SEBASTIÃO RICARDO BRÁS
(Orientador)
RESUMO: Este artigo tem como objetivo demonstrar e comprovar a eficácia da atuação do Ministério Público Federal no combate ao trabalho em condições análogas às de escravo. A finalidade do presente trabalho é abordar o conceito e características da escravidão contemporânea, trazer, sob perspectiva constitucional, atribuições do Ministério Público Federal, por fim, demonstrar a atuação do Ministério Público Federal no combate ao trabalho escravo contemporâneo no caso Fazenda Brasil Verde. A metodologia empregada é o método dedutivo, com direcionamentos a partir do comando Constitucional abstrato, doutrinas, dogmática jurídica.
Palavras-chave: Ação Penal Pública, Ministério Público Federal, Escravidão Contemporânea.
ABSTRACT: This article aims to demonstrate and prove the effectiveness of the use of public criminal action by the Federal Public Ministry in combating work in conditions analogous to those of slave labor. The purpose of the present work is to discuss the concept and characteristics of contemporary slavery, to bring, under a constitutional perspective, the attributions of the Federal Public Ministry, finally, to demonstrate the performance of the Federal Public Ministry in the fight against contemporary slave labor in the Green Brazil Farm case. The methodology used is the deductive method, with directions from the Constitutional command abstract, doctrines, legal dogmatics.
Keywords: Public Criminal Action, Federal Public Ministry, Contemporary Slavery.
SUMÁRIO: 1.Introdução. 2.Trabralho escravo – conceito. 2.1 Da história da escravidão. 2.2 Da escravidão contemporânea. 2.3 O enquadramento jurídico do trabalho escravo. 2.4 Das condições análogas à de escravo. 3 Atuação do Ministério Público Federal. 3.1 Do Ministério Público Federal. 3.2. Da ação penal pública. 3.3. Da lista suja. 4 Caso Fazenda Brasil Verde. 4.1. Registros da Fazenda Brasil Verde. 4.2 Atuação do Ministério Público Federal. 5.Conclusão. 6. Referências.
INTRODUÇÃO
Os Direitos Humanos, ao longo da história, atravessou barreiras até evoluir quanto sua perspectiva e compreensão, passando a ser visto como sendo valores inerentes a condição humana, como próprio da natureza do ser humano. Para que tais direitos fossem assegurados e atingissem uma efetiva aplicação e segurança, passaram a ser positivados em acordos e tratados internacionais, bem como inseridos na própria ordem jurídica de cada país (PIOVESAN, 2013).
Foi assim, ao longo de anos de lutas, de conquista em conquista que novas garantias e direitos foram assegurados. Nesse ambiente de promoção e proteção de tudo o que foi adquirido é que o Brasil fora condenado, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, inserida no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, por prática de trabalho escravo no caso Fazenda Brasil Verde.
Trata-se de um tema de alta relevância, porquanto, nos dias atuais existir exploração de trabalho escravo ou em condições análogas. Muitas pessoas hoje acreditam que não exista mais escravidão no Brasil, que este já seja um tema ultrapassado, sem maior relevância nas pautas de discussão dos nossos governantes.
Este artigo trará pontos relevantes, para um mais amplo entendimento acerca do tema abordado, facilitando a compreensão pela sociedade.
Como objetivo, será demonstrado a eficácia da atuação do Ministério Público Federal no combate ao trabalho em condições análogas às de escravo.
Hoje as pessoas que ainda são escravizadas são aquelas com menos informações sobre seus direitos, que se iludem com as promessas dos aliciadores (“gatos”) de conseguir um trabalho para saírem das condições precárias em que muitas vezes já se encontram e de dar uma vida melhor para suas famílias que ficam em suas cidades de origem. Eles se aproveitam desses sonhos para escravizar esses homens, cerceando suas liberdades e direitos, inclusive aqueles relacionados à integridade física e psicológica. Muitos deles entram nessa vida e nunca mais conseguem se libertar dos elos da corrente.
