RESUMO: A Lei 10.826/03, bem como seus regulamentos, estabelecem os critérios para a autorização de compra de uma arma de fogo no Brasil. Dentre as condicionantes, se encontra a demonstração de efetiva necessidade por parte do solicitante. Além de se verificar os requisitos, importante que se ateste a capacidade de efetividade da medida normativa. A partir de premissas pré-estabelecida, a análise de um critério em específico se torna premente, pois é capaz de evidenciar a insuficiente capacidade de atingir os objetivos pretendidos com a medida. Trata-se da efetiva necessidade, que deverá ser evidenciada pelo solicitante para que lhe seja conferida a desejada autorização para a aquisição da arma de fogo. Os parâmetros que se pretendem confrontar a condicionante são pautados nos princípios da presunção de boa-fé, da liberdade de escolha (autodeterminação) e da proteção à propriedade privada.
Palavras-Chave: Estatuto do Desarmamento. Arma de Fogo. Efetiva Necessidade. Presunção de boa-fé. Autodeterminação.
ABSTRACT: Law 10.826 / 03, as well as its regulations, establishes the criteria for authorizing the purchase of a firearm in Brazil. Among the conditions, there is the demonstration of effective necessity on the part of the applicant. In addition to verifying the requirements, it is important that the effectiveness of the normative measure be proved. From pre-established premises, the analysis of a specific criterion becomes urgent, since it is able to evidence the insufficient capacity to reach the intended objectives with the measure. This is the actual need, which must be evidenced by the applicant to be granted the desired authorization for the acquisition of the firearm. The parameters to be confronted by the conditioner are based on the principles of good faith presumption, freedom of choice (self-determination) and protection of private property.
Keywords: Status of Disarmament. Fire gun. Effective Need. Presumption of good faith. Self-determination.
INTRODUÇÃO
O marco normativo para a posse, porte e uso de armas de fogo no Brasil é estabelecido pela Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003, chamado Estatuto do Desarmamento. Ocorre que, desde a promulgação da referida lei, os índices de criminalidade não vêm diminuindo, e a população brasileira vive a mercê da criminalidade sem ter uma ferramenta necessária para fazer valer seu direito à autodefesa, e proteção à sua vida.
Questiona-se acerca da efetividade das alterações propostas pela legislação, diante do cenário que se apresenta a segurança pública do país, carecendo de enfrentamento normativo-principiológico, com olhar direto às razões e os anseios sociais.
Necessário estabelecer a diferença das condutas definidas como posse de arma de fogo e o porte de arma de fogo; bem como entre obrigatoriedade e discricionariedade da autoridade competente, quando inseridos no processo administrativo instaurado para a concessão de autorização para aquisição de arma de fogo.
O emprego de armas de fogo está presente na sociedade desde os tempos antigos, originário dos inventores da pólvora. Desde então, a tecnologia e a ciência são utilizadas para melhorando cada vez mais a forma de usá-la. Isto é, criando armas menores e individualmente manipuláveis, com maior poder de fogo.
Sabe-se que a Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88, no artigo 5°, estabelece que a privacidade e a honra são invioláveis, garante o direito à vida, à segurança, à liberdade e à propriedade privada, e estabelece que a casa é o asilo inviolável, sendo que ninguém pode adentrar sem o consentimento do proprietário. Tais previsões viabilizam o uso dos mecanismos de defesa disponíveis ao cidadão para, por si só, garantir a não violação destes direitos.
A CRFB/88 também estabelece no artigo 144, que a segurança é um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. Entretanto, admite o uso da força, até mesmo letal em casos de autodefesa, o que é definitivamente inatingível sem a existência e uso de material correspondente ao usado para produzir a ameaça recebida.
Por estas razões, há necessidade de analisar os critérios e as condicionantes impostas àquele que deseja fazer uso da arma de fogo para autodefesa, proteção familiar e de seu patrimônio, quando injustamente violados ou ameaçados.
O direito de propriedade privada é protegido desde os primórdios do Direito, sendo elevado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, a direito fundamental. In verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (BRASIL, 1988).
A propriedade privada é abordada sob a perspectiva contratual, e da mesma forma como consequência possessória, evoluindo com as questões sociais e históricas. Nesse sentido, referem Barbosa e Pamblona Filho (2004, p.74) refletem:
Nas mais remotas legislações, já se vislumbrava a existência de um direito subjetivo à propriedade, como decorrência natural da existência do homem e da possibilidade de acúmulo de riqueza. Assim nos esclarece John Gilissen, o qual, indo além, aponta formas de propriedade imobiliária individual em sociedades de povos sem escrita. A sistematização normativa da propriedade ganha contornos mais nítidos nos direitos mesopotâmicos, hebraico, grego e, principalmente, no direito romano.
É possível considerar, inclusive, que a propriedade tenha sido o núcleo de muitas destas etapas evolutivas. E é neste contexto que Venosa (2003, p. 138) afirma:
Cada povo e cada momento histórico têm compreensão e extensão próprias do conceito de propriedade. O conceito e a compreensão, até atingir a concepção moderna de propriedade, sofreram inúmeras influências no curso da história dos vários povos, desde a antiguidade. A história da propriedade é decorrência direta da organização política.
Quanto ao alcance conceitual do direito, tem-se importante destaque o ensinamento conferido por Comparato (1997, s/p.).
