RESUMO: Este trabalho busca abordar a natureza jurídica dos atos de comunicação processuais por requisição aos militares, notadamente aos policiais militares, partindo da perspectiva do julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental N°444 e 395, pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2018. Também aborda a extensão da obrigação do superior militar no cumprimento das requisições dos seus subordinados e se o seu cumprimento implica, necessariamente, uma obrigação militar, um ato de serviço militar. Trata ainda da moderna concepção do princípio da juridicidade administrativa na integração do direito aos atos administrativos. Por fim se abordam algumas possíveis consequências em razão destas formulações em abstrato.
Palavras-chave: atos de comunicação processuais; requisição; militares
ABSTRACT: This work seeks to address the legal nature of procedural communication acts by requisition to the military, in particular the military police, starting from the perspective of the Judgments of Default of Precept N°. 444 and 395, by the Federal Supreme Court in the year 2018. Also addresses the extension of the military superior's obligation to comply with the requisitions of his subordinates and whether its fulfillment necessarily implies a military obligation or an act of military service. It also deals with the modern conception of the principle of administrative juridicality in the integration of the right to administrative acts. Finally, some possible consequences for these abstract formulations are discussed.
Keywords: procedural communication acts; requisition; military.
SUMÁRIO: Introdução. 1. A CITAÇÃO DO (POLICIAL) MILITAR NO PROCESSO PENAL COMUM. 1.1 A revelia como direito subjetivo do réu e da defesa. 1.2 A natureza jurídica do interrogatório. 2. O (POLICIAL) MILITAR TESTEMUNHA NO PROCESSO PENAL COMUM. 3. A REQUISIÇÃO DO (POLICIAL) MILITAR TESTEMUNHA. 3.1 Possíveis consequências da formulação em abstrato. Conclusão. Referências.
Introdução
Em 14 de junho de 2018 noticiava o Supremo Tribunal Federal (STF) em sua página eletrônica oficial: “Plenário declara a impossibilidade da condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório” (STF, 2018). O STF havia se debruçado no âmbito do julgamento de duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF’s N° 444 e 395, realizando análise do Artigo 260 do Código de Processo Penal (CPP), ao dispor que “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença” (BRASIL, 2019).
A corte passou a entender que não houve integral recepção do art. 260 do CPP pela Constituição de 1988, nos termos do voto do relator, Ministro Gilmar Mendes:
“[...] a partir da Constituição de 1.988, foi consagrado o direito do réu de deixar de responder às perguntas, sem ser prejudicado – direito ao silêncio. A condução coercitiva para o interrogatório foi substituída pelo simples prosseguimento da marcha processual, à revelia do acusado – art. 367 do CPP, com redação dada pela Lei 9.271/96” (STF, 2018). (grifo nosso)
Ainda em seu voto, Mendes destaca que o direito de não-autoincriminação deve ser compreendido em dimensão tal que consista numa “prerrogativa do implicado a recursar-se a depor em investigações ou ações penais contra si movimentadas, sem que o silêncio seja interpretado como admissão de responsabilidade.” (STF, 2018).
Avaliou-se que esta condução coercitiva para interrogatório “representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer” (STF, 2018).
Ressalvou-se a possibilidade de utilização de condução coercitiva para a qualificação do acusado e também quando houver dúvida sobre a identidade civil, tendo em vista que o CPP autoriza até mesmo a prisão preventiva para o cumprimento desta finalidade, então, restaria autorizada medida menos gravosa.
Excepcionou-se, também, a possibilidade de realização do interrogatório do acusado tão logo tenha sido este capturado em flagrante delito, dado que este ato integra o próprio auto de prisão em flagrante delito (art. 304 do CPP). O relator ainda dispôs acerca do direito de o acusado ou réu deixarem de comparecer ao ato de interrogatório, afirmando que:
“O essencial para essa conclusão é que a legislação prevê o direito de ausência ao interrogatório, especialmente em fase de investigação. O direito de ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva. Para que a condução coercitiva seja legítima, ela deve destinar-se à prática de um ato ao qual a pessoa tem o dever de comparecer, ou ao menos que possa ser legitimamente obrigada a comparecer (STF, 2018).” (grifo nosso)
Seria, portanto, expressamente, a ausência deliberada ao ato de interrogatório, um direito subjetivo do réu e da defesa. Foi justamente neste contexto fático-normativo-jurisprudencial que fez emergir certa inquietação, porque o Código de Processo Penal disciplina da mesma forma a citação e a intimação do (policial) militar, devendo ambas ocorrerem por requisição, conforme disciplinado pelos artigos 358, 370 e 221,§ 2°, do CPP.
Desde logo, então, partimos do pressuposto normativo de que a requisição do policial militar para o ato de interrogatório não pode importar um ato de serviço, dado que o investigado em inquérito ou réu em ação penal não tem o dever de comparecimento a este ato.
Questão controvertida e que exploraremos, entretanto, reside na requisição de (policiais) militares para que sirvam ao interesse processual como testemunhas, se neste caso a requisição ao comandante o obrigaria a se valer de um instrumento de escala para tacitamente persuadir o militar ao comparecimento ao juízo requisitante, o que significaria ter a um só tempo a constituição de uma obrigação de atendimento à jurisdição – um múnus público - e também um dever funcional.
Merece destaque, ainda como nota introdutória, o fato de que o legislador e mesmo os operadores do Direito como um todo legam ao Direito Militar o esquecimento, ou uma visão de subcategoria, pondo-o num segundo plano, o que tem causado um severo distanciamento entre o Direito moderno – notadamente o direito criminal – do cidadão militar.
Assim o foi com a Lei 9.099/1995, ao trazer em seu artigo 90-A que suas disposições (notadamente aquelas sobre as medidas despenalizadoras) não se aplicam no âmbito das justiças militares, como explicaremos adiante e com a Lei 11.719/2008, ao alterar a ordem das oitivas no processo penal comum, tendo de haver uma correção à disciplina dada pelo Código de Processo Penal Militar – CPPM (art. 302) no âmbito do HC 127.900/2016 – AM (STF).
Esta situação se tornou ainda mais gravosa com o advento da Lei 13.491/2017, ao fazer ingressar no ordenamento castrense uma série de delitos que anteriormente eram apurados, processados e julgados pela autoridade policial e pelas varas criminais comuns. Só para ilustrar como o militar se tornou figura vulnerável para a norma penal, um Policial Militar venha a cometer qualquer ilícito em serviço, ainda que seja um delito contra a honra, uma ameaça, uma lesão leve ou culposa, terá lavrado contra si um auto de prisão em flagrante delito, pelo crime – agora crime militar – por imposição do art. 9°, inciso II, alínea “c” do Código Penal Militar (CPM).
Isto porque as ações penais militares são incondicionadas à representação, e a elas não se aplicam as disposições da Lei 9.099/95. Qualquer cidadão, ou mesmo qualquer outro policial de outra instituição (Polícia Civil, Rodoviária Federal, Polícia Federal) que reproduza a mesma conduta, terá garantido para si situação jurídica bastante diversa, sendo sua ação penal condicionada à representação da vítima, cujo processo e julgamento tramitará no Juizado Especial Criminal (JECRIM), sendo-lhe ofertadas todas as medidas despenalizadoras constantes da lei . Trata-se de um absurdo do ponto de vista da preservação da isonomia, ou senão um indício a revelar severo preconceito do legislador.
