenção e razoabilidade, necessárias para uma conclusão segura a respeito do delito e sua autoria[2]”.
Adequando as palavras do escólio em epígrafe, temos que a existência do quadro comprobatório produzido na fase investigativa prévia, mediante a abertura de investigação preliminar, determinará ser oportuna ou não a abertura de procedimentos disciplinares, visando à punição do servidor público.
No sentido acima exposto, a investigação preliminar pode ser definida como um instrumento jurídico de caráter administrativo inquisitorial e preparatório, instaurado no âmbito da Corregedoria Geral de Polícia Judiciária e presidido pelo Delegado de Polícia, ora denominado Corregedor de Polícia, cujo objetivo é reunir provas por intermédio da colheita de elementos de informação e de documentação probatória, necessárias à autoridade instauradora com fulcro nas Leis n°3.437/75 e 5.247/91.
Ressalte-se, por derradeiro, que a investigação preliminar tem natureza jurídica administrativa, de cunho preparatório e de informação, cuja finalidade é angariar elementos mínimos e necessários capazes de demonstrar se, de fato, houve ou não ilicitude administrativa praticada por servidor público.
1.2. INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR: DISTINÇÕES ENTRE SINDICÂNCIA E PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
Ao considerar que a investigação preliminar não tem poder decisório e punitivo, senão o de mediante instrução processual obter informações externas ou internas, capazes de amparar e instruir a decisão dese instaurar ou não em sede disciplinar, é notória sua distinção da sindicância administrativa disciplinar e do processo administrativo disciplinar, pois a conclusão da sindicância poderá resultar em punição, conforme o art. 157[3], da Lei Estadual nº 5.247/91:
Art. 157. Da sindicância poderá resultar:
I - arquivamento do processo;
II - aplicação de penalidade e advertência, ou a suspensão até 30 (trinta) dias;
III – instauração de processo disciplinar.
Diante do que leciona o caput do art. 150, da Lei Estadual nº 5.247/91, a sindicância administrativa será instaurada sempre que “havendo notícia de ato ou fato que represente irregularidade de certa ou ponderável gravidade, inexista certeza ou forte probabilidade de sua ocorrência ou não haja segurança quanto à autoria”.[4]
A sindicância, assim como a investigação preliminar, podem ser consideradas como fase preliminar do procedimento administrativo, ou seja, um instrumento de que se vale a Administração Pública para a apuração preliminar de fatos irregulares. Entretanto, a sindicância tem poder preparatório, decisório e punitivo (inquisitorial), enquanto a investigação preliminar apenas alcance preparatório e inquisitorial.
Já o processo administrativo disciplinar, diferente tanto da investigação preliminar como da sindicância administrativa disciplinar, possui caráter instrutório e punitivo e não inquisitorial, uma vez que é assegurado ao servidor o contraditório e a ampla defesa, conforme se percebe nos arts. 39, 158 e 163, da Lei Estadual nº 5.247/91[5], ad litteram:
Art. 39. O servidor estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar no qual lhe seja assegurada ampla defesa. (grifo nosso)
Art. 158. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido. (grifo nosso)
Art. 163. O inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito. (grifo nosso)
Assim, a investigação preliminar deve buscar a verdade real sobre a suposta ilicitude apresentada, mediante denúncia anônima ou formalizada junto à Corregedoria de Polícia Civil. Neste caso ainda não se tem certeza sobre a ilicitude, não havendo elementos mínimos que atribuam justa causa e eventual materialidade que resulte na competente abertura de procedimento capaz de buscar a punição do servidor.
1.3. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS NO ÂMBITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
Dos mais variados princípios existentes no processo administrativo, estão aqueles que merecem destaque e uma análise concisa, ante a sua importância, tais como:
(i) Princípio do devido processo legal: devidamente explícito na Constituição Federal de 1988, no inciso LIV, art. 5º onde “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal[6]”, quer dizer, substancialmente, que ao legislativo com a atuação típica de legislar, deverá se ater à construção de leis razoáveis e proporcionais, comprometidas com os reais interesses sociais e de afastabilidade de eventual arbitrariedade praticada pelo Estado. O devido processo legal substancial se atrela em seu sentido stricto sensu, ao direito do investigado ou sindicado ter direitos à defesa prévia, às alegações finais, ser citado, apresentar provas documentais e indicar testemunhas etc.
