O tema proposto destaca-se em momento sócio-jurídico de recorrentes violações à axiomas sensíveis axiomas constitucionais, como os recentes acontecimentos que destacam as manchetes midiáticas envolvendo políticos, empresários e integrantes do Ministério Público.
Conforme se sabe, o sequestro de bens e valores é uma das medidas que visa a garantir a execução de uma medida imposta, podendo ser aplicado também para assegurar o ressarcimento de danos oriundos de um ilícito penal.
Como integrante do rol de medidas assecuratórias patrimoniais que integram a caixa de ferramentas estatal à disposição do juízo para amortecimento dos danos resultantes de práticas delitivas suficientemente nocivas para merecer a atenção do ius puniendi, tais medidas merecem especial relevo, por denotarem providências invasivas ao patrimônio do agente que, ainda que ilícito, fazem jus, a priori, de proteções legais, ante o devido respeito aos postulados normativos que norteiam a aplicação dos dispositivos processuais penais, consubstanciados na lógica de aplicação do direito material, como os princípios da presunção de inocência, legalidade, contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
Partindo da menção aos princípios da legalidade e presunção de inocência, cumpre-nos expor o cristalino entendimento de que o ordenamento jurídico pátrio impera que o julgador, no ardor processual penal, não poderá aplicar medidas assecuratórias que não estejam expressamente previstas nas leis que regem o rito.
Assim, o ordenamento processual penal vigente prevê, como forma de medidas assecuratórias o sequestro, o arresto e a hipoteca legal, consubstanciados como medidas cautelares que visam garantir os direitos do ofendido e o ressarcimento dos danos resultantes da prática criminosa.
Por óbvio, por caracterizarem-se como medidas cautelares, ainda que de caráter patrimonial, exigem, para sua concretização, a comprovação dos elementos do periculum in mora, corporificado pelo risco de dano ao bem jurídico resultante na demora na concessão do requisitado, fazendo com que seja diminuída a eficácia da função jurisdicional pelo decurso da ação penal, e fumus boni iuris, isto é, o lastro probatório mínimo da necessidade da medida, a verossimilhança do alegado.
Não nos cabe aqui aprofundar-nos nos pressupostos de concessão de todas as medidas cautelares previstas no codex processual, mas apenas aos pressupostos gerais de provimento cautelar, visto que a discussão proposta é outra.
Neste sentido, o Código de Processo Penal trata das medidas assecuratórias do Art.125 ao 144, merecendo especial relevo o sequestro de bens imóveis, delineado no art.125 e seguintes, in verbis:
Art. 125. Caberá o seqüestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro.
Conceitua Fernando da Costa Tourinho Filho[1] que o sequestro caracteriza-se como “a retenção da coisa litigiosa, tendo, por isso mesmo, por fim, sua incolumidade, até que se decida a causa principal” (pag.35). Mais adiante, o mesmo doutrinador pontua que “Embora não se trate, a rigor, de coisa sobre cuja propriedade haja controvérsia, e só assim seria sequestro, por outro lado, não podem ser sequestrados quaisquer bens do indiciado. Apenas aqueles imóveis adquiridos por ele com os proventos da infração.” (pag.35)
Nesta seara, faz-se razoável concluir que as medidas assecuratórias, notadamente o sequestro, recaem, necessariamente, sobre o acervo patrimonial ilícito de propriedade do agente, o qual sofrerá constrição para assegurar o cumprimento da função jurisdicional, conforme alhures mencionado, bem como a manutenção do status quo ante, bem como a pressagiada decretação definitiva da perda dos bens assegurados.
Por este ângulo, cumpre-nos apontar acerca da previsão do sequestro subsidiário, o qual, apesar de não previsto no capítulo de medidas assecuratórias patrimoniais, perfaz-se, pacificamente, em medida assecuratória penal.
Desta forma, o art.91, enunciando os efeitos da condenação penal, traz a seguinte previsão, em seus §§1º e 2º:
§ 1º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.
§ 2º Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.
De análise atenta aos dispositivos colacionados conclui-se que estes burilam-se como exceção à um dos pressupostos básicos do sequestro previsto no Código de Processo Penal, qual seja, a necessidade de recair sobre bens ilícitos, provenientes direta ou indiretamente de infração penal, daí o termo “sequestro subsidiário”, em razão de ostentar medida alternativa no caso de se frustrar a busca por bens ilícitos do acusado.
Notável o ensinamento de Gustavo Henrique Badaró [2], em brilhante obra sobre Lavagem de Dinheiro:
”(...) passou a ser efeito da condenação, além da perda do produto ou proveito do crime, também a “perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior” (art.91, §1.º, do CP). Esse, porém, é um efeito secundário ou subsidiário, somente cabível quando não for possível a efetivação do efeito principal que é a perda do próprio “produto ou proveito da infração” (Art.91, caput, II, b, do CP). A razão da preferência é óbvia. O produto ou proveito da infração é bem ilícito que integra o patrimônio do acusado. Já o equivalente ao produto ou proveito normalmente será um bem lícito!”
Assim, conclui-se que o §1º do dispositivo mencionado autoriza que as medidas assecuratórias recaiam sobre bens ou valores lícitos equivalentes à vantagem ilícita obtida e apurada no curso da instrução probatória promovida pelo órgão de persecução penal.
Neste contexto, entendemos que a autorização legislativa de constrição do patrimônio lícito do acusado esconde-se como medida assecuratória para resguardar a manutenção dos efeitos deletérios da infração, contudo, perfaz-se como ferramenta de persecução criminal, numa clara aplicação do direto penal do inimigo idealizado por Günther Jakobs, eis que reprime os diretos do acusado, permitindo que este seja privado de seus bens lícitos, isto é, aqueles obtidos pelo labor regular, em consonância com as normas legais, sem qualquer ofensa a bens jurídicos, apenas para satisfazer a função jurisdicional detratora do comportamento criminoso.
Ante o exposto, entrevemos que o mecanismo assecuratório em tela ultima palpável risco aos pilares instituídos pelo Estado Democrático de Direito, pois coloca o acusado como um inimigo a ser combatido, ao ponto de ser privado dos frutos lícitos para satisfazer os objetivos propostos pelas reprimendas estatais, permitindo que o órgão julgador decrete a perda de bens ou valores que não atentam à incolumidade de bens jurídicos quando a persecução não lograr êxito em localizar acervo ilícito, ao invés de aperfeiçoar as práticas de detecção dos patrimônios ilícitos a cargo do órgão de persecução.
Mister pontuar que a intenção da presente explanação não é, de forma alguma, esgotar o tema proposto ou erguer a bandeira da impunidade, mas tão somente provocar a reflexão que circunda a conjuntura de combate à criminalidade contemporânea, verificando-se constantes rupturas à princípios basilares do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência no assaz de punir e atender o protervo clamor popular.
Bibliografia:
[1] FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal, 3º Volume. 5ª Edição. 1979. Editora Jalovi.
[2] BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de Dinheiro, aspectos penais e processuais penais. 3ª Edição. 2016. Editora Revista dos Tribunais.
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