ADEMIR GASQUES SANCHES
(Orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha e a qualificadora do artigo 121 do Código Penal Brasileiro, chamado de feminicídio, quanto à sua eficácia e ineficácia em relação às vítimas de violência doméstica, familiar e de gênero. Visa, ainda, demonstrar o aumento da violência contra mulheres negras e não negras, conforme os dados apresentados pelo Atlas da Violência de 2018; apresentar alguns países que adotam a proteção da mulher em sua legislação; discutir: a desigualdade de gênero que grassa no país- embora a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB apresente em seu artigo 5° que todos são iguais perante a lei, homens e mulheres, em direitos e obrigações, sem distinção de qualquer natureza, garantindo direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, a influência que a Lei Maria da Penha tem sobre o feminicídio e algumas alterações na lei.
Palavras-chaves: Lei Maria da Penha; Feminicídio; Mulher; Violência.
ABSTRACT: The purpose of this study is to analyze Law 11.340 / 2006, known as the Maria da Penha Law and the qualifier of article 121 of the Brazilian Penal Code, called feminicide, as to its effectiveness and ineffectiveness in relation to victims of domestic, of gender. It also aims to demonstrate the increase in violence against black and non-black women, according to data presented by the Atlas of Violence in 2018; present some countries that adopt the protection of women in their legislation; to discuss: the gender inequality that rages in the country - although the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988 - CRFB presents in its article 5 that all are equal before the law, men and women, in rights and obligations, without distinction of any nature, guaranteeing the right to life, liberty, equality, security and property, the influence that the Maria da Penha Law has on feminicide and some changes in the law.
Keywords:. Maria da Penha Law; Feminicide; Woman; Violence.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS SOBRE A IGUALDADE DE GÊNERO. 3 A INFLUÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA NO CRIME DE FEMINICÍDIO. 4 Das medidas protetivas. 4.1 Conceito. 4.2 Das medidas protetivas de urgência quanto ao agressor. 4.3 Das medidas protetivas de urgência quanto à ofendida. 4.4 Alteração na lei. 5 FEMINICÍDIO. 5.1 Conceito. 5.2 A origem do termo. 5.3 Finalidades da implantação do feminicídio no Código Penal. 5.4 A flexibilização do porte de armas recentemente autorizado no eventual combate ao feminicídio. 5.5 “Feminicídio negro”. 5.6 O feminicídio no direito comparado. 5.7 Estatística. 5.8 Palco de ocorrências de feminicídio. 5.9 Instrumentos usados para a prática de feminicídio. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
A Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006, criada em homenagem a Maria da Penha, que foi vítima da violência doméstica por seu ex-esposo, vindo a ter sequelas irreversíveis, trouxe mecanismos revolucionários como as medidas cautelares de urgência, com o intuito de deter a violência doméstica e familiar contra a mulher, entretanto, devemos questionar se ela tem sido efetiva para a diminuição desse ato.
Em 2015, foi criada a Lei 13.104/2015, incluída como qualificadora do homicídio, nomeada de Feminicídio, tal dispositivo foi criado em decorrência do grande aumento de assassinatos de mulheres, por simplesmente serem do sexo feminino. Visando retirar do meio social a discriminação da mulher.
Pesquisa publicada pela FOLHA DE S. PAULO mostrou que o Brasil passou da posição 90 para 95 alcançando o pior resultado desde 2011 no Ranking de Igualdade de Gênero, dentre os 149 países listados. A violência contra a mulher é um problema social que acontece diariamente na sociedade que ainda é enraizada com a cultura arcaica, patriarcal e machista, na qual deve ser sanada pelo Estado e pela própria sociedade.
A finalidade do presente artigo é de pesquisar sobre a Lei Maria da Penha e o crime de feminicídio, verificando suas estatísticas, ocorrências, local que ocorrência, instrumentos utilizados para sua prática e índice de esclarecimento do crime.
Analisando a atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB traz em seu dispositivo do artigo 5º, inciso I:
Art.5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, tem-se como Cláusula Pétrea (dispositivo constitucional imutável), a disposição de que “todos são iguais perante a lei” e que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
Sabe-se que essa igualdade não ocorre da forma almejada pela nossa Carta
Magna.
No mesmo sentido, a Constituição Federal, apresenta no seu artigo 226, as regras sobre a família:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
Não há dúvida quanto à importância que a Constituição da República Federativa do Brasil confere como garantia fundamental o princípio da igualdade, tanto em seu artigo 5º, I, como mencionado acima, como também no §5° do artigo 226.
