Em meados de julho do ano corrente o Supremo Tribunal Federal, por relatoria do Ministro Dias Toffoli, decidiu suspender, em todo o território nacional, ações e inquéritos que versassem sobre compartilhamento de dados entre o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e os Ministério Públicos Estaduais e Federais.
Na ocasião, o relator recebeu petição protocolada pela defesa de Flávio Bolsonaro, filho do então Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, a qual alegava a quebra ilegal dos sigilos bancários e fiscal por parte do MPERJ, que teria utilizado o COAF como “atalho” para se furtar do devido controle por parte do Poder Judiciário no tocante a obtenção de informações financeiras.
A defesa de Flávio Bolsonaro argumentou que o COAF extrapolou o simples compartilhamento de movimentações consideradas atípicas, passando a fornecer informações sigilosas.
Desta forma, o Ministério Público, após obter as informações sigilosas fornecidas pelo COAF, solicitou a mencionada quebra dos sigilos bancário e fiscal, numa tentativa de “lavagem de provas” das informações que já detinha.
Portanto, em observação ao poder geral de cautela, a Corte Suprema, no RE 1.055.941/SP, entendeu pela suspensão do processamento de todos os inquéritos e procedimentos de investigação criminal, referentes aos Ministérios Públicos Federal e estaduais, em trâmite no território nacional, que foram instaurados à revelia da supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle (COAF, BACEN, etc), até o julgamento definitivo, marcado para novembro do ano corrente.
Entretanto, pontuou a relatoria do Recurso Extraordinário alhures mencionado que o sobrestamento não é automático, sendo necessário que se analise cada caso concreto para verificar-se o enquadramento ao tema tratado na espécie recursal.
Tal decisão de não automaticidade no sobrestamento tem gerado algumas decisões conflitantes nos tribunais nacionais, como é caso do Processo nº 0100860-84.2018.4.02.0000, com decisão proferida pelo Desembargador Federal Abel Gomes, da 1ª Seção do TRF 2ª Região, em que figuram como réus os deputados Luiz Martins e Marcos Abrahão.
Na mencionada decisão, a Corte Federal negou a suspensão do processo, mantendo os réus em prisão preventiva, alegando que a situação dos autos não se assemelha a decisão liminar proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Em seu voto, o desembargador declarou que a decisão emanada da Corte Constitucional se refere a ações que detenham, exclusivamente, dados fornecidos pelo COAF, hipótese que não se amolda aos autos, que está instruído com provas oriundas de diversas fontes.
Dentre as provas referidas pelo magistrado, está o relato de colaboradores, que entregaram planilhas, com nomes, datas e dados sobre pagamentos feitos a assessores de deputados. Logo, as informações concedidas pelo COAF, apesar de referirem-se a movimentações financeiras atípicas em contas bancárias, precisariam ser completadas com outras informações, obtidas pela quebra do sigilo bancários dos parlamentares, a qual foi realizada com a adequada ordem judicial.
Neste contexto, concluiu o TRF 2ª Região que a ação “sobreviveria” mesmo sem o relatório de informações financeiras (RIF) fornecido pelo COAF
O relator ainda pontuou que o processo contra os parlamentares possui réus em prisão preventiva e que, também por esta razão, não se aplicaria a liminar do STF.
Todavia, apesar do brilhantismo que denota as explanações do eminente magistrado, entendemos que a decisão proferida pode ter incorrido em equívoco quanto a observância da liminar emanada do Excelso Pretório.
A uma, porque não se verifica no acórdão do RE 1.055.941/SP quaisquer referências a impossibilidade de observância das imperativas ali expostas à processos com réus presos preventivamente.
Pelo contrário, por motivos de razoabilidade, faz-se imperioso a suspensão do processo e a revogação da preventiva aplicada nos casos em que se verificar a questão prejudicial do uso de informações privilegiadas sem a prévia supervisão judicial, por se tratar de conduta ministerial que afronta diversos princípios constitucionais pátrios, como a segurança jurídica e o devido processo legal, postulados que sobrepõe a manutenção do “tumulto processual” aparentemente pretendida pela Corte Federal.
Noutro lado, não se extrai da dicção decisória no Recurso Extraordinário tratado que a liminar aplicar-se-ia tão somente a ações que possuam como arcabouço probatório exclusivamente dados compartilhados pelo COAF, ao contrário, refere-se ao sobrestamento de procedimentos que utilizem estes dados como provas, obtidos sem supervisão ou autorização do Poder Judiciário, independente da unicidade destas no “leque probatório” detido pelo parquet.
Adiante, as alegações de que o tônus muscular da acusação não restaria prejudicado com o afastamento das informações compartilhadas pelo COAF, razão pela qual a suspensão do feito não é medida que se impõe não se mostra satisfatória, pelos motivos a seguir explanados.
No caso em tela, caso se considere que as informações obtidas o foram por meios ilegais, em dissonância com os trâmites processuais e procedimentais adequados, estas informações não poderiam ser utilizadas em desfavor do acusado, eis que ilícitas, gerando, também, a ineficácia contagiosa em relação a todas as provas dela decorrentes, sob pena de nulidade.
Isto posto, entendemos que os argumentos esposados pela Corte Federal não mostram-se adequados ao caso em tela, colocando em risco o maquinário judicial e o próprio devido processo legal, ante a palpável ilicitude contida na forma de obtenção das informações utilizadas, pautando um largo crescimento da conduta apelidada de “lavagem de provas” promovida pelos representantes do Ministério Público, sobretudo no âmbito da operação lava jato, conduta que afronta a legitimidade fundante do Estado Democrático de Direito.
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