O caso da Fazenda Brasil Verde é de grande importância para o Brasil, pois foi possível observar a atuação direta do Ministério Público Federal no combate à exploração de trabalho em condições análogas às da escravidão, mediante a utilização de diversos meios, a saber, da Ação Penal Pública e de outros constitucionalmente previstos.
Para atingir os objetivos e discutir soluções, este artigo foi elaborado de acordo com o método de abordagem dedutivo, com direcionamentos a partir do comando Constitucional abstrato, doutrinas, dogmática jurídica.
2 TRABALHO ESCRAVO - CONCEITO
Nesse capítulo será analisado o conceito e características do trabalho escravo, da história da escravidão, da escravidão contemporânea, o enquadramento jurídico do trabalho escravo e das condições análogas às da escravidão.
É aquele trabalho forçado que envolve restrições à liberdade do trabalhador, onde ele é obrigado a prestar um serviço sem receber um pagamento ou receber um valor insuficiente para suas necessidades e as relações de trabalho costumam ser ilegais.
A partir do desenvolvimento do conceito de escravidão no Direito Internacional e da proibição estabelecida no artigo 6° da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Corte observa o seguinte:
Este conceito evoluiu e já não se limita à propriedade sobre a pessoa. A esse respeito, a Corte considera que os dois elementos fundamentais para definir uma situação como escravidão é o estado ou condição de um indivíduo e o exercício de algum dos atributos do direito de propriedade, isto é, que o escravizador exerça poder ou controle sobre a pessoa escravizada ao ponto de anular a personalidade da vítima.
O primeiro elemento (estado ou condição) se refere tanto à situação de jure como de facto, isto é, não é essencial a existência de um documento formal ou de uma norma jurídica para a caracterização desse fenômeno, como no caso da escravidão tradicional.
Com respeito ao elemento de “propriedade”, deve ser entendido no fenômeno de escravidão como “posse”, isto é, a demonstração de controle de uma pessoa sobre outra. Portanto, no momento de determinar o nível de controle requerido para considerar um ato como escravidão, poder-se-ia equipará-lo à perda da própria vontade ou a uma diminuição considerável da autonomia pessoal.
Nesse sentido, o chamado “exercício de atributos da propriedade” deve ser entendido nos dias atuais como o controle exercido sobre uma pessoa que lhe restrinja ou prive significativamente de sua liberdade individual, com intenção de exploração mediante o uso, a gestão, o benefício, a transferência ou o despojamento de uma pessoa. Em geral, este exercício se apoiará e será obtido através de meios tais como a violência, fraude e/ou a coação.
2.1 Da história da escravidão no Brasil
Inicialmente, cabe recordar que a escravidão do século XIX no Brasil resultava do pacto colonial de produção das grandes fazendas de produtos como o açúcar, o café e o minério, que tinham como principal mercado a exportação. Os sujeitos da escravidão, por sua vez, eram os negros africanos, capturados em seus países de origem, que assim tinham suas dignidades, seus projetos de vida e suas liberdades ceifadas, de início pelo transporte insalubre e, depois, pelo tratamento que recebiam enquanto escravos, com raras exceções.
O escravo ingressava no Brasil graças ao chamado "tráfico negreiro", realizado em condições insalubres, normalmente em embarcações superlotadas, que aqui desembarcavam desde os primeiros anos do período colonial. A prática remonta, portanto, ao início da colonização brasileira, mais precisamente às primeiras décadas do século XVI, período apontado pelos historiadores como época provável da introdução dos escravos no país (BAKAJ, 1988, p. 406).
Atualmente, conhecida como escravidão moderna, é uma expressão genérica aplicada às relações de trabalho, particularmente na história moderna ou contemporânea, segundo as quais pessoas são obrigadas a exercer uma atividade forçada, contra sua vontade, condições degradantes, jornadas exaustivas, sob ameaça de indigência, detenção, violência ou mesmo morte.
