RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo estudar a responsabilidade civil do Poder Público por omissão em caso de dano ambiental à luz da proteção constitucional conferida ao meio ambiente, bem como dos princípios norteadores da responsabilidade civil ambiental. Considerando o regime constitucional de responsabilidade civil do Estado já estabelecido, pugna-se pela sujeição da Administração Pública ao regime específico da responsabilidade civil ambiental. Com isso, defende-se a responsabilização civil do Poder Público pelos danos ambientais decorrentes da sua omissão no dever constitucional de tutela do meio ambiente, adotando-se a teoria do risco integral como a mais adequada para o fim de garantir sempre a reparação ou indenização do dano ambiental.
Palavras-chave: Meio ambiente. Dano ambiental. Responsabilidade civil. Omissão.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO EM CASO DE DANO AMBIENTAL. 2.1. Breve análise histórica da responsabilidade civil do Estado e o tratamento dado à matéria pelo ordenamento jurídico brasileiro. 2.2. Da sujeição do Estado ao regime jurídico especial de responsabilidade civil ambiental previsto na Lei 6.938/81. 2.3. A omissão do Estado no dever constitucional de tutela ambiental como fato ensejador de responsabilidade civil. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
Em face do status constitucional conferido à tutela do meio ambiente a partir da Constituição Federal de 1988, e com fundamento nas normas de proteção ambiental constantes na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), busca-se, com o presente trabalho, realizar estudo sobre a responsabilidade civil ambiental e sua aplicação quando o dano ambiental decorre da omissão estatal em relação ao dever constitucional de tutela do meio ambiente.
Como intuito de analisar a responsabilidade civil do Estado por danos ambientais, buscar-se-á breve incursão sobre a evolução histórica da responsabilidade civil do Estado, destacando o tratamento normativo a ela conferido pela Constituição vigente. Com isso, tem-se por objetivo demonstrar que, a despeito da existência de norma constitucional específica que discipline a responsabilidade civil da Administração Pública, quando se trata de dano ao meio ambiente, esta deve sujeitar-se ao regime especial previsto a Lei 6.938/81.
Ao final, compreendido o instituto da responsabilidade civil ambiental e demonstrada a sujeição do Estado à sua aplicação, trata-se da hipótese específica em que o dano ao meio ambiente decorre de ato omissivo estatal. Nesse ponto, discorre-se sobre a configuração da conduta omissiva e sobre de que modo pode ela figurar como causa de um dano ambiental.
Considerando que a doutrina faz distinção entre o regime aplicável nos casos em que a Administração Pública é poluidora direta e naqueles em que é poluidora indireta, defende-se, que, em ambas as hipóteses, ela responda objetivamente, segundo a teoria do risco integral, pelos danos resultantes da sua omissão no dever de tutela do meio ambiente.
Nesse sentido, rebatem-se os argumentos contrários e, tendo em vista o fato de ser o meio ambiente um direito fundamental, a indisponibilidade do bem ambiental, bem como o dever constitucional do Poder Público de tutela do meio ambiente; pugna-se pela responsabilização indistinta do Poder Público sempre que a lesão ambiental decorrer de ato omissivo seu.
Para tanto, será realizada uma análise da doutrina e jurisprudência pátrias acerca da responsabilidade civil do Estado por omissão em caso de dano ambiental.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO EM CASO DE DANO AMBIENTAL
2.1. Breve análise histórica da responsabilidade civil do Estado e o tratamento dado à matéria pelo ordenamento jurídico brasileiro
Ao longo da história, a responsabilidade civil do Estado recebeu tratamentos distintos e, pode-se dizer, antagônicos, sendo estudada ora à luz da teoria da irresponsabilidade, ora da teoria subjetiva, ora da teoria objetiva da responsabilidade.
Numa análise comparativa, considerando que a problemática da responsabilidade civil do Poder Público por danos ambientais é bem mais recente que o estudo da responsabilidade civil do Estado, a compreensão daquela deve ser dada em meio ao estudo da evolução do tratamento desse tema – evolução que, diga-se, não se deu de forma linear e inexorável, mas, antes, em meio a um processo sisífico, cheio de avanços e retrocessos, permeado por momentos de estagnação[1].
Consistindo a responsabilidade civil na obrigação de reparar o dano causado a outrem pela violação de um dever jurídico originário, entende-se que, causando o Poder Público prejuízo a alguém, e sendo ele sujeito de direitos, também se lhe impõe o dever de recompor as lesões provocadas por sua ação ou omissão[2].
Essa sujeição do Estado à regra da responsabilidade civil, porém, nem sempre existiu. Celso Antônio Bandeira de Mello lembra que esse é um dos pilares do moderno Direito Constitucional[3]. Nesse sentido, dividindo o estudo da responsabilidade civil do Estado em fases, a doutrina aponta que a primeira delas foi a da irresponsabilidade do Estado.
