RODRIGO SONCINI DE OLIVEIRA GUENA
(Orientador)
RESUMO: O presente trabalho, mediante pesquisa bibliográfica tem o objetivo de expor a situação precária e vulnerável em que vivem as mulheres grávidas e também as lactantes com seus filhos recém-nascidos no interior dos estabelecimentos prisionais brasileiros. É inegável a existência de várias legislações que preveem direitos e garantias às mulheres em privação de liberdade, em especial as disposições constitucionais, além de diplomas internacionais sobre o tema. Considerando-se que a população carcerária feminina cresceu rapidamente nos últimos anos, o Estado revela-se omisso ao garantir a efetivação dessas prerrogativas, ocorrendo na graves violações a direitos e garantias fundamentais, e o presente artigo revela a humilhante realidade em que se encontram. Por fim, o trabalho analisa a importante decisão jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, acerca do benefício da prisão domiciliar às presas provisórias gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou com deficiência, que se mostra como um benéfico avanço a essa problemática, propondo ao final a reflexão de que apesar da existência de inúmeros direitos positivados e jurisprudência pátria consolidada, as mulheres reclusas no período gestacional e seus filhos são gravemente impactados com o excessivo jus puniendi do Estado, que está voltado tão somente a encarcerar, sem conceder dignidade no cumprimento das sanções penais.
Palavras-chave: mulheres encarceradas; penitenciárias femininas; gestantes e lactantes reclusas.
ABSTRACT: The present study, through a bibliographical research, has the objective of exposing the precarious and vulnerable situation in which pregnant women live and also the infants with their newborn children inside Brazilian prisons. There is no denying the existence of several laws providing for rights and guarantees for women deprived of their liberty, in particular constitutional provisions, as well as international diplomas. Considering that the female prison population has grown rapidly in recent years, the State has failed to ensure that these prerogatives have been implemented, resulting in serious violations of fundamental rights and guarantees, and this article reveals the humiliating reality in which they are found. Finally, the paper analyzes the important jurisprudential decision of the Federal Supreme Court on the benefit of house arrest for pregnant pregnant women or mothers of children up to the age of 12 or with disabilities, which is a beneficial advance to this problem, proposing to the In conclusion, despite the existence of innumerable positive rights and consolidated country jurisprudence, women prisoners in the gestational period and their children are seriously impacted by the excessive jus puniendi of the State, which is only aimed at imprisoning, without granting dignity in the fulfillment of criminal penalties.
Keywords: imprisoned women; women's penitentiaries; pregnant women and infants.
SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO 1.1 Apontamentos sobre o direito penal constitucional brasileiro 1.2 Direitos constitucionais da execução da pena da gestante e lactante 1.3 Legislações infraconstitucionais com garantias assistenciais às mulheres reclusas no período estacional 1.4 Regras de Bangkok: regras das nações unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras 2. A REALIDADE DO ENCARCERAMENTO E MATERNIDADE: DIREITOS NEGLIGENCIADOS 2.1 Perfil das presas 3. PRISÃO DOMICILIAR PARA GESTANTES 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 5. REFERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO
Tendo em vista ser delicada a relação materna no ambiente prisional, a estruturação do ambiente carcerário deveria possuir condições suficientes para que a mãe reclusa cumpra devidamente sua pena, e por outro lado, assegurar os direitos fundamentais de seu descendente, como dignidade e saúde.
Sendo assim, o tema central desse estudo traz uma reflexão acerca das violações ocorridas aos direitos e garantias das mulheres gestantes e lactantes reclusas, e as condições a que são submetidas, ficando tanto as mães quanto os filhos, à mingua da sociedade.
É imprescindível que o Estado não seja omisso em relação a essa problemática e assegure, sem infringir direitos e preceitos fundamentais, o cumprimento da pena da mulher gestante e parturiente, e também o pleno desenvolvimento do menor.
