Resumo: A atividade de exploração temática aqui desenvolvida, buscará delinear os efeitos práticos e as consequências legais, acarretados pelos antecedentes históricos da pena de prisão no Brasil. Mergulhar no cerne da questão levantada é buscar esclarecer por meio da pesquisa em curso, os meandros do instituto da pena de prisão, voltando os olhares para as questões principais e acessórias, que vem guarda íntima relação com o decurso do tempo, com as garantias fundamentais e com as atividades policialescas, tanto no campo da Polícia Judiciária, quanto no campo repressivo (Polícia Ostensiva).Justifica-se, o presente artigo, por almejar estabelecer a relevância de se buscar despertar no mundo acadêmico a importância de entender os procedimentos abordados, permitindo observar suas nuances, suscitando uma discussão crítica e construtiva em torno da temática, sobretudo subsidiando estudos futuros no campo acadêmico, que virão contribuir para evolução meio e da sociedade. Objetiva-se precipuamente, avaliar os efeitos práticos da omissão dos institutos legais no procedimento da prisão em flagrante, trazendo ao mundo acadêmico a discussão da temática, por meio uma revisão bibliográfica que permita analisar a linha de evolução doutrinária, normativa e jurisprudencial, vislumbrando sobretudo, as consequências processuais e procedimentais, de forma indissociável dos direitos e garantias fundamentais. O tipo de raciocínio empregado nesta pesquisa será o dedutivo, com metodologia essencialmente teórica, fundamentada em pesquisa bibliográfica com o objetivo de coletar dados sobre o assunto, bem como consulta a jurisprudências e a legislação pertinente e correlata.
Palavras-chave: Pena de prisão; direitos e garantias fundamentais; institutos legais.
Abstract: The thematic exploration activity developed here will seek to delineate the practical effects and the legal consequences, brought by the historical antecedents of the prison sentence in Brazil. Plunging into the heart of the issue raised is seeking to clarify through the ongoing research the intricacies of the prison sentence institute, turning our eyes to the main and ancillary issues, which comes closely related to the course of time, with the fundamental guarantees and with police activities, both in the field of Judicial Police and in the repressive field (Ostensive Police). This article justifies the importance of seeking to arouse in the academic world the importance of understanding the procedures addressed, allowing to observe its nuances, raising a critical and constructive discussion around the theme, especially subsidizing future studies in the academic field, which will contribute to the environment and society evolution. The main objective is to evaluate the practical effects of the omission of the legal institutes in the procedure of arrest in the act, bringing to the academic world the discussion of the subject, through a bibliographic review that allows to analyze the line of doctrinal, normative and jurisprudential evolution, seeing above all , procedural and procedural consequences, inseparable from fundamental rights and guarantees. The type of reasoning employed in this research will be deductive, with essentially theoretical methodology, based on bibliographic research with the purpose of collecting data on the subject, as well as consulting the jurisprudence and the relevant and related legislation.
Keywords: prison sentence; fundamental rights and guarantees; legal institutes.
Sumário: 1. Antecedentes históricos da pena de prisão no Brasil; 1.1 A prisão no período colonial; 1.2 Período imperial; 1.3 Período republicano; 2 A reforma penal de 1984; Conclusão; Referências.
1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA PENA DE PRISÃO NO BRASIL
O Direito Penal Brasileiro, trata a pena de prisão como sendo a última ratio, realidade percebida diante das diversas alternativas existentes. No presente capítulo, pretende-se demonstrar que ao longo de sua História, o país vivenciou momentos bastante distintos, e a pena de prisão ocupou diversos patamares dentro do sistema penal pátrio, tratar-se-á de períodos bem definidos por datas, porém bastante entrelaçados no que se refere ao campo penal.
