IGOR DE ANDRADE BARBOSA
(Orientador)
RESUMO: Este presente trabalho pretende abordar a possibilidade do crime de feminicídio de se estender aos casos de pessoas transgêneras. O número de registros de ocorrência de feminicídio cresce cada vez mais, com uma porcentagem de 60 a 70% dos óbitos, sendo 50% no Brasil e com população Transexual. O Feminicídio veio para qualificar os crimes de homicídio praticados contra mulheres por razões de condição de sexo feminino. Surgiram assim, questionamentos acerca de quem poderia ser figura passiva desse crime. Esse quadro não está somente ligado ao sexo feminino, não se tratando de questão biológica, mas de gênero, por meio de comportamentos, pensamentos, incluindo os transexuais, que buscam tratamentos isonômicos e proteção igualitária. A possibilidade de a mulher transexual figurar como vítima do feminicídio. Diante disso, realizou-se consultas em doutrinas, para expor o raciocínio jurídico dos renomados autores, bem como atual legislação. O trabalho é dividido em cinco capítulos, sendo o primeiro o que dá a introdução a este trabalho; o segundo aborda sobre a situação de morte em função de gênero no brasil; o terceiro aborda sobre o escopo do feminicídio, o quarto apresenta o alcance da interpretação do feminicídio aos transexuais e por fim o quinto as considerações finais.
Palavras-chave: Mulher Transexual; Lei do Feminicídio; Proteção Igualitária.
INTRODUÇÃO
Presentemente, assuntos como esse sofrem com a marginalização nos discursos de campanhas políticas, grupos de estudos, em redes sociais, salas de academia, repercutem de uma forma acelerada e perigosa, como se fossem verdade.
Por outro lado, vemos temas de grandes relevâncias, que deveriam ao menos existir uma maior visibilidade e cuidado embora muitas das vezes são deixados para segundo plano.
O presente artigo pretende discutir a possibilidade de a mulher transexual figurar como vítima do feminicídio, sem fixar somente uma forma de família, mas distendendo para relações de pessoas que tenham o mesmo sexo.
A lei nº 13.104 conhecida como feminicídio foi sancionada no Brasil no dia 9 de março de 2015, essa denominação foi usada pela 1ª vez em 1976 (há 42 anos) no Tribunal sobre Crimes contra a Mulher em Bruxelas, definindo o crime como estágio máximo de violência em que a mulher pode sofrer.
A qualificadora do crime de feminicídio, quando imposta uma sanção mais severa do homicídio praticado contra a mulher por razão da condição de sexo feminino, tem como intenção acabar com a violência de gênero, veio para socorrer a família e proteger o sexo feminino. Isso acontece porque “condição de sexo feminino” delimita o feminicídio quanto ao sexo, ou seja, as características biológicas.
O público transgênero no Brasil é alvo constante de violência e assassinatos, cerca de 40% das mortes de pessoas transgêneras do mundo. Apesar de este número ser elevado, no Brasil não há qualquer legislação ou até mesmo atendimento especializado para a proteção.
O quadro de violência familiar e doméstica não se trata apenas de uma questão de sexo feminino, mas de gênero. Embora a transformação esteja sendo de forma lenta na estrutura familiar e no sistema jurídico, os transexuais aos poucos ganham visibilidade e espaço nesse campo de mudança, de modo que se torna pertinente a discussão a respeito da qualificadora da lei em casos de mulheres transexuais.
Exsurge deste tema, a necessidade de estudar a extensão da aplicabilidade da qualificadora da lei de Feminicídio às mulheres transexuais, uma vez existe a incessante busca pelo reconhecimento como “mulher” tanto na área social como na área jurídica.
1. SITUAÇÃO DE MORTE EM FUNÇÃO DE GÊNERO NO BRASIL
O Brasil apresenta um quadro alarmante e preocupante em relação a população feminina. O País se encontra péssimo no ranking internacional de assassinatos de mulheres, com uma taxa de 4,8% assassinatos em 100 mil mulheres, ficando na quinta posição do total de 83 países (FLACSO/OPAS-OMS/ONU MULHERES/SPM, 2015).
