RODRIGO FRESCHI BERTOLO
(Orientador)
RESUMO: O aborto desde que se tem conhecimento tem sido um tema polémico, sempre presente nos meios jurídicos, biológicos e religiosos ele divide opiniões trazendo a tona os mais variados motivos para discussão. Ao longo da história humana podemos observar uma grande variação no posicionamento em relação ao aborto, ora a população tente a ter uma aceitação maior de sua prática, ora uma onda maior de reprovação. O Brasil faz parte de parcela mundial que admite o aborto em determinados casos, a lei é taxativa neste quesito, todavia isso só faz com que cada vez mais mulheres recorram a clandestinidade para a realização do ato. Com o julgamento da ADPF 54 o aborto de feto anencéfalo deixou de ser crime, mas ainda há muito a ser buscado como nos casos de fetos microencefálicos.
Palavras chave: Aborto; gravidez; feto; anencefalia; microcefalia.
ABSTRACT: Abortion since it has been known has been a controversial subject, always present in the legal, biological and religious media, it divides opinions by bringing out the most varied reasons for discussion. Throughout human history we can observe a great variation in the positioning in relation to abortion, sometimes the population tries to have a greater acceptance of its practice, sometimes a greater wave of disapproval. Brazil is a part of the world that admits abortion in certain cases, the law is limited in this regard, but this only makes more and more women use the clandestine to perform the act. With the ADPF 54 judgment abortion of the anencephalic fetus ceased to be a crime, but there is still much to be sought as in cases of microencephalic fetuses.
Keywords: Abortion; pregnancy; fetus; anencephaly; microcephaly.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2.BREVE HISTORIA EVOLUCIONAL DO ABORTO. 3. ABORTO X RELIGIÃO. 3.1 Cristianismo x aborto. 3.2Islamismo x Aborto. 3.3Hinduísmo x Aborto. 4.O ABORTO NO BRASIL. 4.1 Panoramas gerais do aborto no Brasil. 5. ABORTO NOS CASOS DE FETO ANENCÉFALO. 5.1 Conceito e definição. 5.2 A Anencefalia no Brasil. 6. ABORTO NOS CASOS DE MICROCEFALIA. 6.1 Conceito e definição. 6.2 A microcefalia no Brasil. 7. O ABORTO AO REDOR DO MUNDO. 8. CONCLUSÃO. REFERENCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo abordará um dos assuntos mais polêmicos em nosso meio social atualmente, o aborto. Abordoado em diversas esferas de conhecimento, biológica, religiosa, jurídica, o mesmo não é recente, documentos remontam a até 2737 a.C.
O artigo oferece uma observância do ponto de vista jurídico, quanto ao direito de liberdade e dignidade da pessoa humana, sendo de crucial importância demarcar-se na legislação em vigência até que ponto estes direitos fundamentais são garantidos.
O Brasil é um dos países em que a prática do aborto é permitida apenas em alguns casos, todavia apesar da proibição a quantidade com que ocorre é gritante. Evidenciando assim a ineficácia da aplicabilidade da lei, já que ela não procura resolver a situação através de politicas publicas, e sim apenas controlar o resultado punindo essas mulheres. E isto não pode mais ser ignorado, se temos uma parcela da população recorrendo à clandestinidade para fazer valer uma vontade intima e pessoal, está na hora de reavaliarmos nosso ordenamento.
Trataremos ainda sobre os casos de feto anencéfalo onde a ADPF 54 descaracterizou o crime de aborto, mas que ainda tem gerado polémica, e também sobre o feto microencefálico, onde não obstante de trate de má formação cerebral, o aborto nesses casos ainda é considerado crime.
Por fim, demonstra-se a relevância de tal estudo, pois se trata de direitos básicos inerentes a todos, e, portanto deem ser reexaminados e melhor interpretados, para atender assim toda a população, afinal trata- se de direito “Erga omnes” e não “Inter partes”.
2. BREVE HISTORIA EVOLUCIONAL DO ABORTO
A palavra aborto tem origem etimológica no latim abortus, derivado de aboriri (“perecer”), composto de ab (“distanciamento”, “a partir de”) e oriri (“nascer”).