Por meio do estabelecimento de uma linha de abordagem bibliográfica direcionada ao entendimento das nuances dos sistemas penal, processual penal e prisional do Brasil, serão trazidos à baila as particularidades de cada período abordado, buscando sobretudo criar uma atmosfera propícia ao desenvolvimento da atividade de pesquisa e estudos no campo do Direito Penal e Direito Processual Penal.
Tratando-se de parte integrante de um conjunto maior e mais complexo de elementos constitutivos da presente produção acadêmica, o artigo que ora se apresenta, pavimentará a estrada para o entendimento dos temas que virão a ser abordados em estudos posteriores, criando condições de encadeamento das informações vindouras.
Dividido em seções, versará basicamente sobre as diversas legislações que foram utilizadas ao longo dos períodos históricos, sua efetividade no contexto social, trabalhando sobretudo a respeito de seus destinatários. Não obstante estabelecendo uma relação de pertinência entre legislação penal, as penas previstas e aplicadas, voltando olhares para as formas e efeitos sobre a sociedade.
Isto posto, afirme-se ainda a intenção de estabelecer os pontos de convergência e discrepâncias do sistema penal ao longo do tempo, desenvolvendo um estudo que não tem a pretensão de esgotar o debate, mas sim propiciar que outras pesquisas se desenvolvam no mesmo sentido, buscando diversificar pontos de vista e enriquecer estudos futuros sobre a temática abordada.
1.1 A PRISÃO NO PERÍODO COLONIAL
Apriosticamente, segundo historiadores, o território brasileiro fora encontrado pelo colonizador português no ano de 1500, a partir de então se configurando como colônia do Império Luso. Até aquele instante os habitantes que aqui se encontravam viviam sob seus próprios costumes e práticas cotidianas, regidos apenas por suas próprias percepções e noções do que era ou não correto no seio de seu povo. A chegada dos colonizadores trouxe profundas mudanças para o modus vivendi dos indígenas aqui instalados.
O Brasil inicia seus dias de colônia sob a égide da legislação portuguesa, mais exatamente pelas Ordenações Afonsinas que vigoraram até 1521, embora já versassem sobre diversos aspectos do campo penal não foram seus efeitos percebidos de forma efetiva em solo brasileiro. Conforme os dizeres de Zaffaroni (2003):
As Ordenações Afonsinas, em cuja vigência (1447 – 1521) se deu a descoberta do Brasil, não tiveram qualquer influência na nova colônia. Trata-se de uma compilação de regimentos, concordatas e leis régias anteriores [...]. A matéria criminal se compendiava, ainda que não exclusivamente, no livro V; [...]. A cominação abusiva da pena de morte e das penas corporais, o emprego por arbítrio judicial da tortura (V, LXXXVII, 4), a ampla criminalização de crenças, opiniões e opções sexuais e a própria transmissibilidade das penas respondem à conjuntura na qual se inscreve tal compilação (ZAFFARONI at al., 2003, p. 413).
Objetivando implementar seu projeto de exploração de forma mais efetiva, a coroa portuguesa resolve fatiar o território da colônia, assim nascem as Capitanias Hereditárias, as Sesmarias e seus donatários, estes por sua vez ditavam os moldes de aplicação das penas, que inclusive remontavam aos períodos obscuros da idade média no que tange às formas e intensidade.
Ainda no que concerne à legislação, após as Ordenações Afonsinas vieram a Ordenações Manuelinas que como suas antecessoras, pouco se viram aplicadas, uma vez que, como já mencionado, os donatários de terras é que decidiam como punir os seus subjugados, exercendo autoridade e poder de decisão no campo penal. Neste sentido vejamos o que diz Bitencourt (2000):
[...] e como cada um tinha um critério próprio, era catastrófico o regime jurídico do Brasil-Colônia. Pode-se afirmar sem exagero que se instalou tardiamente um regime jurídico despótico, sustentado em um neofeudalismo luso-brasileiro, com pequenos senhores, independentes entre si, e que, distantes do poder da Coroa, possuíam um ilimitado poder de julgar e administrar seus interesses. De certa forma, essa fase colonial reviveu os períodos mais obscuros, violentos e cruéis da História da Humanidade, vividos em outros continentes (BITENCOURT, 2000, p. 41).