Na inteligência da doutrina majoritária, o devido processo legal é:
O conjunto de garantias constitucionais [...] que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas, que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição.[7] (grifo nosso)
E ainda:
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado – persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).[8]
(ii) Princípio do contraditório e da ampla defesa: decorre do princípio do devido processo legal e encontra-se também disciplinado na Constituição Federal de 1988, precisamente no inciso LV, art. 5º “[...] em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes[9]”. De um lado, o contraditório garante ao investigado ou sindicado o direito de ser ouvido, e a ampla defesa garante ao servidor o direito de construir em seu favor, nos limites legais disponíveis, argumentos que comprovem sua inocência ou a desconstituição de suposto ilícito administrativo praticado.
Neste sentido, sobre os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa:
O fundamento lógico dos princípios do contraditório e da ampla defesa consiste, então, na ciência bilateral dos atos do processo, com a possibilidade de contrariá-los, e tem por fundamento constitucional a garantia do devido processo legal e do acesso à justiça. Somente com a ciência dos atos praticados pelo juiz e pelo adversário há condições de se efetivar o contraditório e a ampla defesa, evitando-se surpresas no decorrer do processo.[10] (grifo nosso)
(iii) Princípio da verdade real (material): tal princípio exige que o julgador antes de qualquer manifestação decisória, busque sanar todas as dúvidas possíveis sobre determinado fato e, para isso, providencie diligências capazes de formar sua livre convicção. A coleta de provas no curso da investigação preliminar, na sindicância disciplinar e no processo administrativo disciplinar assegura a respeitabilidade dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal.
A verdade formal delimita a prova utilizada na racionalização da decisão e a verdade real permite trazer aos autos provas independentemente da vontade ou iniciativa das partes. Os momentos da aplicação desses princípios, não são os mesmos, também impedindo qualquer colisão entre eles, pois enquanto que a verdade real é utilizada nos momentos instrutórios do processo, a verdade formal é utilizada nos momentos decisórios.[11] (grifo nosso)
Os princípios em epígrafe se traduzem como essenciais para que se construa uma investigação sólida, robusta e coerente para, se for o caso, ocorrer o ius puniendi Estatal com o consequente afastamento do servidor nos quadros da Polícia Judiciária (nas situações mais gravosas – pena de demissão) ou ainda na advertência ou suspensão, sempre utilizando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
2. ASPECTOS DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR NO ÂMBITO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA DO ESTADO DE ALAGOAS
Na Polícia Civil do Estado de Alagoas, a investigação preliminar encontra-se devidamente disciplinada pela Instrução Normativa nº 002/2015, proveniente do douto Conselho Superior de Polícia Civil – CONSUPOC, no qual estão estabelecidos os regramentos necessários à sua instauração e, inclusive, suas limitações.
Será abordado pontualmente, naquilo que for pertinente ao tema aqui exposto, aspectos da sobredita instrução normativa, fazendo, por ser oportuno, um cotejamento com a investigação preliminar no âmbito federal.
2.1. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 002/2015 – CONSUPOC/AL
A Gerência da Corregedoria Geral de Polícia Judiciária do Estado de Alagoas, há certo lapso temporal, já discutia a viabilidade técnica e jurídica de se adotar mecanismos legais capazes de coibir a abertura de procedimento administrativo desnecessário, quando as denúncias aportadas pelo referido órgão correcional não viessem acompanhadas de elementos comprobatórios mínimos, ou que não trouxessem verossimilhanças capazes de justificar ou demonstrar com razão argumentos válidos e plausíveis a competente abertura de procedimento administrativo.