Apesar de sempre presente nas discussões sociais o aborto não é um assunto novo, sua pratica já era documentada nas antigas sociedades orientais, entre 2737 e 2696 A.C, foram encontradas receitas de abortíferos ingestivos, bem como a descrição da realização ações físicas violentas com o intuito de abortar.
No antigo mundo Greco-Romano a pratica do aborto era comum, e não era considerado crime na maioria dos casos, uma vez que era utilizado para controle de natalidade. O feto era entendido como parte do corpo da mulher e como a lei vigente na época tornava a mulher propriedade de seu marido, o aborto só poderia ocorrer com consentimento deste. Ocorria crime caso o aborto lesasse a vontade do homem em relação à escolha de ter ou não o bebe, ou a ainda a sua descendência.
Platão em seu livro República defendeu a interrupção da gestação em todas as mulheres que engravidassem após os 40 anos, isto porque ele entendia que mulheres novas geravam filhos saudáveis, e também acreditava que a alma entrava no corpo apenas no momento do nascimento. (CARVALHO, p.4).
Contudo com a evolução da sociedade e com a entrada da religião no cenário a vida passou a ser vista sob uma nova ótica e ganhou um peso muito maior, levantando muitas discussões pelo mundo. O feto deixou de ser visto apenas como parte do corpo e passou a ter o status de ser vivo.
Muitas das convicções que hoje são dados adquiridos constituem, na verdade, o fruto de um árduo trabalho amadurecido ao longo dos séculos: o papel da mulher, as formas de considerar o feto e a gravidez, as intervenções externas, os interesses políticos e os parâmetros de avaliação mudaram desde a Antiguidade até os dias de hoje, assumindo diferentes funções e significados. (GALEOTTI, 2007 p.21)
3. ABORTO X RELIGIÃO
As religiões de forma geral, desde que se tem ciência sempre interferiram nas questões do Estado, na criação de leis, bem como na sua aplicação, moldando e direcionando o pensamento humano, no caso do aborto não seria diferente, contudo como pode ser observado, há uma grande difusão de religiões pelo planeta, de modo que cada região tem uma incidência diferente das religiões; sendo assim influenciado de formas diferentes. Portanto analisaremos como as três maiores religiões do mundo tratam o aborto.
3.1 Cristianismo x aborto
O cristianismo representa 31,4% de toda a população mundial (CIA 2018) sendo bem propagado pelo planeta, e engloba um grande numero de igrejas, mas a igreja católica conta com a maioria de seus adeptos e desse modo também é a maior defensora da vida do feto, lutando contra o aborto. Quem vê essa luta crê que desde sua fundação foi assim, porém engana-se, a igreja já tolerou o aborto, foi só em 1869 que passou a condenar o aborto.
“No século 4, Santo Agostinho defendia que só a partir de 40 dias após a fecundação se poderia falar em pessoa , e séculos depois São Tomás de Aquino utilizou-se do mesmo preceito para dizer quando então uma pessoa receberia uma alma racional.” (SUPERINTERESSANTE, 2012)
Porém esta teoria sofria fortes contestações daqueles que acreditavam que o feto já se tratava de um ser vivo desde o momento da concepção. Então no século XIX em 1869 na Apostolicae Sedis esta teoria foi incorporada e o papa Pio IX condena toda e qualquer interrupção voluntária da gravidez. (SUPERINTERESSANTE, 2012)
3.2 Islamismo x Aborto
A doutrina islâmica iniciou-se com o profeta Maomé, e hoje reúne 23,2% dos fieis do mundo (CIA, 2018), predominante principalmente no oriente médio, sua mensagem principal é a submissão à vontade de Deus, os muçulmanos, como são chamados os seguidores do islamismo tem como livro sagrado o Alcorão, que segundo creem contem as palavras exatas de Deus, e é nas palavras do alcorão que os muçulmanos têm sua base para serem contrários ao aborto.
“Por isso, prescrevemos aos israelitas que quem matar uma pessoa, sem que esta tenha cometido homicídio ou semeado a corrupção na terra, será considerado como se tivesse assassinado toda a humanidade” (Alcorão 5.32).
“Não mateis vossos filhos por temor a necessidade, pois nós os sustentaremos, bem como a vós. Sabei que sei assassinato é um grave delito”. (Alcorão 17.31)
O Islamismo tem a vida humana em alta estima, portanto, não é extremista na contrariedade ao aborto, como em outras religiões há casos em que o mesmo é permito sem que haja reprimendas.