Há resistências nos juízos militares em aplicar até mesmo o princípio consagrado da insignificância (que integra a tipicidade material do delito), ainda que a conduta se amolde aos parâmetros estabelecidos no HC N°84.412-SP/2004 (STF), restando aplicar este princípio quase somente nos casos expressamente previstos em lei, ou seja, na lesão corporal levíssima (art. 206; §6° do CPM) e no furto atenuado (art. 240, §1° do CPM).
O militar não pode ser privado da modernização do Direito, nem esta privação encontra reserva moral justificável nos pilares institucionais da hierarquia e da disciplina, que se dá por maioria das vezes, em abstrato, sem sopesar a efetiva lesão jurídica a estes bens tutelados pela norma.
Quando a lesão jurídica à hierarquia e à disciplina militares for inexistente (o que evidentemente deve ser analisado concretamente) não se deve mitigar de forma tão aviltante garantias processuais que emergiram como instrumentos de modernização do Direito, e de adequação a disposições de Direitos Humanos no plano internacional (Regras de Tóquio) e também a disposições constitucionais (art. 98, I, CF88).
Noutros termos: doutrina e jurisprudência podem evoluir ao ponto de se estabelecer que a efetiva lesão jurídica aos bens jurídicos tuteados pelos códigos militares é requisito da tipicidade do delito militar – ao menos do delito militar impróprio. Trata-se de uma possibilidade absolutamente factível, sendo assim meramente uma interpretação que se conferiria ao princípio da ofensividade do delito militar.
O Cenário é tão conturbado que, em razão da edição da Lei 13.491/2017, não se pacificou até o presente momento a quem compete julgar o crime doloso contra a vida de civil praticado por militar estadual em serviço. Há dificuldade mesmo em definir algo que parece simplório: se é este delito comum ou militar, e quem o investiga, se a polícia judiciária comum ou a polícia judiciária militar, ocorrendo, na maioria das vezes, uma dupla investigação na fase policial, uma dupla persecução.
Há argumentos sólidos a defender ambas as correntes. Para inebriar e piorar um cenário já conturbado, este debate – já não bastasse a atecnia do legislador seguidas vezes – permeia-se de interesses difusos, e de posicionamentos de autoridades que – ainda que não admitam publicamente ou nem mesmo para si – no íntimo adotam entendimento não conforme o texto de lei, mas eivado de certo preconceito pelas instituições militares, dado o contexto histórico, confundindo a atuação militar com a prática contumaz de arbítrio e de violação a direitos e garantias fundamentais do cidadão.
Entretanto, é o Estado quem, por inúmeras vezes, titulariza ilicitudes contra o servidor militar, sob olhares silentes. Deixam de promover seus militares (mesmo por antiguidade e mesmo havendo vaga e interstício completo), criam decretos ilegais para privar os militares de acesso a prestações indenizatórias dispostas em lei, privam seus militares de sua contraprestação remuneratória (ou a atrasam, parcelam), submetem a jornadas extenuantes bastante superiores às quarenta e quatro horas semanais do trabalhador comum, descumprem a lei de fixação de efetivo (o que obriga a realização de jornadas extras sem nenhuma contraprestação remuneratória), movimentam pelo território estadual sem arcar com a integralidade dos custos disto decorrentes, entre tantos arbítrios. Em contrapartida se priva qualquer manifestação em razão disto. Priva-se o militar do direito constitucional de greve (Agravo em Recurso Extraordinário 654.432/STF), ignorando-se ser o salário uma contraprestação regida por um sinalagma. Este é o contexto, a realidade à qual se submetem milhares de servidores em várias Unidades da Federação. A alegação: crise.
É temerário interpretar que o Direito Militar tem rigor majorado em razão de se voltar à permanência das instituições militares e à preservação da hierarquia e à disciplina, retirando desta categoria de servidores uma série de instrumentos acessíveis a qualquer cidadão, justificando-se este comportamento, reiteramos, numa valoração em abstrato de lesão a estes bens jurídicos. Isto faz com que o militar tenha subtraído de si garantias processuais e passe a ocupar – como regra – uma posição de enorme vulnerabilidade diante da norma penal, e diante do processo penal.
Consideremos ainda como intróito que o militar da União exerce fundamentalmente uma função militar, já o militar estadual no exercício da polícia administrativa de preservação da ordem pública exerce eminentemente uma atividade civil (o policiamento ostensivo), tal conforme manifesto do Supremo Tribunal Federal (HC N°112.936-RJ/2013 – segunda turma).
Vejamos aqui já uma marca de anacronismo: ser a Polícia Militar uma instituição formada por militares estaduais (art. 42, caput, da CF88), mas que tem por atribuição constitucional o desempenho de uma atividade que, segundo a corte suprema, tem caráter eminentemente civil: o policiamento ostensivo.
Esta construção inovadora da segunda turma da corte suprema se deu para que fosse possível o afastamento de um civil da jurisdição militar, por ter desacatado um militar do Exército, durante operação de garantia da lei e da ordem nas favelas do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro. O processo em trâmite na Justiça Militar da União foi totalmente invalidado. (HC N°112.936-RJ/2013 – segunda turma).
Assim, então parece desarrazoado também que se apliquem a ambos (militares da União e militares Estaduais) o mesmo regime jurídico, o mesmo código penal, o mesmo código processual penal, e a mesma disciplina administrativa sancionadora por meio dos Regulamentos Disciplinares, que nos Estados reproduzem quase sempre com fidelidade o texto do Regulamento Disciplinar do Exército, o RDE.
Este trabalho busca trazer uma reflexão, sobre a disposição legal do caráter compulsório do comparecimento de policiais militares ao ato do seu próprio interrogatório, tendo em vista a interpretação dada pelo STF de ser este ato facultativo, sendo, logo, a ausência uma opção do réu e de sua defesa, sem que isto possa acarretar quaisquer prejuízos senão aqueles dispostos em lei, ou seja, a revelia.
Abordaremos ainda a extensão da obrigação do superior militar – o comandante – em cumprimento às requisições para citação e intimação de seus subordinados, e se estes atos devem constituir, necessariamente, um ato de serviço, um ato de natureza militar.
1. A citação do (policial) militar no processo penal comum
A citação decorre do recebimento da inicial acusatória pelo juiz, que a ordenará em desfavor do réu, em ato contínuo ao marco inaugural do processo penal, nos termos do art. 396 do CPP. Trata-se do “chamamento do réu a juízo, dando-lhe ciência do ajuizamento da ação, imputando-lhe a prática de uma infração penal, bem como lhe oferecendo a oportunidade de se defender pessoalmente e através de defesa técnica” (NUCCI, 2004, p. 597).
Para o cidadão policial militar dispôs o CPP (art. 358) que o instrumento citatório ser-lhe-ia entregue por interposta pessoa do comandante, não por oficial de justiça, de forma que “a citação do militar far-se-á por intermédio do chefe do respectivo serviço”.
Desde logo importa mencionarmos que as possibilidades de um Policial Militar vir a se tornar autor de um delito comum no desempenho de seu serviço habitual eram absolutamente remotas, em razão da disciplina dada pelo art. 9°, incisos I e II” do Código Penal Militar à época:
“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:
[...]c) por militar em serviço, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito a administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil”
Para quase todos os delitos do Código Penal Comum havia um correspectivo no Código Penal Militar. Ocorre que o legislador foi editando novas leis penais especiais (uma vasta produção legislativa), ou códigos que traziam em seu bojo tipos penais. Assim aconteceu, por exemplo com a Lei dos Crimes de Tortura (Lei 9.455/97), Lei dos Crimes de Drogas (Lei 11.343/2006), Lei dos Crimes de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65), Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997), Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), Lei de Crimes contra o Meio Ambiente (lei nº 9.605/1998), Código de Defesa do Consumidor (lei nº 8.078/90), entre outros.