O CONSUPOC/AL, no intuito de viabilizar e legitimar a investigação preliminar, padronizou o seu uso no âmbito da Corregedoria Geral de Polícia Judiciária e, dentre outros fundamentos, utilizou-se dos princípios da eficiência e economicidade, in verbis:
[...] embora a norma não tenha se referido a outra forma de apuração que não a Sindicância Administrativa ou Processo Administrativo Disciplinar, não se cogita, sob pena de afrontar os princípios da eficiência e economicidade, dentre outros, que toda investigação para apurar qualquer notícia de irregularidade que chegue ao conhecimento da Administração seja realizada exclusiva e diretamente através dos prenunciados instrumentos apuratórios, com todos os ônus que lhes são inerentes - financeiros e administrativos [...][12] (grifo nosso)
Segundo a supramencionada norma, em seu artigo 3º, caput, o principal objetivo da investigação preliminar é “a obtenção de informações externas ou internas, para amparar e instruir a decisão de instaurar ou não a sede disciplinar” e, sobretudo, por termo final na instauração de procedimentos injustos ou sem valor probatório mínimo, por simples imposição legal do art. 145, caput, da Lei Estadual nº 5.247/1991, que fixa a obrigatoriedade da autoridade que tiver ciência de suposta irregularidade na esfera do serviço público, a promoção imediata de sindicância ou PAD.
A investigação preliminar constitui meio eficaz para a efetiva busca da verdade real, pois antes de qualquer abertura de procedimento administrativo, deve-se diligenciar em busca da coleta de dados mínimos que comprovem a irregularidade, assinalando a devida prática de ilícito administrativo e justa causa (autoria e materialidade) do servidor.
Efetivando a importância da investigação preliminar, o art. 8º, caput, da IN nº 002/CONSUPOC-AL proíbe “a instauração de investigação preliminar baseada exclusivamente em escritos anônimos”, mormente quando também verificada a ausência mínima de verossimilhança, sendo sua instauração somente possível quando:
Art. 9°A instrução preliminar de apuração de transgressões disciplinares poderá ser deflagrada de oficio ou mediante requerimento.
§1° A instauração de oficio pela unidade correicional decorre dos fatos levados a seu conhecimento, ainda que por qualquer meio, sendo vedada a utilização de denúncia anônima, as quais serão processadas nos termos do art. 8° e parágrafos deste ato normativo.
§2° Na instauração provocada mediante requerimento, quando por pessoa natural ou representante de pessoa jurídica, ou qualquer agente público, dirigida à unidade correicional, deverá conter, sempre que possível, os seguintes elementos:
I - nome, qualificação e endereço do requerente;
II - a descrição dos fatos a serem averiguados e a indicação do seu autor, quando conhecido;
III - indicação dos meios de prova, informações e documentos pertinentes, se houver. (grifos nosso)
Nessa linha de raciocínio, é notável que a ausência de elementos mínimos inibem a possibilidade de instauração da investigação preliminar, tampouco a abertura de SAD ou PAD, todavia, uma vez construído e coletado elementos mínimos do ilícito administrativo, é plausível a abertura do competente procedimento disciplinar, dependendo, evidentemente, do fato concreto e sua gravidade.
A investigação preliminar, assim como a sindicância administrativa, possuem caráter inquisitorial, não cabendo contraditório nem ampla defesa, pois trata-se apenas de uma tentativa de se colher informações capazes de confirmar ou não à suposta irregularidade noticiada, constituindo assim a efetiva busca da verdade real por parte da Administração Pública, manifestada pelo órgão correcional.
2.2. A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR NO ÂMBITO FEDERAL
No âmbito federal, a investigação preliminar fora devidamente instituída pelo Decreto nº 5.480, de 30 de junho de 2005, e regulamentada pela Portaria nº 335, de 30 de maio de 2006.
Dispõe o §2º, do art. 1º, do Decreto nº 5.480/2005 que “a atividade de correição utilizará como instrumentos a investigação preliminar, a inspeção, a sindicância, o processo administrativo geral e o processo administrativo disciplinar”[13]. No inciso I, do art. 4º, da Portaria nº 335/2006, encontra-se sua definição, in casu:
Art. 4º Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidas as seguintes definições:
I - investigação preliminar: procedimento sigiloso, instaurado pelo Órgão Central e pelas unidades setoriais, com objetivo de coletar elementos para verificar o cabimento da instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar [...] (grifo nosso)
Diferentemente da Instrução Normativa nº 002/2015-CONSUPOC, existente na Polícia Civil do Estado de Alagoas, a portaria expõe com clareza que a investigação preliminar tem caráter sigiloso, o que já aponta ser impossível a comunicação da Corregedoria ao servidor acerca da existência do procedimento, sendo a investigação preliminar, neste caso específico, efetivamente inquisitorial.