2.2 Da escravidão contemporânea
Nos dias atuais, embora não seja permitida a submissão por meio da propriedade, persiste a escravidão mediante métodos de coação mais complexos. Como conseqüência, entende-se por trabalho escravo uma complexidade de situações, todas atingindo, de algum modo, a liberdade. Trata-se, segundo a nomenclatura internacional, de trabalho forçãdo. Como explicam Abreu e Zimmermann (2003, p. 141), é "possível afirmar que todo trabalho escravo é forçado, mas nem todo trabalho forçado é escravo".
Apesar de haver intervenções da comunidade internacional, dados coletatos pela OIT no período de 2005 a 2012 estimam que 20.9 milhões de pessoas são submetidas a regimes de trabalho forçado no mundo (OIT, 2012). Meninas e mulheres representam a maior parte dessas estatísticas, aproximando-se de 55% do total, ou seja, 11.4 milhões de meninas e mulheres, em contraste com 9.5 milhões de meninos e homens. Os dados também indicam que o trabalho forçado atinge mais adultos que crianças: 15.4 milhões de vítimas têm 18 anos ou mais (74%), enquanto 5.5 milhões são jovens de 17 anos ou menos (26) (OIT, 2012).
2.3 O enquadramento jurídico do trabalho escravo
Os tratados internacionais antes referidos, dos quais o Brasil é signatário, foram recepcionados em nosso ordenamento, sendo consistentes com a Constituição Federal e o Código Penal, que em seu art. 149 descreve a conduta de reduzir alguém à condição análoga à de escravo:
Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1° Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2° A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Da análise do tipo penal, extrai-se que seu elemento subjetivo é a consciência e a vontade de reduzir alguém à condição análoga à de escravo e, em razão disso, não se admite modalidade culposa.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, pois a norma não demanda qualquer qualidade ou condição especial. O mesmo pode-se dizer quanto ao sujeito passivo: qualquer pessoa pode ser vítima desse crime. Contudo, a majorante da pena só se aplica em casos nos quais a vítima é criança ou adolescente, ou ainda quando praticado por motivo de raça, cor, etnia, religião ou origem. Nesses casos, a pena é aumentada da metade.
2.4 Das condições análogas à de escravo
No Brasil, nos dias contemporâneos, temos o trabalho com condições análogas à de escravo. Nesta modalidade, o trabalhador é submetido ao trabalho sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária; o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico; a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho e a retenção de documentação pessoal do trabalhador.
Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno.
A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade.
Diante dos conceitos internacionais e de sua internacionalização no ordenamento jurídico brasileiro, o Ministério Público Federal (MPF), atuando em nome do Estado, tem tido um papel fundamental no combate ao trabalho escravo.
3 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
No presente capítulo observa-se-á as diversas funções do Ministério Público como instituição e, também, o papel do Ministério Público Federal no combate ao trabalho escravo e da ação penal pública como meio de atuação para tal finalidade bem como da lista suja.
3.1 Do Ministério Público Federal
No artigo 127 da Constituição Federal, define o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
O Ministério Público, assim, é uma Instituição (não um “ente”, pois esse termo só se aplica aos entes federados: União, estados, DF e municípios) que caminha paralelamente ao Judiciário, contribuindo para o bom exercício da função jurisdicional (BERCLAZ,2019, P.34).
Nos termos da Constituição:
Art. 128. O Ministério Público abrange:
I – o Ministério Público da União, que compreende:
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
II – os Ministérios Públicos dos Estados.
O MP, enquanto Instituição constitucionalmente criada, tem suas funções também definidas pela Constituição.
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
O Ministério Público Federal (MPF) merece destaque por ser responsável em ajuizar ações penais públicas (APP) nos crimes envolvendo escravidão contemporânea, exercendo assim um papel fundamental no combate e na repressão desses delitos. "Promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (AGRA, 2018, p.750).
3.2. Da ação penal pública
O que seria “ação penal pública”? Alguns crimes, por sua natureza, ofendem mais a sociedade (como um todo) do que o próprio indivíduo, a vítima. Por exemplo, no caso de um homicídio, não é só a vítima e sua família que foram atacados, mas a sociedade de um modo geral, pois é um crime cuja repercussão extrapola o âmbito individual da vítima. Quando estamos falando desses crimes, a punição do criminoso interessa a todos, não só à vítima.