Esta distorção foi corrigida – ou ao menos se tentou – por meio da Lei 13.491, de 13 de outubro de 2017, que conferiu nova redação ao art. 9° II, “c” do CPM:
“Art. 9º - Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
[...]
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:
[...]c) por militar em serviço, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito a administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil.” (grifo nosso)
Com esta “correção” legislativa tornou-se impossível um policial militar em serviço vir a cometer um delito comum, contra civil (exceção feita às contravenções penais e aos crimes dolosos contra a vida, que enfrentam discussão sobre sua natureza, se comum ou militar). Temos, portanto, que a citação por requisição no processo penal comum, dar-se-á somente em delitos em que este venha a cometer não estando “em serviço”.
Resta, desde logo, certa curiosidade acerca da disposição do art. 358 do CPP, ao tentarmos delimitar qual a natureza jurídica deste ato citatório do militar por requisição. Isto porque a citação ao mesmo tempo em que externa um comunicado ao, agora, réu, notifica-o de prazo para apresentação de resposta àquela acusação formulada em juízo, inaugurada pela inicial acusatória, seja de que espécie for (denúncia ou queixa).
Mas NUCCI (2016, p. 623) parece conferir certa discricionariedade ao cumprimento desta citação por requisição do magistrado:
“[...] evitando-se que o oficial de justiça ingresse em dependências militares, à procura do réu, encaminha-se a requisição do juiz, por ofício, ao superior, que a fará chegar ao destinatário, no momento propício. O referido ofício deve estar instruído com os mesmos requisitos do mandado (art. 352), para que não haja prejuízo à defesa. O militar, como regra, oficia de volta ao juiz, comunicando-lhe que autorizou o comparecimento do subordinado no dia e hora marcados.” (grifo nosso)
Bem como adverte o autor supracitado, o comandante autoriza o comparecimento do militar ao ato processual, não o obriga por meio de qualquer instrumento. Entendemos não caber ao comandante militar o dever de apresentação do militar ao juízo requisitante mediante elaboração de escala de serviço, posto que isto transformaria um ato processual também em um ato de serviço – de natureza militar – com imprevisíveis consequências jurídicas, que exploraremos mais adiante. Ainda sobre a citação, adverte LOPES JUNIOR (2016, p.446):
“No caso do militar, a citação deverá ser feita através do chefe do respectivo serviço, determina o art. 358. Contudo, há que se considerar, ainda, o disposto no art. 221, § 2º, que aponta a necessidade de que seja feita uma requisição à autoridade superior. São dois instrumentos distintos: o mandado de citação do militar, contendo todos os requisitos legais (art. 352); e um ofício requisitando o comparecimento do militar no dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento.
[...]Então, o que se faz é comunicar que o militar deverá comparecer no dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, onde também será interrogado.” (grifo nosso)
Entretanto, não é proposta deste trabalho explorar somente a citação do Policial Militar, mas sim a consequência lógico-jurídica do julgamento de duas ADPF’s 444 e 395, que trataram da impossibilidade de condução coercitiva do acusado e do réu para a realização do ato de interrogatório, bem como explorar a extensão da obrigação do comandante militar quando instado por requisição de comparecimento dos seus subordinados em atos processuais-penais comuns na condição de testemunha, isto porque o CPP se vale das disposições acerca da citação também para as intimações e notificações, no que lhes couber, segundo o art. 370 e, especificamente no art. 221, §2°.
O código impõe a necessidade de requisição ao superior militar, tanto para que se realize a citação, quanto a intimação de testemunhas, ao informar em seu art. 221, §2º, que “os militares deverão ser requisitados à autoridade superior”, e em seu art. 358, informando que “a citação do militar far-se-á por intermédio do chefe do respectivo serviço”.
A citação do réu só é levada a efeito se o magistrado entender que a denúncia ou queixa não padecem de nenhum dos vícios anotados no art. 396 do CPP, motivo pelo qual a expedição do mandado citatório demanda poderes da jurisdição, posto ser precedida de uma análise sumária da inicial acusatória pelo magistrado, a quem cabe recebê-la ou rejeitá-la, inaugurando ou não o processo, nos termos do art. 395 do CPP.
É impróprio pressupor – por óbvio - que a execução da ordem de citação ao militar, por intermédio do seu comandante, se dê sob um juízo de conveniência e oportunidade – a ser formulado pelo comandante - sobre a integração ou não daquele sujeito paciente à relação processual, mas adequado interpretar que cabe ao comandante sopesar (conveniência e oportunidade) o momento oportuno (ou mesmo possível) para dar cumprimento ao mandado.
Voltemos vistas ainda à lição de LIMA (2017, p. 985), ao dispor sobre a intelecção do caráter misto do instrumento citatório: primeiramente de citar de fato o réu, dando-o ciência de que passou a integrar uma relação processual no polo passivo (num ato de jurisdição contenciosa), e num segundo momento de notificá-lo a apresentar resposta àquela acusação formulada:
“Citação: é um dos mais importantes atos de comunicação processual, porquanto dá ciência ao acusado do recebimento de uma denúncia ou queixa em face de sua pessoa, chamando- -o para se defender. [...] Funciona a citação, portanto, como misto de contraditório e de ampla defesa, já que, ao mesmo tempo em que dá ciência ao acusado da instauração de demanda penal contra ele, também o chama para exercer seu direito de defesa.” (grifo nosso)
Portanto, seria uma impropriedade técnica pressupor que a extensão da obrigação do comandante militar alcança um dever de fazer comparecer aos atos processuais o seu subordinado, uma vez que o comparecimento ou a ausência a estes atos pode configurar uma estratégia da defesa técnica. Sua importunação jamais pode ser admitida num processo penal no Estado Democrático de Direito. A ausência, ainda que injustificada, do réu aos atos processuais é condizente com o processo no modelo acusatório, não podendo importar sanção, por não ser ato ilícito.
1.1. A revelia como direito subjetivo do réu e da defesa
Com o advento da Lei n°11.689/2008, o comparecimento do réu à sessão de julgamento no Tribunal do Júri passou a ser expressamente uma faculdade, sendo sua ausência, logo, uma opção legítima da defesa, sendo assim o exercício regular de um direito, para o qual não pode haver sanção, posto que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, nos termos do art. 5°, II, da Constituição Federal. Para os demais processos, estranhos à competência do tribunal do júri, interessante que voltemos vistas ao que lecionou LOPES JUNIOR (2016):
“[...] está o réu obrigado a comparecer a todos os atos do processo? Como regra, não. Apenas quando o dever de comparecimento for determinado na concessão da liberdade provisória, após a prisão em flagrante, nos termos do artigo 310, parágrafo único do Código de Processo Penal. Outra hipótese de obrigação de comparecimento pode decorrer da incidência das medidas cautelares diversas, do artigo 319, I ou VIII ou da fiança do artigo 350 do CPP.
[...]condenar ou absolver são equivalente axiológicos para a Justiça.