O decurso do tempo e a dinâmica da sociedade impõem necessidades, uma delas é que a legislação deve ser mais efetiva, as Ordenações Afonsinas e as Manuelinas não conseguiram ditar as feições do sistema penal no Brasil, por outro lado as Ordenações Filipinas se mostraram mais efetivas e presentes no contexto brasileiro, vigoraram até a promulgação do Código Criminal de 1830, contemplavam a previsão de penas atrozes, com distinção quanto ao sexo e posição social do apenado, dentre elas a pena de morte. Vejamos o que nos diz Teles (2006) neste sentido:
Punições severas e cruéis, inexistência do princípio da reserva legal e do direito de defesa, penas arbitradas desproporcionalmente pelos juízes, e desiguais, conforme o status do apenado, e punição de delitos religiosos e absurdos, como a heresia e o benzimento de animais. Pena de fogo em vida, de ferro em brasa, de mãos cortadas, de tormentos, além, é claro, da transmissão da infâmia aos descendentes do criminoso, revelam o grau de crueldade e desumanidade desse direito (TELES, 2006, p.27).
O contexto encontrado no Brasil Império aponta a pena de prisão de forma secundária, expondo a verdadeira natureza penal do período, colocando o Brasil na mesma linha de pensamento quanto a finalidade e objetivos do sistema prisional vivenciado em outras partes do mundo, uma tendência que se concretizava de muito tempo. Maia (2009):
Desde a Antiguidade a prisão existe como forma de reter os indivíduos. Esse processo, contudo, constituía apenas um meio de assegurar que o preso ficasse à disposição da justiça para receber o castigo prescrito, o qual poderia ser a morte, a deportação, a tortura, a venda como escravo ou a pena de galés, entre outras. Apenas na Idade Moderna, por volta de XVIII, é que se dá o nascimento da prisão ou, melhor dizendo, a pena de encarceramento é criada. (MAIA, 2009 p. 12).
O preâmbulo aqui apresentado nos dá o tom de como o sistema penal se encontrava no Brasil colônia. A pena de prisão não era o maior objetivo, servia apenas como estágio anterior a execução da verdadeira penalidade, que era imposta das mais diversas formas, tendo o corpo e o ânimo dos condenados como destino final, objetivando mormente a manutenção da ordem vigente, sobretudo o direito de propriedade.
1.2 PERÍODO IMPERIAL
Trata-se o ano de 1808 como marco da chegada da família real portuguesa ao Brasil, desta forma o centro de poder se aproxima da realidade do território brasileiro, entretanto as instituições e a burocracia ainda levariam um tempo para se cristalizarem de forma definitiva.
As forças produtivas e o modo de produção permaneciam pautados na escravidão, o sistema penal do império seguia os moldes do período colonial. Os momentos introdutórios do império em terras brasileiras foram marcados pela vigência das Ordenações Filipinas, conforme já mencionado, tendo sido confirmadas pela Assembleia Constituinte e vigorando até a edição do Código Criminal do Império em 1830. Quanto as penas, Motta (2011) assim preleciona:
O arsenal das penas estabelecido pelo Código de 1830 compunha-se da morte na forca (artigo 38); galés (artigo 44); prisão com trabalho (artigo 46); prisão simples (artigo 47); banimento (artigo 50); degredo (artigo 51); desterro (artigo 52); multa (artigo 55); suspensão de emprego (artigo 58); perda de emprego (artigo 59). Para os escravos, havia ainda a pena de açoite, caso não fossem condenados à morte nem às galés. Depois do açoite, o escravo deveria ainda trazer um ferro, segundo a determinação do juiz (MOTTA, 2011, p. 78).