A lei estabelece que a legitimidade para ajuizar a ação penal (ação que visa à apuração do fato e, se for o caso, condenação do acusado) é do Estado (em sentido amplo, como conceito de País, poder soberano). E é do Estado exatamente por que a ele interessa a punição deste criminoso, em razão da natureza do crime. E alguém (alguma Instituição do Estado) tem que cumprir esse papel de ajuizar a ação penal pública. Esse alguém é o MP. É o Ministério Público, e somente ele, quem pode propor a ação penal pública.
A ação penal pública pode ser incondicionada ou condicionada. No primeiro caso, o MP pode ajuizar a ação penal mesmo contra a vontade da vítima, não precisando de sua autorização. No segundo caso, o MP precisa de autorização da vítima (representação) para que possa ajuizar a ação penal. Esta é a chamada “ação penal pública condicionada à representação”.No segundo caso é a vítima quem tem que processar o criminoso, por ser seu o interesse em vê-lo punido (MENDONÇA, 2019, P.289).
A ação penal pública é de titularidade exclusiva do MP (seja ação penal pública incondicionada, seja ação penal pública condicionada). Contudo, a CF/88 utiliza o termo “privativa”. Contudo, não há possibilidade de delegação. Somente o MP, e mais ninguém, pode ajuizar a ação penal pública.
Expressamente consagrada no documento constitucional, a APP é "um instrumento processual do qual o Ministério Público pode se valer para efetivar a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos" (MASSON, 2018, p. 1110).
Tem por objetivo promover a responsabilização dos responsáveis por causar danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico ou a qualquer outro interesse coletivo ou interesse difuso.
Segundo a doutrina processualista nada obstante a ação não ter sido prevista no art. 5° da CF (e sim no art. 129, I), ela é considerada garantia constitucional, protegida, pois, como cláusula pétrea (art. 60, parágrafo 4°, CF/88).
A Ação Penal Pública incondicionada é aquela utilizada pelo Ministério Público e que prescinde de manifestação de vontade da vítima ou de terceiros para ser exercida. A parte inicial do caput do art. 24, do CPP, assevera que " nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público" ao passo que o parágrafo 2°, do mesmo artigo, afirma que "seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública" ( TÁVORA, 2018, p. 259).
Observam-se, a partir da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), e visando combater o trabalho escravo no território brasileiro, as medidas que o MPF tem tomado para consagrar a punição dos responsáveis nesses delitos, uma vez que a proibição à escravidão é uma norma imperativa no plano internacional.
Também, é notável a crescente importância da atuação conjunta do Ministério do Trabalho (MTb), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público Federal (MPF). O resgate de vítimas realizado pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), do MTb, com a participação do MPT e do MPF, vem sendo feito de maneira eficaz, resultando na cessação dos danos físicos e psíquicos sofridos pelo trabalhador submetido à condição análoga à de escravo.
Levantamento realizado pela Câmara Criminal do Ministério Público Federal (MPF), indica que estão em andamento 459 inquéritos policiais/termos circunstanciados para apurar o crime de redução a condição análoga à de escravo (trabalho escravo). O MPF também registrou 76 procedimentos extrajudiciais, como recomendações e termos de ajustamento de conduta.
Quanto aos inquéritos policiais em andamento na Polícia Federal há mais de seis meses, o relatório apontou 16. Além disso, 12 recursos aguardam decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dos procedimentos extrajudiciais, o Pará lidera a lista com 20 casos sobre trabalho escravo. O estado é seguido por São Paulo e Minas Gerais, com 19 e 6 procedimentos, nessa ordem.
3.3. Da lista suja
No ano de 2003, com o objetivo de erradicar o trabalho escravo, dentre diversas medidas de combate, editou-se a Portaria n° 540/2004 do Ministério do Trabalho, que prevê a inscrição e a divulgação dos nomes das empresas exploradoras de trabalho escravo em um cadastro público conhecido como "Lista Suja".