Na última pesquisa publicada em 2018 pela FOLHA DE S. PAULO (BRANT, 2018), para se aferir os resultados obtidos no combate à violência e discriminação contra a mulher, foi analisado o progresso obtido na igualdade de gênero em quatro dimensões: “oportunidade econômica, empoderamento político, nível educacional e saúde e sobrevivência”. O Brasil passou da posição 90 para 95 em uma lista de 149 países, alcançando o pior resultado desde 2011 no Ranking de Igualdade de Gênero.
Mais adiante na Constituição Federal, no artigo 7°, os incisos XXX, XXXI e XXXII trás a proibição da diferença salarial, do exercício de funções e de critérios de admissão em razão de sexo, idade, cor ou estado civil, no que concerne a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência e de distinção entre trabalho manual, técnico ou intelectual ou entre os profissionais respectivos. Também garantidos pela legislação infraconstitucional, assegura que não haja restrições para o acesso ao trabalho, a menos que sejam apenas requisitos específicos para o desenvolvimento da função.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.
O princípio da isonomia limita que os legisladores criem ou editem leis que a violem, como também limita o indivíduo a não apresentar condutas contrárias a igualdade, isto é, praticar atos preconceituosos, discriminatórias ou racistas.
A Lei Maria da Penha foi implementada no Brasil justamente para dar efetividade no artigo 226 da Constituição Federal de 1988, ou seja, o instrumento legal que o legislador colocou em prática foi no sentido de assegurar a mulher vítima de violência.
Publicada no dia 8 de agosto de 2006, a Lei n°11.340/2006 entrou em vigência após o prazo de vacatio legis (45 dias), no dia 22 de setembro de 2006.
Esta lei foi criada em decorrência da grave violência que a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, sofreu por parte de seu marido. Após várias agressões e denuncias incessante, que de nada adiantaram, o caso foi levado à Comissão Internacional de Direitos Humanos, que publicou o Relatório n°54/2001.
A Lei n°11.340/2006 visa impedir a violência doméstica e familiar contra a mulher, tais como agressões físicas, morais, psicológicas, sexuais entre outras, conforme o artigo 7° desta lei, solucionando um ato que há muito tempo está aferrado na cultura machista e arcaica do povo brasileiro.
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, instante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
A Lei Maria da Penha é caracterizada pelo vínculo familiar ou relação afetiva, em que haja situação de vulnerabilidade entre as partes conforme o artigo 129, §9° do Código Penal:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
[...]
Violência Doméstica
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.()
A medida protetiva é um meio pelo qual a mulher pode buscar a proteção estatal e jurisdicional contra seu agressor. Elas podem ser concedidas de imediato, independente de audiência das partes e da manifestação, ainda que o Ministério Público deva ser de imediato comunicado.
Para que sejam autorizadas tais medidas, é preciso o ônus que caracterize a violência contra a mulher no âmbito da relação doméstica ou familiar dos envolvidos.
O agressor poderá ser sancionado em flagrante e ter sua prisão preventiva decretada caso tenha desobedecido à ordem judicial, sempre que houver ação ou omissão que se depare com um dos elementos inclusos nas medidas protetivas de urgência, conforme o artigo 22 da Lei nº 11.340/2006 – Maria da Penha:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
As medidas protetivas de urgência referentes à ofendida estão pautadas no artigo 23, que trata da proteção da vítima, e o artigo 24, referente ao patrimônio do casal e outros bens particulares da vítima, ambos da Lei nº 11.340/2006 – Maria da Penha:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.
O presidente Jair Bolsonaro, sancionou no dia 13 de maio de 2019, o projeto de lei que autoriza as autoridades policiais a conceder medidas protetivas às mulheres vítimas de violência doméstica. Acrescentando o artigo 12-C na Lei 11.340/2006:
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente a? vida ou a? integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
I - pela autoridade judicial; (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)
§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019).
Em 09 de março de 2015, a Lei 13.104/2015 incluiu no Código Penal Brasileiro, a qualificadora do homicídio. Formada por uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, tratando da questão da violência contra a mulher no Brasil, investigando as situações em cada Estado brasileiro, para assim serem tomadas as devidas providências. Esse processo durou de março de 2012, a julhos de 2013, sendo constatadas relações diretas entre o crime de gênero e o feminicídio.