No entanto, o Islão é uma religião muito prática. Inclui princípios pra lidar com casos excepcionais. Um desses princípios é que, quando a gravidez ameaça a vida da mãe, pode-se realizar o aborto. Embora as vidas da mãe e da criança sejam ambas sagradas, neste caso, é melhor salvar a vida principal, a vida da mãe. Mesmo neste caso será melhor se o aborto for feito antes de a alma entrar no feto. (YiossufAdamgy, 2007)
Althoughthere are different opinions among Islamic scholars aboutwhenlifebeginsandwhenabortionispermissible, mostagreethattheterminationof a pregnancyafter four months – the point atwhich, in Islam, a fetusisthoughttobecome a living soul – isnotpermissible. ManyIslamicthinkerscontendthat in cases prior to four monthsofgestation, abortionshouldbepermissibleonly in instances in which a mother’slifeis in dangeror in cases of rape.( PewResearch center, 2013)
Embora existam opiniões divergentes entre estudiosos islâmicos sobre quando a vida começa e quando o aborto é permissível, a maioria concorda que o término de uma gravidez após quatro meses - o ponto no qual, no Islã, um feto é considerado uma alma viva - não é permitida. Muitos pensadores islâmicos afirmam que, nos casos anteriores a quatro meses de gestação, o aborto deveria ser permissível apenas nos casos em que a vida de uma mãe estivesse em perigo ou em casos de estupro. ( PewResearch center, 2013)
3.3 Hinduísmo x Aborto
O hinduísmo é uma das mais antigas religiões do mundo, com seu surgimento datando entre 6.000 e 4.000 a.C (WIKIPÉDIA,2019), compreendendo hoje 15% da população mundial (CIA,2018), seus adeptos estão concentrados principalmente na Índia e outros países do continente asiático. Em suma os adeptos desta religião são sempre carismáticos e gentis devido aos ensinamentos de não violência da religião, dentre as principais doutrinas do hinduísmo estão: Respeitar as coisas antigas e a tradição, acreditar nos livros sagrados, crer nas divindades, persistir no sistema de castas, confiar nos guias espirituais e acreditar a existência de encarnações anteriores.
Os hindus acreditam que a alma e a matéria se ligam desde a concepção, portanto, desde a mesma o feto já é tratado como pessoa.
Desse modo a pratica do aborto é contra todos os ensinamentos de não violência pregados pelo hinduísmo, exceto claro, quando necessário para salvar a vida da mãe. Ao considerar o aborto, o caminho hindu é escolher a ação que fará menos mal a todos os envolvidos: a mãe e o pai, o feto e a sociedade.
Os textos clássicos hindus são fortemente opostos ao aborto:
One text compares abortion to the killing of a priest another text considers abortion a worsesin thankilling one'sparents Another text says that a woman who abort sher child will osehercaste In practice, however, abortionis practiced in Hindu culture in India, because there ligious banon abortionis sometimes overruled by the cultural preference for sons. Thiscan lead to abortion to prevent the birth of girl babies, which is called'female fo eticide'. (BBC, 2009)
Um texto compara o aborto ao assassinato de um padre Outro texto considera o aborto um pecado pior do que matar os pais Outro texto diz que uma mulher que aborta seu filho vai perder sua casta Na prática, entretanto, o aborto é praticado na cultura hindu na Índia, porque a proibição religiosa do aborto é às vezes anulada pela preferência cultural por filhos. Isso pode levar ao aborto para evitar o nascimento de bebês meninas, que é chamado de "feticídio feminino”.(BBC, 2009)
Diante de tudo ora exposto percebe-se que, se todos os adeptos das religiões citadas seguirem fielmente seus ensinamentos teremos 69,6% da população mundial contraria ao aborto, salvo quando necessário para salvar a vida da mãe.
4. O ABORTO NO BRASIL
O tema surgiu no meio jurídico com o Código Criminal do Império de 1830, este não criminalizava a aborto praticado pela própria gestante, apenas o praticado por terceiros, com ou sem o consentimento desta. O delito esta previsto nos artigo 199 e 200:
Art. 199. Occasionar aborto por qualquer meio empregado interior, ou exteriormente com consentimento da mulher pejada.