Esse primeiro momento foi bem característico dos regimes absolutistas. De um modo geral, não era admitida a hipótese de que o rei, Estado, pudesse causar dano a alguém. Esse entendimento estendia-se, inclusive, aos agentes públicos, cujos atos não poderiam ser considerados lesivos na medida em que eram atos do rei[4]. As raras exceções em que caberia tal responsabilização tinham lugar somente diante de expressa previsão legal. Trata-se de doutrina jamais albergada pela legislação brasileira[5] e superada no restante do mundo, abandonando-a, por último, Estados Unidos e Inglaterra, através do Federal Tort Claim Act (1946) e do Crown Proceeding Act (1947), respectivamente.
Num segundo momento, como influência dos ideais liberais, passou-se a aplicar ao Estado a responsabilidade civil segundo a teoria subjetiva, equiparando-o ao particular. Dessa forma, somente surgiria para o Estado o dever de indenizar o dano, se restasse comprovado que este foi provocado pela conduta culposa de um de seus agentes.
Ainda sob a orientação da teoria subjetiva da responsabilidade civil, os autores identificam a fase da culpa administrativa, que, conforme destacam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, representa o primeiro estágio de transição entre aquela doutrina e a da responsabilidade objetiva. Aqui, o exame da culpa não é realizado sobre a conduta do agente público, mas em face do serviço público. Não há, portanto, culpa individual, mas se fala em culpa administrativa, verificada, conforme os mesmos autores, diante da inexistência de um serviço, do seu mau funcionamento ou de seu retardamento[6]. Com efeito, não obstante posição contrária de alguns autores, não se trata de modalidade de responsabilidade objetiva, mas subjetiva, porque fundada na culpa lato sensu[7].
A doutrina civilista da culpa, contudo, mostrou-se deveras gravosa para o administrado. Isso porque, para ser indenizado pela lesão sofrida, ele teria que, além de provar o dano, demonstrar a culpa do Estado – seja em face de conduta culposa de agente público, seja pela falta, mau funcionamento ou atraso do serviço público–, o que jamais foi tarefa fácil, ensejando, não raro, situações em que o lesado findava sem qualquer reparação.
Decisões do Conselho de Estado francês inspiraram o surgimento da teoria da responsabilidade patrimonial sem culpa, a teoria objetiva, ampliando-se, com isso, a proteção do administrado. Sobrevém, então, para o Poder Público, o dever de indenizar mediante a simples verificação de nexo causal entre a conduta e o dano[8].
Essa doutrina publicista divide-se em duas teorias: a do risco administrativo e a do risco integral. Pela primeira, há que o dever de indenizar surge independentemente da existência de culpa do agente público ou mesmo da ausência ou deficiência do serviço público, sendo suficiente a existência de “relação de causalidade entre a ação administrativa e o dano sofrido pelo administrado”[9]. O Poder público responde pelo risco que o desenvolvimento de sua atividade impõe aos administrados, respondendo não só pelos danos causados por atos ilícitos como também pelos resultantes de atos lícitos. Admite-se, contudo, que a Administração Pública se exima de responsabilidade mediante a comprovação de excludentes de nexo de causalidade, tais como caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima.
Torna-se fácil a compreensão da teoria do risco integral a partir do entendimento das premissas da teoria do risco administrativo, visto que aquela não admite qualquer excludente de responsabilidade. Por isso mesmo, é taxada de radical e entendida por alguns autores como a exacerbação da responsabilidade civil do Estado. Culmina sempre na responsabilização da Administração Pública se a lesão provocada ao administrado decorrer da atuação estatal.
No Brasil, conforme o disposto no artigo 37, §6º, da CF/88, adotou-se a doutrina da responsabilidade objetiva do Estado, inclusive para as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, as quais responderão pelos danos causados por seus agentes, nessa qualidade, resguardado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
No que diz respeito à responsabilidade civil do Estado, a doutrina do Direito Administrativo é praticamente unânime ao afirmar que o dispositivo supra adotou a teoria do risco administrativo para os atos comissivos da Administração Pública, havendo controvérsia quanto à sua aplicação aos atos omissivos, visto que alguns autores entendem que, nesse caso, incide a teoria da culpa administrativa. É o que defende Fábio Dutra Lucarelli: “no tocante à responsabilidade do Estado por fato de outrem ou pela omissão no exercício do poder de polícia, temos a necessidade de configuração do elemento subjetivo da culpa da Administração”[10].
Como fundamento da teoria do risco administrativo é apontado o “princípio da repartição equitativa dos ônus e encargos públicos a toda a sociedade, num sentido de socialização de dos prejuízos oriundos daquela conduta”[11]. Há, portanto, uma repartição não só dos benefícios decorrentes da atividade estatal, mas também dos prejuízos[12]. Nesse sentido, vê-se que a adoção dessa teoria quanto à responsabilidade do Poder Público pelas suas ações buscou dar maior amparo aos administrados lesados por atividade estatal, dando-lhes maior possibilidade de obter a respectiva reparação, ante a desnecessidade de comprovação de culpa da Administração. Dessa forma, para fins de responsabilização do estado, bastará a constatação do dano e da sua ligação (nexo causal) direta ou indireta com ato do Estado.