Em 1822 proclama-se a Independência no Brasil, com relação a Portugal e em 1824 promulga-se a primeira Constituição brasileira, a carta em comento apontava alguns direitos e garantias individuais, entretanto apresentava-se de forma contraditória, uma vez que diferencia os tratamentos dados aos ditos cidadãos brasileiros e aos escravos, para os quais continuavam a ser empregadas as penas mais severas e desumanas.
Ainda no que se refere a Constituição de 1824, sabe-se que trouxe a divisão do poder em quatro esferas, Legislativo, Moderador, Executivo, e judicial, sendo que em seu Artigo 179 estabelece a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, texto inovador para a época, contudo não teria um viés modificador do status social, que apresentava uma sociedade extremamente estratificada.
No que tange ao nosso objeto de estudo ora em desenvolvimento, observa-se que em seus incisos VII e VIII o Art. 179 estabelece que: VII - Ninguém será preso sem culpa formada, exceto nos casos previstos em lei; VIII - A exceção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada, senão por ordem escrita da autoridade legitima. Tais incisos evidenciando a preocupação em tratar de forma institucional as questões penais.
Complementarmente, os incisos IX e X do dispositivo versam que: IX - A lei será igual para todos; X - Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis. Neste ponto evidenciando a contradição do texto normativo, visto que na prática o tratamento dado aos escravos da época, servia claramente aos interesses produtivos na manutenção do sistema escravagista, ficando evidente com a edição do Código Criminal de 1830. Como ressalta Ferreira (2009):
Além dos castigos corporais infligidos aos escravos pelos senhores e seus prepostos, após 1830, com a entrada em vigor do Código Criminal do Império – em caso de condenação à prisão – enquanto aos libertos e livres, pelo menos em tese, cabiam as então modernas formas de punir (reeducar e ressocializar), aos cativos continuava reservada a pena de açoites. Pena esta que, em casos extremos, de até oitocentos açoites, era caracterizada pelos práticos e cirurgiões que as acompanhavam como morte com suplício – típica punição do Antigo Regime (FERREIRA, 2009, p. 179- 180).
Percebe-se, entretanto, que se iniciara um período de transição, no qual de forma lenta, gradual e progressiva, as penas deixariam seu caráter corpóreo e assumiriam o viés restritivo de liberdade, embora parte da população não fosse contemplada, parte outra já se beneficiaria das influências liberais que naquele momento histórico permeavam os pensamentos políticos por grande parte do mundo, mais evidentemente na Europa.
O Brasil se torna independente de Portugal, mas seu desenvolvimento como nação estava atrelado ao velho modelo de produção. Em outras palavras as novas tendências liberais surgem no cenário, porém encontram na monocultura e no sistema escravagista os maiores entraves para implantação e pleno desenvolvimento de um sistema judicial eficiente, moderno e justo, tudo apontando para os interesses tanto governamentais quanto dos poderes locais. Aguirre (2009) aponta:
Os governantes provinciais e as elites locais disputavam a primazia sobre o direito de punir. Mas no fundo, o que estava em jogo mesmo era a legitimação do monopólio estatal da violência, um dos princípios constitutivos do Estado moderno. Este é um dos motivos que, aliado à manutenção da escravidão, nos ajudam a entender as razões pelas quais a passagem da colônia ao império não coincidiu com a abolição dos castigos corporais. Aliás, a permanência das punições extrajudiciais aplicadas no período colonial e a manutenção jurídica das penas corporais, tais como açoites e desterro, foi uma característica do império brasileiro (AGUIRRE, 2009, p. 39).
