No contexto das recentemente deflagradas operações lava jato, perpetradas sobretudo por membros do Ministério Público Federal em cooperação com a Polícia Federal, verificaram-se situações que merecem determinados assentamentos meditativos.
Em meados de 2018 descortinou-se esquema de corrupção concretizado entre a estatal Petrobrás e o Grupo Odebrecht, que acarretou denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal perante o Juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba.
De acordo com a denúncia oferecida, o Grupo Odebrecht, por meio de seu “Setor de Operações Estruturadas”, - o qual adequou-se denominar, pejorativamente por “departamento de propinas” – teria pagado vantagens indevidas a executivos da Petrobrás, dentre eles o Gerente da Área Internacional ao tempo dos fatos, bem como demais empregados do Setor de Operações.
Tais vantagens tratavam-se de propinas para que o Grupo Odebrecht obtivesse informações privilegiadas e tivesse a licitação direcionada para a sua contratação, a qual detinha como objeto a prestação de serviços de reabilitação, construção, montagem, diagnóstico, remediação ambiental e elaboração de estudo nas áreas de segurança, meio ambiente e saúde em instalações da estatal em nove países, além do Brasil.
Desta forma, descortinou-se um cartel composto entre grandes empreiteiras nacionais, por meio do qual frustravam-se as licitações promovidas pela Petrobrás para contratação de serviços de grande complexidade, dentre ela o contrato objeto da denúncia, em que as propinas eram pagas aos dirigentes da estatal calculadas em percentuais, que variavam de 1% a 3% sobre os contratos obtidos, tendo alguns agentes apenas o papel de intermediar o pagamento das propinas.
Fator interessante de análise é a forma com que as mencionadas vantagens eram repassadas, a qual se dava por meio de transferências bancárias em dólar em contas nominadas por offshores, sobretudo na Suiça, pais popular por constituir-se em um paraíso fiscal, denominação jurídica para países que facilitam a aplicação de capital estrangeiro.
Adotando esta forma de pagamento, as empresas que compunham o cartel mantinham o capital utilizado para os acertos ilícitos fora da jurisdição brasileira, dificultando a persecução criminal dos órgãos de segurança pública e inteligência financeira.
Portanto, os agentes denunciados detinham grande quantidade de capital ilícito, eis que oriundo do delito de corrupção passiva, mantido em contas bancárias no exterior, no nome de pessoas jurídicas e em moeda estrangeira.
Para maior elucidação do tema que se pretende tratar brevemente na presente explanação, vamos nos ater a um agente específico do caso tratado nos mencionados autos, qual seja, o Gerente da Área Internacional da empresa estatal.
No caso em tela, o agente foi condenado pelo crime de corrupção passiva, insculpido no Art.397 do Código Penal, reconhecida a causa de aumento previsto no art.317, §1º, em virtude de ser funcionário público, infringindo dever de ofício em razão de vantagem recebida, bem como a continuidade delitiva no crime de lavagem de dinheiro, considerando a quantidade de operações de transferência monetária em moeda estrangeira, conforme já salientado.
Neste enquadramento, a controvérsia verificada no caso concreto gira em torno da contrariedade encontrada na sentença em apreço que condenou a maior parte dos agentes pelo delito de lavagem de dinheiro, baseado na conduta de receber vantagem indevida em contas mantidas no exterior.
Isto é, o Juízo Federal entendeu que a conduta de receber vantagens ilícitas para conceder informações privilegiadas em licitações a serem realizadas pela estatal tipifica não só o delito de corrupção passiva, que possui em seu núcleo típico a conduta de “receber vantagem indevida”, mas também se amolda a conduta de lavagem de dinheiro, que detém verbos nucleares diversos, mas que, todavia, todos fazem referência ao ato de dissimular movimentações financeiras de capital ilícito.
Explica-se: o agente teria efetuado acertos indevidos para fornecer informações privilegiadas que detinha em razão de seu cargo e, em troca de tais informações que iriam conceder ao agente corruptor posição de supremacia em licitação futura, teria recebido valores pecuniários os quais, por imposição do agente corruptor, seriam pagos em contas bancárias em nome de offshore.
Em razão de ter recebido os valores indevidos, os quais integram a conduta de corrupção passiva, o agente também teve imputado, em seu desfavor, a conduta de lavagem de dinheiro.
À vista do exposto, a defesa do acusado pugnou pela aplicação do princípio da consunção entre os delitos comentados, arguindo que o recebimento de vantagem indevida por meios clandestinos integra a própria materialidade do crime de corrupção passiva, não constituindo ação distintiva, a parte do núcleo típico, apto a ensejar a tipificação de delito diverso, qual seja, a lavagem de capitais.