Segundo Fernando Capez:
Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher por ‘razões da condição de sexo feminino’, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima por ser mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino.
Tal qualificadora encontra-se no artigo 121, inciso VI e § 2°-A do Código Penal:
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
[...]
Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I - violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental: (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)
III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)
IV - em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.771, de 2018).
A diferença entre a violência doméstica e o feminicídio é o vínculo familiar e o afeto entre as partes.
A palavra “feminicídio” – em inglês, “feminicide”, foi utilizada pela primeira vez na cidade de Bruxelas em 1976, durante um discurso perante o Tribunal Internacional de Crimes Contra a Mulher, por Diana Russell. A fim de compartilhar testemunhos e trocar experiências sobre opressões e violências sofridas pelo sexo feminino, a sessão reuniu cerca de duas mil mulheres de quarenta países.
Anos depois, Russell, em parceria com Jane Caputti, escreveu um artigo, titulado de “Femicide: sexist terrorism against women”, ampliando o termo, descrevendo a morte como resultada da discriminação de gênero, e tratando do ato contínuo da violência, abusos e privações sofridos pela vítima, em razão de ser mulher.
Conforme RUSSEL, Diana e RADFORD, Jill (1992, pg 15):
Femicídio está no ponto mais extreme do contínuo de terror anti-feminino que inclui uma vasta gama de abusos verbais e físicos, tais como estupro, tortura, escravização sexual (particularmente a prostituição), abuso sexual infantil incestuoso e extrafamiliar, espancamento físico e emocional, assédio sexual (ao telefone, na rua, no escritório e na sala de aula), mutilação genital (cliterodectomia, excisão, infibulações), operações ginecológicas desnecessárias, heterossexualidade forçada, esterilização forçada, maternidade forçada (ao criminalizar a contracepção e o aborto), psicocirurgia, privação de comida para mulheres em algumas culturas, cirurgias cosméticas e outras mutilações em nome do embelezamento. Onde quer que estas formas de terrorismo resultem em mortes, elas se tornam femicídios.
Desta forma, na concepção das autoras, o feminicídio é considerado uma morte violenta, não ocasional e não acidental de uma mulher, conceituado por uma sociedade machista, patriarcal, sexista e misógina. Seria o encerramento cruel e letal de um ciclo de violações e privações sofridas por mulheres ao longo da vida.
A Lei nº 13.104/2015 foi acrescida como qualificadora do homicídio ao Código Penal Brasileiro, devido ao grande aumento de mulheres assassinadas em razão de gênero, ou seja, por sua condição de mulher.
Através da perspectiva de retirar do meio social o âmago discriminatório da invisibilidade, coibindo a impunidade. A responsabilidade do Estado, por meio de ação ou omissão, complacente com a conservação da violência contra as mulheres, até mesmo quando ela perdura ao extremo da mortalidade.
(O QUE É FEMINICÍDIO, 2019):
Trata-se de um crime de ódio. O conceito surgiu na década de 1970 com o fim de reconhecer e dar visibilidade à discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, que, em sua forma mais aguda, culmina na morte. Essa forma de assassinato não constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado; ao contrário, faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas caracterizam o uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie.”
Eleonora Menicucci, socióloga e professora titular de saúde coletiva da Universidade Federal de São Paulo, foi ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres entre 2012 e 2015.
Foi nesse sentido que o legislador achou por bem alterar o artigo 121 do Código Penal, para nele inserir a figura do feminicídio.
De acordo com a notícia publicada pela Folha de S. Paulo, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ao defender o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro que flexibiliza o porte e a posse de armas no Brasil, argumentou indicando sobre os casos de feminicídio, que as mulheres preferem se defender com armas do que com a “folhinha da Maria da Penha”.
(FOLHA DE SÃO PAULO, 2019):
Levantamento feito pela Folha em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, em março deste ano, mostrou que a faca foi a arma mais usada (41%) nos crimes, seguida por armas de fogo (23%).
O jornal usou como base os casos de 179 mulheres que, em janeiro deste ano, foram vítimas ou sobreviveram a uma tentativa de feminicídio notificados no país. É uma média de seis crimes por dia. Nos casos estudados, 74% dos crimes cometidos com armas de fogo resultaram em morte – contra 59% no caso de agressões a facadas.