Despontam as influências e tendências liberais, os defensores das mudanças em questão apontavam fervorosamente a necessidade de se desvencilhar das penas cruéis, abrindo espaço ao cárcere como medida mais humana e eficiente de controle social, apontando as vicissitudes do novo sistema prisional em relação ao antigo. Neste sentido, veja-se em que sentido se deram as argumentações da época, Motta (2011):
Quais são os fins da prisão segundo os reformadores? Os fins de uma prisão vêm a ser três: custódia segura, reforma e castigo. Os antigos calabouços e os grilhões são considerados como expediente dos tempos bárbaros, e a violência física como meio de punição deve ser substituída pelo sistema de uma contínua vigia sobre o preso, invenção de um destes filósofos ardentes pela causa da humanidade. Um desses “gênios beneficentes” era o “venerável J. Bentham” (MOTTA, 2011, p. 106).
Apenas a partir de 1850, duas décadas após entrar em vigor o Código Criminal do Império, é que começam a serem vistas as unidades prisionais construídas sob as novas diretrizes e tendências de se ter a pena privativa de liberdade como núcleo do sistema judicial brasileiro, mesmo assim a prática ainda destoava da teoria, e a legislação ainda andava ao largo do cotidiano em muitos aspectos.
Observa-se que decorrem mais de três décadas, a partir de 1850, até que se tivesse a abolição da escravatura no Brasil, ao passo que os movimentos abolicionistas ganhavam força e suas ações frutificavam, o tratamento dado aos prisioneiros negros foi passando por mudanças, "é possível fazermos uma correlação entre as leis que aboliam gradativamente o tráfico e o sistema escravista e o recrudescimento da truculência e arbitrariedade da polícia e dos dirigentes carcerários" (SANTOS, 2009, p. 57).
Ao longo da segunda metade do século XIX, outro fenômeno foi registrado, o sistema carcerário começa a apresentar um contingente de reclusos muito maior que a capacidade de gerir do poder público. O sistema começou a se expandir e outras unidades, mesmo não tendo a mesma finalidade passariam a ser utilizadas, como por exemplo a unidade prisional existente em Fernando de Noronha.
O afluxo de prisioneiros se avoluma, o emprego de tal contingente em obras públicas por si não sanava a situação, o envio a outras unidades distantes não era suficiente, por fim a solução derradeira a ser utilizada foi deixar parte do contingente de encarcerados sob os cuidados do exército, assim por meio do serviço militar obrigatório, "milhares de suspeitos, majoritariamente pobres e negros foram recrutados à força, utilizando-se a conscrição como mecanismo de castigo" (AGUIRRE, 2009, p. 49).
Nesta nova etapa da História do Brasil ocorre uma reestruturação dos valores políticos, humanos e sociais, o Brasil se desenvolve sob o manto da liberdade social. O movimento iluminista europeu teve grande influência, na criação dos princípios fundamentais do nosso direito penal, como exemplo o princípio da irretroatividade, da pessoalidade da pena, dentre outras.
Em 1824 foi outorgada a primeira constituição. Esta trazia garantias a liberdades públicas e dos direitos individuais. O novo diploma legal previu a necessidade de um código criminal, que deveria ter pilares fundados na justiça e equidade (DOTTI, 1998, p.50).
Em 1830 foi sancionado o Código Criminal, pelo imperador D. Pedro I. Este novo código reduziu os delitos que eram apenados com morte, bem como a extinção das penas infamantes. Surgiu a pena de privação de liberdade, na qual substituiria as penas corporais (DOTTI, 1998, p. 53).
A prisão passou a ter uma função de emenda e reforma moral para o condenado.
Tempos depois ainda na vigência do império, a pena de morte, se extinguiria por completo, devido ao um erro judicial, em que o fazendeiro Manoel da Mota Coqueiro, teria sido condenado à forca por homicídio, descobrindo-se posteriormente o equívoco (BUENO, 2003, p. 149).
Por fim, pode-se abstrair que as influências do Brasil Colônia estiveram presentes em praticamente todo o período Imperial, embora a pena de prisão, inclusive distinta entre prisão simples e prisão com trabalho, haja sido implementada, os destinatários eram distintos da maioria, e as condições continuavam sendo as piores.