Penas - de prisão com trabalho por um a cinco annos.
Se este crime fôr commettido sem consentimento da mulher pejada.
Penas - dobradas.
Art. 200. Fornecer com conhecimento de causa drogas, ou quaesquer meios para produzir o aborto, ainda que este se não verifique.
Penas - de prisão com trabalho por dous a seis annos.
Se este crime fôr commettido por medico, boticario, cirurgião, ou praticante de taes artes.
Penas-dobradas. (Brasil, 1830)
Vigorando por 60 anos o código criminal do império foi substituído em 1890 pelo Código Penal da República, que por sua vez passou a aplicar punição também a gestante que voluntariamente resolvesse interromper a gravidez, todavia esta teria sua pena atenuada se houvesse cometido o aborto para esconder a própria desonra, ficando claro que além da segurança da mulher e da vida do feto, a honra feminina era algo tutelado, como disposto nos artigos 300, 301 e 302:
Art. 300. Provocar abôrto, haja ou não a expulsão do fructo da concepção:
No primeiro caso: - pena de prisão cellular por dous a seis annos.
No segundo caso: - pena de prisão cellular por seis mezes a um anno.
§ 1º Si em consequencia do abôrto, ou dos meios empregados para provocal-o, seguir-se a morte da mulher:
Pena - de prisão cellular de seis a vinte e quatro annos.
§ 2º Si o abôrto for provocado por medico, ou parteira legalmente habilitada para o exercicio da medicina:
Pena - a mesma precedentemente estabelecida, e a de privação do exercicio da profissão por tempo igual ao da condemnação.
Art. 301. Provocar abôrto com annuencia e accordo da gestante:
Pena - de prissãocellular por um a cinco annos.
Paragraphounico. Em igual pena incorrerá a gestante que conseguir abortar voluntariamente, empregado para esse fim os meios; e com reducção da terça parte, si o crime for commettido para occultar a deshonrapropria.
Art. 302. Si o medico, ou parteira, praticando o abôrto legal, ou abôrtonecessario, para salvar a gestante de morte inevitavel, occasionar-lhe a morte por impericia ou negligencia:
Pena - de prisão cellular por dousmezes a dousannos, e privação do exercicio da profisão por igual tempo ao da condenação. (BRASIL, 1890)
50 anos depois em 1940, foi promulgado o código penal que utilizamos até os dias atuais, redigido de forma mais clara e abrangente nas tipificações deixa mais clara a ação da gestante quanto a sua responsabilidade no auto aborto.
“(CP, art.124 – a gestante assume a responsabilidade pelo abortamento), aborto sofrido (CP, art.125- o aborto é realizado por terceiro sem o consentimento da gestante) e aborto consentido (CP, art. 126 – o aborto é realizado por terceiro sem o consentimento da gestante)” (Capez, 2012 p.130).
O artigo 127 traz as formas qualificadas, e o artigo 128 nos traz as excludentes de ilicitude, o que torna conhecido também “aborto legal”.
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena – detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por terceiros
Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Forma qualificada
Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provoca-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto em caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (BRASIL, 1940)
No crime de aborto os sujeitos passivos e ativos do crime variam de acordo com a modalidade praticada: No auto aborto (art. 124) a genitora é quem o provoca ou consente para que isso ocorra, portanto trata-se de um crime próprio, onde apenas a gestante pode figurar como sujeito ativo, enquanto que o sujeito passivo será sempre o feto. No aborto provocado sem consentimento (art.125) o sujeito ativo é o terceiro que o realiza, já neste caso temos dois sujeitos passivos a gestante e o feto. No aborto provocado com consentimento (art.126) o sujeito ativo é novamente o terceiro envolvido que realiza o aborto e também a gestante que conscientemente concorda com o ato, o sujeito passivo assim como no auto aborto é apenas o feto.
Vale destacar ainda a previsão do “aborto legal” ou necessário e sentimental previsto no Art. 128 do código penal, que dispõe de excludentes de ilicitude nos casos da pratica do aborto, afastando a regra geral e fazendo com que o médico e a gestante não sejam penalizados.
Em relação ao aborto necessário, ocorre que diante da adversidade as vidas da mãe e do feto são colocadas em uma balança, e há uma valoração entre ambas, protegendo-se sempre o direito da mãe, considerando que sua morte seria pior que a morte de um feto.