Dado sua importância, o Brasil foi citado como referência mundial no combate à escravidão contemporânea, publicado pela OIT em 2005.
Desde 2009, o MPF atua de maneira mais sistematizada e coordenada por meio do Grupo de Apoio ao Combate à Escravidão Contemporânea. O grupo acompanha as fiscalizações do Grupo Especial Móvel do Ministério do Trabalho, cuja meta é aprimorar a qualidade das provas, regularizarem os vínculos empregatícios dos trabalhadores encontrados e libertá-los da condição de escravidão, além de auxiliar o monitoramento dos processos criminais no Poder Judiciário.
4 CASO FAZENDA BRASIL VERDE
Um caso de muita relevância na atuação do MPF contra o trabalho escravo foi o dos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde contra a República Federativa do Brasil, julgado pela Corte interamericana de Direitos Humanos em 2016. A decisão, ainda que tardia, tem grande relevância.
4.1. Registros da Fazenda Brasil Verde
Os primeiros registros do caso datam de 1988, ano em que a Comissão Pastoral da Terra reportou o caso à Polícia Federal. Houve denúncia do MPF em 1997, mas a punibilidade foi reconhecida extinta em razão da prescrição pela Justiça Federal do Pará em 2008.
Durante a década de 90, a propriedade pecuária Fazenda Brasil Verde recebeu 128 trabalhadores rurais para a execução de diversos trabalhos em Sapucaia, no sul do estado do Pará. Os homens, com idade de 15 a 40 anos, foram atraídos de diversas cidades do norte e nordeste do país pela promessa de trabalho.
No entanto, acabaram sendo submetidos a condições degradantes de trabalho, com jornadas exaustivas, e eram impedidos de deixar a fazenda em razão de dívidas contraídas. A prática era comum na fazenda há mais de uma década, conforme ficou posteriormente demonstrado. Entretanto, apenas em 2000, quando dois trabalhadores conseguiram fugir da propriedade, as irregularidades foram registradas pelas autoridades brasileiras.
Na ocasião foi aberto processo penal referente às violações, mas que acabou sendo extraviado. Como resultado, nenhum responsável foi punido e nenhuma das 128 vítimas resgatadas foram indenizadas pelas condições degradantes.
Os fatos se enquadravam na tipificação de trabalho escravo contemporâneo na modalidade mais comum. As vítimas foram aliciadas por terceiros, os famosos “gatos”, e levadas a outras cidades ou estados para exercer emprego.
No entanto, uma vez transportadas, eram-lhes informado que apenas teriam licença para sair do local assim que quitassem suas dívidas, incluindo despesas com moradia, alimentação e materiais de trabalho. Havia também o elemento “coação”, de diversas formas, sendo uma delas a presença de pessoas armadas no local de trabalho, ou o fato de o local ser de difícil acesso, dificultando uma possível fuga ou o auxílio da comunidade.
Além disso, verificou-se que, no trabalho escravo, outras condutas ilícitas eram praticadas, como o cárcere privado, a violência física, lesões corporais e irregularidades trabalhistas.
4.2 Atuação do Ministério Público Federal
A Corte IDH apontou algumas das causas que levaram à omissão do Estado brasileiro no caso. O MPF apresentou denúncia apenas em 1997, com significativo atraso em relação às primeiras notícias dos fatos (datadas de 1988, 1989 e 1992). Em 2008, o MPF entendeu pela prova da autoria de três delitos, argumentando que dois estavam prescritos, e que outro, o de redução à condição análoga à de escravo, alcançaria inevitavelmente também a prescrição. Tal entendimento foi aceito e ratificado na sentença pelo magistrado de primeiro grau.
Com o intuito de levar informações e conhecimento a essas pessoas, o MPF assinou, em agosto de 2015, termo de cooperação com o Conselho Nacional de Justiça e a Organização Internacional do Trabalho no Brasil, que tem por objeto, entre outros, capacitar trabalhadores resgatados a fim de que se reinsiram no mercado de trabalho sem serem alvos, novamente, da escravidão contemporânea.