Verifica-se desta forma, que o período imperial vivenciou várias tentativas de mudança do sistema penal do Brasil, a legislação avançou neste sentido e de forma tímida houve uma transição de um sistema que tinha o castigo corporal como principal meio de punição para uma realidade na qual a privação da liberdade seria a forma central de punir o infrator no sistema.
1.3 PERÍODO REPUBLICANO
Em 1889 o Brasil se tornou República com o golpe militar de Marechal Deodoro da Fonseca. Diante de alguns avanços sociais, como a lei Áurea, o antigo Código Criminal do império, necessitava ser urgentemente substituído.
O decreto n° 847, de 11 de outubro de 1890, convolou o projeto no “Código Penal dos Estados Unidos do Brasil”. Este novo Código possuía penas mais brandas, e com caráter de correção. Um ano depois a Constituição foi promulgada, abolindo algumas penas impostas pelo atual Código Penal. Diante de tantas modificações, a pena ainda conservava seu caráter instrumental tanto de prevenção quanto de repressão e dominação social.
Mediante as circunstâncias em que o Código foi criado, juristas da época o criticavam muito por suas imperfeições técnicas e pela deficiência de seus conceitos. Diante desses defeitos em 1893 já era apresentado à Câmara dos Deputados um novo projeto de reforma, sendo que não houve êxito.
Em 1927 o Desembargador Virgílio de Sá Pereira, divulgou o projeto por incompleto do Código Penal. Este projeto era dividido em duas classes: principais e acessórias. As primeiras seriam as multas, o exílio local, a detenção, a prisão e a relegação. As segundas seriam a interdição de direitos, a publicação da sentença, o confisco de certos bens e a expulsão de estrangeiro.
Diante de uma enxurrada de leis, e as fortes tendências em rever o Código Penal de 1890, o governo promoveu uma consolidação das leis existentes. Nesse sentido “Havia dificuldades não somente de aplicação das leis extravagantes como também de seu próprio conhecimento” (DOTTI, 1998, p. 58).
O encarregado de realizar está consolidação foi o desembargador Vicente Piragibe. Em 1934 houve a promulgação da Constituição da República. A nova carta extinguia as penas de banimento, morte, confisco de bens e as de caráter perpétuo, com exceção em caso de guerra declarada a pena capital.
Em 1937 com a entrada do Estado Novo, as mudanças na área política influenciaram a lei penal. A Constituição Federal é outorgada pelo presidente Getúlio Vargas, sob o prisma do poder autoritário e militar. O congresso é fechado, criam-se crimes políticos e a figura da pena de morte reaparece. O novo ministro da justiça Francisco Campos designou o professor Alcântara Machado para estudar as mudanças na lei penal, e realizar as devidas alterações. O anteprojeto de Alcântara Machado prévia as penas de reclusão, detenção, segregação e multas. Observa Dotti que
O anteprojeto ainda adotou o sistema dualista (penas e medida de segurança), além dos efeitos da condenação, como registro e a publicação da sentença, o confisco e a inabilitação (DOTTI, 1998, p. 65-66).
Em 31 de dezembro de 1940 é publicado o novo Código Penal. Erigido sobre o Anteprojeto Alcântara Machado, o Código Penal teve em Nélson Hungria seu principal redator o Congresso Nacional ainda se encontrava fechado.
Em 1946 a Constituição Federal foi novamente promulgada, esta limitava o poder punitivo do Estado e dessa forma, “Consagrou-se, formalmente, a individualização e a personalidade da pena. Nesse contexto, a lei 3.274/1957 declarou a necessidade da individualização da pena. (SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR, 2002, p. 44).
Os autores ainda lecionam que a finalidade da sanção penal estava centrada na prevenção especial, ou seja, buscava-se a recuperação social do condenado. Em 1964 houve o golpe militar, no entanto não foram alteradas de imediato as leis penais, mas as garantias formais da legislação de nada adiantariam frente à ação da polícia armada, influenciada pela ditadura militar.