A propriedade privada foi concebida, desde a fundação do constitucionalismo moderno, como um direito humano, cuja função consiste em garantir a subsistência e a liberdade individual contra as intrusões do Poder Público. Sob esse aspecto, reconheceu-se que ao lado do direito de propriedade havia também um direito à propriedade. A evolução socioeconômica contemporânea estendeu o conceito constitucional de propriedade privada, bem como alargou funcionalmente o instituto. Doravante, a proteção da liberdade individual e do direito de subsistência já não dependem, unicamente, da propriedade de bens materiais, mas abarcam outros bens de valor patrimonial, como os direitos trabalhistas e previdenciários.
Em decorrência da concepção protecionista do direito de propriedade, visando à defesa de posses, aos proprietários eram dadas armas para defender-se dos invasores e ladrões, admitindo inclusive o uso dá força com a finalidade de proteção.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no artigo 17°, aborda a propriedade como um direito inviolável e sagrado:
Art. 17. Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.
No seu artigo 2°, classifica a propriedade, junto à liberdade, como um direito natural: “Art. 2. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”.
Assinala Miranda (2000, p. 307): “Não há restrição a direito fundamental sem base constitucional”.
Também ressaltou Locke (1963, p. 77): “o grande e principal objetivo, portanto, da união dos homens em comunidades, colocando-se sob governo, é a preservação da propriedade”.
Dessa maneira, a história mostra que na idade antiga, quando os homens habitavam cavernas, usavam instrumentos como pedras, pedaços de galhos e outros tipos de objetos com a intenção de caçar alimento para sua sobrevivência ou para lutar contra inimigos. Isso mostra que as armas já eram usadas para muitos propósitos. Com o passar do tempo, os homens perceberam que tinham que ir aperfeiçoando, afiar suas armas, procurar novos meios de defesa.
Neste contexto, desenvolveu-se inicialmente o arco, que poderia ser feito com uma madeira trabalhada presa a uma barra arqueada, que lançaria o objeto com maior velocidade e melhor alcance do que se fosse lançado diretamente com o impulsionamento da força física, assim criou-se o arco e a flecha, que mais tarde se tornaram bestas e balestras: “Amarrando-se um cipó nas duas pontas de um galho, fazia-se um arco, que impulsionava outros galhos à distância e assim por diante” (TEIXEIRA, 2001, p.15).
Ainda de acordo com Teixeira (2001, p. 15), “Com o invento da fundição do ferro, surgiram armas mais elaboradas, como arcos, que arremessavam flechas com pontas metálicas, lanças, espadas, adagas.” Essa evolução foi de total relevância para a história das armas e para o seu aprimoramento, visto que a partir daí foi se desenvolvendo armas metalúrgicas, extraídas a partir do ferro. Sem a fusão do ferro ou aço, as armas de fogo na tese nunca poderiam ter se desenvolvido.
De acordo com historiadores, não é de hoje que o homem faz o uso de objetos com o intuito de atacar, se proteger ou com a finalidade de defender à sua família e seus bens de ameaças, sejam estas de bichos ou outras pessoas. Teixeira, (2001, p.15) diz que:
[...] desde seu surgimento na face da Terra até os dias atuais, o homem se utiliza de algum meio para efetuar sua autodefesa. Apenas o que mudou foram as armas ou os meios utilizados, que acompanharam o desenvolvimento de novas técnicas, a descoberta de novos materiais e as novas tecnologias que surgiram ao longo da própria evolução humana.
Arma, segundo Fragoso (1971, p. 76), “é o instrumento em condições de ser utilizado ou que pode a qualquer instante ser posto em condições de ser usado para o ataque ou a defesa”. Continua o autor dizendo que até mesmo um objeto simples como, um lápis ou algum material parecido, ao ser fincado em alguém, com o objetivo de machucar ou até mesmo matar, é considerado uma arma, pois o que vai diferenciar se é uma arma ou não seria a sua forma de ser utilizada, ou seja, se é com a finalidade lesiva ou não.
O entendimento exposto por Silva (2000, p.77), é que “a ofensividade é natural da arma, ou seja, a qual se considera por si mesma, devido a sua fabricação e pela sua finalidade de construção”. Segundo ele, não se acrescentam na conceituação de arma as que por um inesperado acaso são usadas como arma, apenas aquelas que são produzidos para esse propósito, intenção de ferir deverão ser conceituadas como armas.
Analisando os conceitos expostos por Silva (2000, p.77) e por Fragoso (1971, p.76), pode-se entender que um canivete ou uma faca, serão considerados como armas dependendo da intenção que são utilizadas e uma espingarda ou uma pistola destinada com a finalidade de prática de tiros esportivos não é considerada arma se não for utilizada para tal finalidade.
No Brasil, assim como em outros países, a violência com resultado morte representa um dos principais problemas a ser resolvido pelo sistema público. Resta a análise minuciosa para se identificar a vítima e o causador desta realidade.
A CRFB/88 estabelece que a segurança é direito e responsabilidade de todos. Admite o uso da força, até mesmo letal em casos de autodefesa, o que é definitivamente inatingível sem a existência e uso de material correspondente para produzir a ameaça recebida, sendo a única forma mediata de tentar preservar o direito dos cidadãos.
Para se chegar neste nível de preservação, é necessário que se faça o uso da autodefesa, e não apenas esperar que o Estado venha faça promova a defesa, afinal, em alguns casos. É necessário ter meios para se defender e garantir segurança, tanto do bem maior que é a vida, quanto da liberdade e do direito individual à propriedade privada.
Com base nos princípios constitucionais, nos direitos à liberdade, à proteção, à propriedade privada e a segurança individual, que se reivindica o direito de escolha do cidadão em optar entre adquirir ou não uma arma para sua própria defesa.
O Legislador formulou a Lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003, denominada Estatuto do Desarmamento, que veio para alinhar as ações definidas como registro, porte e comercialização de armas de fogo, definindo crimes, regularizando o Sistema Nacional de Armas (SINARM) e trazendo uma campanha para a entrega das armas de fogo que se encontravam na posse dos cidadãos.