Com a finalidade de pleno desenvolvimento corporal e mental do filho, é de suma importância a manutenção da relação mãe e filho na fase inicial da vida. Em virtude da privação de liberdade da mulher, a forma arbitrária do Estado cumprir com o seu dever nas execuções penais não deve prevalecer, devendo proporcionar condições saudáveis para que se desenvolva o vínculo inicial entre mãe e filho.
Este trabalho, em seu primeiro capitulo, realça a ampla existência de preceitos da Carta Magna relativamente a pessoa presa, bem como os princípios que norteiam o cumprimento da pena.
Em seguida, faz considerações específicas sobre o cárcere feminino, ressaltando as legislações pátrias e estrangeiras que asseguram garantias assistenciais às mulheres reclusas gestantes e lactantes.
Posteriormente expõe a realidade preocupante acerca da temática, indicando dados acerca do encarceramento feminino, especialmente das gestantes e lactantes, revelando ser praticamente inexistente o acompanhamento pré-natal.
Por fim, realça a importante decisão do Supremo Tribunal Federal ao conceder habeas corpus coletivo, determinando a prisão domiciliar a mulheres presas e provisórias gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou com deficiência, e, com isso, propõe a reflexão de que, embora existam inúmeras legislações sobre o assunto e avanços na jurisprudência pátria, o Estado ainda se preocupa demasiadamente em atuar de forma repressiva e arbitrária no cumprimento da pena privativa de liberdade, desconsiderando a vulnerabilidade do menor envolvido neste contexto.
1.1 Apontamentos direito penal constitucional brasileiro
Em um Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal garante que o Estado é o detentor exclusivo do jus puniendi, consubstanciado no direito de punir. Sendo assim, com base na legalidade e visando estabelecer equilíbrio social, seleciona condutas reprováveis e a partir daí, institui normas jurídicas a serem observadas pela sociedade e quando ocorre o descumprimento destas, o Estado é legitimado em aplicar uma sanção penal, com fundamento na pretensão punitiva.
A respeito do jus puniendi, Cesare Beccaria declara:
Somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela da sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o que era necessário para empenhar os outros em mantê-lo na posse do restante. A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir.
A aplicação da sanção penal ao indivíduo que violou as normas penais não pode ser feita de maneira arbitrária e ilegal, estando o jus puniendi submetido a limitações de diversas natureza, e sendo assim, devem ser observadas, principalmente, as garantias constitucionais.
Graças ao aumento da criminalidade e o descontentamento da sociedade em relação à segurança que deveria ser proporcionada e garantia pelo Estado, este atua de forma repressiva e arbitrária ao priorizar o encarceramento. Isso explica porque o Brasil possui a terceira maior população de detentos (de ambos os sexos) do mundo.
Na busca incessante por punir e privar o indivíduo da sociedade, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci destaca:
Na prática, no entanto, lamentavelmente, o Estado tem dado pouca atenção ao sistema carcerário, nas últimas décadas, deixando de lado a necessária humanização do cumprimento da pena, em especial no tocante à privativa de liberdade, permitindo que muitos presídios se tenham transformado em autenticas masmorras, bem diante do respeito à integridade física e moral dos presos.
O sistema prisional brasileiro apresenta falhas estruturais graves que resultam na transgressão de diversos direitos e garantias fundamentais.
A situação aviltante e desumana do sistema carcerário brasileiro também atinge as mulheres reclusas. Atualmente, o Brasil possui a quinta maior população de detentas do mundo, e quase que a totalidade dos cárceres femininos encontra-se em condições insatisfatórias e incapazes de garantir os direitos mínimos dessas cidadãs, nem são hábeis em atender as peculiaridades e vulnerabilidade do gênero feminino. A situação de vulnerabilidade da mulher se agrava quando a mulher se encontra grávida e é colocada no cárcere. É papel do Estado assegurar o atendimento pré e pós natal, garantindo a saúde da carcerária que está sobre sua tutela, fazendo com que se concretizem as diversas legislações existentes sobre o tema. Infelizmente, as consequências nocivas do encarceramento se entende aos seus filhos.