Por ouro lado, quando o dano decorre de omissão da Administração Pública, doutrina e jurisprudência têm divergido se deve ser aplicada a responsabilidade subjetiva, com fulcro no art. 15 do antigo Código Civil[13] – considerando, nesse caso, que o dispositivo somente foi modificado parcialmente pela CF/88, ao tratar da responsabilidade civil do Estado; ou se incide a responsabilidade objetiva, fundada na norma contida no art. 37, § 6º, da CF/88[14].
A primeira corrente afirma a responsabilidade subjetiva do Estado segundo a teoria da culpa administrativa. Significa dizer que o Poder Público só será responsabilizado por ato omissivo se a ele é imposto um dever especial de diligência, do contrário, não estaria obrigado a impedir o dano ocorrido[15]. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello aduz que o uso do termo “causarem” na redação do art. 37, § 6º, da CF/88, restringe a aplicação da responsabilidade objetiva aos atos comissivos da Administração Pública. Realizando distinção entre os conceitos de causa e condição, ensina que, enquanto a causa é fato positivo que gera resultado, a condição é o evento que, se tivesse ocorrido, impediria o resultado. Com isso, conclui que, no caso de ato omissivo, o Estado não é causador do dano, apenas sua omissão foi condição da lesão.
Noutro sentido, constata-se que tem gozado de maior prestígio entre os doutrinadores e tribunais pátrios a doutrina da responsabilidade civil objetiva do Estado por omissão, aplicada, aliás, sem controvérsias em face dos atos comissivos estatais. Em linha oposta à perfilhada acima, José de Aguiar Dias entende por causa o fato a que o dano se liga por necessidade, e acrescenta que, se, “numa sucessão de fatos”, ainda que culposos, todos contribuem para o evento danoso, o qual não ocorreria sem a conjugação deles, “esses devem ser considerados causas concorrentes ou concausas”[16]. Com esse raciocínio, é possível compreender a omissão do Estado como causa do dano na exata medida em que a ação dele evitaria a ocorrência do evento danoso. Conforme é possível verificar da leitura dos julgados abaixo colacionados, proferidos nos anos de 2009 e 2010, respectivamente, esse é o entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. OMISSÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. FALTA DE SINALIZAÇÃO. ART. 37, § 6º, CF/88. NEXO CAUSAL. FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279.37§ 6º CF/882791. Existência de nexo causal entre a omissão da autarquia e acidente que causou morte do marido e filhos da autora. Precedentes.2. Incidência da Súmula STF 279 para afastar a alegada ofensa ao artigo 37, § 6º, da Constituição Federal - responsabilidade objetiva do Estado. 37§ 6º Constituição Federal3. Inexistência de argumento capaz de infirmar o entendimento adotado pela decisão agravada. 4. Agravo regimental improvido[17].
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. OMISSÃO. DEVER DE FISCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO. ART. 37, § 6º, CF/88. NEXO CAUSAL. FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279.37§ 6º CF/882791. Existência de nexo causal entre a omissão do Município e o dano causado ao agravado. Precedente. 2. Incidência da Súmula STF 279 para afastar a alegada ofensa ao artigo 37, § 6º, da Constituição Federal - responsabilidade objetiva do Estado. 37§ 6º Constituição Federal. 3. Agravo regimental improvido[18].
Como se vê, a interpretação que a Suprema Corte tem dado à norma do art. 37, §6º da CF é no sentido de reconhecer a responsabilidade objetiva do Estado em face dos danos provocados tanto pelos seus atos comissivos, como omissivos. “Não se vislumbra qualquer distinção entre danos decorrentes de condutas omissivas ou comissivas”, não se justificando outra leitura ou interpretação do referido dispositivo constitucional[19].
2.2. Da sujeição do Estado ao regime jurídico especial de responsabilidade civil ambiental previsto na Lei 6.938/81
Como cediço, no desenvolvimento de sua atividade, pode a Administração Pública causar danos aos administrados, mas não somente a eles, lesando, não raro, o meio ambiente. Partindo-se da premissa de que a responsabilidade civil do Estado, quer por atos comissivos ou omissivos, é, no Direito Administrativo, objetiva e regida pela teoria do risco administrativo, há que o dever de reparação dos danos decorre, assim, do risco inerente à atuação estatal. Essa regra, contudo, não se aplica quando o dano causado pelo Estado é ecológico, caso em que deve ser aplicado o regime especial de responsabilidade civil ambiental.