Consoante a doutrina, trata-se de espécie de estado de necessidade, mais sem exigência de que o perigo de vida seja atual. Assim, há dois bens jurídicos (a vida do feto e da genitora) postos em perigo, de modo que a preservação de um (vida da genitora) depende da destruição do outro (vida do feto). O legislado optou pela preservação do bem maior, que, no caso, é a vida da mãe, diante do sacrifício de um bem menor, no caso, um ser que ainda não foi totalmente formado. (Capez, 2012 p.142)
Neste caso não é necessário consentimento familiar ou mesmo da gestante, basta à constatação médica de que não há outra forma de salvar a vida da gestante.
Referente ao aborto resultante de estupro, ou aborto sentimental ou humanitário, visa-se resguardar a dignidade da mulher, bem como sua integridade psicológica, como dispõe Nucci:
“Em nome da dignidade da pessoa humana, no caso a mulher que foi violentada, o direito permite que pereça a vida do feto ou embrião. São dois valores fundamentais, mais é melhor preservar aquele que já existente”. (Nucci, 2014 p.622)
Nos casos de abortos sentimentais, é indispensável o consentimento da gestante ou de seu representante legal, sendo o médico proibido de realiza-lo por vontade própria, contudo, é dispensável a apresentação de Boletim de Ocorrência que para que se faça uma efetiva comprovação do estupro para a realização do aborto legal, conforme a Norma Técnica sobre Prevenção e Tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes elaborado Área Técnica de Saúde da Mulher, vinculada ao Ministério da Saúde prevê:
De acordo com o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, artigo 128, inciso II do Código Penal brasileiro, o abortamento é permitido quando a gravidez resulta de estupro ou, por analogia, de outra forma de violência sexual. Constitui um direito da mulher, que tem garantido, pela Constituição Federal e pelas Normas Internacionais de Direitos Humanos pelo ECA, no Capítulo I: do Direito à Vida e à Saúde, o direito à integral assistência médica e à plena garantia de sua saúde sexual e reprodutiva. .
O Código Penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento nesse caso, a não ser o consentimento da mulher. Assim, a mulher que sofre violência sexual não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia. Deve-se orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas caso ela não o faça, não lhe pode ser negado o abortamento. O Código Penal afirma que a palavra da mulher que busca os serviços de saúde afirmando ter sofrido violência, deve ter credibilidade, ética e legalmente, devendo ser recebida como presunção de veracidade. O objetivo do serviço de saúde é garantir o exercício do direito à saúde, portanto não cabe ao profissional de saúde duvidar da palavra da vítima, o que agravaria ainda mais as consequências da violência sofrida. Seus procedimentos não devem ser confundidos com os procedimentos reservados a Polícia ou Justiça. (p.68,69)
4.1 Panoramas gerais do aborto no Brasil
Apesar da tipificação do aborto no Brasil a Pesquisa Nacional do Aborto (Pna) mais recente realizada em 2016 aponta que são realizados cerca de 500.000 (quinhentos mil) abortos por ano. A pesquisa ainda revela que aproximadamente 1 (uma) a cada 5 (cinco) mulheres até os 40 (quarenta) anos já abortou de forma voluntária pelo menos uma vez. (PNA, 2016). Dentre os cerca de 500.000 (quinhentos mil) realizados, apenas 1.500 (mil e quinhentos) foram legais. (SUPERINTERESSANTE, 2017)
Ademais segundo o Guttmacher Institute em uma pesquisa realizada em 2017, a incidência de abortos é maior em países onde é proibido do que onde é liberado, sendo de 37 (trinta e sete) e 34 (trinta e quatro) para cada 1.000 (mil) mulheres respectivamente. (GUTTMACHER INSTITUTE, 2017)
Como já abordado no capítulo anterior a religião tem forte influencia sobre o pensamento humano, pelo senso de 2010 realizado pelo IBGE apenas 8% da população brasileira se declarou sem religião, e, portanto podemos dizer livre dos paradigmas que vem com elas. (IBGE, 2010)
Contudo o fato de estar ligado a uma religião e consciente de seus ensinamentos não foi fato impeditivo para que as mulheres abortassem segundo a PNA 2016 apenas 12% das mulheres entrevistadas disseram não seguir nenhuma religião, dentre as mulheres que abortaram 56% eram católicas, 25% protestantes ou evangélicas, 7% pertencentes a outras religiões. (PNA, 2016)
Entre as mulheres que abortaram 50% revelaram estar utilizando um método contraceptivo durante a relação que ocasionou a gestação, porém nem sempre é o suficiente, pois não existe nenhum método 100% seguro. (SUPERINTERESSANTE, 2017)
No Brasil o aborto não é uma questão de legalidade ou não, pode-se dizer que o aborto é livre! De acordo com seu saldo bancário. Mulheres pobres e principalmente negras não tem acesso a um aborto clandestino de que pode ser definido como de qualidade, em sua maioria são feitos em fundo de quintais. Enquanto a mulher branca de classe média alta terá acesso a clinicas ainda que clandestinas, mas com médicos enfermeiras e toda uma equipe para lhe prestar suporte.