De suma importância destacar um trecho do voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandoski, na decisão do Recurso Extraordinário nº592/581 RS, a respeito do tema:
Mas o que se verifica, hoje, relativamente às prisões brasileiras, é uma completa ruptura com toda a doutrina legal de cunho civilizatório construída no pós-guerra. Trata-se de um processo de verdadeira “coisificação” de seres humanos presos, amontoados em verdadeiras “masmorras medievais”, que indica claro retrocesso relativamente a essa nova lógica jurídica.
O fato é que a sujeição dos presos às condições até aqui descritas mostra, com clareza meridiana, que o Estado os está sujeitando a uma pena que ultrapassa a mera privação da liberdade prevista na sentença, porquanto acresce a ela um sofrimento físico, psicológico e moral, o qual, além de atentar contra toda a noção que se possa ter de respeito à dignidade humana, retira da sanção qualquer potencial de ressocialização. (RE 592581, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016).
A necessidade da privação de liberdade do indivíduo que descumpre as normas penais está arraigada no Brasil, inclusive presente no sentimento da sociedade como um todo, que, por uma falsa sensação de segurança, vê como única saída a exclusão do acusado do convívio social.
Da apreciação desse contexto, é possível constatar que as pessoas que hoje se encontram reclusas no sistema penitenciário, principalmente no caso da mulher em período gestacional, sofrem impactos diários de violência, ódio, humilhação e desrespeito às leis. E, após o cumprimento da pena, essas pessoas irão retornar ao convívio da sociedade, sem que tenham compreendido a função benéfica, ressocializadora e reintegradora da pena.
1.2 Direitos constitucionais de execução da pena da gestante e lactante
São diversos os princípios basilares que devem nortear a execução da pena da reclusa que se encontra no período gestacional.
Primeiramente, imprescindível destacar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que por si só, fundamenta e alicerça todos os outros princípios.
Na lição de Ingo Sarlet:
(…) por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (…)
O inciso XLIX, art. 5º, da CF/88, ao estabelecer que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, tem o intuito de fortalecer e complementar os direitos dos presos, e, indubitavelmente, aplica-se no caso da temática discutida neste trabalho.
O Princípio da Pessoalidade, também denominado da Transcendência mínima das penas está insculpido no art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal:
Art. 5º, XLV: nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens serem, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
Trata-se de desdobramento lógico dos princípios da responsabilidade penal individual, da responsabilidade subjetiva e da culpabilidade. Portanto, no caso concreto, a criança acaba tendo sua liberdade privada em virtude do encarceramento da mãe. A vista disso, o Estado deve proporcionar condições dignas e satisfatórias para que o convívio da mãe com seu filho no espaço prisional ocorra sem dificuldades e não gere traumas.
A Constituição Federal, em decorrência do Princípio da Individualização da Pena, também preconiza que a pena deve ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (art. 5º, XLVIII). Lamentavelmente, essa igualdade que o referido dispositivo preconiza se mostra unicamente material.
Em relação ao direito das presas durante a amamentação, preconiza o art. 5º, L, CF/88:
Art. 5º, inciso L, da CF/88: “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.
Indiscutivelmente, o período de amamentação é essencial e traz benefícios para a saúde do recém-nascido visto que contem proteínas, vitaminas e entre outras propriedades que auxiliam no crescimento do bebe. Ademais, serve como ferramenta para fortalecer o vínculo materno e proporcionar desenvolvimento cognitivo, emocional e psicológico do mesmo.
É direito fundamental constitucional da pessoa em condição de desenvolvimento, o direito à vida, saúde, alimentação, convivência familiar, respeito, liberdade e dignidade, os quais demandam proteção particular e cuidados especiais.