É certo que o art. 225, da CF/88, impôs ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Isso, porém, não impede que um e outro possam figurar como sujeito responsável pelo dano ambiental. Tanto assim que o próprio § 3º[20] do mesmo dispositivo determina a sujeição daqueles que lesarem o meio ambiente a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Cumpre notar que, em se tratando de dano ambiental, impõe-se a aplicação de regime especial de responsabilidade civil, previsto pelo art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81[21], pelo qual o poluidor – conceito que também abrange a pessoa jurídica de direito público, por força do art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81[22] – fica obrigado a reparar ou indenizar os danos que a sua atividade causou ao meio ambiente e a terceiros, tenha ele agido com culpa ou não. Nesse caso, ainda que o sujeito responsável pela lesão ao meio ambiente seja o Poder Público, não incide a regra geral da responsabilização prevista no art. 37, § 6º, da CF/88[23].
Com efeito, conquanto a Carta Magna discipline a responsabilidade civil do Estado através de dispositivo especial, também albergou a responsabilidade civil ambiental no bojo do art. 225, §3º, de modo que a aplicação desse regime específico de responsabilidade ao Poder Público em nada é contrária ao regramento constitucional, sendo, antes, com ele totalmente compatível. Dessa forma, diz-se que a responsabilidade objetiva pelos danos ambientais fixada pela Lei nº 6.938/81 foi recepcionada pela CF/88, a qual apenas estabeleceu – de forma mais abrangente – a responsabilização objetiva da Administração Pública pelos danos que seus agentes, nessa condição, causarem a terceiros.
Nesse mesmo sentido, considerando a consagração do meio ambiente como um direito fundamental e o respectivo dever de proteção e preservação imposto ao Poder Público pelo art. 225, da CF/88, cumpre anotar o pensamento de Herman Benjamim sobre a objetivação da responsabilidade ambiental:
Inserido em tal estreito e rígido quadro principiológico, o fator de atribuição da responsabilidade civil só pode ser – se quer efetivamente cumprir o mandamento do enunciado maior do caput do art. 225 – o objetivo. Aliás, parâmetro esse já previsto no ordenamento jurídico brasileiro à época da elaboração da constituição (Lei 6.938/81). Em síntese, o caráter objetivo é decorrência lógica e necessária dos sistema constitucional brasileiro, pela valorização que deu ao meio ambiente (e ao dano ambiental). Só a imputação objetiva viabiliza o comando da Constituição[24].
Como se vê, no que diz respeito à responsabilização do Estado pelos danos por ele causados, o caráter especial do regime de responsabilidade civil ambiental não está na adoção da teoria objetiva, haja vista que esta também foi eleita pela Lei Maior no art. 37, § 6º. A grande diferença entre esses regimes subsiste no fato de o primeiro ser orientado pela teoria do risco integral – conforme a doutrina majoritária do Direito Ambiental –, enquanto que o segundo, pela teoria do risco administrativo.
Afirma-se aqui que, independentemente de o sujeito responsável pelo dano ambiental ser o particular ou o Estado, no campo do Direito Ambiental, por força da Lei 6.938/81, aplica-se a regra da objetivação da responsabilidade civil levada ao extremo pela aplicação da teoria do risco integral, que não admite qualquer excludente de responsabilidade.
Vale ressaltar o pensamento de Sérgio Ferraz, pioneiro na defesa da responsabilização objetiva segundo a teoria do risco integral diante de danos ao meio ambiente. O autor assevera que, a despeito da existência de outras correntes doutrinárias de responsabilidade objetiva, bem como de haver certa resistência na doutrina e jurisprudência quanto ao princípio do risco integral; não há outra colocação mais adequada em face do dano ecológico. Destaca, ainda, a sua importância pelo fato de permitir a responsabilização mesmo diante de uma conduta omissiva[25].
2.3. A omissão do Estado no dever constitucional de tutela ambiental como fato ensejador de responsabilidade civil
Na doutrina do direito ambiental, tema polêmico é o da responsabilidade civil do Estado em face do dano ao meio ambiente resultante de ato omissivo. Diante dessa hipótese, alguns autores, rejeitando a aplicação do regime especial de responsabilidade civil ambiental, entendem que “não é intuitivo impor ao Poder Público a responsabilidade civil objetiva por danos ambientais causados por suposta omissão do dever de fiscalizar ou proteger o meio ambiente[26]”.
Na contramão do que dispõe a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, ao estabelecer para o poluidor o dever de reparação independentemente de culpa, parte da doutrina do Direito Ambiental defende que, nos casos em que a lesão ambiental decorre de ato omissivo do Estado, a responsabilização da Administração Pública é orientada pela análise casuística do seu grau de culpa.
Ao argumento de que existem situações em que o dano ambiental resulta de atividades clandestinas, não sujeitas à fiscalização do Estado, alega-se o não cabimento da responsabilidade civil objetiva deste por omissão. Diz-se que, nessa hipótese, não houve, por parte do ente público, o descumprimento de um dever exigível a priori, pois, muito embora caiba ao Estado prevenir e reprimir a degradação ambiental, não se pode presumir a sua onipotência e onipresença. Nesse sentido, Márcia Leuzinger assevera que não se admite que o Estado responda “em qualquer circunstância pelos danos ambientais causados pelos agentes privados”[27], sob pena de considerá-lo “segurador universal”[28].
