O ordenamento processual penal estabelece determinados trâmites processuais que devem ser respeitados para a validade e regularidade dos atos praticados, a que denominou-se “ritos processuais”, estabelecendo prazos de cumprimento para determinadas diligências e, no mais das vezes, formas específicas a serem respeitadas para a correção e produção dos efeitos pretendidos, o que se chamou de “instrumentalidade das formas”, corolário da teoria geral do processo.
Nesta seara, pacífica está a importância da observância dos postulados rituais, não só para garantia de validade dos atos, mas também como instrumento garantidor da segurança jurídica no curso da instrução processual.
Isto é, como as partes terão o mínimo de segurança exigido para traçar estratégias defensivas, e até mesmo acusatórias, sem saber de que forma os atos futuros serão realizados?
Não se trata de mecanismo de previsão dos movimentos do “adversário”, fazendo-se homenagem a teoria dos jogos no processo penal, nem tão pouco do conteúdo decisório a ser “emanado“ pelo juízo, mas, sim, de fundação necessária para possibilitar a própria existência do embate processual garantidor da ampla defesa e contraditório.
Esta é, dentre outras, a razão pela qual não há, no ordenamento jurídico brasileiro a ansa cinematográfica em que o advogado adentra ao salão do tribunal do júri tendo em mãos a prova cabal para a absolvição do acusado, gritando brados de justiça. Tão somente pela necessidade de juntada dos documentos a serem lidos ou exibidos em prazo mínimo de três dias úteis, dando-se ciência a parte contrária.
Adentrando mais ao tema proposto, mas sem nos distanciar do fundo epistêmico do devido processo legal, mencionamos a regra de oitiva das testemunhas exposta no art.400 do Código de Processo Penal, o qual impera que:
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
Desta forma, cristalina está a determinação de que o rito a ser seguido no curso da audiência de instrução e julgamento é a oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e, posteriormente, as arroladas pela defesa.
Neste mesmo sentido, importante pontuar, ainda, a ordem de inquirição das testemunhas, emanada do Art.212 do CPP, o qual versa que as perguntas serão feitas primeiramente pelas partes e, por último, poderão ser formulados esclarecimentos pelo juiz, ressaltando-se que a defesa deve perguntar após a acusação.
A regra já a muito consolidada de a defesa indagar e responder após o representante do parquet trata-se de matéria de ordem pública, norteadora da aplicação do próprio princípio constitucional da ampla defesa e contraditório. Ora, como poderia a defesa defender-se de algo que ainda não aconteceu e do qual não detém elementos suficientes para exercer o contraditório?
Portanto, neste sentido é o disposto no art.534 do CPP, o qual ordena que a defesa apresentará alegações finais, último ato da instrução processual, após a apresentação das mesmas pela acusação, aplicando as mesmas disposições aos memoriais, in verbis:
Art. 534. As alegações finais serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.
Sabe-se que a inversão da ordem de inquirição das testemunhas preteritamente esposada, bem como a inversão da ordem de apresentação de alegações finais, gera nulidade do ato, conforme recentemente decidido pelo STF.
Nesta perspectiva, sabendo-se que a intimação da parte para apresentar memoriais escritos faz-se, na prática forense por meio de carga dos autos, ou por remessa dos autos, no caso da Defensoria Pública, percalços são verificados no caso de pluralidade de réus, tendo em vista a impossibilidade de se conceder vista dos autos para mais de um sujeito processual ao mesmo tempo.
E se o caso dos autos tratar-se de réus delatores e réu delatado, a quem se abriria prazo para apresentação de memorias primeiro?
Conforme se verifica, os réus delatores, ainda que virtualmente, encontram-se em posição de plano acusatório, eis que concedendo elementos probatórios para a estrutura ministerial, enriquecendo o arcabouço persecutório, contudo, ainda fazem jus a defesa, eis que, apesar de serem instrumentos para um meio de prova, ainda se encontram como acusados da prática delitiva.
Todavia, por sua participação como sujeitos processuais conter elementos de produção probatória contra os demais réus, e a favor de si próprios, considerando os benefícios a si concedidos pelo acordo de colaboração premiada, claro está que resultaria em prejuízo a apresentação de sua defesa após a apresentação da defesa de outro sujeito processual, contra quem promoveu persecução probatória.
Neste sentido decidiu a Suprema Corte, em Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 157.627, de relatoria do Ministro Edson Fachin, para anular uma sentença de primeiro grau emanada do TRF da 4ª Região, proferida pelo então Juiz Federal Sérgio Moro, em que condenou o paciente após este, delatado em processo deflagrado pela Operação “lava jato”, apresentar alegações finais em forma de memoriais antes dos réus delatores.
Na espécie, a defesa pugnou pelo direito de o paciente oferecer os memoriais após os réus delatores, havendo concessão da ordem pelo STF, em 27/08/19.
No atual cenário jurídico e social, tal decisão perfaz-se de plausível desenlace emanado pela Corte Suprema, verdadeiro resplendor de reconhecimento dos princípios basilares constitucionais que norteiam o sensível processo criminal, já tão flagelante por sua própria existência.
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