Segundo o pensamento de Bandeira (2014), “Essa situação equivale a um estado de guerra civil permanente.” Somente no ano de 2013, foram 4.762 assassinatos de mulheres, aproximadamente cerca de 13 crimes de feminicídio por dia. É uma situação bastante assustadora, na década de 2003 a 2013 aumentaram de 3.937 para 4.762, o número de mulheres vítimas desse crime (FERREIRA, 2017).
Em média, cerca de 5.664 assassinatos de mulheres por violência por ano, cerca de 472 por mês e 15,52 por dia, isto é, há uma morte a cada 1 hora e 30 minutos. Ainda que graves, esses dados podem ser apenas uma pequena parte da realidade já que muitos dos casos não são registrados e denunciados (SENASP/CRISP, 2013).
No Brasil a modalidade preocupante é o assassinato praticado por parceiro íntimo cometido dentro do espaço familiar e doméstico, acreditam-se que as mulheres que denunciam seus parceiros, correm mais risco de serem assassinadas, em números são cerca de 34,2% de agressões e 21,7% de ofensas sexuais ocorridas nesse ambiente, espantosamente o índice de mulheres que se diz conhecer o agressor chega a 63, 3%. Ou seja, de 13 assassinatos de mulheres por dia, 7 aconteceram por pessoas que mantiveram e/ou manteve relação com o agressor (PRADO; SANEMATSU, 2017).
O feminicídio íntimo poderia ter sido evitado muita das vezes, de acordo com pensamento da socióloga e pesquisadora responsável pelo Mapa da Violência 2015, (2015), diz:
“São grupos familiares que, repetidamente, à revelia, violentam as mulheres e seguem como se nada tivesse acontecido. Esse é um problema que tem que ser enfrentado, pois se trata de um grupo vulnerável, que legalmente deve ter proteção prioritária e está sendo oprimido.” (Waiselfisz,2015).
A culpa e impunidade aparecem muitas vezes como a raiz do grande problema dessas agressões, muitas vezes por não aceitarem permanecer numa relação violenta, por não aceitarem cumprir com as regras ou expectativas de seus companheiros ou da sociedade, por serem vistas como objetos sexuais, por terem sido invisíveis ao Estado e ao sistema de justiça, que, na maioria dos casos, não foram capazes de ouvi-las e, portanto, de prevenir tais mortes anunciadas.” (ALINE YAMAMOTO, 2015).
Um Levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostrou também a quantidade de processos que tem como motivo o feminicídio, cerca de 2,795 ações só no ano de 2017 pediam a condenação do agressor. Em 2016 2.094 processos com o mesmo perfil. A média nacional em 2018 foi de 4,5 assassinatos a cada 100 mil mulheres, sendo que dessas, 5,3 foram mulheres negras e 3,1 não negras. (AGENCIA BRASIL, 2019).
Da mesma maneira, dados apontados pelo Ministério da Saúde em 2017, apontou que 4.787 óbitos ocorreram por meio de armas de fogo e outros 1.101, por objetos perfurantes. (NATHALIA, 2019).
Além disso a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), destacou que só no ano de 2019 pelo menos 136 mulheres foram mortas no Brasil e 67 tentativas de feminicídio. Somente no mês de janeiro foram registrados mais de 100 casos de feminicídio no país. Outrossim, mesmo que com a Lei Maria da Penha que entrou em vigor em 2016, o País ainda convive com uma realidade de uma mulher sendo morta a cada duas horas. (AGENCIA BRASIL, 2019).
Ainda na esfera internacional, temos a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a mulher e que foi em 1984 ratificada pelo Brasil, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 1995 em que definem a violência contra a mulher como também qualquer ato em que se baseia no gênero, causando a morte, dano sexual, físico ou até mesmo danos psicológicos (PIOVESAN, 2013).