Sem embargo das opiniões em sentido contrário, com fulcro no princípio do controle do poluidor pelo Poder Público, no art. 225, caput, da CF/88, e no art. 14, §1º da Lei 6.938/81; pugna-se aqui pela responsabilidade civil objetiva do Estado por omissão no dever de tutela ambiental, inclusive no tocante ao dever estatal de fiscalização e repressão de atividades degradadoras desempenhadas pelos particulares.
No que diz respeito ao princípio do controle do poluidor pelo Poder Público, princípio fundamental do Direito do Ambiente, leciona Édis Milaré que justifica as intervenções estatais voltadas à manutenção, preservação e restauração dos recursos ambientais, no intuito de permitir a sua utilização racional e disponibilidade permanente. Acrescenta o autor que o princípio se concretiza através do exercício do poder de polícia administrativa[29].
Cumpre anotar que o referido princípio encontra base constitucional no art. 225, §1º, V, pelo qual é dado ao Poder Público o encargo de exercer o controle da produção, da comercialização e do “emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”. Com efeito, essa determinação se encontra em perfeita consonância com o dever de tutela ambiental estabelecido para o Poder Público no caput do mesmo dispositivo.
Surge para o Poder Público um inquestionável dever de atuar positivamente no sentido de garantir a preservação e proteção do meio ambiente. Vale notar, como já asseverado alhures, que o cumprimento desse dever reveste-se de nítido caráter de obrigatoriedade ante a indisponibilidade do bem ambiental enquanto direito fundamental. Assim, ao contrário do que pretendem alguns doutrinadores, inexistem escusas que autorizem ao Estado esquivar-se do cumprimento do dever constitucional de tutela ambiental.
Convém, neste ponto, ressaltar o pensamento de Alvaro Luiz Valery Mirra, que chega a defender que, em defesa do bem ambiental, as omissões do Poder Público sejam supridas judicialmente:
Impõe-se que se admita a extensão do controle jurisdicional sobre as omissões da Administração Pública na defesa do meio ambiente, entre outros mecanismos, pela imposição de medidas positivas de preservação ambiental, em ações judiciais que visem ao cumprimento de obrigações de fazer.
[...]
Assim, toda vez que a Administração não atuar de modo satisfatório na defesa do meio ambiente, omitindo-se no seu dever de agir, caberá à coletividade, por intermédio de seus representantes legitimados, buscar perante o Judiciário o estabelecimento da boa gestão ambiental[30].
É certo que o Estado não pode estar em todos os lugares sujeitos à ocorrência de um dano ambiental pelo desenvolvimento de atividade degradadora, tampouco tem a capacidade de conhecer todos os casos em que tais atividades são desempenhadas de forma clandestina. Mas, essas circunstâncias, ao contrário do que pretendem alguns autores, não têm o condão de estremecer o dever de tutela ambiental constitucionalmente estabelecido. Antes, somente atestam a deficiência estrutural que acomete os órgãos da Administração Pública, a quem compete o exercício da fiscalização e controle daquelas atividades.
Com efeito, a omissão do Estado em relação ao seu dever de tutela ambiental pode configurar causa do dano ao meio ambiente. Basta a existência de nexo de causalidade entre a lesão e a inércia estatal, o que fica evidente quando se verifica que atuação do Poder Público, preventiva ou repressiva, seria suficiente para evitar a ocorrência da lesão ambiental.
Ora, se o dano ao ambiente resulta de atividade degradadora desenvolvida por particular, mesmo sendo este o poluidor direto, existe também para o Poder Público o dever de indenizar ou reparar. Afinal, se não tivesse se omitido no exercício do poder de polícia ambiental, o desempenho daquela atividade poderia ser suspenso, sem prejuízo da imposição das competentes sanções ao particular.
Em tal situação, diz-se que o Estado é o poluidor indireto, já que sua omissão contribuiu indiretamente para o dano ambiental ocorrido, sendo verdadeira concausa do evento. Nesse sentido, destaca-se julgado proferido pelo STJ:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE.LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE ESTATAL. RESPONSABILIDADEOBJETIVA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO. SOLIDARIEDADE.LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. ART. 267, IV DO CPC.PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.[...]3. O Estado recorrente tem o dever de preservar e fiscalizar a preservação do meio ambiente. Na hipótese, o Estado, no seu dever de fiscalização, deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório, bem como a realização de audiências públicas acerca do tema, ou até mesmo a paralisação da obra que causou o dano ambiental. 4. O repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município de Foz de Iguaçu (ação), a ausência das cautelas fiscalizatórias no que se refere às licenças concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente estatal (omissão), concorreram para a produção do dano ambiental. Tais circunstâncias, pois, são aptas a caracterizar o nexo de causalidade do evento, e assim, legitimar a responsabilização objetiva do recorrente. 5. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto (Estado-recorrente, como no art. 3º da Lei nº 6.938/81), é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidade objetiva)[31].