5. ABORTO NOS CASOS DE FETO ANENCÉFALO
5.1Conceito e definição
A anencefalia é uma doença congênita letal que se dá pela má formação do tubo neural, o que se caracteriza pela ausência parcial do encéfalo e do crânio. Contudo, para que melhor se defina a anencefalia dispõe o Dr. Heverton Neves Pettersen:
A formação cerebral como a conhecemos: o encéfalo é formado pelos hemisférios cerebrais, pelo cerebelo [...] e pelo tronco cerebral. Então, o termo anencefalia – é fácil de entender – seria a não-formação completa do encéfalo; ou seja, para o diagnóstico de anencefalia precisamos ter ausência dos hemisférios cerebrais, do cerebelo e um tronco cerebral rudimentar. É claro que, durante essa formação, não tendo a cobertura da calota craniana, também vai fazer parte do diagnóstico a ausência parcial ou total do crânio. ( 2º dia de audiência pública ADPF-54, 2008 p.24)
O diagnóstico pode ser obtidoa partir da 12ª semana, de duas formas: através de dosagem de alfa-fetoproteína ou ultrassonografia, no caso da ultrassonografia opta-se por repetir o exame dentro de algumas semanas para confirmação do resultado.
5.2 A Anencefalia no Brasil
O Brasil é o 4º (quarto) país no mundo em casos de anencefalia, a ocorrência é de cerca de 1 (um) para cada 700 (setecentos) nascimentos. (UOL, 2012)
Após 2012 com o julgamento da ADPF-54 de relatoria do ministro Marco Aurélio, definiu-se que posteriormenteao diagnóstico de anencefalia a gestante tem o direito de escolher prosseguir ou não com a gestação. Não sendo necessário nenhum tipo de ação judicial, apenas a avaliação da equipe médica.
Todavia, apesar de ser matéria já julgada pelo STF ainda hoje duvidas se manifestam na sociedade se tal modalidade de aborto não seria uma forma de aborto eugênico (proibido no Brasil). Porém segundo o Ministro Gilmar Mendes em seu voto na ADPF, este tipo de aborto é classificado como aborto necessário, por já ter ficado claro que traz riscos a saúde da gestante.
Não se pode falar ainda em aborto eugênico, referindo se a eugenia de raças como os nazistas fizeram uma vez que não há vida para que se selecionem padrões sociais para esta.
Hoje no Brasil e no mundo é utilizado como com parâmetro para definir e constatar a morte de fato o encerramento das atividades cerebrais. Portanto podemos nos utilizar da analogia e dizer que para constatar a vida é necessário à atividade encefálica, podemos dizer então que os fetos anencefálicos, ou como também são chamados natimortos cerebrais, não carecem de proteção jurídico-penal.
“Aborto é uma interrupção de uma potencialidade de vida. O feto anencéfalo, sem cérebro, não tem potencialidade de vida. Hoje, é consensual, no Brasil e no mundo, que a morte se diagnostica pela morte cerebral. Quem não tem cérebro, não tem vida.” (José aristodemopinotti,2008 2º dia de audiência ADPF 54 p. 76,77)
O feto Anencefálico não possui nenhuma expectativa de vida, então diante de situações como essas há que se levar em conta principalmente o direito da gestante, seu direto a vida que reitera-se, a gestação de anencéfalo gera mais riscos que uma gestação convencional, mais principalmente deve-se levar em conta seu direito a saúde, o estado emocional e psíquico em que esta mulher se encontra. É inimaginável a dor de uma mãe que se encheu de expectativas ao engravidar e em uma consulta de rotina descobre que seu bebê não terá condições de sobreviver.
