GUILHERME AUGUSTO MARTINS SANTOS[1]
(Orientador)
RESUMO: A violência doméstica se corporifica como um problema de cunho público, visto que, independente de sua classe econômica, raça ou grupo étnico, as mulheres estão propensas a sofrerem as graves consequências físicas, psicológicas e sociais que o fenômeno provoca. Concerne a um problema atual e de grande complexidade, tornando fundamental que haja métodos mais sensíveis que possam resolver de modo eficaz os conflitos, oferecendo maior assistência à mulher; trazendo-a para a parte central do enfrentamento do litígio. A Justiça Restaurativa e suas práticas equivale em um novo tratamento como resposta ao delito, tendo como finalidade a reparação de danos por meio de um entendimento recíproco para o fortalecimento de uma cultura de paz. Para a realização do estudo e, consequentemente, visando à obtenção de resultados, foi realizada uma pesquisa dedutiva, qualitativa, descritiva e bibliográfica com dados obtidos em documentos físicos e eletrônicos. Ao final da pesquisa conclui-se que a Prática Restaurativa é o método secundário de grande importância capaz de proporcionar a mulher vítima da violência uma maior assistência e empoderamento, capaz de diminuir os sofrimentos causados após uma agressão física e psicológica, bem como oferta ao agressor um espaço para reflexão da sua conduta e realinhamento de posturas desviantes.
Palavras-chave: Conflitos. Justiça Restaurativa. Reparação de danos. Violência Doméstica.
ABSTRACT: The domestic violence, It embodies like a problem public character, Being that, regardless of your economy class, race or ethnic group, women are prone to suffer the serious physical consequences, psychological and social that the phenomenon causes. We are talking about a current problem and of great complexity, making it fundamental that there are methods most sensitive that can solve in effective mode the conflicts offering greater assistance to women, and bringing her to the central part of the dispute. The Restorative Justice is equivalent to a new treatment in response to the offense, having as purpose damage repair through reciprocal attendance for the strengthening of a culture of peace. For the accomplishment of the study and, consequently, aiming at obtaining results, a deductive survey was performed, qualitative, descriptive and bibliographic with data obtained in physical and electronic documents. At the end of the research it is concluded that restorative justice is the secondary method of great importance able to provide women victims of violence greater assistance and empowerment, able to reduce the suffering caused after a physical and psychological aggression, as well as offer to the aggressor a space for reflection on your conduct and realignment of deviant postures,
Keywords: Conflicts. Restorative Justice. Damage repair. Domestic violence.
A violência doméstica é um fenômeno social global que viola a integridade física da vítima, bem como sua integridade moral. Está presente em todo o cenário mundial e se consubstancia como uma das grandes enfermidades de nossa sociedade, podendo apresentar várias formas e sobrevir por circunstâncias diversas.
Esta pesquisa procura fazer uma reflexão acerca do modelo restaurativo, que está em funcionamento no Brasil há cerca de 20 anos e coleciona resultados positivos. A Justiça Restaurativa aspira, mediante um ideal reconciliatório, focalizar as necessidades daqueles que estão imersos no conflito, e consequentemente, dirimir esse de modo dispare ao punitivismo clássico do sistema penal atual.
Almeja-se a partir dessa pesquisa, vislumbrar a viabilidade da aplicação da justiça restaurativa como estratégia eficaz para a dissolvência de conflitos, principalmente ao que tange à violência doméstica, mediante um trabalho qualitativo que proporcione a resolução do conflito, por meio do encontro entre os envolvidos, diretamente e indiretamente, volvendo a focalização na vítima, o dano causado por influência do delito, além da atenuação das consequências da lesão provocada, objetivando edificar ações de cooperação, respeito e diálogo, indo, portanto, na contramão da Justiça Penal, tendo em conta que a justiça restaurativa aspira a reinserção social do agente infrator, através da auto-responsabilização.
Tem-se que a Justiça Restaurativa é um método alternativo penal de tratamento de conflitos, que se orienta pela criatividade e sensibilidade alicerçada na escuta dos ofensores e da vítima, busca através de diálogos com intervenção de facilitadores, decidirem mais satisfatoriamente a recuperação pelos danos causados.
A necessidade da discussão do tema descende da clara ineficiência da cultura punitiva contemporânea, que corrobora para a crescente superlotação carcerária brasileira, e que caminha em via contrária a ressocialização e a reeducação do criminoso, inabilitando que esse retorne recuperado, de fato, ao convívio com o corpo social. Não procura atender os anseios da principal prejudicada, a própria vítima. No modelo retributivo a vítima é visivelmente excluída do polo principal, perde sua voz ativa no procedimento punitivo, passando a ocupar uma posição distante no litígio, prestando na maior parte das vezes como mero elemento de prova.
Verifica-se que a cultura punitiva vem corroborando para uma afronta à dignidade humana, dado que é constatado o intenso segregacionismo, que encarcera apenas grupos já marginalizados da sociedade, imputando a esses a indignidade, insalubridade presente no contexto prisional, realidade que, como exposto, bloqueia qualquer tentativa de ressocialização ao apenado. A prisão revela-se como verdadeiro abismo entre o mundo exterior e os presos, promovendo revolta com o tratamento arbitrário e sub-humano recebido.
Na busca por métodos penais eficientes e na luta contra o alto índice da criminalidade atual, torna-se imperioso o conhecimento de outros modelos de responsabilização penal, que possa cumprir com os propósitos da pena, posto que, como mostrado anteriormente, a cultura punitiva caminha em via contrária ao seu objetivo, a reabilitação do preso. Destarte, a justiça restaurativa revela-se como uma interessante alternativa, dado que ela estampa um novo paradigma de conceitualização de crime, exibindo novas possibilidades de respostas eficazes de justiça à sociedade.