Segundo Maria Guaneci Ávila, de 60 anos de idade, coordenadora do projeto “Diga SIM às Mulheres: Criando e Fortalecendo Estratégias para Enfrentar o Racismo e o Feminicídio Negro”, vem sendo desenvolvido com o apoio do Fundo Fale Sem Medo. Ela diz: “Indicar às mulheres da periferia de grandes cidades, especialmente às mulheres negras, que a polícia é seu primeiro recurso de proteção contradiz todo o histórico de violência policial contra comunidades periféricas no Brasil”.
Algumas conclusões feitas pelo seminário “Mulheres Negras Movem o Brasil: visibilidade e oportunidade”, publicado pela Câmara dos Deputados no dia 20 de novembro de 2018, Dia da Consciência Negra, apontaram que as mulheres negras são as que mais sofrem com a violência doméstica e obstétrica, a mortalidade materna e a criminalização do aborto.
REDE BRASIL ATUAL, (2018):
Entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas em função da condição de gênero cresceu 54% enquanto o índice de mulheres brancas assassinadas caiu 10% no mesmo período”, destacou a deputada Erika Kokay (PT-DF). Ela ainda trouxe números mostrando que a violência doméstica atinge principalmente as mulheres negras, que representam 58% das ligações ao Disque 180, a Central de Atendimento à Mulher. Este segmento também é o mais afetado pela mortalidade materna (56%) e pela violência obstétrica (65%). Os dados são do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
No início de 2018, marcado pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, mulher negra, LGBT e defensora dos direitos humanos, foi um exemplo claro da pouca efetividade da lei, completando um ano em 2019.
Segundo a notícia publicada pelo G1.GLOBO, (2019), a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro prenderam, na terça-feira dia 12 de março, dois suspeitos de terem cometido crime, ambos Policiais Militares. Porém, ainda sem respostas sobre o que motivou o crime, a existência de mandantes e caso houvesse, quem seriam.
Segundo a notícia publicada pela HUFFPOSTBRASIL, no dia 25 de setembro de 2016, o Banco Mundial analisou que de 173 países, 46 não têm legislação específica que proteja às mulheres contra a violência doméstica. “Os dados são da pesquisa “Mulheres, empresas e o direito 2016”“.
HUFFPOST BRASIL, 2016:
Das nações onde a lei contempla de alguma forma o tema, 95 abordam a violência física e sexual e 122, a violência psicológica. Já a violência econômica é raramente abordada, sendo ausente em 94 países.
Na América Latina e Caribe, Leste da Ásia e Pacifico e Sul da Ásia, somente Haiti, Mianmar e Afeganistão não têm leis sobre violência doméstica. Na Europa e Ásia Central estão nesse grupo Armênia, Federação Russa e Uzbequistão.
De acordo com a pesquisa, as medidas protetivas são um dos dispositivos legais mais eficazes e estão disponíveis em 124 países. As medidas em geral obrigam o agressor a se retirar da casa e proíbem o contato com a vítima.
Quanto ao acesso à Justiça, 117 nações têm juizados ou procedimentos especializados para casos de violência doméstica.
De acordo com o índice apresentado pelo Atlas da Violência, no ano de 2016, a taxa de homicídio de mulheres negras é superior a de mulheres não negras, com diferença de 71%, na qual foi analisado o índice de homicídio para cada 100 mil mulheres negras, com um aumento de 15,4%, enquanto que as mulheres brancas houve uma queda de 8%.
Ao analisar vinte Estados, entre 2006 e 2016, em dozes deles, a taxa de homicídio de mulheres negras foi maior que 50%:
Já em comparação a taxas de homicídio de mulheres não negras, houve aumento em quinze Estados e em apenas seis deles o aumento foi maior que 50%. (Atlas da Violência, 2018, p. 54 e 55).
Em uma notícia publicada no dia 07 de março de 2019, pelo O GLOBO, foi registrado por Jefferson Nascimento, doutor em Direito Internacional pela USP, 344 casos de feminicídio – sendo 207 episódeos consumados e 137 tentativas
O GLOBO, 2019:
A taxa de letalidade é de 60%, com 222 vítimas identificadas, em crimes ocorridos em todos os estados brasileiros, além do Distrito Federal. A média é de 5,31 casos por dia, ou um caso a cada quatro horas e 31 minutos nos primeiros 64 dias do ano.