2. COMPÊNDIO SOBRE FEMINICÍDIO
A expressão feminicídio não é inédita, surgiu ainda na década de 1970 com o intuito de conseguir visibilidade aos extremos casos de violência, resultante da obsessão, desigualdade, superioridade masculina e desprezo contra as mulheres. Nessa época o vocábulo “feminicídio e “femicídio” significavam a morte de individuas (mulheres) por razões de gênero (SILVA, 2017).
O termo “femicídio” foi usado pela primeira vez publicamente pela escritora e feminista Diana Russel, durante um depoimento no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas na Bélgica 1976, enquanto que a expressão feminicídio veio pelas palavras da antropóloga mexicana Marcela Lagarde, quando ela mesma fez a diferenciação dos dois termos mencionados acima (SILVA, 2017).
Ainda segundo Lagarde, a expressão “feminicídio” são práticas violentas que atingem as mulheres prejudicando sua saúde mental, corporal, integridade, segurança e liberdade, além de delegar ao Estado uma boa fração desse problema por não oferecer a visibilidade garantia e proteção necessária para as mesmas, ao passo que o “femicídio” seria apenas um homicídio de mulheres (matar mulher) (SILVA, 2017).
Desta forma, o “femicídio” significa praticar homicídio contra a mulher, podendo ser cometido com violência doméstica e familiar, enquanto que o feminicídio é um assassinato de mulheres praticados também com agressão familiar e doméstica, apesar de que esse crime seja praticado pela razão de condição de gênero “sexo feminino” (ANTUNES; RANGEL, 2016).
O feminicídio é caracterizado como um homicídio doloso cometido contra mulher, pela condição “de sexo feminino” é motivado pelo ódio, menosprezo/discriminação, pela manifestação de poder e submissão da mulher pelo homem, um crime de impacto silenciado, fruto do patriarcado da desigualdade, indiferença e invisibilidade presente na sociedade, mídia e no Estado (ESTRELA, 2018).
A lei nº 13.104 de 09 de março de 2015, foi criada a partir de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI), que investigou em meados de março de 2012 a julho de 2013 vinte e seis Estados para averiguar as omissões bem como as situações de violências relacionadas às leis determinadas para proteção das mulheres (RELATORIO FINAL, CPI-VCM, 2013).
Ademais, o artigo 121 do Código Penal foi alterado, acrescentando o inciso VI; o § 2º-A, I e II e o § 7º, I, II e III, prevendo o feminicídio como uma qualificadora de homicídio doloso (Lei nº 8.072/1990) se classificando no rol de crimes hediondos, ou seja, àqueles assassinatos cometidos por condições de menosprezo, discriminação e ódio que envolve violência doméstica e familiar ou qualquer relação interpessoal, por razões da condição de “sexo feminino” (DINIZ, 2018).
O homicídio qualificado são aqueles em que possuem maior pena de 12 a 30 anos de reclusão, considerados pela norma brasileira como crimes hediondos, esse por sua vez, têm tratamento rigoroso e diferenciado pelo Estado por ser mais gravoso e também por causar repugnância à sociedade (DINIZ, 2018).
Criou-se ainda um aumento de pena de um terço para alguns casos em que o feminicídio possa ter sido praticados, que são eles; durante a gestação, nos três meses posteriores ao parto contra pessoa menor de quatorze anos contra pessoa maior de sessenta anos contra pessoa deficiência na presença de descendente da vítima na presença de ascendente da vítima (GOMES, 2014).
Prado (2017) alude que, em algumas décadas a importância do feminicídio foi ganhando atenção e força entre ativistas, pesquisadoras e organismos internacionais, embora apenas de modo recente passou a ser incorporado às legislações de diversos países da América Latina, no intuito de tirar questões e visões discriminatórias coibir a impunidade. Mostrando além disso a responsabilidade do Estado para com a violência sofrida das mulheres.
Nomear e definir um problema é fundamental para se coibir o mesmo, necessário e essencial ter conhecimento e a dimensão das características essenciais do feminicídio para a melhora de investigação, julgamento, punição e oferecimento de garantias para as mulheres vítimas dessa brutalidade (SILVA, 2017).