Com efeito, não importa perscrutar se o desempenho da atividade causadora do dano ambiental era, de alguma forma, ocultado por qualquer artifício. Também não interessa investigar se a atividade degradadora era ou não licenciada/ autorizada pela Administração Pública. Em qualquer caso, a superveniência de lesão ao meio ambiente enredará o Poder Público para fins de responsabilidade civil, pois ou se estará diante de uma omissão quanto ao dever de fiscalização, ou de uma hipótese em que o Estado anuiu com o desenvolvimento da atividade lesiva.
Verifica-se, assim, que, em se tratando de lesão ao meio ambiente, o Estado sempre pode figurar no polo passivo da ação de reparação. É que, ainda que não seja ele o poluidor direto, tendo o dano sido causado por particular, terá, pelo menos, se omitido quanto ao dever de fiscalização da iniciativa privada no uso dos recursos naturais.
De modo algum a responsabilização do Poder Público exclui a responsabilidade do poluidor direto. Diante do dano ambiental causado pelo particular, existe, portanto, a responsabilidade solidária entre a Administração Pública e o administrado, estes, respectivamente, na condição de causador indireto e direto da lesão. Tal se justifica em face do disposto no art. 3º, IV, da Lei 6.938/81, pelo que é considerado poluidor o responsável, direta ou indiretamente, pela atividade degradadora. Por reconhecer a responsabilização solidária dos poluidores, destaca-se julgado proferido pelo TRF da 3ª região:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO. AGRAVO RETIDO PREJUDICADO. PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NEXO CAUSAL ENTRE A ATIVIDADE LESIVA E O DANO COMPROVADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS POLUIDORES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INDEVIDOS.
[...]
5. Extração irregular de palmiteiros (Euterpe Edulis) em área totalmente inserida no Parque Estadual e Turístico do Alto do Ribeira - PETAR, abrangida integralmente pelo tombamento da Serra do Mar e considerada patrimônio nacional pela Constituição Federal. 6. A responsabilidade pela degradação ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral e fundada tão-somente na comprovação do nexo causal entre a atividade lesiva e o dano ocasionado, devidamente comprovados. 7. Os danos devem ser apurados em liquidação por arbitramento, revertendo-se o quantum indenizatório ao Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos, previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85. 8. A política nacional do meio ambiente considera poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental. 9. In casu o empreendedor, o ente público e os profissionais que contribuíram para a degradação ambiental são considerados poluidores e respondem solidariamente pelos danos. O Estado, ainda, é responsável pela omissão ao dever constitucional de proteger o meio ambiente. 10. À luz do art. 128, § 5º, II, letra a, da Constituição Federal, são indevidos honorários advocatícios, custas e percentagens processuais ao Ministério Público Federal, vencedor da demanda, e a seus membros[32] .
Sendo a obrigação de reparação do dano ambiental indivisível[33], há que a totalidade da dívida é exigível em face de qualquer um dos demandados. Disso resulta que, em sede de ação civil pública ambiental, o Ministério Público poderá acionar, indistintamente, tanto o poluidor direto como o indireto.
Nesse particular, a corrente doutrinária que defende a responsabilidade subjetiva do Estado por dano ambiental decorrente de conduta omissiva da Administração Pública faz importante ressalva. Afirma Ricardo Barroso que:
A responsabilidade objetiva e solidária do estado deve ser orientada para a defesa da sociedade, e não empregada como elemento redutor ou mitigador da responsabilidade do agente econômico causador do dano ambiental[34].
Trata-se de reserva bastante conveniente, pois a responsabilização objetiva e solidária do Poder público por omissão em face do dano ambiental outra finalidade não tem senão a de garantir a reparação da degradação causada ao meio ambiente. Não pode, portanto, na prática, prestar-se para o fim de exonerar o causador direto do dano ambiental da obrigação de indenizá-lo.
Diante disso, interessante o posicionamento adotado pelo STJ ao julgar o Recurso Especial Nº 1.071.741 - SP, no sentido de que a responsabilidade da Administração Pública por danos urbanístico-ambientais é solidária e de execução subsidiária:
12. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem. 13. A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa. 14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência). 15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil). 16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados. 17. Como conseqüência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial. 18. Recurso Especial provido[35].
Com efeito, a adoção de entendimento distinto estimularia que, preferencialmente, as demandas voltadas para a reparação ou indenização do dano ambiental fossem propostas em face do Estado, e não do poluidor direto. Isso porque a primeira opção representa garantia de patrimônio a ser executado, além de sinalizar facilidade quanto ao legitimado passivo a ser acionado, já que, pode-se dizer, o Estado, nesses casos, é réu certo.
Essa situação conduz ao absurdo de se premiar o responsável direto pelo dano ambiental e penalizar, não a Administração Pública, mas toda a coletividade, na medida em que a imposição do dever de indenizar ao Estado repercute diretamente no patrimônio público, que outra serventia não tem senão a de custear o fornecimento de serviços básicos à sociedade.