1.3 Legislações infraconstitucionais com garantias assistenciais às mulheres reclusas no período gestacional
O Estatuto da Criança e do Adolescente enfatiza a prerrogativa constitucional da amamentação, in verbis:
Art. 9º: O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.
O Estatuto da Primeira Infância (Lei 13.257/2016) incluiu o §5º ao artigo 8º do ECA, estendendo a assistência psicológica a gestante e a mãe, no período pré e pós natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal, às gestantes e as mães que se encontrem em cumprindo o período de reclusão de liberdade.
O supra citado estatuto acrescentou também ao ECA, a garantia da gestante receber orientação sobre aleitamento materno, alimentação complementar saudável e crescimento e desenvolvimento infantil, bem como sobre formas de favorecer a criação de vínculos afetivos e de estimular o desenvolvimento integral da criança, proteção que está disposta no art. 8º, §7º do ECA.
A propósito, o §10º do referido artigo, igualmente inserido pelo Estatuto da Primeira Infância, assegura:
Art. 8º, §10º: Incumbe ao poder público garantir, à gestante e à mulher com filho na primeira infância que se encontrem sob custódia em unidade de privação de liberdade, ambiência que atenda às normas sanitárias e assistenciais do Sistema Único de Saúde para o acolhimento do filho, em articulação com o sistema de ensino competente, visando ao desenvolvimento integral da criança.
A respeito desse tema, a Lei de Execução Penal trata sobre os direitos dos presos, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana, procurando assegurar à interna saúde, educação, assistência, remição, etc.
O Artigo 14 da LEP endossa as garantias estabelecidas constitucionalmente e em outros textos infraconstitucionais, estabelecendo assistência à saúde:
Art. 14 §3º: Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.
Com relação a estrutura penitenciária, a LEP exige que possua os seguintes requisitos:
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).
Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa.
Nota-se que a imposição elencada no art. 89 é de suma importância, em virtude da exigência das penitenciarias femininas possuírem seção para gestante e parturiente, e ainda creche para abrigar crianças maiores de 6 meses e menores de 7 anos.
A Lei n. 13.434 alterou o artigo 292, do Código de Processo Penal, proibindo o uso de algemas em mulheres grávidas durante o nascimento de seu filho. In verbis:
Art. 292, Parágrafo único. É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato.
Ainda no que diz respeito ao Código de Processo Penal, o art. 318 dispõe que o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for gestante.
Em virtude da decisão do Habeas Corpus Coletivo julgado pelo Supremo Tribunal Federal, que conferiu prisão domiciliar às mães gestantes e lactantes em prisão provisória, foi editado o art. 318-A do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.
Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.
Deste modo, para que haja conversão da prisão preventiva de mulheres gestantes ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência, é necessário que sejam atendidas as seguintes condições: que a acusada não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa, e nem tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.
1.4 Regras de Bangkok: regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras
No plano internacional, destacam-se as Regras de Bangkok − Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Adotadas pelo Brasil, servem como diretrizes e corroborando as normas nacionais já existentes.
Merece evidencia a Regra 5:
Regra 5: A acomodação de mulheres presas deverá conter instalações e materiais exigidos para satisfazer as necessidades de higiene específicas das mulheres, incluindo absorventes higiênicos gratuitos e um suprimento regular de água disponível para cuidados pessoais das mulheres e crianças, em particular mulheres que realizam tarefas na cozinha e mulheres gestantes, lactantes ou durante o período da menstruação.
Outrossim, as Regras de Bangkok preceituam que as mulheres devem ser sempre informadas por profissionais de saúde sobre a importância da amamentação e nunca serem desencorajadas a amamentar, sendo obrigatório garantir as condições para que a mulher passe o maior tempo possível com o filho, e que as mães na prisão tenham acesso a serviços permanentes de saúde.