Assim que aprovada a Lei 10.826/03, iniciou-se uma campanha governamental em rede nacional, instigando a população a legalizar ou a entregar as armas de fogo à Polícia Federal. Após a promulgação do Estatuto do Desarmamento, o comércio de armas de fogo e munição diminuiu significativamente.
É preciso refletir que as armas voluntariamente entregues nas campanhas do desarmamento pertenciam a cidadãos, seja ela acompanhada de registro ou não, ou seja, não foram entregues por criminosos responsáveis pela efetivação de roubos ou assaltos.
É necessário especificar os conceitos de porte, posse e registro de armas de fogo. O primeiro confere ao cidadão a possibilidade de portar a arma de fogo consigo; o segundo e terceiro, têm apenas o objetivo de demonstrar que a propriedade da arma, podendo guardá-la em sua residência ou local de trabalho, conforme Lei 10.826 de 2003.
Há defensores da tese de que a proibição do porte e da posse de armas é uma medida eficaz contra os altos índices de crimes. Para esses, quanto mais armas, mais crimes.
Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p.75):
A arma de fogo é um instrumento vulnerante, fabricado, particularmente, para ofender a integridade física de alguém, ainda que possa ser com o propósito de defesa contra agressão injusta. De todo modo, para o bem ou para o mal, em função do direito individual fundamental à segurança pública, é preciso que as armas de fogo, tal como se dá no contexto dos tóxicos, sejam rigorosamente controladas pelo Estado. Em especial, quando, se trata de um país pobre, ainda constituído de grande parcela da sociedade sem formação cultural adequada, como o Brasil, o espaço para circulação da arma de fogo deve ser restrito. Observou-se, nos últimos dez anos, uma modificação essencial no quadro das leis de controle e repressão ao comércio e uso indevido de armas de fogo.
Explicando o pensamento Nucci, entende-se que as armas de fogo devem ser rigorosamente controladas pelo Estado, pois grande parte da sociedade não tem formação técnica para fazer uso das mesmas. Com o pretenso controle, há possibilidade de se avançar no tocante à segurança pública.
Há aqueles que defendem o oposto, isto é, mais armas na posse do cidadão, menos crimes. Sobre esse argumento, Gomes e Oliveira defendem: “A evolução do tratamento jurídico penal da matéria sempre foi marcada por uma ideia de necessário controle sobre tais objetos” (GOMES; OLIVEIRA, 2002 p. 72).
Já Facciolli, (2010, p. 18) contrapõe:
De maneira oposta ao pretendido pelos seus idealizadores, apresentar resultados práticos e satisfatórios, a curto e médio prazo, o quadro de violência armada continua sendo preocupante, e como um tiro que “saiu pela culatra”, o Estatuto acabou estimulando a clandestinidade.
Explorando o pensamento de Facciolli, o Estatuto do Desarmamento que veio com a finalidade de diminuir a violência armada, trouxe foi mais um problema, que seria o aumento do mercado clandestino das armas de fogo. O criminoso continua armado, pois busca a solução no mercado ilegal.
A referida lei criou embaraços para as pessoas que desejam tramitar as suas solicitações com agilidade. Para aqueles que residem em cidades localizadas no interior dos estados da federação, o excesso de exigência dificulta, ou até mesmo impede, o acesso às armas de fogo. Souza (2016, s./p) reflete:
Simplesmente proibir o porte de arma de fogo não foi e nunca será suficiente para conter a criminalidade, porque a grande maioria dos crimes são cometidos com armas ilegais. Provavelmente as mesmas que integram os pacotes de negociação do tráfico de entorpecentes. Seria como proibir o trânsito de veículos automotores porque as mudanças do Código de Trânsito Brasileiro não fossem suficientes para reduzir as estatísticas da criminalidade das estradas.
Marcus Peterson Silva Souza (2016) expressa que a simples proibição de portar arma de fogo não é suficiente para combater crimes, até porque o crime se efetiva ao arrepio da lei. Os crimes cometidos com armas de fogos são efetivados mediante a utilização de armas ilegais, desta forma, proibir a compra de armas legais para o cidadão não irá resolver o problema.
Ressalta Castelo Branco (2004, p.133), “Em análise ao Estatuto do Desarmamento, conclui que a lei não atende à sua finalidade, qual seja a de “aliviar o estado crítico de insegurança pública”, constituindo tão somente numa violação a um direito do cidadão”. Conforme defendido por Castelo Branco (2004), a norma citada, não atende a vontade do legislador, que é de contribuir para a melhoria da segurança pública, o que trouxe foi uma violação do direito do cidadão de se armar.
Segundo observa o Professor André Ramos Tavares (2004, p. 4):
Só se pode lamentar a visão estreita e o oportunismo, carregado com um certo populismo, daqueles que assumem publicamente, vangloriando-se, a responsabilidade pela autoria e aprovação desse inoportuno estatuto, que não só não beneficia a sociedade, como cria novas dificuldades e armadilhas legais para o cidadão que, exercendo direitos constitucionais, tenha a propriedade com o registro regular de alguma arma de fogo. Esquece-se de que não se acabará com a violência e a insegurança por decreto, punindo, a vítima dessa situação.