[...]Não existe, no processo penal, revelia em sentido próprio. A inatividade processual (incluindo a omissão e a ausência) não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica.
[...]nenhum dos efeitos da revelia se aplica no processo penal, sendo completamente inadequada a utilização dessa categoria, pois não recepcionada pelo processo no marco constitucional. Na perspectiva do processo penal, não existe revelia. Pode haver processo em situação de ausência do réu, quando o citado ou intimado não comparece. O ato será realizado com a defesa técnica sem qualquer restrição, mas também sem qualquer tipo de punição processual.” (grifo nosso)
O legislador ao desejar impor sanção à falta ao ato processual dispôs expressamente no art. 219 do CPP, mas o fez tão somente em relação à testemunha faltosa, isto porque a testemunha obedece a um regramento absolutamente distinto, sua condição jurídica é evidentemente diversa da condição do réu.
O legislador, ao dispor sobre a inércia do réu em contestar (ou responder, nos termos do processo penal) à acusação que pesa em seu desfavor, optou por ainda assim meramente prosseguir a marcha processual conforme se extrai do art. 367 do CPP, não importando, entretanto, a ausência do réu, em confissão ficta, nem julgamento antecipado do mérito. Aliás, sobre este instituto da “revelia” no Direito Penal, votemos vistas a NUCCI (2016, p. 634):
“[...] os sentidos das palavras “revelia” e “contumácia”. A primeira quer dizer “estado ou caráter de revel”, isto é, aquele que “se revolta; insurgente, rebelde; teimoso, obstinado, contumaz” (verbete do Dicionário Aurélio). A segunda significa “grande teimosia; obstinação, aferro, afinco, pertinácia” (idem). Nada disso se aplica ao processo penal brasileiro, ao menos após a edição da Constituição Federal de 1988 [...] presume-se a inocência do indivíduo até que se obtenha uma sentença condenatória com trânsito em julgado.
[...]O réu, no processo penal, ocupa posição diferenciada do que ocorre no processo civil. Se neste, ainda se fala em revelia e seus efeitos, naquele, o termo é escuso, devendo ser evitado. O acusado não é “teimoso”, “rebelde” ou “pertinaz” porque deixa de comparecer em juízo para ser interrogado, afinal, pode calar-se diante do juiz (art. 186, CPP).
[...]Por outro lado, se revelia quer dizer recalcitrância em impugnar ou contestar o pedido do autor, na ótica civil, tanto que cabe o julgamento antecipado da lide [...] o que nunca se dá em processo penal.” (grifo nosso)
E vejamos que mesmo o Direito Privado, vem mitigando esta possibilidade de confissão ficta quanto à matéria de fato por inércia, conforme observa BUNO DANTAS (apud CABRAL, CRAMER, p. 623-632)
“[...]Nem o art. 319 do CPC/1973 nem o art. 344 do NCPC arrolam hipóteses específicas em que ocorrerá a revelia.
[...]O mérito da redação do inciso II do art. 355 quando comparado com seu equivalente do CPC/1973 é que ele afasta a equivocada relação entre o julgamento antecipado e a revelia no sentido de, sendo o réu revel, se presumirem (necessariamente) verdadeiros os fatos alegados pelo autor e julga-se (necessariamente), de imediato, o pedido em seu favor. Não. Por causa do princípio constitucional do contraditório, já lembrado, e não por acaso, sempre há espaço para que o próprio magistrado, de ofício ou a pedido do réu (como evidencia o art. 349 e, de forma menos clara, também insinua o art. 348), afaste aquela presunção, o que conduz o processo à sua fase instrutória. Nessa exata medida, não há lugar para o julgamento antecipado do mérito.” (grifo nosso)
Restou no ordenamento, portanto, esta consequência maléfica ao réu (ou reclamado) – a confissão ficta quanto à matéria de fato, por inércia – por disposição de lei, no âmbito das ações trabalhistas, por força das normas que se extraem do art. 844 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, narrando que “o não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato”.
Temos então que, revelia com confissão (necessariamente) quanto ao fato imputado, somente se dá nas ações trabalhistas. Portanto, conforme observamos, trata-se de uma impropriedade o uso da terminologia “revelia” no processo penal. Observamos que a inércia do réu é insuficiente para que se presumam verdadeiras as acusações formuladas.
Entender de modo diverso seria alinhar-se à violação à presunção da inocência (art. 5.º, LVII, CF), ao direito de ampla defesa e contraditório (art. 5.º, LV, CF), ao devido processo legal (art. 5.º, LIV, CF), ao direito ao silêncio (art. 5.º, LXIII, CF) e ao direito de não-autoincriminação (art. 14, n. 3, g do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e art. 8°, §2°, “g” da Convenção Americana de Direitos Humanos).
1.2 A natureza jurídica do interrogatório
Ponto controvertido ainda na doutrina e na jurisprudência, a natureza jurídica do interrogatório tem transitado entre ser classificada como um meio de defesa ou um ato misto (meio de prova e meio de defesa).
Outro fato insofismável é que o réu tem direito subjetivo ao não comparecimento ao ato de interrogatório e, ainda que comparecendo tem direito a silenciar, e se direito, não pode ensejar qualquer consequência negativa, posto não sê-lo objeto de prova. Converge neste mesmo sentido MARCÃO (2016, p.511):
“No modelo processual adotado, é inconcebível processo criminal no qual não se proporcione ao acusado a faculdade de se dirigir ao juiz pessoalmente, em dia, local e hora por este designados, a fim de apresentar sua versão em interrogatório formal. Embora necessário, o interrogatório não é imprescindível. É certo que a não realização do interrogatório, estando o acusado presente, é causa de nulidade absoluta, e isso advém do art. 564, III, e, do CPP; contudo, é possível a tramitação do processo em caso de revel citado pessoalmente, o que indica a existência de processo sem que o interrogatório tenha efetivamente se realizado (apesar de designado).” (grifo nosso)
O interrogatório, portanto, assume modernamente também (ou unicamente, a depender da corrente doutrinária adotada) uma função de manifestação de defesa, ou seja, o exercício negativo desta faculdade importa abdicação a uma possibilidade de expor argumentos de fato que possam convencer o interrogante sobre uma atuação lícita do interrogado, eximindo-o de qualquer responsabilização.
Mesmo no plano lógico a condução coercitiva do réu ao interrogatório revela-se desarrazoada, tendente à ineficácia (a não ser que se aposte na ignorância do conduzido ou não se lhe esclareçam devidamente seus direitos ao silêncio, de se fazer acompanhar por advogado, e da dispensa ao compromisso legal de dizer a verdade), porque se estaria restringindo a liberdade do cidadão com o fim de ouvir sua versão dos fatos imputados, mas estranhamente se estaria perpetrando isto contra aquele a quem legislação desobriga de falar, e mesmo que fale, está dispensado do compromisso com a verdade.
A discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídica do interrogatório não é pacífica. Tem convergido, tanto doutrina como jurisprudência, no sentido de sê-lo um meio de manifestação de defesa, ou misto, restando raríssimas exceções a defender a corrente doutrinária de que é o interrogatório unicamente um meio de produção de provas. Neste sentido, observemos MARCÃO (2016, p. 509):
“É acirrada a discussão doutrinária a respeito da natureza jurídica do interrogatório.