Em que pese a Instrução Normativa nº 002/2015-CONSUPOC definir a investigação preliminar como sendo de rito inquisitorial, destinada a coletar elementos para subsidiar a decisão de instaurar Sindicância ou Processo Administrativo Disciplinar, ela permite, mas não obriga, a convocação do servidor para apresentar esclarecimentos, conforme práticas reiteradas que vem senso adotadas pelos Corregedores de Polícia Civil do Estado de Alagoas, sobretudo, no intuito de buscar a verdade real, atendendo também o contido no art. 16 e seus incisos, como “diligenciar diretamente junto a agentes públicos e particulares, solicitando as informações ou os documentos que entender necessários” e “convocar agentes públicos e convidar particulares a prestar esclarecimentos”.
Similarmente à instrução do CONSUPOC, a portaria que regula a investigação preliminar no âmbito da Administração Pública Federal impõe que a eventual comunicação, denúncia ou representação de servidor público contenha elementos mínimos, de forma clara e objetiva, com o acompanhamento de indícios que apontem irregularidade ou ilegalidade praticada pelo servidor, inclusive a individualização do servidor público envolvido. Vejamos:
Art. 6º. A investigação preliminar é procedimento administrativo sigiloso, desenvolvido no âmbito do Órgão Central e das unidades setoriais, com objetivo de coletar elementos para verificar o cabimento da instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar, e será iniciada mediante determinação do Ministro de Estado do Controle e da Transparência, do Secretário Executivo da Controladoria-Geral da União, do Corregedor-Geral ou dos Corregedores-Gerais Adjuntos.
§ 1º A investigação preliminar será realizada de ofício ou com base em denúncia ou representação recebida que deverá ser fundamentada, contendo a narrativa dos fatos em linguagem clara e objetiva, com todas as suas circunstâncias, a individualização do servidor público envolvido, acompanhada de indício concernente à irregularidade ou ilegalidade imputada.[14] (grifo nosso)
O prazo para conclusão da investigação preliminar no âmbito federal também se diferencia da norma do CONSUPOC/AL, uma vez que a Portaria da CGE preestabelece o prazo de 60 (sessenta) dias para seu término, podendo ser prorrogado por igual período, enquanto no âmbito do Estado de Alagoas, apenas 30 (trinta) dias, possibilitando a prorrogação por igual período.
Com isso, temos as diferenciações mínimas entre ambos os institutos acerca do entendimento sobre a investigação preliminar, mas com principal escopo de buscar a verdade real, coletando elementos substanciosos e convincentes que contribuam, ou não, para a abertura do procedimento administrativo adequado, evitando maiores constrangimentos ao servidor público (investigado), desperdício e esbanjamento inútil de tempo por parte da Administração Pública.
2.3. A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR NA EFETIVA BUSCA DA VERDADE REAL E SUA APLICAÇÃO NO ÂMBITO CORRECIONAL
A investigação preliminar, como já foi dito anteriormente, tem como principal interesse a coleta de dados com o objetivo único de saber se a denúncia ou representação condiz com a realidade fática do suposto ocorrido (isso se realmente existiu ou ocorreu) e, para isso, a autoridade competente busca provas preliminares no intuito de firmar a materialidade e individualizá-la.
Ainda que limitado pelos pressupostos da legalidade, o ius puniendi é exercido de forma coativa por parte do Estado, que detém o monopólio do uso legítimo da força, por intermédio do seu poder de império. Mas não se pode esquecer que o sistema punitivo em um Estado Democrático de Direito deve revestir-se de garantias, onde a resposta punitiva, mesmo na esfera administrativa, somente deve surgir a partir da adoção de um modelo que exclua a arbitrariedade e o autoritarismo, tanto no momento da elaboração da norma, quanto no de sua aplicação, pois devem estar tais dispositivos em conformidade com os princípios constitucionais basilares, e com as garantias individuais consubstanciadas em tratados internacionais, nos quais o Brasil é signatário, para que encontrem validade material.