Tavares (2004, p.4) afirma que a implementação do Estatuto do Desarmamento trouxe um problema para a sociedade, pois criou dificuldades para que o cidadão, cumpridor das normas jurídicas, exerça seu direito de comprar e registrar uma arma de fogo punindo a vítima da violência com mais insegurança ao invés de acabar com ela. Para demostrar um pouco tal situação, Nucci (2008, p. 78) traz sua experiência:
Não temos a ilusão de que o controle estatal impedirá a ocorrência de crimes em geral, afinal, seria ingênuo imaginar que a marginalidade compra armas de fogo em lojas, promovendo o devido registro e conseguindo o necessário porte.
Com base nesses argumentos, demonstra-se que o estatuto não tem o poder de diminuir a quantidade dos crimes cometidos com armas de fogo, já que quem comete o crime já está agindo fora da lei e não vai se utilizar da autorização de compra de arma de fogo de maneira legal para atingir seus planos. Desse mesmo modo complementam Bene Barbosa e Flávio Quintela (2015, p.74):
Daí concluímos que qualquer lei que tente limitar o acesso dos criminosos às armas é, por si mesma, inútil e incoerente, pois vai contra a própria definição de crime, e acaba limitando somente o acesso daqueles que jamais usariam uma arma para cometer um delito.
A violência é uma realidade cruel no Brasil e as respostas são procuradas para diminuí-la. O desarmamento da população civil foi repassado, de certa forma, como se fosse uma solução rápida e eficiente a esta situação. A criminalização parece ser a solução mais rápida, mas pode não ser a mais eficiente. O estudo das razões e consequências de tais atos levam a um pensamento mais crítico para demonstrar que essa ideia de desarmar a população de bem não vai tornar a sociedade mais segura.
Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p.75):
A arma de fogo é um instrumento vulnerante, fabricado, particularmente, para ofender a integridade física de alguém, ainda que possa ser com o propósito de defesa contra agressão injusta. De todo modo, para o bem ou para o mal, em função do direito individual fundamental à segurança pública, é preciso que as armas de fogo, tal como se dá no contexto dos tóxicos, sejam rigorosamente controladas pelo Estado. Em especial, quando, se trata de um país pobre, ainda constituído de grande parcela da sociedade sem formação cultural adequada, como o Brasil, o espaço para circulação da arma de fogo deve ser restrito.
É preciso analisar criticamente os benefícios e malefícios de se ter uma quantidade maior de armas circulantes legalmente no país com pessoas cumpridoras de seus deveres legais. O desarmamento civil através das experiências históricas, sempre teve por trás os interesses individuais. Portanto, é de suma importância tratar com muito cuidado o assunto para não descuidar de suas consequências para todo o país. Esclarece Luiz Afonso Santos (1999, p. 36):
A “violência humana” não deve ser vista, atualmente, como simples objeto de estudos descompromissados, nivelando agressor e agredido, uma vez que a forma de se interpretar o fenômeno tem consequências reais em nossa sociedade violenta. A crua realidade dela em nossas cidades faz com que o estudioso do problema tenha reais chances de ter um revólver apontado para a sua cabeça já ao sair do campus universitário e ser colocado por criminosos dentro do porta-malas de seu carro, tendo uma experiência concreta do que seja o conceito.
Deve ser destacado que a Lei nº. 10.826/03 criou um Sistema Nacional de Armas no âmbito da Polícia Federal, representante importante avanço no controle de armas no país, recolhendo armas sem registros e conferindo uma possibilidade de emissão de registro. Entretanto, não alcançou a diminuição nos índices de violência, e não proporcionou mais segurança.
3 AS CONDICIONANTES IMPOSTAS PELO ESTATUTO DO DESARMAMENTO NAS AQUISIÇÕES DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO
A circulação, compra e posse de arma de fogo devem ser exercidas com critérios e limites, porém não pode impor barreiras que inviabilizem o cidadão de exercer seu direito de se armar.
Quando se trata de acesso às armas, é imperativo ressaltar que o Legislador utilizou medidas para tornar quase impossível adquirir uma arma de fogo no Brasil. Foram impostas várias condicionantes: taxas e despesas a serem custeadas pelo cidadão nas autorizações de compra de arma de fogo.
Com base nisso evidencia Damásio de Jesus (2007, s/p.): “O Estatuto, sintomaticamente denominado ‘do Desarmamento’, praticamente extingue o direito do cidadão de possuir arma de fogo, salvo raríssimas exceções”. Com isso, fez com que o registro de arma, que concede o direito do seu proprietário para utilizá-la exclusivamente dentro de sua residência, fosse exigido vários requisitos para que se tenha sua concessão, se tornando inviável para grande maioria do povo brasileiro. O Estatuto de 2003 define no seu artigo 5° que:
Art. 5o O certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa. (BRASIL. 2003, s/p.)
A análise da letra da Lei N. 10.826 de 2003 possui muitos pontos interessantes que devem ser tratados, pois o artigo 4° estabelece as seguintes condições para a aquisição de uma arma de fogo de uso permitido:
Artigo 4º - Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:
I-comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos;
II-apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
III-comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei. (BRASIL. 2003, s/p. grifo nosso).
E no seu artigo 5° parágrafo 2° que:
§ 2o Os requisitos de que tratam os incisos I, II e III do art. 4o deverão ser comprovados periodicamente, em período não inferior a 3 (três) anos, na conformidade do estabelecido no regulamento desta Lei, para a renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo. (BRASIL. 2003, s/p.)
Neste expoente, Quintela (2015, p. 80) se manifesta dizendo que: “O caráter discricionário do Estatuto do Desarmamento é, na verdade, seu maior problema, porque trata a concessão da licença de propriedade de armas de fogo como um privilégio ao cidadão, e não como um direito, o que deveria ser de fato”.