Existem quatro correntes a respeito, a saber:
1ª) o interrogatório é meio de prova;
2ª) o interrogatório é meio de defesa;
3ª) o interrogatório é meio de prova e de defesa;
4ª) o interrogatório é meio de defesa e eventualmente meio de prova.
[...]Segundo pensamos, o interrogatório é meio de defesa e, eventualmente, meio de prova.” (grifo nosso)
A jurisprudência vem se consolidando no mesmo sentido, senão vejamos dois exemplos:
“Em sede de persecução penal, o interrogatório judicial – notadamente após o advento da Lei n. 10.792/2003 – qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa” (STF, HC 94.016/SP, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 16-9-2008, DJe 38, de 27-2-2009, RTJ 209/702; STF, HC 94.601/CE, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 4-8-2009, DJe 171, de 11-9-2009, RTJ 211/379). “(grifo nosso)
“O interrogatório é essencialmente meio de defesa” (STJ, HC 83.875/GO, 6ª T.,rel. Min. Paulo Gallotti, rela. p/ o Acórdão Mina. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25-3-2008, DJe de 4-8-2008, RT 877/534).” (grifo nosso)
Recentemente o STF ao julgar agravo regimental na Ação Penal n°1.027 deu provimento nos termos do voto vencedor do ministro Roberto Barroso, entendimento que se alinhou à manifestação da Procuradoria-geral da República (PGR):
“O art. 7º da Lei n. 8.038/1990 determina que "recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora para o interrogatório[...]
A interpretação literal da norma é efetivamente no sentido de que o interrogatório do réu, nos processos de competência originária do Supremo Tribunal Federal, deve ser o ato inaugural da instrução processual penal.
No entanto, o dispositivo não se coaduna com os princípios do contraditório e da ampla defesa, que impõem a realização do ato apenas ao término da instrução criminal, o que permite ao acusado se ver processar e, em melhores condições, elaborar sua autodefesa.”
Ao votar, discordando do relator, o ministro Alexandre de Moraes torna claro seu entendimento, que representa parte da doutrina, defendendo que “apesar da não alteração específica do art. 7º da Lei 8.038, a partir do Código de Processo Penal”, o interrogatório é um ato de defesa.
O novo CPP, se aprovado tal conforme a redação proposta no Projeto de Lei 8.045/2010, deverá pacificar a questão ao dispor de forma expressa a natureza jurídica do interrogatório como manifestação de defesa do acusado ou do réu, descrevendo, em seu art. 64, que “o interrogatório constitui meio de defesa do investigado ou acusado e será realizado na presença de seu defensor”. Portanto, devemos concluir que o interrogatório guarda uma característica de dispensabilidade na perspectiva da manifestação do réu, assim como observa TÁVORA (2017, p. 281):
“É importante notar que se o acusado, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato não comparecer sem motivo justificado, o processo seguirá sem a sua presença. Daí porque, por exemplo, não se pode falar em nulidade por falta de interrogatório quando não houve sua realização porque o acusado não compareceu por vontade própria.” (grifo nosso)
2. O (policial) militar testemunha no processo penal comum
No processo penal não há taxatividade de provas. Vige um modelo permissivo quanto à produção destas. O Código traz pouquíssimas restrições, em verdade, exceções a esta liberdade de produção de provas. Podemos citar os artigos 207, 479, 155, parágrafo único, 158 e 92, todos do CPP.
A testemunha pertence e interage, portanto, com tantos outros meios de prova, muitos dos quais inominados. Todos terão por objeto a reconstrução de um fato ilícito, a busca da verdade real, ou de uma verdade processual, sendo o juiz último destinatário das provas, que sentenciará conforme aquilo quanto constar dos autos. A testemunha, por sua vez, possui arcabouço normativo próprio no CPP, absolutamente distinto da figura do réu. Vejamos suas obrigações, por LIMA (2016, p. 926)
“O Código estabelece uma série de deveres para as testemunhas: (a) dever de depor, (b) dever de comparecimento, (c) dever de prestar compromisso, (d) dever de dizer a verdade, (e) dever de comunicar a alteração de endereço. Quanto ao dever de depor, todas as testemunhas têm o dever de depor, pois todas as pessoas podem ser testemunhas, nos termos do art. 202 do CP.”
Conserva, porém, a testemunha o mesmo regramento dado ao réu, quando forem militares, de que este ato de comunicação se produza mediante requisição. Conforme já observado, qualquer pessoa pode ser testemunha nos termos do art. 202 do CPP. Não há disciplina própria aos policiais militares que participem do processo nesta condição, senão a formalidade da comunicação do ato de chamamento ao processo por meio de requisição ao superior (art. 221, §2°).
Ocorre que a praxe da administração militar consiste em dar ciência ao policial militar requisitado e elaborar uma escala de serviço, tornando, portanto, aquele ato formal, que possui como uma de suas características a judicialidade, também um ato de serviço, carregando consigo todo o arcabouço normativo que disto decorre.
A argumentação corriqueira é de que isso seria algo benéfico ao Policial Militar, porque permitiria a composição de um “banco de horas”, uma espécie de compensação posterior às horas passadas pelo militar em audiência, e que isto “cobriria” o militar em qualquer eventualidade, como por exemplo se este policial militar, no deslocamento de sua casa ao fórum sofra um acidente de trânsito e morra ou adquira lesões permanentes.
Também se argumenta comumente que este ato seria um serviço de natureza militar - e caberia a confecção de escala - porque o policial militar comparece às audiências na condição de testemunha em razão do seu ofício, uma vez que atua na prisão em flagrante-delito de criminosos no seu cotidiano profissional. Algumas considerações merecem assento:
I) Não somente policias militares realizam prisões em flagrante-delito em razão do seu ofício. Há tantas outras carreiras de Estado que o fazem, e nem só por isso, quando instados a comparecer ao juízo para relatar o que sabem na condição de testemunhas, depreende-se disso um dever funcional. A título de exemplo podemos citar agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal (também uma polícia ostensiva), da Polícia Civil, Agentes do Fisco estadual, assim como tantos outros integrantes de muitas carreiras de Estado.
O argumento de que o policial militar atua na prisão em flagrante, e por isso seu chamamento ao processo é um dever funcional não encontra validade argumentativa. Tantos outros o fazem, e são instados de forma diversa a comparecer ao juízo. Novamente reiteramos, a diversa forma de comunicação do militar não traduz, por si só, que este dever – processual – seja um dever funcional, um dever militar;
II) Não faz sentido e não merece prosperar o argumento da constituição de um banco de horas, uma vez que a atividade militar é tida como de dedicação exclusiva, não tendo uma jornada estabelecida, não sendo possível observar qual seria o parâmetro a partir do qual deveriam ser compensadas as horas “ultrapassadas” de uma carga horária não fixada;
III) O legislador não elaborou o CPP e não dispôs desta forma sobre militares pensando nos Policiais Militares. Parte da doutrina justifica esta previsão legal porque seria o quartel uma dependência inacessível aos oficias de justiça, ou seja, uma ótica bastante focada na realidade dos militares da União, não dos militares dos Estados.
Não ao menos na concepção mais moderna das Polícias Militares, que com o passar dos anos foram se distanciando cada vez mais do modelo militar da União (digamos mais puro), em muitos aspectos. Resta ainda a concepção militar quanto à submissão ao regime jurídico próprio, e quanto ao modelo organizacional, e em algumas polícias já bastante mitigado. Este modelo organizacional vem sofrendo profundas modificações. Cada Estado vem adequando a sua polícia à sua realidade, conferindo, por vezes, arranjos bastante distintos do modelo originário, puramente militar.