Ela pode inclusive desencadear um quadro psiquiátrico grave. Aí, sim, um quadro psiquiátrico grave de depressão, de transtorno de estresse pós-traumático e até mesmo um quadro grave de tentativa de suicídio, já que não lhe permitem uma decisão, ela pode chegar à conclusão, na depressão, de autoextermínio. (Talvane Martins de Moraes, 4º dia de audiência pública ADPF 54, 2008 p.62).
Ante todo o exposto fica claro que considerar inconstitucional o a interpretação que tipificava o aborto de feto anencéfalo foi um acerto do Supremo Tribunal Federal, livrando incontáveis mulheres de levar uma gestação até o fim apenas para sair do hospital e seguir direto para o cemitério para enterrar seu filho.
6. ABORTO NOS CASOS DE MICROCEFALIA
6.1 Conceito e definição
Microcefalia (do grego micrón, pequeno e céphalon, cabeça) é um distúrbio neurológico onde durante a formação a cabeça não atinge o tamanho esperado para a idade e sexo da criança, devido a má formação do cérebro; Devido a esta má formação as crianças portadoras de microcefalia geralmente apresentam algum tipo de deficiência intelectual, podendo apresentar também problemas relacionados a fala funções motoras, autismo, paralisia, epilepsia, nanismo ou baixa estatura, deficiência visual ou auditiva, e/ou outros problemas associados com anormalidades neurológicas.
Existem várias possíveis causas para o surgimento da microcefalia, dentre elas: Distúrbio cromossómico incluindo síndrome de Down, Craniossinostose, um defeito de nascença identificado pelo fechamento prematuro de uma ou mais juntas entre os ossos do crânio antes do completo crescimento cerebral, meningite bacteriana, uso abusivo de drogas e álcool durante a gravidez, exposição química ou a radiação, e infecções perinatais maternas entre elas por Rubéola e ZikaVirus.
Após o surto do vírus Zika que ocorreu entre o segundo semestre 2015 e 2016 vários estudos foram realizados e já se tornou consensual sua relação com a microcefalia.
O Diagnóstico ainda na gravidez se dá através de ultrassonografia, ou outros exames realizados durante o pré natal.
6.2 A microcefalia no Brasil
O artigo 128 do código penal é taxativo nos casos em que o aborto é permitido, não podemos, portanto fazer uma interpretação extensiva do mesmo; contudo como observamos com o julgamento da ADPF-54 o STF de certa forma abriu caminho para que novos pedidos relacionados a diferentes doenças fossem solicitados.
Diferentemente da anencefalia em que a taxa de mortalidade é de 100%, no caso da microcefalia há uma expectativa de vida extrauterina para a criança, todos sabemos que será uma vida cheia de limitações, porém ela terá uma vida; e é nisto que se baseia a corrente que é contraria ao aborto dos fetos microencefálicos.
Há quem diga que a hipótese de aborto de feto microencefálico se caracteriza como aborto eugênico, ou seja, a busca pela raça pura e perfeita, entretanto, há que se dizer que não é assim por que não se trata de um aborto pelo fato de a cor dos olhos ou da pele ou a qualidade dos cabelos não serem do agrado dos genitores e sim do fato de o feto ser portador de uma enfermidade incurável.
Todavia, devem ser levados em conta os direitos da genitora, pois uma escolha como esta causará mudanças em todo seu futuro, deve ser escolha principalmente da mãe levar esta gestação até o final, baseado em seu direito fundamental de liberdade e também no direito da dignidade da pessoa humana.
7. O ABORTO AO REDOR DO MUNDO
O primeiro país a regulamentar a prática do aborto foi a antiga União Soviética em 1920, a pratica era gratuita e sem restrições para as mulheres que estivessem dentro do 1º trimestre. (ESQUERDA DIÁRIO, 2018) Em pesquisa divulgada em 2007 a Rússia tem o índice de aborto para mulheres compreendidas na idade fértil entre 15(quinze) e 44(quarenta e quatro) anos, sendo de 53,7(cinquenta e três inteiros e sete décimos) para cada 1.000 (mil) mulheres. (UN DATA, 2007)
A politica abortiva é bem irregular ao redor do mundo, variando de países que não impõem nenhum tipo de restrição, a outros que não o permitem em nenhuma circunstância, a exemplo de Sam Marino.