Conforme “Modelo de Protocolo Latino-Americano de Investigação das Mortes Violentas de Mulheres por Razões de Gênero” elaborado pela ONU MULHERES (2014), foram encontradas algumas espécies de formas de violências de mulheres por “razão de gênero”. São eles:
Íntimo; morte de mulher praticada por um homem, que com ela mantinha e manteve uma relação conjugal e que continha filhos. Tem uma possibilidade também de o assassinato ocorrer por um amigo que foi negado haver relação íntima com a amiga.
Não íntimo; morte de uma mulher por um indivíduo desconhecido do sexo oposto e que não tinha nenhuma relação, sentimental ou sexual. Considera-se, também, o caso do vizinho que mata sua vizinha sem que existisse, entre ambos, algum tipo de relação ou vínculo.
Infantil; Morte de garota com idade inferior a 14 anos, praticado por um homem em que a ele foi transferido uma responsabilidade, confiança, poder, por ser mais adulto em relação a idade da garota.
Familiar; Morte de mulher em uma relação de parentesco entre a vítima e o criminoso. O parentesco pode ser por consanguinidade, afinidade ou adoção.
Por conexão; Morte de uma mulher que se encontrava no mesmo local e horário em que o agressor mata ou tenta matar outra mulher. Podendo ser alguma mulher da família da vítima ou mesmo uma desconhecida.
Sexual sistêmico; Morte de mulheres que são torturadas, sequestradas e/ou estupradas. Pode ter duas modalidades:
Sexual sistêmico desorganizado; Morte de mulher após serem sequestradas, torturadas e/ou estupradas. Acredita-se que os agressores matam as mulheres em um tempo determinado.
Sexual sistêmico organizado; presume-se que, nestes casos, os sujeitos ativos podem atuar como uma rede organizada de feminicidas sexuais, com um método consciente e planificado, em longo e indeterminado período de tempo.
Por prostituição ou ocupações estigmatizadas; morte de mulher que tem como profissão a prostituição ou strippers, garçonetes, massagistas ou dançarinas de casas noturnas, praticado por um ou vários homens, geralmente apresentam bordões como “ela merecia”, “ela pediu”, “ela não valia nada”, “ela fez por onde”.
Por tráfico de pessoas; Morte de mulher em situação de tráfico de pessoa. Aquele que transporta, transfere, recruta por meio de ameaças, fraude, força física, rapto entre outros, para a exploração. Incluindo a prostituição, exploração sexual, escravidão, extração de órgãos.
Por contrabando de pessoas; Morte de mulheres por tráfico de migrantes. Entendendo-se como a entrada ilegal em um Estado da qual não seja cidadã, para se obter um benefício financeiro.
Transfóbico; Morte de uma mulher transgênero ou transexual, motivada pelo desprezo e antipatia dos criminosos pela condição de gênero da vítima.
Lesbofóbico; Morte de uma mulher lésbica, motivada pelo desprezo e antipatia dos criminosos pela condição de gênero da vítima, por sua orientação sexual.
Racista; Morte de mulher pela repulsa e desprezo de sua origem étnica, racial ou de seus traços fenotípicos.
Por mutilação genital feminina; Morte de uma mulher ou garota resultante da prática de mutilação genital.
Especialistas na área Jurídica alegam que algumas das mortes violentas de mulheres vítimas do feminicídio poderiam ter sido evitadas se tivessem um olhar mais atento e cuidadoso para não dizer sensível das autoridades, até mesmo do sistema de Justiça. Em virtude de que o Estado o dever de designar formas para acabar ou ao menos diminuir a violência no âmbito das relações familiares, criando políticas públicas assíduas para o enfrentamento do problema.
Urge então, que o feminicídio é uma qualificadora do homicídio doloso cometido contra a mulher de forma inconsequente em razão da sua condição de sexo feminino, em que somente poderá figurar no polo passivo a mulher, excluindo-se assim, o homem da figura de vítima. O tribunal do Júri tem a competência de julgar esses casos, tipos penais (JESUS, 2015).