Acerca das disposições pós-condenações, a Regra de Bangkok 46 considera as necessidades intrínsecas das mulheres grávidas e com filhos dependentes, de modo que, quando possível e apropriado, entendem serem preferíveis as penas não privativas de liberdade para as reclusas grávidas, com filhos e lactantes. Aduz ainda que a pena de prisão será cabível quando o crime for grave ou violento ou a mulher representa ameaça contínua.
Imperioso destacar o conteúdo da Regra 51:
Regra 51: Crianças vivendo com as mães na prisão deverão ter acesso a serviços permanentes de saúde e seu desenvolvimento será supervisionado por especialistas, em colaboração com serviços de saúde comunitários. 2. O ambiente oferecido para a educação dessas crianças deverá ser o mais próximo possível àquele de crianças fora da prisão.
despeito do momento da separação da mãe e da criança, a Regra 52 assinala que o Estado possui a responsabilidade de facilitar e auxiliar as visitas e contato entre eles, que deve ser estipulado caso a caso, sempre observado o melhor interesse da criança.
Com a finalidade de solucionar o os abalos comprometedores da vivencia em privação de liberdade, prevê o seguinte:
Regra 69: Serão envidados esforços para revisar, avaliar e tornar públicas periodicamente as tendências, os problemas e os fatores associados ao comportamento infrator em mulheres e a efetividade das respostas às necessidades de reintegração social das mulheres infratoras, assim como de seus filhos/as, com o intuito de reduzir a estigmatização e o impacto negativo do conflito das mulheres com o sistema de justiça criminal nas mulheres e em seus filhos/as.
2. A REALIDADE DO ENCARCERAMENTO E MATERNIDADE: DIREITOS NEGLIGENCIADOS
No período entre 25 de janeiro de 2018 a 05 de março de 2018, o Conselho Nacional de Justiça vistoriou 24 estabelecimentos penais femininos, constatando que à época, existiam 179 gestantes e 167 lactantes, constatando que a grande maioria destas cumprem a pena em situação de precariedade e insalubridade, como inexistência de condições mínimas de higiene, falta de berços e ainda detectou 21 crianças sem registro de nascimento vivendo dentro do cárcere.
Do total de 24 estabelecimentos vistoriados, apenas 4 foram apontadas como exemplos de boas práticas: Unidade Materno Infantil (RJ), a Penitenciária Feminina de Cariacica (ES), o Presídio Feminino Santa Luzia (AL) e a Colônia Penal Feminina do Recife (PE). Para a avaliação, foram consideradas instalações físicas, assistência médica disponível, equipamentos de apoio e tratamento conferido às detentas.
Tanto as normas penais quanto o sistema prisional em si foi construído por homens e para homens, sendo que as particularidades femininas foram desconsideradas. A imensa maioria das prisões femininas são adaptações das prisões masculinas, sendo ignoradas na prática as proteções que lhe são asseguradas teoricamente.
Ora, o nome e o patronímico são essenciais para inaugurar formalmente o vínculo existente entre os diferentes membros da família com a sociedade e com o Estado, e consequentemente, é imprescindível que sejam efetivadas as medidas necessárias para o registro da criança imediatamente após o seu nascimento.
O último relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN, atinente à Junho de 2014, constatou que no que diz respeito à infraestrutura das unidades que custodiam mulheres, menos da metade dos estabelecimentos femininos dispõe de cela ou dormitório adequado para gestantes (34%). Nos presídios que continham homens e mulheres, somente 6% das unidades dispunham de ambiente próprio para a guarda de gestantes.
Ainda conforme o relatório acima descrito, quanto à existência de berçário ou centro de referência materno infantil, 32% das unidades femininas dispunham do espaço, enquanto apenas 3% das unidades mistas o contemplavam. Além disso, apenas 5% das unidades femininas dispunham de creche, não sendo registrada nenhuma creche instalada em unidades mistas.
Apesar de o Brasil adotar Regras de Bangkok, assumindo compromisso internacional em cumpri-lo, e possuir ampla previsão protecionista normativa, ainda faltam políticas públicas para que aconteça o cumprimento efetivo desses preceitos.