A América Latina é uma das regiões que concentra a maior parte dos países onde o aborto é proibido ou permitido apenas em casos de risco de morte. Apenas cinco países têm legislações permissivas: Argentina, Cuba, Guiana, Porto rico e Uruguai.
Atualmente 60% da população se encontram em países onde, são mais amplas as legislações que permitem o aborto sem ou com pequenas restrições. Contudo, os números relacionados o aborto ainda são assustadores; Entre 2010 e 2017 ocorreram anualmente aproximadamente 56 milhões de abortos, dos quais 45%, ou seja, 25 milhões não foram legais ou seguros. Destes 95% ocorreram em países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina. (EXAME, 2018)
Desta forma destaca-se que criminalizar o aborto não o diminui, apenas leva as mulheres para a clandestinidade, e o que poderia ser resolvido de forma simples e rápida na grande maioria das vezes termina em morte e complicações.
Muitos estudos já comprovaram que em países onde ocorreu a descriminalização do aborto, houve uma brusca queda nos casos de morte da genitora, e também dos casos de aborto em si, por que a legalização sempre vem acompanhada de politicas públicas que visam dar segurança e de prevenção à gravidez indesejada, assistência social e educação sexual.
8. CONCLUSÃO
Podemos afirmar, apesar do quão estranho possa parecer num primeiro momento que defender o direito ao aborto é, defender a vida, por que quando falamos em aborto não podemos considerar apenas a vida do feto, temos a genitora envolvida, é fato que a proibição não põe fim ao aborto, apenas o torna mais arriscado e inseguro, levando a morte de milhares de mulheres por ano no mundo todo.
Outrossim, quando o aborto não termina com a morte do feto e da genitora, nós temos uma gravidez que é levada até o final contra a vontade da mãe o que pode ocasionar diversos problemas psicológicos e ao fim dessa gravidez teremos mais uma criança incorporada ao sistema de adoção se esta tiver sorte. Essas crianças se forem oque podemos chamar de muito sortudas, encontram uma família que lhes deem amor carinho e respaldo, quando não a tem ao atingirem a maioridade devem deixar os abrigos e encontrar meios de sobreviver, recebem um respaldo é claro, mais este nem se aproxima daquele que uma família daria.
As crianças mais desafortunadas acabaram em bueiros, latas de lixo e etc, como vemos não raras vezes na mídia. Estes quando não morrerem crescerão nas ruas, sem o mínimo de dignidade humana, sobrevivendo de comidas encontradas nos lixos e caridades alheias, muitas vezes vão ao encontro do caminho do crime para se manter. Agora será que aqueles que defendem a criminalização podemrealmente dizer que esta é a melhor forma de garantir a vida?
A legalização somada com a educação sexual pode reduzir o total de abortos, uma vez que a educação sexual conscientiza não somente as mulheres mais também os homens sobre os seu papel na gravidez. Em matéria publicada pela revista Veja em janeiro de 2019 o Papa Francisco Pontífice da igreja católica defendeu a educação sexual nas escolas: “Creio que nas escolas é preciso dar educação sexual. Sexo é um dom de Deus, não é um monstro. É o dom de Deus para amar, e se alguém o usa para ganhar dinheiro ou explorar o problema é diferente. Precisamos oferecer uma educação sexual objetiva e sem colonização ideológica”.
Atualmente vivemos em um mundo onde todos temos direito a opinião, apesar de não poucas vezes vermos as opiniões alheias serem sufocadas por verdades ditas absolutas, todavia, já está na hora de quebrarmos esses paradigmas impostos a nós e mostrarmos que todos podemos expor pensamentos e opiniões, afinal critérios e convicções pessoais não podem ser impostos como se verdades absolutas fossem!
REFERENCIAS
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Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAIS, Gustavo Henrique Caramelo. Um panorama do aborto no Brasil e no mundo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2019, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52959/um-panorama-do-aborto-no-brasil-e-no-mundo. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
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Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
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