Pode se dizer analisando Quintela (2015) que o Estatuto do desarmamento trouxe um problema, pois aborda a autorização de posse de arma como se fosse uma regalia, e não uma garantia ao cidadão de bem que cumpre suas obrigações.
Observa que o Estatuto do desarmamento em seu caput do artigo 4° cita “além de declarar a efetiva necessidade”, entretanto o legislador não especifica essa declaração de necessidade, trabalha ela de forma “subjetiva”, deixando aberto para interpretações e regulamentações posteriores. Os quais não passam por um processo legislativo e dependem exclusivamente de uma “canetada”.
Então em meio de expectativa, críticas e polêmicas, foi publicado o Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004, do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que viria para regulamentar o Estatuto do Desarmamento, e com isso, trazer clareza. Em seu artigo 12° do decreto de 2004 especificou sobre à aquisição e o Registro da Arma de Fogo de Uso Permitido, é definiu os critérios que o interessado:
Art. 12. Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá:
I - declarar efetiva necessidade;
II - ter, no mínimo, vinte e cinco anos;
III - apresentar cópia autenticada, da carteira de identidade;
IV -comprovar no pedido de aquisição e em cada renovação do registro, idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais fornecidas pela justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral.
V - apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
VI - comprovar, em seu pedido de aquisição e em cada renovação de Registro, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo atestada por empresa de instrução de tiro registrada no Comando do Exército por instrutor de armamento e tiro das Forças Armadas, das Forças Auxiliares ou do quadro da Policia Federal, ou por esta habilitado; e
VII - comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por esta credenciado.
§ 1° A declaração de que trata o inciso I do caput deverá explicar, no pedido de aquisição e em cada renovação do registro, os fatos e circunstâncias justificadoras do pedido, que serão examinados pelo órgão competente segundo orientações a serem expedidas em ato próprio. (BRASIL. 2004, s/p.)
Para regulamentação, tem-se o decreto nº 6.715, de 29 de dezembro de 2008, que alterou o decreto de no 5.123, de 1o de julho de 2004 e trouxe algumas mudanças nas condicionantes para aquisições de arma de fogo de calibre permitido, mais basicamente foram superficiais e não foram satisfatórias ao ponto de resolver o problema, passaram a ter a seguinte redação no seu artigo. 12.
III - apresentar original e cópia, ou cópia autenticada, de documento de identificação pessoal; (Redação dada pelo Decreto n° 6.715, de 2008).
IV - comprovar, em seu pedido de aquisição e em cada renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo, idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio eletrônico; (Redação dada pelo Decreto n° 6.715, de 2008).
VI - comprovar, em seu pedido de aquisição e em cada renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo; (Redação dada pelo Decreto n° 6.715, de 2008).
§ 1o A declaração de que trata o inciso I do caput deverá explicitar os fatos e circunstâncias justificadoras do pedido, que serão examinados pela Polícia Federal segundo as orientações a serem expedidas pelo Ministério da Justiça. (Redação dada pelo Decreto n° 6.715, de 2008). (BRASIL. 2008, s/p.)
Dentre as principais alterações, tem-se a não necessidade de em cada renovação ter que justificar fatos e circunstancias do pedido da declaração da efetiva necessidade. Definindo os pedidos desta declaração, serão examinados pela Polícia Federal segundo orientações do Ministério da Justiça. Uma pequena diminuição na burocratização do processo, entretanto ainda necessitando de alterações.
Mais recente, durante a gestão do governo federal do Ex-presidente Michel Temer, diante da necessidade de alteração na legislação pertinente, publicou-se o decreto nº 8.935, de 19 de dezembro de 2016, que também realizou pequenas mudanças na legislação, porém, outra vez, o legislador perdeu a oportunidade e não solucionou os entraves da lei.
O retrato da realidade vivida no país, no que se diz respeito à segurança pública, é devastador: altos índices de violência, assaltos e mortes usando armas de fogo. Paralelo à esta realidade, tem-se a extrema burocratização para aquisição de armas de fogo direcionada ao cidadão que cumpre seus deveres com o Estado.
De modo geral, o Estatuto e seus decretos foram um grande passo na regulamentação de armas no país, o que se fazia necessário. Porém a legislação foi muito rigorosa em alguns aspectos e deixou muito subjetivo algumas condicionantes como a “comprovação da Efetiva necessidade” e o crivo pela Polícia Federal, se tornando insatisfatória.
4 A COMPROVAÇÃO DE EFETIVA NECESSIDADE PARA POSSE DE ARMA DE FOGO
A Legislação utilizou-se de critérios subjetivos para comprovação da efetiva necessidade para aquisição de arma de fogo de calibre permitido, ficando evidente a dificuldade imposta para o acesso ao direito de se adquirir uma arma de fogo, ferindo o princípio constitucional da proteção à propriedade privada, e interferindo diretamente na liberdade de autodetermina-se da população.
Há uma declaração de efetiva necessidade que deve ser apresentada a alguma autoridade e que um complemento é necessário para colocá-la em prática, porque a lei não é totalmente esclarecedora.