As condições da mulher reclusa no Brasil, além de serem nocivas a elas próprias, intensificam as marcas da desigualdade de gênero à qual as mulheres são submetidas. Os efeitos do encarceramento feminino são prejudiciais não somente à mulher, mas para toda a sua família.
Ressalta-se que muitas dessas mulheres encarceradas têm em comum um histórico de violência física, psicológica ou sexual. Em um estudo realizado Sintia Soares Helpes, na penitenciária Professor Ariosvaldo de Campos Pires, em Juiz de Fora/MG, uma em cada quatro mulheres sofreu violência sexual durante a infância. Em relação a vida adulta, de um total de três mulheres indagadas, uma afirma que já sofreu violência física no âmbito doméstico.
É crucial que haja uma atenção diferenciada às mulheres nessas situações específicas decorre, portanto, das próprias condições inerentes à gestação e amamentação.
2.1 Perfil das presas
Através do Projeto Saúde Materno Infantil nas Prisões, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz e pelo Ministério da Saúde em estabelecimentos prisionais de todo o Brasil, foi constatado que a mulher que dá à luz na prisão é jovem, negra e mãe solteira.
Em geral, assim como as mulheres presas, as grávidas presas possuem baixa renda e pertencem a grupos socialmente menos favorecidas. Grande parte se encontra reclusa devido acusação de crime relacionado ao tráfico de drogas.
Além disso, foi constatado que as mulheres reclusas em situação gestacional sequer tem ciência acerca de seus direitos assegurados.
A privação de liberdade da mulheres reclusas que já são mães e das que vivem o período gestacional presas gera consequências, entre elas a destinação das crianças para abrigos, onde se corre o risco de a criança ser levada à adoção, caso não haja membros da família para deixá-las, bem como a ruptura dos laços de afeto e convivência com a mãe.
3. PRISÃO DOMICILIAR PARA GESTANTES
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus Coletivo 143641 decidiu conceder a ordem, decretando substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, até 12 anos incompletos, conforme disposto no art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências.
Não obstante a aplicação de prisão domiciliar, o juiz no caso concreto poderá aplicar concomitantemente as medidas alternativas previstas no art. 319, Código de Processo Penal.
É oportuna a transcrição da ementa da célebre decisão:
Ementa: HABEAS CORPUS COLETIVO. ADMISSIBILIDADE. DOUTRINA BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS. MÁXIMA EFETIVIDADE DO WRIT. MÃES E GESTANTES PRESAS. RELAÇÕES SOCIAIS MASSIFICADAS E BUROCRATIZADAS. GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS. ACESSO À JUSTIÇA. FACILITAÇÃO. EMPREGO DE REMÉDIOS PROCESSUAIS ADEQUADOS. LEGITIMIDADE ATIVA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI 13.300/2016. MULHERES GRÁVIDAS OU COM CRIANÇAS SOB SUA GUARDA. PRISÕES PREVENTIVAS CUMPRIDAS EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. INADMISSIBILIDADE. PRIVAÇÃO DE CUIDADOS MÉDICOS PRÉ-NATAL E PÓS-PARTO. FALTA DE BERÇARIOS E CRECHES. ADPF 347 MC/DF. SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL. CULTURA DO ENCARCERAMENTO. NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO. DETENÇÕES CAUTELARES DECRETADAS DE FORMA ABUSIVA E IRRAZOÁVEL. INCAPACIDADE DO ESTADO DE ASSEGURAR DIREITOS FUNDAMENTAIS ÀS ENCARCERADAS. OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO E DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. REGRAS DE BANGKOK. ESTATUTO DA PRIMEIRA INFÂNCIA. APLICAÇÃO À ESPÉCIE. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO DE OFÍCIO.