O Código Penal de 1969 foi outorgado pelos ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, junto com a Nova Lei de Segurança Nacional. A pena de morte, prisão perpétua e a pena de 30 anos de reclusão para crimes políticos eram revividas, e as garantias processuais eram reduzidas. Em 1969 os ministros promulgaram uma emenda à constituição de 1967, desfigurando-a de maneira essencial.
O Código Penal de 1969 ficou conhecido pelo vacatio legis mais longo da nossa história, sendo revogado pela Lei n. 6.578/78. A Emenda Constitucional 11, de 13 de outubro de 1978, reprimiu novamente a pena capital, a prisão perpétua e o banimento.
Ariel René Dotti ainda escreve em sua obra:
Novos caminhos se abriram às ciências penais com o retorno da criminologia e a maior atenção dada para a política criminal. Era o retorno às discussões teóricas do crime e da pena como fato social, visando o processo de elaboração normativa, que se encontrava mais democrático graças ao enfraquecimento político da “linha dura” governamental” (DOTTI, 1998, p. 45).
O período em comento, carece de elementos modernizadores e mais voltados á realidade que ora o país começara a vivenciar. Naturalmente as aspirações e porque não dizer as pressões advindas do contexto social e a necessidade de inserção numa nova ordem mundial, levam o Brasil a um novo momento em sua ordem constitucional, trazendo reflexos diretos aos campos penal e processual penal.
2 A REFORMA PENAL DE 1984
A lei 7.209, de 11 de julho 1984 fez uma reforma na parte geral do Código Penal de 1940. Esta reforma trazia consigo a abolição das penas acessórias e o sistema do duplo binário (responde com a pena criminal e medida de segurança), passando o nosso sistema a ser regido pelo sistema vicariante (responde com a pena criminal ou medida de segurança, ficando o ultimo reservado apenas para os inimputáveis).
A publicação da sentença, por seu caráter infamante, foi extinta e a perda da função pública tornou-se um efeito necessário da condenação criminal. O exílio local também foi extinto em virtude do caráter infamante. (SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR, 2002, p. 46).
No mesmo contexto Dotti leciona que
O Anteprojeto de revisão da Parte Geral do Código Penal brasileiro adotou algumas ideias básicas em torno das quais se desenvolveria todo o esquema proposto das reações criminais. (DOTTI, 1998, p.)
Assim ele nos ressalta cinco linhas fundamentais, que seria: o repúdio à pena de morte, a manutenção da prisão, as novas penas patrimoniais, a extinção das penas acessórias e a revisão das medidas de segurança.
CONCLUSÃO:
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, fez-se necessário fazer algumas atualizações, pois a nova Carta Magna trouxe novas modalidades de sanções penais e ainda renovava na linguagem utilizada no rol constitucional de penas.
O advento da nova Constituição de 1988, de caráter moderno e democrático, voltada para os ideais de igualdade, liberdade, fundada em princípios como o da dignidade da pessoa humana, devido processo legal, dentre outras formas de se constituir e garantir o funcionamento de um Estado Democrático de Direito. Encerram um período marcado por arbitrariedades e desrespeito as liberdades individuais e à dignidade humana, abrindo novos rumos.
REFERÊNCIAS
AGUIRRE, Carlos. Cárcere e Sociedade na América Latina, 1800-1940. In: MAIA et al. História das Prisões no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, v.1.
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf > Acesso em 20/04/2018.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
BRANCO, Tales Castelo. Da Prisão em Flagrante. São Paulo: Saraiva, 1980.
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. (1941). Lei N° 3.689, Código de Processo Penal Brasileiro. Brasília, DF: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm. Acesso em: 20/02/2016.
________. Código Penal, Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>.Acesso em: 10 mar. 2018.
________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 05/mar.2018.
________. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso em 10 mar. 2018.
________. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Perguntas frequentes. Disponível em :<http://www.cnj.jus.br/>. Acesso em 17 mai. 2018.