Esse fato acabou ocasionando em uma série de críticas, já que o legislador não especificou os critérios dessa declaração de efetiva necessidade, o que continuou a gerar questionamentos. Contudo, o Ministério da Justiça elaborou a Normativa DPF nº 23 de 01 de setembro 2005 que trazia no seu artigo 6°:
Art. 6º Para o requerimento e expedição da Autorização para Aquisição de Arma de Fogo de uso Permitido por Pessoa Física, deverão ocorrer os seguintes procedimentos:
I - o interessado deverá comparecer a uma Delegacia de Defesa Institucional - DELINST centralizada em Superintendência Regional, ou a uma Delegacia de Polícia Federal, ou, em casos excepcionais, ao SENARM/DASP/CGDI, e cumprir as seguintes formalidades:
a) ter idade mínima de vinte e cinco anos;
b) apresentar o formulário padrão - Anexo I, devidamente preenchido e assinado, com duas fotos recentes no tamanho 3X4, além dos seguintes documentos:
1) cópia autenticada de documento de identidade;
2) declaração de efetiva necessidade de arma de fogo, expondo os fatos e as circunstâncias justificadoras;
3) certidões de antecedentes criminais, fornecidas pelas Justiças Federal, Estadual, Militar e Eleitoral;
4) declaração de que não responde a inquérito policial ou a processo criminal;
5) comprovantes de ocupação lícita e de residência certa, exceto para os servidores públicos da ativa; e
6) comprovantes de capacidade técnica e de aptidão psicológica, ambos para manuseio de arma de fogo;
II - os requerimentos protocolizados para obtenção da Autorização de que trata este artigo, serão submetidos ao seguinte processamento, cuja finalização deverá ocorrer no prazo máximo de trinta dias:
verificação nos Bancos de Dados Corporativos tais como: SINARM, SINPI, SINIC e SINPRO;
a) obtido o "nada consta" ou anexado o comprovante de que o interessado ultrapassa a quantidade legal de armas e/ou que possui antecedente criminal, o chefe da DELINST ou da Delegacia de Polícia Federal ou do SENARM/DASP/CGDI, deverá emitir parecer preliminar e não vinculante, sobre a solicitação, e encaminhá-la à autoridade competente para decisão;
b) deferida a solicitação, será expedida em formulário padrão - Anexo II e em caráter pessoal e intransferível, a autorização de compra da arma de fogo indicada, e posteriormente à comprovação do pagamento da taxa de que trata o inciso I do art. 11 da Lei nº 10.826 de 2003, será providenciado o registro e emitido o Certificado de Registro de Arma de Fogo, em formulário padrão - Anexo III; e
c) indeferida a solicitação, deverá ser dada ciência ao interessado, nos autos da solicitação ou por qualquer outro meio que assegure a certeza da ciência.
§ 1º A autoridade competente poderá exigir documentos que comprovem a efetiva necessidade de arma de fogo.
§ 2º O comprovante de capacidade técnica terá validade de três anos e deverá ser emitido por empresa de instrução de armamento e tiro registrada no Comando do Exército, ou por instrutor de armamento e tiro: do quadro do DPF ou por este credenciado; do quadro das Forças Armadas; ou do quadro das Forças Auxiliares.
§ 3º A aptidão psicológica para manuseio de arma de fogo será atestada em laudo conclusiva, válida por três anos, lavrado por psicólogo do DPF ou por psicólogo credenciado pelo DPF.
§ 4º As certidões e os comprovantes mencionados nos itens "3" e "6" do inciso I deste artigo, somente serão recebidos dentro do período de validade.
§ 5º Os documentos citados nos itens "2", "4" e "5" do inciso I deste artigo, terão validade de noventa dias, contados da expedição.
§ 6º Os integrantes das Forças Armadas, das polícias federais e estaduais e do Distrito Federal, bem como os militares dos Estados e do Distrito Federal, deverão apresentar o formulário padrão - Anexo I, devidamente preenchido e assinado, com duas fotos recentes no tamanho 3X4, declaração de efetiva necessidade de arma de fogo, e cópia da identidade funcional, ficando dispensados da idade mínima de vinte e cinco anos.
§ 7º Os Magistrados e os membros do Ministério Público, em razão do contido nas suas respectivas leis orgânicas, deverão apresentar o formulário padrão - Anexo I, devidamente preenchido e assinado, com duas fotos recentes no tamanho 3X4, cópia da identidade funcional e o comprovante de capacidade técnica para manuseio de arma de fogo.
§ 8º Do indeferimento de requerimento caberá pedido fundamentado de reconsideração, no prazo de cinco dias úteis após a ciência do interessado, e sendo mantida a decisão, o interessado poderá interpor recurso administrativo, no prazo de dez dias úteis, contados a partir da ciência da negativa de reconsideração.
§ 9º São competentes para a apreciação de recurso administrativo de requerimento indeferido, em ordem hierárquica crescente, o Coordenador- Geral da CGDI, o Diretor Executivo e o Diretor-
Geral do DPF.
§ 10. O recurso administrativo de requerimento indeferido deverá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento pela autoridade superior, podendo ser prorrogado por igual período mediante justificativa.§ 11. O requerimento indeferido em definitivo será devolvido à origem, para ciência do interessado e arquivamento”. ((BRASIL. 2005, s/p. grifo nosso)
Com isso o legislador piorou a situação, e infelizmente não observou os princípios básicos e a finalidade da lei, utilizando-a como barreira para tentar impedir novas aquisições de armas de fogo de uso permitido, fazendo assim o cidadão refém das próprias normas e do poder discricionário do Delegado da Polícia Federal, que poderia exigir documentos que comprovassem, poderia dificultar e por mais que o cidadão cumprisse todos os requisitos exigidos, tivesse gasto com cursos técnicos, exames psicológicos poderia se esbarrar nessa declaração, simplesmente ter seu pedido negado porque a autoridade policial simplesmente entendeu que não necessitava. Isso fez com que o número de autorizações efetivadas caísse muito e aumentando a insatisfação popular.
Isso deu lugar a certa frustração, já que o Decreto Presidencial acrescenta detalhes que não estavam previstos anteriormente na Legislação, e essas medidas não passaram pelo processo legislativo, sendo suficiente apenas à assinatura do Presidente.