3. A AMPLITUDE DA INTERPRETAÇÃO DO FEMINICÍDIO AOS TRANSEXUAIS
Posto que a Lei 13.104/2015 de feminicídio é tido como uma qualificadora do crime de homicídio, que atenta contra a vida da mulher em razão da condição de ser do sexo feminino, conforme prescrito no seu artigo 121, para que ocorra o crime é imprescindível que a mulher seja o sujeito passivo da ação, logo, exclui-se racionalmente a figura do homem como vítima.
Surge assim, uma indagação acerca do assunto. É possível a mulher transexual figurar como vítima do feminicídio?
Antigamente em meados de 1980 a mudança de nome e sexo no registro civil em relação ao transexual se tornavam difíceis, prevalecia na época que a cirurgia para mudança de “sexo” não tinha o condão de transformar um homem em mulher (LACERDA, 2016).
Em 1990 houve modificação na jurisprudência para que houvesse mudança de prenome no registro somente após cirurgia, essa ideia foi impulsionada pela Resolução nº 1.482/97, do Conselho Federal de Medicina, que possibilitou a cirurgia de transgenitalização neocolpovulvoplastia e neofaloplastia. O entendimento mudou e a alteração do prenome independe da cirurgia de transgenitalização já a alteração de sexo no registro apenas posterior a cirurgia (LACERDA, 2016).
No Brasil a cirurgia de redesignação de sexo ou de adequação ao sexo anatômico ao sexo psicológico como é conhecida, foi ajustada pelo Conselho Federal de Medicina nº 1.955 e autorizada pelo programa (SUS) Sistema Único de Saúde.
A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (STAMATIS, 2013).
Qualquer cidadão pode procurar o sistema de saúde para mudança de “sexo” e apresentar o nome de sua preferência para ser chamado, independente daquele em que consta no registro civil. Além disso é obrigatório que seja bem recebido, cuidado e que não haja nenhum tipo de discriminação a seu respeito (BRASIL, Portal da Saúde, 2013).
Nos dias atuais, o que ganha destaque é o entendimento jurisprudencial, que transexual possui seu reconhecimento com a mudança de prenome e alteração de sexo nos registros civis sem a necessidade da cirurgia de transgenitalização. Juízo decidida por alguns Tribunais de Justiça de vários estados (LACERDA, 2016).
O Ministro Luiz Roberto Barroso (2018) assim se manifestou, "Não permitir que as pessoas coloquem a sua sexualidade onde mora o seu desejo e que sejam tratadas socialmente da maneira como se percebem é uma forma intolerante e cruel de viver a vida."
Para Luís Felipe Salomão;
“A recusa da alteração de gênero de transexual com base na falta de realização de cirurgia de transgenitalização ofende a cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa humana. (...) A compreensão de vida digna abrange, assim, o direito de serem identificados, civil e socialmente, de forma coerente com a realidade psicossocial vivenciada, a fim de ser combatida, concretamente, qualquer discriminação ou abuso violadores do exercício de sua personalidade”. (LUIS, 2018).
O sistema jurídico depois de constante resistência do judiciário, impõe a cirurgia de mudança de sexo ao poder público, promovendo assim, a adequação física e psíquica daquela pessoa (OLIVEIRA; DIAS, 2016).
Sabe-se que no Direito tudo que é construído se forma a partir de dois pilares, de correntes diversas dividindo argumentos sobre assuntos relevantes bem como a possibilidade ou não de figurar o transexual como sendo vítima da qualificadora do feminicídio (SANTOS, 2016).
Existem duas correntes que abordam a possibilidade da mulher trans figurar sujeito passivo do feminicídio. Para a sociedade conservadora, o única método de segurança exigida pelo direito, é o jurídico, isto é, somente o registro civil verdadeiro e oficial, mencionando o sexo, nome de nascimento é que poderá ser considerado como vítima da qualificadora do crime de feminicídio, uma vez que alterando o nome geraria uma insegurança jurídica (GRECO, 2015).