________. DECRETO-LEI N.º 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. Código de Processo Penal Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm> Acesso em: 17 mai. 2018.
________. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/docs/PLS_554_2011.pdf>.Acesso em 15 mai. 2018.
________. Senado Federal. Consulta Pública. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=102115 > Acesso em 29 mai. 2018.
________. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5240. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 20 de agosto de 2015. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+5240%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+5240%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/lxjyskt>. Acesso em 20 mai.2018.
________. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 347.Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 18 de fevereiro de 2016. Disponível
________. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Habeas Corpus n.º 62187. Relator: Ministro Aldir Passarinho. Brasília, 13 de novembro de 1984. <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000044275&base=baseAcordaos> Acesso em 10 mai. 2018.
________. Tribunal Regional Federal 3ª Região. Habeas corpus n.º 66652. Relator: Juiz Convocado Higino Cinacchi. São Paulo, 03 de outubro de 2005. Disponível em: em <http://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17786557/habeas-corpus-hc-66652-sp-20050300066652-6-trf3> Acesso em 05 mai. 2018.
BRUNO, Aníbal. Das Penas. 4 ed. Rio de Janeiro: Rio, p. 10. 1976.
BUENO. Paulo Amador Thomaz Alvas da Cunha. História do Direito Brasileiro: Notícia histórica do direito penal no Brasil. Org. Eduardo C. B. Bittar. São Paulo: Atlas, 2003.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. São Paulo Revista dos Tribunais, 1998. 550 p. ISBN 85-203-1632-8.
FERREIRA. Ricardo. A. o tronco na Enxovia; Escravo e livres nas prisões paulistas dos oitocentos. In: História das prisões no Brasil. MAIA, Clarissa N.;COSTA, Marcos et al. Rio de Janeiro: ROCCO, 2009.
FILHO, Antônio Magalhães. Gomes. A motivação das decisões penal. São Paulo: RT, 2001. 227.
FREITAS, Gilberto Passos de; FREITAS, Vladimir Passos de. Abuso de autoridade. 5 ed. São Paulo: RT, 1993.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manuel de Processo Penal. 6ª ed. Salvador: JusPodivm, 2018.
MAIA, Clarissa Nunes et al. (Org.). História das prisões no Brasil: Volume I. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. IX. Campinas: Bookseller, 1997.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Conet. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. Brasília : Saraiva , 2015.
MOTTA, Manoel Barros da. Crítica da Razão Punitiva: Nascimento da Prisão no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal: 13. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Forense, 2018.
PACELLI, Eugenio. Curso de Processo Penal. 18. ed. São Paulo : Atlas, 2015.
PAIVA, Caio. Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito: 2015.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000.
SANTOS, M. S. Os Porões da República – A barbárie nas Prisões da Ilha Grande: 1894-1945. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
SANTOS, Pedro Luiz Mello Lobato dos. Nulidade absoluta pela não realização de prova pericial em delitos que deixam vestígios. http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6207/Nulidade-absoluta-pela-nao-realizacao-de-prova-pericial-em-delitos-que-deixam-vestigios. > Acesso em 20 mai. 2018.
SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Teoria da pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 476 p. ISBN 85-203-2266-2.
TELES, Ney Moura. Direito Penal Parte Geral: Arts. 1º a 120. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
TONINI, Gian Paolo. A prova no processo penal italiano: Tradução Alexandra Martins, Daniela Mróz. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1. Ed, 2002.
TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal: jurisdição, ação e processo penal (estudo sistematizado). – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume. 2. ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2003.
Pesquisador - UNIFOR
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TELES, FILIPE EWERTON RIBEIRO. Antecedentes históricos da pena de prisão no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 out 2019, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53704/antecedentes-histricos-da-pena-de-priso-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
Por: PAULO BARBOSA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
Precisa estar logado para fazer comentários.