Portanto, tratando-se do ius puniendi Estatal, cuja aplicação atingirá diretamente o servidor (investigado), o que certamente recairá na sua pessoa e na de sua família, causando-lhes danos, sobretudo psicológicos e emocionais, é imprescindível que a Administração Pública articule a legítima punição de forma objetiva, coerente, produzindo as provas iniciais e límpidas que devem ser carreadas aos autos, afastando qualquer indício de irregularidade ou perseguição arbitrária contra o servidor.
O princípio da verdade real (formal e material), é princípio que deve ser entendido como regra pelo órgão correcional, pois resguarda o investigante e o investigado, onde o primeiro somente concluirá pela abertura de SAD ou PAD, com a consequente sugestão de aplicação da pena, quando da apuração dos fatos extrair-se o máximo de elementos comprobatórios que comprovem o que de fato ocorreu, sua autoria e circunstâncias quando do cometimento do suposto ilícito administrativo, ou seja, deve o investigante estar imbuído do sentimento de buscar a verdade, coletando as mais variadas espécies de provas que possam traduzir sem margem para equívocos, a existência do fato, sua materialidade e autoria.
Ademais, a busca da verdade real está estritamente atrelada ao princípio do livre convencimento motivado, conforme o art. 155, do Código de Processo Penal - CPP do qual o juiz, ora investigante, deverá extrair e formar sua convicção pela “livre apreciação da prova produzida [...] não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.[15]” Desta forma, aplicando-se na esfera administrativa podemos afirmar que não poderá o investigante ater-se às denúncias desprovidas de razoabilidade, vazias, frágeis, sem que antes produza provas consistentes e condensadas no decorrer da investigação, e confronte-as, investigue-as, cotejando pontos semelhantes e diferentes com outras provas, a fim de melhor compreender a existência do fato e do até então suposto ilícito administrativo.
Assim como no CPP, o Novo Código de Processo Civil – NCPC, diante do que leciona o art. 370, também preestabelece que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”.[16]
Na construção de provas vale a atenção do investigante às provas lícitas, conforme impõe a Constituição Federal de 1988, devendo se ater a buscar a verdade real de forma que as provas carreadas aos autos não contrariem a norma jurídica. O investigante tem a liberdade na coleta de informações (testemunhais, documentais etc.) para formar sua convicção, de forma que não pode ter dúvidas sobre a existência do ilícito e sua ocorrência. Neste sentido:
[...] o princípio da verdade material ou verdade real, vinculado ao princípio da oficialidade, exprime que a Administração deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos os dados, informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos considerados pelos sujeitos.[17] (grifo nosso)
É na investigação preliminar, portanto, que a busca da verdade real se inicia. Ainda que não se encontre expressamente na Constituição Federal de 1988, o princípio da verdade real se legitima pela doutrina de renomados processualistas, pelas normas jurídicas infraconstitucionais (processo penal e no código de processo civil) e a não aplicação ou afastamento de tais princípios por parte da autoridade investigante, pode e deve ser traduzido semelhante comportamento como abusivo e arbitrário, devendo ser a autoridade investigante responsabilizada pelos excessos cometidos.
CONCLUSÃO
O órgão correcional da polícia judiciária do Estado de Alagoas, com a atuação enérgica por parte da Gerência da Corregedoria Geral de Polícia Judiciária, tem se mostrado vigilante na abertura de procedimentos de denúncias descabidas e sem o mínimo de elementos que apontem para eventuais irregularidades praticadas por servidor público. Acusações levianas, injustas e inoportunas não podiam ser rechaçadas em razão da obrigatoriedade da investigação e abertura de procedimento disciplinar como preestabelece o art. 145, caput, da Lei Estadual nº 5.247/1991.
O Conselho Superior de Polícia Civil de Alagoas – CONSUPOC/AL, em sintonia com outras instituições correcionais, normatizou e regulamentou a investigação preliminar como instrumento adequado, coerente, proporcional e razoável, além de ser econômico e eficiente na aplicabilidade do ius puniendi estatal.
Em síntese, a verdade real é aplicável no âmbito correcional da Polícia Judiciária do Estado de Alagoas, e possui patentes semelhanças com a investigação preliminar no âmbito federal, legitimando a real função do Estado ao exercer o seu direito-dever de punir o servidor público, pois põe fim às dúvidas e reduz racionalmente a abertura de procedimentos administrativos despiciendos e muitas vezes excessivamente gravosos, que possam resultar injustas suspensões ou demissões sem que existam mínimos indícios de existência do fato.