No contexto histórico em que teve gênese o CPP, tinham, reconhecidamente, as polícias militares a exata formatação do militarismo da União. Com o passar dos anos, pode-se dizer que a demanda social impôs que esta força pública estadual e distrital passasse a ser muito mais polícia do que militar;
IV) O CPP ao dispor que o militar seria citado e intimado por requisição no processo penal comum, não valorou este cenário em relação ao processo relativo ao crime em que o militar atuou como autor da prisão. Isto porque a disposição da requisição é genérica e alcança a todos os processos penais. Aplica-se da mesma forma aos processos penais em que um militar, no curso dos atos de sua vida privada, vier a praticar um delito, ou a testemunhá-lo. Isto em nada tem a ver com a natureza do seu labor. Noutros termos, pode-se avaliar que nem sempre o policial militar é requisitado pelo juízo em razão da sua atividade;
V) A requisição no processo penal comum é instrumento que se aplica no ato citatório do militar e também quando este for instado a testemunhar aquilo que sabe. Conforme já abordamos, a citação por requisição do militar no processo penal comum, com o regime jurídico vigente após a edição da lei 13.491/2017, será sempre em razão de atos ilícitos que veio a cometer na sua vida privada, não estando em serviço, uma vez que com esta alteração legislativa todos os ilícitos penais (resta certa discussão acerca das contravenções penais e os crimes dolosos contra a vida de civil) passaram a ser considerados crimes militares, com obediência ao regramento processual próprio do CPPM.
3. A requisição do (policial) militar testemunha
A contumácia de chamamento de policiais militares aos atos probatórios não decorre somente de sua atividade, mas também de um sistema de justiça criminal precário – com deficiências logísticas, de pessoal e tecnológicas – incapaz de produzir provas mais sofisticadas aos casos rotineiros da criminalidade urbana, e até mesmo menos suscetíveis a questionamentos.
A requisição de policiais militares para testemunharem, consoante as disposições do art. 202 e 221, §2°, ambos do CPP, emanam, em verdade, de um dever da civilidade, um múnus público, não podendo ser interpretadas como uma atividade de caráter militar, mas sim como um dever legal, um dever processual disposto em lei.
Neste sentido o Código de Processo Civil de 2015 (Art. 463) foi mais objetivo, menos ensejador de dúvidas, ao dispor que esta sujeição do cidadão ao interesse processual emana um dever público, e que assim o sendo não pode haver cômputo de falta ao trabalhador. Ao interpretar o dispositivo, NUNES FERREIRA (apud CABRAL, CRAMER, 2015, p. 735), leciona com bastante clareza que “o depoimento da testemunha constitui um serviço prestado à justiça e ao Judiciário”.
Ao comandante militar cabe dar ciência ao militar arrolado, colhendo sua contrafé no mandado, e adequando a rotina da Unidade militar de forma que seja possível o comparecimento do requisitado ao Fórum. Assim como já observamos, nem toda requisição de policial militar para que sirva aos autos como testemunha, diz respeito a uma “consequência” do seu trabalho.
Por conseguinte, o não atendimento do requisitado a esta requisição não deve importar uma violação de um dever funcional, mas uma violação ao dever processual, um vício processual, que deve ser sanado pelo juiz competente, que atua na direção do processo (art. 7° c/c o art. 139; incisos III; IV e IX, do Código de Processo Civil – CPC, que assim dispõem:
“Art. 7º, CPC: É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório;”
[...]
“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
[...]III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
[...]IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;” (grifo nosso)
Observemos o que disserta, a respeito, FERNANDO DA FONSECA GAJARDONI (apud CABRAL, CRAMER, 2015, p. 318):
“O art. 139, IX, do CPC/2015 também tem íntima relação com o princípio da cooperação (art. 6.º do CPC/2015), pois disciplina o dever de prevenção. Por ele, compete ao juiz determinar o suprimento e correção dos vícios processuais pressupostos processuais, nulidades etc.), preservando, quanto o mais possível, condições para que o processo alcance decisão de mérito (i.e. decisão que solucione o conflito).” (grifo nosso)
O saneamento do vício processual de falta da testemunha regularmente intimada é algo circunscrito à esfera do poder de direção conferido ao magistrado, que tem a seu alcance todas as possibilidades legais, podendo redesignar a audiência, aplicar multa e as sanções previstas no art. 219 do CPP, ou mesmo, se dolosa a conduta, fazer apurar o ilícito penal do art. 330 do Código Penal (desobediência).
Não se questiona que a requisição emana por óbvio um mandamento do juízo, que deve ser atendido. Entretanto, dada ausência de norma, não constitui isto um ato de natureza militar, um ato de serviço. Fosse um dever funcional, a requisição para o ato de interrogatório também deveria ser atendida, constituindo-se escala de serviço, tornando-se um ato de serviço, ou seja, um ato administrativo que conservaria como atributo a coercitividade. Buscamos evidenciar que isto seria impróprio. Independentemente do ato judicial a ser produzido não é exatamente este o dever funcional do comandante militar, mas sim uma interpretação demasiadamente extensiva de suas obrigações.
O dever funcional do comandante militar se esgota no momento em que dá ciência da requisição ao subordinado requisitado, posteriormente remetendo ao juízo a informação de que o ato fora praticado, fazendo constar com exatidão o dia e a hora em que se efetivou.
Estas informações pormenorizadas são importantes para que se estabeleça o marco inicial da contagem dos prazos processuais, observando-se o disposto na súmula 710 do STF, estabelecendo que “no processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem”.
Não há comando legal de onde se possa extrair norma em que conste dever funcional de o comandante militar obrigar o subordinado ao comparecimento quando requisitado. Ao fazê-lo estaria o superior violando norma constitucional (art. 5°, II, CF), pois ninguém é “obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
O comandante militar deve observar a adequação da extensão de sua providência à lei e ao direito, observando-se como ponto de partida o texto constitucional, que com advento do neoconstitucionalismo ganha força normativa (BARROSO, 2005):
“Uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica. Superou-se, assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Constituição era vista como um documento essencialmente político, um convite à atuação dos Poderes Públicos”
A doutrina administrativista consagra de longa data o dever de observação da Administração Pública ao princípio da legalidade. Modernamente esta concepção é insuficiente, posto que se extraem normas da principiologia constitucional, que devem ser aplicadas pela administração, que deve buscar a adequação de seus atos não somente à lei (stricto sensu), mas ao direito, na plenitude de suas normas, sendo assim uma ciência una, compartimentada tão somente para fins didáticos e acadêmicos.
O legislador observando esta modernização do Direito já vem consagrando este dever administrativo no próprio texto legal, confundindo-se, nestes casos, o princípio da juridicidade administrativa com a própria obediência ao princípio da legalidade administrativa, na sua concepção clássica, a exemplo do que aconteceu na lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999:
“Art. 2º - A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;” (grifo nosso)
A lição de BINENBOJM (2008) disserta sobre o comando para que o administrador público integre o direito aos atos da Administração:
“Se, em sua origem, o direito administrativo se traduzia em uma normatividade marcada pelas idéias de parcialidade e desigualdade, sua evolução histórica revelou um incremento significativo daquilo que se poderia chamar de vertente garantística, caracterizada por meios e instrumentos de controle progressivo da atividade administrativa pelos cidadãos.”