Ao acrescentar este parágrafo na legislação, fica evidente a avaliação discricionária que será submetido à autorização para adquirir uma arma de fogo. Ao submeter essa circunstância subjetiva para analise arbitrária à Polícia Federal, com base nas diretrizes emitidas pelo Ministério da Justiça, tornando a autorização um ato regulado exclusivamente pela vontade da Autoridade de Polícia Federal.
O cidadão que solicita a compra de uma arma de fogo, além de ter que basear os fatos e justificar as circunstâncias, fica à mercê da discricionariedade do Delegado de Polícia Federal, sem conhecer critérios objetivos que possam autorizar sua solicitação. Desse modo, o legislador endurece o bloqueio no país em uma feroz perseguição contra armas de fogo, com o duro objetivo e a falsa ilusão de reduzir a violência e o crime no país.
Os demais critérios exigidos pela lei atendem a proteção e a sua função social. São eles: Comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.
Não se criticam os critérios, mas exclusivamente a comprovação de efetiva necessidade.
Ressalta o professor Damásio E. de Jesus (2004, s/p.): “Só desarmar a população, sem a respectiva garantia da sua segurança, é armar o lobo e desarmar o cordeiro”.
5 A (I)LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA DA EFETIVA NECESSIDADE
O princípio da legalidade assim estabelece:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (BRASIL, 1988, s/p.).
O Art. 37 da constituição prevê que os atos da administração pública devem obedecer ao alicerce principiológico, inclusive o da legalidade. Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 942), conceitua o princípio como sendo:
O princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano.
Mello (2008, p. 943) também conceitua:
Violar um Princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço e corrosão de sua estrutura mestra.
Com base no que diz Bandeira de Mello (2008), fica claro que, ir contra um princípio é mais gravoso que ir contra uma lei, pois os princípios estão além das normas, são baseados neles que toda a sociedade se comporta, a partir dos princípios que se elaboram as leis.
Nesse fundamento, é possível entender que, enquanto indivíduos no âmbito privado podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a administração pública, entretanto só deve agir onde a lei a autorize. Portanto, a administração pública, ao impor certa conduta aos seus agentes, deve fazê-lo de maneira prudente e sem utilizar os meios administrativos para criar obrigações e deveres não previstos em lei.
Quem mantém sob guarda na sua casa arma de fogo de uso permitido tem o único objetivo: proteger seu patrimônio, sua família e a si próprio. É inaceitável que a guarda deste objeto de defesa possa representar uma ameaça à segurança pública (THUMS, 2006, p.78).
A exigência da comprovação de efetiva necessidade nas autorizações da Lei de armas de fogo no Brasil, cujo critério se tornou uma obstrução nos termos do Decreto nº 5.123/04, se traduz em uma afronta ao princípio da legalidade, gravados na Carta Magna, levando em conta os dispositivos infra-legais.
Como se verifica no art. 4° do Estatuto do Desarmamento, a norma não deixa espaço para discrição, no entanto, verifica-se que a base para a rejeição de pedidos de compra de armas de fogo se baseia nos diplomas infralegais mencionados. No caso em questão, a instrução do Ministério da Justiça tem uma clara intenção de desarmar e infringe o princípio da legalidade. O professor Carvalho Filho (2014, p. 20) esclarece os argumentos sobre esse princípio:
É extremamente importante o efeito do princípio da legalidade no que diz respeito aos direitos dos indivíduos. Na verdade, o princípio se reflete na consequência de que a própria garantia desses direitos depende de sua existência, autorizando-se então os indivíduos à verificação do confronto entre a atividade administrativa e a lei. Uma conclusão é inarredável: havendo dissonância entre a conduta e a lei, deverá aquela ser corrigida para eliminar-se a ilicitude.
A atividade administrativa exercida pelo Delegado de Polícia Federal, ao recusar a aquisição de armas de fogo, resultou no cumprimento do disposto no Decreto Regulamentar nº 5.123/04 e na Instrução Normativa nº 23/2005 do Ministério da Justiça. No entanto, o cumprimento das disposições desses diplomas não significa que tal ato seja legal.
Ao trazer os conceitos do instituto da legalidade do Direito Administrativo para o caso em questão, percebe-se que se o art. 4º da Lei 10.826/03 regulamenta os requisitos para autorização de compra de armas de fogo. Não há razão, a não ser a motivação política e ideológica, para um dispositivo infralegal, editado pelo Ministério da Justiça usurpar a competência legislativa, bem como sua intenção, e mudar o papel do Delegado de polícia Federal que representa o SINARM e os seus critérios da lei.
Se a norma fala de uma "declaração", requisitar "comprovação" com base em dispositivos não legais, viola o princípio da legalidade e proíbe que o cidadão de boa-fé alcance seu direito de adquirir uma arma de fogo, ainda que preencha os requisitos objetivos expostos pelo estatuto, Di Pietro (2014, p.52) ressalta o que foi demonstrado e expõe:
No direito positivo brasileiro, esse postulado, além de referido no artigo 37, está contido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal que, repetindo preceito de Constituições anteriores, estabelece que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei.
Diante desse entendimento, as rejeições da Polícia Federal das autorizações de compra de arma de fogo, em sua maioria baseadas no Decreto 5.123/04 e na instrução normativa nº 23 de 2005 do Ministério da Justiça, são ilegais. Neste sentido, deveria vincular os casos do Supremo Tribunal da sumula n° 346, que se diz: "A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos", refletindo o princípio da autotutela.
Tal nulidade poderia ser reparada. Mas, uma vez direcionado o pedido para o mesmo setor da Polícia Federal e, evidentemente, não sofrer interpretação diferente daquela que ela mesma já havia atribuído, reflete que o Estado refuta a possibilidade de rever o seu próprio ato.