Logo, partindo dessa premissa não é possível esticar critérios que não seja o jurídico, devendo ser interpretada o mais restringido que puder, vê-se que ao proteger a dignidade do transexual possivelmente pode vir a afrontar outra dignidade (GURGEL, 2009)
A doutrina moderna, defende a possibilidade de o transexual ter seu tratamento digno, visível, conforme a característica nova após a cirurgia de transgenitalização e até mesmo com a mudança no registro civil. Essa compreensão se abarca no princípio da dignidade humana e também da isonomia (SANTOS, 2016).
Quando reconhecido como mulher, o transexual terá a condecoração ampliado também ao Direito Penal, visto que o STJ, questão sustentada pelos Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, reconheceu ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, o direito das pessoas transexuais alterarem seu registro civil mesmo sem ter realizado a cirurgia de mudança de sexo (CAMPOS, 2018).
Como França 1998 lesionou, a mulher de que trata a qualificadora é aquela assim reconhecida juridicamente. No caso de transexual que formalmente obtém o direito de ser identificado civilmente como mulher, não há como negar a incidência da lei penal porque, para todos os demais efeitos, esta pessoa será considerada mulher.
Percebe-se que a própria justiça está respeitando as mudanças existentes, aceitando visões diferentes das viventes. A 3ª Vara do Júri do Foro da Capital do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) aceitou uma denúncia de feminicídio envolvendo uma pessoa transexual, sendo a primeira denúncia acolhida em todo Estado. No caso em questão o suspeito havia um relacionamento de 10 anos com a vítima, que inclusive seu nome social era de conhecimento notório.
Além do crime de feminicídio que é uma circunstância qualificadora do homicídio, o suspeito também foi acusado de ocultação de cadáver.
Para o promotor de Justiça Flávio Farinazzo Lorza, "Não há que se questionar o caráter de violência doméstica empregada pelo denunciado à vítima, visto que eram companheiros e coabitavam há dez anos”.
E expõe ainda “a denúncia reflete um reconhecimento formal de que a violência doméstica deve ser tratada sob o ponto de vista não do sexo, mas do gênero da mulher”.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais aplicou a Lei Maria da Penha para transexuais:
(...) “Quanto ao sujeito passivo abarcado pela lei, exige-se uma qualidade especial: ser mulher, compreendidas como tal as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. Ademais, não só as esposas, companheiras, namoradas ou amantes estão no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica como sujeitos passivos”.
Para (OLIVEIRA, 2003), aquilo que “denominamos identidade sexual nada mais é do que o direito de ser internamente e aparecer externamente igual a si mesmo com a realidade do próprio sexo. Por outro lado, a autodeterminação sexual do indivíduo, neste contexto, é a formulação jurídica da construção da identidade sexual, que se norteará pela liberdade, sobretudo a espiritual, como a de sentir, de pensar, de decidir, de criar, de consciência, de agir e omitir, como veremos na segunda parte deste trabalho”.
Ademais, para o professor Cezar Bitencourt, a redação do inciso I do § 2º-A do artigo 121, expressa de forma no mínimo inadequada, verbis: “violência doméstica e familiar”, uma vez que o texto escrito exige que o crime seja de violência doméstica e familiar, como se as duas violências fossem a mesma coisa.
Cezar (2017) leciona que:
“Nem toda violência doméstica e familiar e vice-versa. Na verdade, poderá haver violência doméstica que não se inclua na familiar, por exemplo, alguém estranho à relação familiar que, por alguma razão, estejam coabitando com o agressor, ou então, que a violência recaia sobre um empregado ou empregada que presta serviços à família etc.” (Cezar Bitencourt, 2017).
Se de acordo com o que está disposto no inciso I do § 2º-A do artigo 121, uma das condições é a violência ser cometida no seio doméstico e familiar, as novas famílias homoafetivas enfrentam um emaranhado de desafios.
Na questão exposta, se deve levar em apreço o meio familiar, a união da família, isto é, aquela pessoa que ocupa o papel de feminino, sem a ideia de ser só a mulher biológica.