[...]
“erige-se hodiernamente a idéia de constitucionalização do direito administrativo como alternativa ao déficit teórico apontado nos itens anteriores, mediante a adoção do sistema de direitos fundamentais e do sistema democrático qual vetores axiológicos – traduzidos em princípios e regras constitucionais – a pautar a atuação da Administração Pública. Tais vetores convergem no princípio maior da dignidade da pessoa humana e, (I) ao se situarem acima e para além da lei, (II) vincularem juridicamente o conceito de interesse público, (III) estabelecerem balizas principiológicas para o exercício legítimo da discricionariedade administrativa e (IV) admitirem um espaço próprio para as autoridades administrativas independentes no esquema de separação de poderes e na lógica do regime democrático, fazem ruir o arcabouço dogmático do velho direito administrativo.” (grifo nosso)
[...]
“Assim, tem-se que:
(i) a Constituição, e não mais a lei, passa a situar-se no cerne da vinculação administrativa à juridicidade;
(ii) a definição do que é o interesse público, e de sua propalada supremacia sobre os interesses particulares, deixa de estar ao inteiro arbítrio do administrador, passando a depender de juízos de ponderação proporcional entre os direitos fundamentais e outros valores e interesses metaindividuais constitucionalmente consagrados;” (grifo nosso)
[...]”O reconhecimento da centralidade do sistema de direitos fundamentais instituído pela Constituição e a estrutura pluralista e maleável dos princípios constitucionais inviabiliza a determinação a priori de uma regra de supremacia absoluta dos interesses coletivos sobre os interesses individuais ou dos interesses públicos sobre interesses privados. A fluidez conceitual inerente à noção de interesse público,25 aliada à natural dificuldade em sopesar quando o atendimento do interesse público reside na própria preservação dos direitos fundamentais (e não na sua limitação em prol de algum interesse contraposto da coletividade), impõe à Administração Pública o dever jurídico de ponderar os interesses em jogo, buscando a sua concretização até um grau máximo de otimização.”
[...]
“Assim, sempre que a própria Constituição ou a lei (desde que incidindo constitucionalmente) não houver esgotado os juízos possíveis de ponderação entre interesses públicos e privados, caberá à Administração lançar mão da ponderação de todos os interesses e atores envolvidos na questão, buscando a sua máxima realização. De modo análogo às Cortes Constitucionais, a Administração Pública deve buscar utilizar-se da ponderação, guiada pelo princípio da proporcionalidade, para superar as regras estáticas de preferência, atuando circunstancial e estrategicamente com vistas à formulação de standards de decisão. Tais standards permitem a flexibilização das decisões administrativas de acordo com as peculiaridades do caso concreto, mas evitam o mal reverso, que é a acentuada incerteza jurídica provocada por juízos de ponderação produzidos sempre caso a caso.” (grifo nosso)
[...]
“Cuida-se, em suma, de uma constitucionalização do conceito de interesse público, que fere de morte a idéia de supremacia como um princípio jurídico ou um postulado normativo que afirme peremptoriamente a preponderância do coletivo sobre o individual ou do público sobre o particular.”
[...]
“Verifica-se, assim, o surgimento de uma verdadeira Constituição administrativa, que, por um processo de autodeterminação constitucional, emancipou-se da lei na sua relação com a Administração Pública, passando a consagrar princípios e regras que, sem dependência da interpositio legislatoris, vinculam direta e imediatamente as autoridades administrativas. A Constituição, assim, deixa de ser mero programa político genérico à espera de concretização pelo legislador e passa a ser vista como norma diretamente habilitadora da competência administrativa e como critério imediato de fundamentação e legitimação da decisão administrativa.
A idéia de juridicidade administrativa, elaborada a partir da interpretação dos princípios e regras constitucionais, passa, destarte, a englobar o campo da legalidade administrativa, como um de seus princípios internos, mas não mais altaneiro e soberano como outrora. Isso significa que a atividade administrativa continua a realizar-se, via de regra, (i) segundo a lei, quando esta for constitucional (atividade secundum legem), (ii) mas pode encontrar fundamento direto na Constituição, independente ou para além da lei (atividade praeter legem), ou, eventualmente, (iii) legitimar-se perante o direito, ainda que contra a lei, porém com fulcro numa ponderação da legalidade com outros princípios constitucionais (atividade contra legem, mas com fundamento numa otimizada aplicação da Constituição).” (grifo nosso)
A fundamentação das decisões administrativas não deve ser adstrita ao texto legal, a ser isoladamente considerado, mas deve conservar um alinhamento com a principiologia constitucional, dado que o texto constitucional e seus princípios passaram a integrar o direito como norma jurídica.
A exemplo do que disserta BINENBOJM (2008), tomemos apenas dois casos de disposições legais em flagrante confronto com o texto constitucional – ambas disposições sobre militares - o art. 308 do CPPM e o art. 51 do CPM:
“Art. 308, CPPM – O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.
[...]
Art. 51, CPM – Equiparam-se aos maiores de dezoito anos, ainda que não tenham atingido essa idade:
a) os militares;
[...]
c) os alunos de colégios ou outros estabelecimentos de ensino, sob direção e disciplina militares, que já tenham completado dezessete anos.” (grifo nosso)
Por óbvio temos nos extratos supra normas não-recepcionadas pelo texto constitucional de 1988, e conforme já observado desde o início do trabalho, isto é um fenômeno de esquecimento do legislador em relação ao regime jurídico que trata dos militares, que não promove sua atualização.
Cabe, portanto, ao administrador militar, a este mais do que na administração pública comum (esta tem maior atenção do legislador), valorar a adequação do texto legal (muitos dos quais elaborados antes da Constituição de 1988) às normas constitucionais, para que não se promova o arbítrio contra seus subordinados que, via de regra, ocupam uma posição de enorme vulnerabilidade neste arranjo normativo em desordem, de forma a minimizar tamanha insegurança jurídica.
3.1. Possíveis consequências da formulação em abstrato
A fixação de entendimento acerca deste tema faz com que se desdobrem muitos efeitos concretos. Buscaremos expor aqueles que mais se evidenciam, tais como:
I) A impossibilidade de intimação do militar quando este estiver em cumprimento de algum afastamento integral regulamentar “do serviço” (férias, núpcias, luto, trânsito, instalação, licença para tratamento de saúde, licença para tratar de interesse particular, para tratar de saúde de pessoa da família, licença gestante, licença paternidade, dentre outras que possam ser previstas em lei), o que poderia contribuir para que seja extinta a punibilidade do réu por prescrição;
II) A instituição militar deveria, então, prover os meios para este deslocamento, uma vez que obrigação militar, o que parece inviável até na perspectiva do volume das requisições;
III) Estar-se-iam constituindo obrigações não somente ao requisitado, mas também ao Estado. Isto porque um eventual acidente com resultado morte in itinere deste policial militar requisitado poderia ensejar indenização, uma vez que há Estados que dispuseram isto em lei, ou seja, que preveem o pagamento de pecúnia à família do policial militar que vier a morrer na execução de seu “serviço”. A exemplo tomemos a lei estadual 8.279, de 30 de março de 2006 (Espírito Santo):
“Art. 1º Fica criada a Indenização por Acidente em Serviço, no âmbito da Polícia Militar do Espírito Santo, do Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo e da Polícia Civil em decorrência de acidente em serviço, nas seguintes condições:
[...]