Pelo exposto, considerando a natureza de direito fundamental do meio ambiente, tendo em vista que o mesmo é indisponível e essencial à qualidade de vida, bem como atentando para o dever constitucional de tutela ambiental imposto ao Poder Público; entende-se que, mesmo nos casos em que a omissão estatal em relação a este dever resulte em dano ambiental, deve ser aplicado o regime da responsabilidade civil ambiental previsto na Lei 6.938/81.
A responsabilidade objetiva do Estado em face dos danos causados pela sua omissão no dever de tutela ambiental se afigura como o regime jurídico mais apropriado ao novo tratamento conferido pela Constituição ao meio ambiente. Ainda que, nesses casos, implique a regra da responsabilização solidária do Poder Público, há que, se aplicada a execução subsidiária do patrimônio público, garante-se, sempre, a reparação ou indenização do meio degradado, sem afastar ou mitigar a obrigação do poluidor principal.
No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, a tutela do meio ambiente é, ainda, recente. É que, somente a partir da década de 80, verifica-se um movimento do Poder Legislativo no sentido de editar leis que promovam uma proteção mais concreta e efetiva ao meio ambiente, sendo marco desse processo o advento da Lei 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente).
Esse diploma legal, ao instituir a Política Nacional do Meio Ambiente, delimitou o conceito jurídico de meio ambiente, de dano ambiental, de poluidor e previu um importante mecanismo preventivo e repressivo em face das atividades degradadoras do bem ambiental: a responsabilidade civil ambiental.
Trata-se, ao contrário da responsabilidade civil tradicional, de instituto novo na ordem jurídica pátria, e que estabelece regime jurídico especial de responsabilidade quando se está diante de um dano ambiental, regendo-se, conforme demonstrado no decorrer do presente estudo, pela teoria do risco integral.
Até mesmo pela sua novidade, a responsabilidade civil ambiental tem sido alvo, especialmente no que diz respeito à sua aplicação ao Poder Público nos casos em que este causa dano ambiental através de ato omissivo, de divergência doutrinária. Dividem-se os autores acerca do regime de responsabilidade adequado para esses casos, de modo que uns apontam a responsabilidade subjetiva e outros, a objetiva, prevista na Lei 6.938/81.
No sentido de firmar o entendimento pela sujeição do Estado ao regime da responsabilidade civil ambiental nos casos em que se omite no dever de tutela do meio ambiente, invoca-se o art. 225, caput, da CF, o qual, considerando o meio ambiente como um direito fundamental, estabeleceu para o Poder Público o dever de protegê-lo e preservá-lo.
A norma contida nesse dispositivo constitucional torna exigível da Administração Pública uma atuação positiva no sentido de garantir a efetiva proteção do meio ambiente. Assim, se, nos termos da lei, responsável é aquele a quem é exigível o cumprimento de uma obrigação, e a quem, em razão do seu descumprimento, se pode impor sanção; é evidente que a omissão do Poder Público quanto ao seu dever de tutela ambiental torna-o responsável pelo dano causado ao ambiente.
Conforme restou demonstrado, o regime de responsabilidade civil ambiental previsto na Lei 6.938/81 é perfeitamente aplicável em face da Administração Pública. Ainda que a CF dedique dispositivo específico, o art. 3º, § 6º, para tratar da responsabilidade civil do Estado; a própria Carta Magna recepcionou aquele diploma na sua integralidade, inclusive a responsabilidade civil ambiental, visto que, em seu art. 225, §3º, estabelece, para os causadores de dano ambiental, o dever de reparação civil.
Diante disso, entende-se que, nos termos do disposto no art. 3º, IV, se o Poder Público, por omitir-se em relação ao seu dever constitucional de tutela do meio ambiente, dá causa a um dano ambiental, é poluidor indireto, pois se sujeita ao regime específico da responsabilidade civil ambiental. E, nesta qualidade, deve responder objetivamente, ao lado do poluidor direto, pela degradação ocorrida, surgindo para ele a obrigação de reparação ou indenização da lesão ao meio ambiente.
Ocorrendo tal omissão, haverá, portanto, em regra, a responsabilidade solidária do Estado em face dos danos ambientais, visto que terá causado indiretamente a lesão, figurando como poluidor indireto. Nesta qualidade, deverá responder objetivamente, ao lado do poluidor direto, pela degradação ocorrida.
Com efeito, sem embargo das opiniões em sentido contrário, tal responsabilização do Estado deverá também ser subsidiária. Isso para que a aplicação da responsabilidade ambiental ao Poder Público não enseje situações em que a obrigação de indenizar seja executada somente em face do ente público, resguardando-se o patrimônio do causador direto do dano ao meio ambiente.
A responsabilização solidária do Poder Público por omissão em caso de dano ambiental, condicionada à regra da subsidiariedade, traduz verdadeira garantia de reparação ou indenização à lesão causada ao meio ambiente. Diante das particularidades do dano ambiental e da importância que a ordem constitucional confere hoje ao meio ambiente, não se vislumbra regime de responsabilidade em matéria de meio ambiente mais adequado à efetiva proteção deste direito fundamental, senão o previsto na Lei nº 6.938/81.