De acordo com um estudo realizado pelo Núcleo de Gênero do MPSP, foi analisado o local onde as mulheres são atacadas pelo agressor. Concluíram que o maior índice de ataques fatais ocorre dentro de casa, e no total de 8% dos crimes ocorrem em locais frequentados pelas mulheres, como seu trajeto para casa ou para o trabalho.
RAIO X do FEMINICÍDIO em SP, (2018):
Porcentagem de locais de ocorrência do crime:
- 66% - casa da vítima;
- 6% - via pública;
- 5% - trabalho e estabelecimento público;
- 4% - não consta;
- 3% - casa de 3°, casa do réu, trajeto da vítima;
- 2% - carro e local ermo;
- 1% - hotéis e similares.
A pesquisa também analisou sobre os instrumentos utilizados no crime, referidos como “armas”. Levando em consideração o instrumento principal que deu causa ou era apto a causar a morte da vítima ao que se refere à denúncia, assim como, nas hipóteses em que conste na peça acusatória. Sendo assim, o instrumento secundário, apresenta dados maiores, que não contam no processo, que é utilizado para agredir a vítima no mesmo contexto.
De acordo com a pesquisa feita pelo RAIO X do FEMINICÍDIO em SP, (2018), as armas secundárias mais utilizadas pelo agressor são:
- 58% - faca, foice e canivete;
- 17% - arma de fogo;
- 11% - instrumentos “domésticos”;
- 10% - uso das mãos;
- 4% - outros.
Dessa forma, a Lei Maria da Penha, embora criada por tratados internacionais com o intuito de evitar à violência doméstica e familiar, e o feminicídio evitar a morte de mulheres, em que ambas abrangem o direito a vida, o respeito, à liberdade, o respeito à convivência familiar e comunitária, só tem aumentado, independentemente da evolução dos direitos e dos dispositivos legais no sentido da equidade entre os gêneros, sendo, portanto, um problema cultural e social, marcados pela cultura patriarcal.
Embora existam as medidas protetivas, que também permitem a prisão preventiva do agressor, a mesma tem apresentado falhas na sua aplicabilidade, dado que o poder público juntamente com o Judiciário e o Executivo, não criaram mecanismos para proteger e amparar as vítimas, como casas de abrigo com assistência profissional (psicólogos e psiquiátricos).
A falta de agilidade do Poder público em atender a ação policial das ocorrências, faz com que a Lei não seja bem aplicada. Cabendo aos órgãos competentes aplicar corretamente a lei que protege a mulher de violências domésticas, familiares e de gênero.
Contudo, podemos observar que o Estado é falho na aplicação das leis, devendo ele eleger ações diretas para com os agressores e as vítimas, “e garantir a capacitação permanente dos profissionais que lidam com a atenção da vítima e aos agressores”. E assim, com a aplicação correta, poderia resultar na diminuição dos casos.
Agência Patrícia Galvão, FEMINICIDIO: #INVISIBILIDADEMATA / organização Débora Prado, Marisa Senematsu; ilustração Ligia Wang; (editor) Fundação Rosa Luxemburg. São Paulo: Instituto Patrícia Galvão, 2017. Disponível em: <https://agenciapatriciagalvao.org.br/wp-content/uploads/2017/03/LivroFeminicidio_InvisibilidadeMata.pdf>. Acesso em 00/00/2019.
BRANT, Danielle. Brasil cai para 95º em ranking de desigualdade de gênero do Fórum Econômico Mundial. Folha de S. Paulo. Nova York, p. 1-1. 17 dez. 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/12/brasil-cai-para-95o-em-lista-de-desigualdade-de-genero-do-forum-economico-mundial.shtml>. Acesso em: 00/00/2019.
BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso: 00/00/2019.
CAMARGO, Marcelo. Mulheres negras são as maiores vítimas de feminicídio no Brasil. Rede Brasil Atual. SÃO Paulo, p. 1-1. 20 nov. 2018. Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2018/11/mulheres-negras-sao-as-maiores-vitimas-de-feminicidio-no-brasil/>. Acesso em: 00/00/2019.
Capez, Fernando Curso de direito penal, volume 2, parte especial : arts. 121 a 212 / Fernando Capez. — 18. ed. atual. — São Paulo : Saraiva Educação, 2018
Decreto n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm> Acesso: 00/00/2019.