Para o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, impetrante do habeas corpus, a prisão preventiva, ao confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, tira delas o acesso a programas de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, e ainda priva as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento, constituindo-se em tratamento desumano, cruel e degradante, que infringe os postulados constitucionais relacionados à individualização da pena, à vedação de penas cruéis e, ainda, ao respeito à integridade física e moral da presa.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo demonstrou que o respeito e a integridade física e moral das presas em geral está longe de ser alcançada. São explicitas as violações aos direitos que ocorrem às mulheres em período gestacional em estabelecimentos prisionais feminino, pois ainda são desprovidas de acesso constante à saúde, acompanhamento médico, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.
A mulher que se encontra reclusa no cárcere, na maioria das vezes, violou as normas penais por ser proveniente de camadas mais baixas da população, com chances de desenvolvimento social já escassos.
Neste período seria imprescindível à mãe e ao filho a criação de vínculo afetivo forte e estável através do tempo de permanência do bebê com a mãe, a construção de berçários e creches, e é dever do Estado garantir esses direitos.
O Estado não deve assumir papel inerte e omisso diante desse contexto, devendo propiciar condições adequadas e necessárias para um cumprimento de pena mais humanizado, atendendo as singularidades do gênero feminino. As normas garantidoras dos direitos dessas pessoas, em situação de vulnerabilidade, não são implementadas pelo Estado. Diante dessas deficiências nos presídios, a opção mais viável é a prisão domiciliar.
A busca de respostas para a problemática relatada exaustivamente ao longo desse trabalho começa na aplicação das leis já existentes, além da realização de mais pesquisas e políticas públicas voltadas para esse segmento. A política de encarceramento deve ser repensada da forma que é feita, aspirando um julgamento mais humano.
Por todo o exposto, é fundamental e de singular importância na busca da concretização dos direitos e garantias fundamentais a decisão do Supremo Tribunal Federal ao conceder Habeas Corpus coletivo às presas provisórias gestantes e puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, até 12 anos incompletos. Contudo, de cunho machista, o sistema carcerário nacional ainda é desprovido de políticas públicas consistentes de modo a efetivar o que preconiza o Estado Democrático de Direito, ou seja, a aplicação das sanções penais deve ter como escopo o papel ressocializador e reintegrador da pena, e não apenas a exclusão do indivíduo do meio social.
5. REFERÊNCIA
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas. 6ed. São Paulo: Martin Claret, 2011.
BORGES, Paulo César Corrêa. Direito penal democrático. 1. ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2005.
BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
BRASIL, Código de Processo Penal do Brasil. Brasília, DF, Senado,1941.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP, da 2ª Turma. Criminal. Pena alternativa. Prisão Preventiva revogada. Conversão em Prisão domiciliar especial. Legitimidade. Relator Min. Ricardo Lewandowski, DJE, nº 39, de 1º mar. 2018.Brasília.
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal; tradução da versão espanhola do original italiano por Carlos Eduardo TrevelinMillan. – São Paulo: Editora Pillares, 2009.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à lei 13.257/2016 (estatuto da primeira infância). Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br/2016/03/comentarios-lei-132572016-estatuto-da.html
CNJ. Regras de Bangkok: Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras.
INFOPEN MULHERES. DEPEN – DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Levantamento nacional de informações penitenciárias – JUNHO DE 2014.
ESPINOZA, Olga. A mulher encarcerada em face do poder punitivo. São Paulo: IBCCrim, 2004.
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razós:teoriadel garantismo penal. Trad. PerfectoIbáñes. Madrid: Ed. Trotta, 1995.
HELPES, Sintia Soares. Vidas em jogo: um estudo sobre as mulheres envolvidas com o tráfico de drogas. São Paulo: IBCCrim, 2014
Bacharelanda do curso de Direito pela Universidade Brasil Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARCASSI, Rafaela Balero. Gravidez e maternidade no Sistema Penitenciário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52956/gravidez-e-maternidade-no-sistema-penitenciario-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
Precisa estar logado para fazer comentários.