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[1] “Procura-se compreender aqui a história sob um ponto de vista sisífico e não escatológico. Isso significa que esse processo de mundanização do direito natural, como pressuposto ético, e o processo de diferenciação e conseqüente pulverização da ética, como pressuposto sociológico, não são considerados aqui como um caminho evolutivo inexorável das civilizações, isto é, além de haver muitas culturas a que esse desenvolvimento é inteiramente estranho, nada indica que elas vão passar por ele”. (ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 85.).
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 983.
[3] Idem, ibidem. p. 986.
[4] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. rev. atual. São Paulo: Método, 2010, p. 722.
[5] PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 554.
[6] Idem, ibidem, p. 723.
[7] MELLO, Osvaldo Aranha Bandeira de. apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op.cit., p. 993.
[8] BARROSO, Ricardo Cavalcante. A responsabilidade civil do estado por omissão em face do dano ambiental. Revista de Direito Ambiental - RDA. São Paulo, v. 16. n. 63. p.203-238, jul./set.2011, p.218.
[9] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 143.
[10] LUCARELLI, Fábio Dutra. Responsabilidade civil por dano ecológico. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 700. , ano 83, p. 7-26, fev/1994, p. 20.
[11]GANDINI, João Agnaldo Donizeti. SALOMÃO, Diana Paola da Silva. Revista CEJ, Brasília, v.7, n. 23, p. 32-55, out./dez. 2003. p.50.
[12] Op. cit., p. 621.
[13] Art. 15: As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.
[14] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[15] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 803.
[16] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 252.
[17] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 693628 SP. Relator: Min. Ellen Gracie. Segunda Turma. Agte: União. Agdo: Roseli da Costa Ribeiro Castagnoli. Brasília, 01 de dezembro de 2009. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6185563/agregno-agravo-de-instrumento-ai-693628-sp-stf >. Acesso em: 29/02/2012.
[18] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 742555 RJ. Relator: Min. Ellen Gracie. Segunda Turma. Agte: Município do Rio de Janeiro. Agdo: Raimundo Gonçalves Ferreira. Brasília, 24 de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15921962/agreg-no-agravo-de-instrumento-ai-742555-rj-stf>. Acesso em: 29/02/2012.
[19] NASSIF, Rodrigo. Responsabilidade da Administração Pública por dano ambiental. Fórum de Direito Urbano e Ambiental-FDUA. Ano 9, n. 49, p.68-72, jan./fev.2010, p.70.
[20] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
[21] Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
[22] Art 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
[23] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[24] BENJAMIN, Antônio Herman V. Doutrinas essenciais: Responsabilidade civil. Capítulo: Responsabilidade civil pelo dano ambiental. v. 7. 2. tiragem, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.503.
[25] FERRAZ, Sérgio apud LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Direito ambiental: responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 135-136.
[26] BARROSO, Ricardo Cavalcante. Op.cit., p.228.
[27] LEUZINGER, Márcia Diegues. Responsabilidade civil do Estado por danos ao meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, ano 12, n. 45, p. 184-195, jan/mar. 2007. p. 194.
[28] Idem, ibidem, p. 194.
[29] MILARÉ, Edis. Op.cit., p. 186.
[30] MIRRA, Álvaro Luiz Valery. O problema do controle judicial das omissões estatais lesivas ao meio ambiente. Disponível em: <http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/ceama/material/doutrinas /esgotamento/o_problema_do_controle_judicial_das_omissoes_estatais_lesiva.pdf.> Acesso em: 01/03/2012.
[31] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 604.725 - PR .(2003/0195400-5). Recorrente : Estado do Paraná. Recorrido : Ministério Público Federal. Relator: Ministro Castro Meira. Brasília, 21 de junho de 2005. Disponível em: http://www.mp.ms.gov.br/ portal/manual_ambiental/arquivos/juris/REsp%20604725.pdf. Acesso em: 02/03/2012.
[32] SÃO PAULO. Tribunal Regional Federal. Apelação Civel - 650093. 72868 SP 2000.03.99.072868. Relator: JUIZ MAIRAN MAIA. São Paulo, 21 de junho de 2006. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2148415/apelacao-civel-650093-ac-72868-sp-200003990 72868-5-trf3.> Acesso em: 01/03/2012.
[33] Para a compreensão do conceito de obrigação indivisível, importa citar o art. 258 do CC: “A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico”.
[34] BARROSO, Ricardo Cavalcante. Op.cit., p. 232.
[35] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1071741/SP. Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010. Disponível em: <http://br.vlex.com/vid/-232688018.> Acesso em: 27/02/2012.
Advogada. Graduada em Direito na UFPE e pós graduação em Direito Constitucional pela Anhanguera-UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NICOLAU, Raisa Tavares Pessoa. Responsabilidade civil do poder público por omissão em caso de dano ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53663/responsabilidade-civil-do-poder-pblico-por-omisso-em-caso-de-dano-ambiental. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
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