III - se do acidente em serviço resultar morte será devido aos dependentes, Indenização por Acidente em Serviço, em parcela única, correspondente a 20.000[...]”(grifo nosso)
IV) Qualquer delito que este policial militar venha a cometer in itinere, em tese, seria considerado um crime militar, mesmo os culposos (mesmo os de trânsito), em razão da incidência do já explorado Art. 9°; II; “c” do CPM;
V) Qualquer conduta ilícita do policial militar in itinere, em tese, poderia ensejar a responsabilidade civil do Estado, na forma do Art. 37; §6° da Constituição Federal, dado que esta obrigação militar se traduziria, por óbvio, numa obrigação de caráter estatal, como alguns tendem a propor;
VI) Caberia em tese ao superior militar avaliar o “desempenho” de seu subordinado no ato judicial, podendo inclusive conferir-lhe elogio individual pelo bom desempenho, ou punição disciplinar pelo mau desempenho. Não merece prosperar, por não ser minimamente adequado no plano lógico, e ensejaria uma indevida e ilícita intromissão da autoridade militar sobre a autoridade do juiz que preside os atos de audiência.
VII) Haveria a constituição de obrigação ao Estado, de caráter previdenciário, de prover proventos integrais aos dependentes do de cujus que viesse a falecer in itinere. Tomemos o exemplo da lei 7.138, de 30 de janeiro de 1978 (Rio Grande do Sul - RS):
“Art. 80 - Os policiais-militares mortos em campanha ou ato de serviço, ou em conseqüência de ferimentos ou moléstias decorrentes, ou ainda em conseqüência de incidente em serviço, deixarão a seus herdeiros pensão correspondente aos vencimentos integrais do posto ou graduação imediatamente superior.”
VIII) Entender que a requisição emana um dever militar significaria que a requisição para o interrogatório também deveria importar um serviço, o que é descabido, já que o réu nem mesmo tem dever de comparecimento, conforme já explorado neste trabalho.
Conclusão
A análise inicial do julgamento das ADPF’s 444 e 395 (em conjunto) pelo STF em 2018 demonstra que é ilícita a condução coercitiva do réu no processo penal ou acusado em inquérito policial para o ato de interrogatório, uma vez que o este é meio de defesa, sendo facultado o exercício desta manifestação. Aquele implicado que não o fizer não poder ter qualquer sanção aplicada em seu desfavor em razão desta inércia processual.
O Código de Processo Penal Comum impõe a mesma disciplina para a citação do militar e também para sua intimação para servir de testemunha, de forma que estas comunicações devem ser feitas por requisição ao comandante, consoante o art. 358 (citação) e o art. 221; §2° (intimação), ambos do CPP.
Este ato de requisição do militar, seja para sua citação, seja para sua intimação para qualquer ato processual não conserva, por si só, o caráter de dever militar, de ato de serviço, mas sim, quando por força de lei houver o dever de comparecimento (testemunhas), um dever processual.
Assim, o vício do não comparecimento do requisitado ao juízo requisitante é um vício que deve ser sanado pela autoridade requisitante, que atua na direção de todos os atos processuais conforme dispõe o art. 139 do CPC. À sua disposição o magistrado tem as possibilidades de meramente redesignar o ato, aplicar multa na forma do art. 219 do CPP, ou mesmo fazer com que se investigue a conduta do requisitado diante do possível cometimento do ilícito do art. 330 do Código Penal.
Por outro lado, na via administrativa, temos o esgotamento da obrigação legal do superior militar no momento em que venha a dar conhecimento ao seu subordinado do instrumento que o chama a servir ao interesse processual, integrando-o, na forma do art. 358, ou servindo de testemunha, na forma do art. 221; §2° do CPP.
A atividade policial militar não possui regramento legal que disponha este dever militar de servir ao processo penal como testemunha. Este dever emana de norma genérica aplicável a todos os cidadãos que venham a testemunhar um delito, conforme o art. 202 do CPP.
Com o atual regime jurídico vigente (com o advento da lei 13.491/2017), o policial militar em serviço que venha a cometer crime contra civil não será processado e julgado por qualquer delito nas varas criminais comuns, mas sim na Justiça Militar Estadual (crime militar), restando a disciplina do CPP do art. 358 aplicável somente a delitos que venha a cometer em sua folga.
A solução definitiva para este debate deve emergir com a promulgação do novo CPP, se aprovado conforme sua redação original constante do projeto de lei n° 8.045/2010, que faz desaparecer esta modalidade de comunicação dos atos processuais para militares no âmbito do processo penal comum. Permanecerá, entretanto, no CPPM se este não vier a ser atualizado concomitante.
Cabe à administração militar, por sua vez, observar a exata extensão da sua obrigação no cumprimento destes atos de requisição. Impõe-se ao administrador público o dever de observação à lei e ao direito, como propositura moderna na concepção de um princípio da juridicidade administrativa, uma constitucionalização do direito administrativo na posição de BINENBOJM, integrando não só a lei aos atos administrativos, mas sim todo o direito, que tem como apse as normas que se extraem da Constituição Federal.
Ademais, conforme observado anteriormente, a privação de acesso do militar à modernização do direito criminal não encontra reserva moral que a justifique, partindo-se duma valoração em abstrato de uma lesão presumida à hierarquia e à disciplina. Sob este argumento se priva o militar, injustificadamente, de uma série de garantias processuais modernas, que emergiram como forma de internalizar disposições contidas em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, e do seu próprio texto constitucional. Aliás, a Constituição Federal de 1988 ao desejar excepcionar o militar da norma genérica o fez de forma expressa, assim como consta do art. 5°; LXI, do art. 144; §4°.
Na requisição para citação (art. 358 do CPP) a obrigação do superior militar se esgota na comunicação ao subordinado da sua condição jurídica, e na devolutiva ao juízo requisitante, cientificando-o com exatidão o dia e hora em que se deu ciência ao réu de que há contra ele processo penal em curso, e que deve em razão disto formular sua resposta à acusação nos termos do art. 396 e 396-A do CPP.
Na requisição de testemunha o dever funcional do superior se esgota igualmente com a efetiva comunicação do ato ao subordinado, colhendo contrafé do requisitado, oficiando-se em devolutiva ao juízo requisitante, sem que isto importe, necessariamente, a confecção de uma escala de serviço, para aquilo que serviço militar não é.
É preciso estabelecer um juízo em abstrato acerca do tema, e que desta abstração se vislumbrem os casos concretos, posto que o estabelecimento de entendimentos diversos conforme o caso concreto, ou pior, conforme a conveniência do momento e das partes envolvidas nos casos concretos (muitas vezes o Estado figurará como parte), purga de insegurança jurídica a atuação funcional de milhares de servidores militares.
REFERÊNCIAS
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Graduação em Segurança Pública pela Universidade Estadual da Paraíba/Policia Militar da Paraíba (2013); Graduação em Direito pela Universidade Anhanguera - Uniderp (2017); Capitão da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul e Subcomandante da 6ª Companhia Independente de Polícia Militar (PMMS); Pós-Graduação Latu Sensu em Ciências Jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul - São Paulo (2016); Aprovação no XXII Exame de Ordem (2017) Pós-graduando em direito processual-penal (EDAMP-2019)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JOSEPH, Felipe dos Santos. A requisição do (policial) militar no processo penal comum Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53016/a-requisicao-do-policial-militar-no-processo-penal-comum. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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