Dossiê Feminicídio. O QUE É FEMINICÍDIO. Disponível em: <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/o-que-e-feminicidio/>. Acesso em 00/00/2019.
Feminicídio negro é foco de projeto apoiado. Disponível em: <http://www.fundosocialelas.org/falesemmedo/noticia/feminicidio-negro-e-foco-de-projeto-apoiado/15926/> Acesso em: 00/00/2019
FERREIRA, Lola; SILVA, Vitória Régia da. 2018: O ano da violência política e da morte de Marielle. Gênero e Número. Rio de Janeiro, p. 1-1. 18 dez. 2018. Disponível em: <http://www.generonumero.media/2018-o-ano-da-violencia-politica-e-da-morte-de-marielle/>. Acesso em: 00/00/2019.
FOLHA DE SÃO PAULO: Bolsonaro sanciona lei que permite a policiais conceder medida protetiva a vítima de violência. São Paulo, 14 maio 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/05/bolsonaro-sanciona-lei-que-permite-a-policiais-conceder-medida-protetiva-a-vitima-de-violencia.shtml#comentarios>. Acesso em:00/00/2019.
FOLHA DE SÃO PAULO: Para defender decreto, Onyx diz que mulheres preferem armas a Maria da Penha. Brasília, 10 maio 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/05/para-defender-decreto-onyx-diz-que-mulheres-preferem-armas-a-maria-da-penha.shtml>. Acesso em: 00/00/2019.
Fórum Segurança, ATLAS DA VIOLÊNCIA 2018. IPEA & FBSP. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/06/FBSP_Atlas_da_Violencia_2018_Relatorio.pdf, pgs. 54 e 55. Acesso em: 00/00/2019.
G1: As evidências para a prisão dos dois suspeitos de matar Marielle e Anderson. Rio de Janeiro, 12 mar. 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/03/12/as-evidencias-para-prisao-dos-dois-suspeitos-de-matar-marielle-e-anderson.ghtml>. Acesso em: 00/00/2019.
HUFFPOST BRASIL: De 173 países, 46 não têm lei específica sobre violência contra mulher. São Paulo, 25 set. 2016. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/2016/09/25/de-173-paises-46-nao-tem-lei-especifica-sobre-violencia-contra_a_21696656/>. Acesso em: 00/00/2019.
Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso: 00/00/2019.
MERELES, Carla. Entenda a Lei do Feminicídio e por que ela é importante. 2019. Disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/blog/atualidades-vestibular/entenda-a-lei-do-feminicidio-e-por-que-e-importante/>. Acesso em: 00/00/2019..
O GLOBO: Mais de 200 feminicídios ocorreram no país em 2019, segundo pesquisador. Rio de Janeiro, 08 mar. 2019. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/mais-de-200-feminicidios-ocorreram-no-pais-em-2019-segundo-pesquisador-23505351>. Acesso em: 00/00/2019.
Planalto, Lei do Feminicídio, Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm>. Acesso em 00/00/2019.
RUSSEL, Diana E. H. The Origin And Importance Of The Term Femicide. Dez. 2011. Disponível em: <http://www.dianarussell.com/origin_of_femicide.html> Acessado em: 00/00/2019.
RUSSEL, Diana; RADFORD, Jill. Femicide: The Politics of Woman Killing. Nova York: Twayne Publishers, 1992, p. 15.
SMANIO, Gianpaolo Poggio; FERNANDES, Valéria Diez Scarance. RAIO X do FEMINICÍDIO em SP é possível evitar a morte. São Paulo: Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), 2018, pgs 12 e 14. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Nucleo_de_Genero/Feminicidio/2018%20-%20RAIOX%20do%20FEMINICIDIO%20pdf.pdf>. Acesso em: 00/00/2019.
SOUZA, João Paulo de Aguiar Sampaio. FONSECA, Tiago Abudda. A aplicação da Lei 9.099/95 nos casos de violência domestica contra a mulher, p.176. Boletimdo IBCrim n.168, novembro de 2006, p.4.
TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2002. p. 116.
Bacharelanda do curso de Direito da Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHIOSINI, Isis de Moura. A Lei Maria da Penha e o feminicídio: seus reflexos no combate a violência contra a mulher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2019, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52980/a-lei-maria-da-penha-e-o-feminicidio-seus-reflexos-no-combate-a-violencia-contra-a-mulher. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
Por: PAULO BARBOSA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
Precisa estar logado para fazer comentários.