Diante disto, extrai-se que os órgãos de persecução penal pretendem que o agente que pratica condutas que se amoldam ao tipo de corrupção passiva receba as vantagens indevidas por meio areado, límpido, cristalino e de fácil rastreabilidade, para que este tenha imputado contra si tão somente a conduta corruptiva, eis que qualquer forma de ocultação do capital no ato de seu recebimento poderia configurar delito autônomo de lavagem de dinheiro.
Nesta linha, a dupla valoração da conduta do agente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro mostra-se notavelmente controvertida em casos em que, claramente, a conduta de ocultação ou dissimulação dos valores recebidos a título de vantagem indevida compõe o tipo penal da corrupção passiva, não ultrapassando o núcleo típico da conduta em apreço. Cátedra do eminente Prof. Pierpaolo Cruz Bottini (2016, pag. 128), neste sentido:
“Assim, se a ocultação ou dissimulação típica da lavagem de dinheiro se limita ao recebimento “indireto” dos valores, há contingência entre os tipos penais, aplicando-se o instituto da consunção. Isso não impede a verificação do concurso material entre lavagem de dinheiro e corrupção passiva se constatado no caso concreto outro ato de ocultação ou dissimulação para além do recebimento indireto, como, por exemplo, o envio do dinheiro para o exterior, para contas de terceiros, ou a simulação de negócios posteriores com a finalidade de conferir aparência lícita aos recursos recebidos. A menção ao recebimento indireto no tipo penal de corrupção passiva não implica salvo conduto para qualquer comportamento de ocultação posterior. ” (grifo nosso)
Recorda-se, a título de reforço do entendimento supra, que na Ação Penal nº 470 a mesma compreensão foi adotada pelo Excelso Pretório, no caso em que determinado funcionário público recebia os valores indevidos através de sua esposa, em espécie, na agência bancária.
Na mencionada ocasião, o órgão acusatório ofereceu denúncia pugnando pela condenação do agente pelas condutas de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tendo a Corte Constitucional afastado a imputação de lavagem de dinheiro adotando o entendimento de que o uso de terceiros – portanto, recebimento “indireto” - para o recebimento de valores integra o tipo penal de corrupção passiva, não fazendo jus a dupla configuração delitiva.
Vale mencionar o voto proferido pelo Ministro Roberto Barroso, in verbis:
“O recebimento, por modo clandestino e capaz de ocultas o destinatário da propina, além de esperado, integra a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, portanto, ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro. Para caracterizar esse crime autônomo seria necessário identificar atos posteriores, destinados a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida. ” (grifo nosso)
Destarte, de acordo com o anteriormente apontado, entendeu o mencionado magistrado que o recebimento por meio clandestino dos valores indevidos não apenas carece de autonomia para constituir ação apta a tipificar a lavagem de dinheiro, mas é, também, esperado, considerando a clandestinidade inerente ao próprio tipo penal de corrupção passiva. Isto é, ninguém pratica corrupção por formas ostensivas.
Ante todo o exposto, poderíamos concluir que a conduta do agente que recebe valores ilícitos em contas bancárias mantidas no exterior constitui tão somente o delito de corrupção passiva, abrindo-se margem para o aumento da pena cabível pela sofisticação empregada para o recebimento do capital, visto que a jurisprudência pátria o admite nos casos de lavagem de dinheiro cometida nas mesmas condições, por entender que a sofisticação não integra o tipo penal de lavagem de capitais.
Neste sentido, se poderia cogitar da aplicação do mencionado aumento, pois as condutas, em realidade, são as mesmas, apenas não podendo valorar duplamente a conduta do agente em virtude da contingência destas e absorção da lavagem pela corrupção passiva. Todavia, este é tema para explanações posteriores.
REFERÊNCIAS:
BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários a nova lei 9.613/1998, com as alterações da lei nº 12.683/2012. 3ª Edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2016.
Advogado Criminalista Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM) Pós-Graduando em Direito Penal e Processual Penal (UCAM) [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEONARDO DE TAJARIBE RIBEIRO HENRIQUE JR., . Consunção entre corrupção passiva e lavagem de dinheiro em tempos de lava jato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2019, 04:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53719/consuno-entre-corrupo-passiva-e-lavagem-de-dinheiro-em-tempos-de-lava-jato. Acesso em: 22 nov 2024.
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