De acordo com o posicionamento do professor Cézar é possível admitir que os transexuais transformados cirurgicamente em mulher com a mudança e organismo, possam figurar como vítimas dessa qualificadora. Embora não se admitirá homossexual masculino que assumir na relação homoafetivas o “papel ou a função de mulher”. Assim, na hipótese de um assassinato dentro de um lar que resida um transexual, haverá a ocorrência de violência doméstica e familiar.
Se a ideia das leis é para proteção dos desiguais, seria injusto e imoral não observar o novo núcleo familiar que fosse formado por um transexual, que como proferido, usam hormônios e realizam cirurgias para admitir a sua identidade de gênero. Os crimes relacionados aos homossexuais muitas vezes são gerados pelo ódio, no entanto caso aconteça no seio doméstico se desprendeu do crime de antipatia buscando algum pressuposto que se adapte nessa nova família.
Precisa-se mais do que simples critérios biológicos ou psicológicos para definir-se o sexo das pessoas, para identificá-las como femininas ou masculinas. Por isso, na nossa ótica, somente quem for oficialmente identificado como mulher (certidão do registro de nascimento, identidade civil ou passaporte), isto é, apresentar sua documentação civil identificando-a como mulher, poderá ser sujeito passivo dessa qualificadora. O transexual por estrutura corporal e física, depende da proteção do Estado, uma vez que é seu dever a assistência de todos. (Cezar Bitencourt, 2017). ((https://www.conjur.com.br/2017-nov-15/cezar-bitencourt-feminicidio-aplicado-transexual)).
Carece garantir os direitos fundamentais, concretizado pelo Poder Público, tendo em vista que o Estado tem o dever e função de amparar os direitos individuais e de personalidade, garantindo o direito à identidade sexual diversa bem como o direito a dignidade da pessoa humana, uma vez que sofreram, humilhação, lutando inclusive pelo direito de existir.
Por isso, a corrente moderna, entende que aquele transexual identificado como mulher seja com identidade civil ou registro de nascimento, passaporte e outros, que identifique –se com a documentação pessoal, poderá figurar como vítima do crime de feminicídio.
CONCLUSÃO
O tema proposto neste artigo tem acontecido de forma constante e crescente, um assunto como este se instala a semente da intolerância.
É mais do que obrigação que haja um basta nessa situação, nesse ódio, nesse medo, tempos de angústia e antipatia para com o próximo, que sem dúvida deveria acontecer debates dentro de salas de aulas, nas próprias famílias, etc.
Somos amparados pela lei e somente ela é capaz de limitar a rivalidade instalado nessa sociedade machista, homofóbica, a priori nada seria mais aberração insensato do que os que se apresentam sobre o paladino da justiça.
Essa sem dúvida é uma preocupação que traz argumentos, indagações sobre a lei e a jurisprudência, mesmo assim não podendo ser aceito nada que possa ser um retrocesso.
A possibilidade de a mulher transexual figurar como vítima do crime de feminicídio ainda é um tema de imensa discussão quanto às opiniões, entendimentos de políticos, quanto juristas, doutrinadores, professores e que acaba gerando diversos posicionamentos.
Infelizmente apesar de ainda existem posições contrárias sobre esses assuntos, com pensamentos envelhecidos e preconceituosos, já se vê uma luz se acender com esperança relacionada ao reconhecimento aos transexuais. Essa possibilidade de a mulher transexual figurar como vítima do feminicídio é um assunto necessário e preciso até para o Judiciário.
Conclui-se que a mulher transexual que é possível figurar como sujeito passivo dessa qualificadora, desde que apresentando/identificado civilmente como mulher.
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TANNURI Claudia, HUDLER Daniel. Lei Maria da Penha também é aplicável às transexuais femininas, 2015, Disponível em <https://www.conjur.com.br/2015-out-02/lei-maria-penha-tambem-aplicavel-transexuais-femininas>. Acesso em 20 de nov. de 2018.
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Acadêmica da Católica do Tocantins - Palmas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIANA, kamylla Gomes. Possibilidade da mulher transexual figurar como vítima do feminicídio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 maio 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52848/possibilidade-da-mulher-transexual-figurar-como-vitima-do-feminicidio. Acesso em: 22 nov 2024.
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