No que tange à punição dos responsáveis, de acordo com o art. 129, inciso I, da Constituição Federal, compete ao Ministério Público “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. Assim, cabe ao MPF, como visto anteriormente, por ser competência da Justiça Federal, processar os infratores pela prática dos delitos relativos à escravidão contemporânea (arts. 149, 203 e 207 do Código Penal). Por ser órgão essencial à função jurisdicional do Estado (art. 127 da CF), deve contribuir aliado aos organismos internacionais, instituições públicas e sociedade civil na implementação de políticas públicas para o combate ao trabalho escravo incentivando o cidadão ou o próprio trabalhador a denunciar casos que contemplem essas práticas.
A Comissão concluiu que o Estado brasileiro violou a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem ao não tomar providências para evitar situações de trabalho análogo à escravidão. Solicitou também à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a responsabilização internacional do Brasil pelas violações ocorridas na Fazenda Brasil Verde e determinasse medidas de reparação.
A sentença conclui, por fim, que foram violados os direitos de 43 trabalhadores resgatados em 23 de abril de 1997 e de 85 trabalhadores resgatado A CIDH condenou o Estado Brasileiro por não ter adotado medidas efetivas para impedir a submissão de seres humanos a esse tipo de prática. Determinou a reabertura das investigações (inquérito policial 2001.39.01.000270-0), para identificar, processar e punir os responsáveis, além da indenização das vítimas em cinco milhões de dólares em 15 de março de 2000. Ficou arbitrado pagamento de indenização por danos imateriais de 30 mil dólares americanos aos resgatados de 1997 e de 40 mil dólares aos resgatados do ano 2000. A Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou, ainda, que o Estado brasileiro, por meio de medidas legislativas, torne imprescritíveis os crimes de redução de pessoas à escravidão e suas formas análogas.
Em dezembro de 2017, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, assina a Portaria nº 1326, que determina a criação de força-tarefa composta por quatro procuradores para atuar no Procedimento Investigatório Criminal nº 1.23.005.000177/2017-62, que vai apurara os crimes cometidos, com o objetivo de identifica, denunciar, processar e punir os responsáveis.
A sentença da Corte sobre o trabalho escravo é a primeira do tipo aplicada a um país. É a quinta vez que o Brasil é condenado pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
CONCLUSÃO
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em sentença proferida no caso Fazenda Brasil Verde, firmou entendimento de que o Estado brasileiro infringiu o direito de liberdade, o direito de acesso à justiça bem como o direto a duração razoável do processo e as garantias judiciais. Especificamente compreendeu a Corte que fora violado o direito de não ser submetido a qualquer trabalho de tipo escravo ou servidão, tampouco atividades com situações análogas a essas.
O presente artigo abordou pontos importantes em relação aos conceitos de trabalhos análogos à de escravos, o papel do Ministério Público Federal no combate ao trabalho escravo e os meios utilizados por ele, dentre eles, o manejo de ações penais públicas, que mostrou-se eficaz no combate às condutas que têm se perpetuadas no cenário trabalhista atual. Citou-se, também, a parceria do MPF com o Ministério do Trabalho (MTb), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público Federal (MPF).
O resgate de vítimas realizado pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), do MTb, com a participação do MPT e do MPF, vem sendo feito de maneira eficaz, resultando na cessação dos danos físicos e psíquicos sofridos pelo trabalhador submetido à condição análoga à de escravo.
Outro ponto, não menos importante, foi a disponibilização em sítio eletrônico da relação de empregadores que usam mão de obra escrava, conhecida como “lista suja”. A Comissão concluiu que o Estado brasileiro violou a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem ao não tomar providências para evitar situações de trabalho análogo à escravidão.
Portanto, foi comprovada a importância e eficácia que tem tido o Ministério Público Federal no combate ao trabalho análogo a de escravo no Brasil, por meio de diversos artifícios, por exemplo, as Ações Penais Públicas e da Lista Suja.
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Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Superior de Ensino do Amazonas CIESA.
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