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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 121.
TARCHA, Patricia Rosana Magalhães Gonçalves Fernandes. As finalidades do inquérito policial diante das novas demandas midiáticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4067, 20 ago. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31161 >. Acesso em: 30 nov. 2018.
[1] TARCHA, Patricia Rosana Magalhães Gonçalves Fernandes. As finalidades do inquérito policial diante das novas demandas midiáticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4067, 20 ago. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31161 >. Acesso em: 30 nov. 2018.
[2] Ibidem.
[3] ALAGOAS. Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio de Alagoas – SEPLAG/AL. Lei Estadual nº 5.247, de 26 de julho de 1991. Institui o regime jurídico único dos servidores públicos civis do estado de alagoas, das autarquias e das fundações públicas estaduais. Disponível em: <http://seplag.al.gov.br/images/legislacao/direitos_e_deveres_do_servidor/Regime_Juridico_Unico.pdf>. Acesso em: 03 dez. 2018.
[4] Ibidem.
[5] ALAGOAS. Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio de Alagoas – SEPLAG/AL. Lei Estadual nº 5.247, de 26 de julho de 1991. Institui o regime jurídico único dos servidores públicos civis do estado de alagoas, das autarquias e das fundações públicas estaduais. Disponível em: <http://seplag.al.gov.br/images/legislacao/direitos_e_deveres_do_servidor/Regime_Juridico_Unico.pdf >. Acesso em: 03 dez. 2018.
[6] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm >. Acesso em: 05 dez. 2018.
[7] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo et. al. Teoria Geral do Processo. 26ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 46.
[8] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 121.
[9] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm >. Acesso em: 05 dez. 2018.
[10] MEZZOMO, Renato Ismael Ferreira. Os princípios do contraditório e da ampla defesa. Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 27 nov. 2014. Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.50999&seo=1 >. Acesso em: 05 dez. 2018.
[11] JANSEN, Euler Paulo de Moura. A verdade formal e a real têm relacionamento harmônico. Revista Conjur, 5 de junho de 2008. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2008-jun-05/verdade_formal_real_relacionamento_harmonico >. Acesso em: 05 dez. 2018.
[12] ALAGOAS. POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE ALAGOAS – PC/AL. Coletânea de Normas Legais e Infralegais da Polícia Civil de Alagoas. Instrução Normativa nº 002/2015 – CONSUPOC/AL. Disponível em: < http://pc.al.gov.br/home/wp-content/uploads/2017/08/coletania_de_atos_da_policia_civil_190517.pdf >. Acesso em: 8 dez. 2018.
[13] BRASIL. Decreto nº 5.480, de 30 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal e dá outras providências. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5480.htm >. Acesso em: 8 dez. 2018.
[14] BRASIL. CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO - CGE. Portaria nº 335, de 30 de maio de 2006. Regulamenta o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, de que trata o Decreto nº 5.480, de 30 de junho de 2005. Disponível em: < http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_335_2006.pdf > . Acesso em: 9 dez. 2018.
[15] BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm >. Acesso em: 09 dez. 2018.
[16] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm >. Acesso em: 10 dez. 2018.
[17] MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 131.
Graduado em Direito pela Faculdade Raimundo Marinho - FRM - Unidade Maceió/AL; Especialista em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera - LFG; Especialista em Gestão em Segurança Pública pela Faculdade Futura / FAVENI; Especialista em Direito Eleitoral pela Faculdade Futura / FAVENI; Escrivão de Polícia Judiciária do Estado de Alagoas; Assessor Jurídico da Delegacia Geral de Polícia Civil do Estado de Alagoas
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELANIAS, Hebert Henrique de Oliveira. A investigação preliminar no âmbito da polícia judiciária do Estado de Alagoas como meio dinâmico na efetiva busca da verdade real Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 maio 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52842/a-investigacao-preliminar-no-ambito-da-policia-judiciaria-do-estado-de-alagoas-como-meio-dinamico-na-efetiva-busca-da-verdade-real. Acesso em: 22 nov 2024.
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