O atual chefe do Poder Executivo federal, Sr. Jair Bolsonaro, na tentativa de sanar de maneira imediata e provisoriamente o problema do critério de comprovação de efetiva necessidade, publicou o Decreto Nº 9.685, de 15 de janeiro de 2019, que altera o Decreto nº 5.123/04, e regulamenta a Lei nº 10.826/03, dispondo sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define crimes. Nele fica definido que:
“§ 7º Para a aquisição de armas de fogo de uso permitido, considera-se presente a efetiva necessidade nas seguintes hipóteses:
I - agentes públicos, inclusive os inativos:
a) da área de segurança pública;
b) integrantes das carreiras da Agência Brasileira de Inteligência;
c) da administração penitenciária;
d) do sistema socioeducativo, desde que lotados nas unidades de internação a que se refere o inciso VI do caput do art. 112 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 ; e
e) envolvidos no exercício de atividades de poder de polícia administrativa ou de correição em caráter permanente;
II - militares ativos e inativos; III - residentes em área rural;
IV - residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública;
V - titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais; e
VI - colecionadores, atiradores e caçadores, devidamente registrados no Comando do Exército.
§ 8º O disposto no § 7º se aplica para a aquisição de até quatro armas de fogo de uso permitido e não exclui a caracterização da efetiva necessidade se presentes outros fatos e circunstâncias que a justifiquem, inclusive para a aquisição de armas de fogo de uso permitido em quantidade superior a esse limite, conforme legislação vigente”. ((BRASIL. 2019, s/p. grifo nosso)
Com isso o legislador mudou os critérios fazendo uso de um decreto presidencial, sem passar pelo poder legislativo, pelo fato que todos os Estados Federativos do país tem índices anuais maiores que dez homicídios por cem mil habitantes, segundo os dados do Atlas de Violência. Fazendo assim dispensado na prática a “declaração de efetiva necessidade” para aquisição de arma de fogo de calibre permitido.
O artigo tem como justificativa proporcionar respostas à excessiva burocratização direcionada à posse, porte e registro de armas de fogo, especificamente no tocante ao critério atribuído à necessidade, estabelecido pela Lei nº 10.826/03 e seus decretos regulamentares.
Com base no que foi apresentado, conclui-se que com as disposições dos decretos que regulamentam os dispositivos da Lei 10.826/03, e que aumentaram a burocracia para se ter acesso às autorizações de compra e registro de arma de fogo, criou um critério que se tornou uma obstrução nos termos da lei, se traduz em uma afronta ao princípio da legalidade, gravados na Carta Magna, levando em conta os dispositivos infralegais que ao inserir novas atribuições ao agente público, bem como impõe aos cidadãos novas exigências não previstas na Lei o legislador feriu os princípios básicos da sociedade, gerando grande descontentamento popular.
O número de pedidos negados e o número de Mandados de segurança que visam reverter à decisão administrativa da autoridade policial são elevados e extremamente excessivos. Esse fator é devido à falta de condições para se conseguir provar a necessidade efetiva para possuir uma arma e a sua subjetividade do seu critério, que fere princípios básicos da sociedade como o direito à livre manifestação de vontade, de escolha, e o direito à propriedade privada.
Se a norma fala de uma "declaração", requisitar "comprovação" com base em dispositivos, viola o princípio da legalidade e proíbe que o cidadão de boa-fé alcance seu direito de adquirir uma arma de fogo, ainda que preencha os requisitos objetivos expostos pelo estatuto.
Pois, mesmo que o cidadão tenha feito uma demonstração, explicando os motivos que o levaram a ter essa necessidade, o Delegado de Polícia Federal pode simplesmente não reconhecer, pois é muito subjetivo essa análise, ignorando a vontade do cidadão, e deixando sua vontade para segundo ou terceiro plano, ofendendo o princípio da legalidade e ferindo o direito do cidadão de obter regularmente uma arma de fogo.
O Decreto de Nº 9.685, de 15 de janeiro de 2019 aprovado pelo presidente Jair Messias Bolsonaro acalmou o clamor social e solucionando em parte o problema, não da melhor forma, que seria através de um processo legislativo e tirando de vez o critério ilegal da comprovação de efetiva necessidade da lei, mas através de uma manobra normativa, decretando que todos os residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016 já estaria “comprovada a efetiva necessidade”. Como todos os Estados possuem índices elevados de violência e superam o critério definido, todos estão dispensados dessa comprovação.
A simples situação de insegurança pública é critério objetivo que por si só comprova a necessidade de possuir uma arma de fogo para proteção da vida, da família e da propriedade privada, além de não interferir no direito de escolha de cada cidadão. Não vai ser restringindo os direitos individuais, criando barreiras para aquisição de uma arma de fogo, que a criminalidade e violência irão diminuir, mas acaba tirando o direito de defesa da população, pois o criminoso continua armado, buscando suas armas no mercado ilegal.
Portanto é revogando o presente critério que se mostra ilegal facilitando a compra do cidadão de bem e reformulando a lei e seus critérios, atualizando que será alcançada sua função e verdadeiro objetivo, que seria o de regulamentar e legalizar as armas de fogo no país.
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Acadêmico do curso de Direito pela Católica de Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Gabriel Mascarenhas. A "efetiva necessidade" como critério para autorização de aquisição de arma de fogo: análise de legalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jul 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53128/a-quot-efetiva-necessidade-quot-como-criterio-para-autorizacao-de-aquisicao-de-arma-de-fogo-analise-de-legalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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