Propõe-se mostrar à comunidade jurídico-acadêmica e à sociedade em geral a percepção dos resultados positivos que as práticas restaurativas provocam, já que o programa traz o seu diferencial, que é ter como cerne a restauratividade da paz social, promovendo o diálogo, o encontro entre os indivíduos afetados pelo conflito, para que juntos possam buscar a melhor alternativa para a restauração da lesão causada, curando as sequelas deixadas pelo crime, e principalmente trazer à mulher o seu empoderamento, e destaque no litígio, oportunizando lhe voz ativa.
Nesse contexto, no decurso do artigo será possível constatar que a justiça restaurativa pode ser encarada como um novo rumo para a política criminal contemporânea brasileira, sendo um método apropriado para suprir as falhas do sistema punitivo, que não logra êxito em seus proclamados fins de pacificação e controle social.
O modelo restaurativo manifesta-se a contar da apuração do falido ideário retributivo. Propõe-se modificar o cerne do sistema retribucionista, não mediante o abolicionismo da cultura punitiva, e sim através da instauração de um método, que emprega conceitos distintos de justiça e crime. Destarte, será feita a descortinação do modelo restaurativo, manifestando a primordialidade de sua aplicação, principalmente no que envolve a violência doméstica.
O modelo clássico de justiça criminal tem como resposta ao delito a pretensão punitiva do Estado ao justo e necessário castigo, da qual seu escopo é empregar a pena como efeito preventivo. No modelo combinam-se as penas privativas de liberdade, as penas de multa e as restritivas de direito.
O estabelecimento da pena privativa de liberdade como principal sanção cominada aos indivíduos que cometeram alguma infração penal teve seu marco na virada do século XVIII para o século XIX. A pena de morte e a violação corporal por meio dos castigos, como espécies de sanções penais, passaram a diminuir de modo vultoso, mormente no que concerne aos países ocidentais (GRECO, 2015).
Remotamente, a prisão não detinha como finalidade a de exercer um papel de condenação principal aquele que violou a norma, praticando determinada infração penal. Segundo Greco (2015, p. 97), “a prisão do acusado era tida como uma custódia de natureza cautelar”, isso é, unicamente processual, posto que, ainda conforme as lições de Greco (2015, p. 97), “aguardava a decisão que, se concluísse pela sua responsabilidade penal, o condenaria a uma pena de morte, ou mesmo a uma pena corporal, ocasião em que, logo depois de aplicada, seria libertado”.
O termo “penitenciária”, comumente utilizado na atualidade para intitular o local onde é cumprida as penas por aqueles que violaram normas, na antiguidade eram habitualmente designadas aos Monges, que efetivamente cumpriam suas penas ligadas a algum ato religioso, sem, contudo, ser utilizadas para aqueles que violaram normas sociais, já que como já explanado, na antiguidade, a prisão, era um local de custódia provisória e tormento, onde o acusado era sujeitado a interrogatórios tirânicos, em que o emprego de tortura era frequente Procurava-se extrair do indivíduo a confissão que consequentemente traria aos castigos corporais, aflitivos, até mesmo sua morte.
Na Idade Média, similar ao período anterior, a privação da liberdade do acusado era reconhecida também como de natureza processual, posto que o intento da prisão era unicamente o de aplicar a penalidade corpórea. Esse período ficou marcado como um dos mais hediondos da história, já que não havia a prevalência a dignidade dos seres humanos, muito pelo contrário, as torturas aconteciam em praça pública, sob os olhares ávidos da sociedade, que se deliciavam com o sofrimento que era perpetrado ao indivíduo, o que ocorriam eram espetáculos de horrores, onde as mutilações e mortes eram praticadas na presença da multidão, que se deliciava com o sofrimento alheio.
A situação a que os acusados eram colocados quando estavam retidos em cárceres provisórios, é bem similar a atualidade, principalmente em países em fase de desenvolvimento ou emergentes, já que esses indivíduos, ficavam, comumente, confinados em ambientes sub-humanos, em masmorras, com carências em matéria de alimentação, privados, do próprio sol, ar.
Ao longo dos tempos, novos problemas foram surgindo e consequentemente novas formas de punições do Estado foram sendo criadas, novos sistemas penitenciários foram se desenvolvendo, principalmente, procurou-se resguardar a dignidade da pessoa humana, evitando-se todos os tratamentos degradantes, como tortura, os castigos a que eram sujeitados os indivíduos que violassem as normas impostas.
Ocorre, que apesar de todas as mudanças pregadas pela história, a prática existente na atualidade demonstra que nem todas as coisas mudaram, ainda permanecem as condições degradantes daqueles que cometeram algum crime.
O sistema punitivo brasileiro ostenta que uma de suas principais finalidades é a ressocialização do indivíduo, contudo, constata-se que na conjuntura atual dos presídios brasileiros essa reabilitação é utópica, posto que se pensa num ideal, mas sem estratégias que permitam a ressocialização tão idealizada.
O escasso investimento do Estado é um fator determinante para o colapso do sistema penitenciário no Brasil. Os presídios foram se decompondo ao longo dos anos, e consequentemente a população carcerária foi se adoecendo. Isso se deve, em razão das condições precárias nas quais os egressos são submetidos.
A dura situação existente no sistema punitivo mostra-se incompatível com a Legislação Penal Brasileira, onde se vigoram tratamentos desumanos, que em nada se equiparam a um ambiente ressocializador, já que os detentos são alocados em espaços sub-humanos, com carências vultosas em nível de estrutura, higiene, ventilação.
Esses fatos têm desencadeado uma afluência de intercorrências no ambiente intramuros, como a transmissão de doenças e violência. Segundo Greco (2015, p. 229) “o ambiente promíscuo e superlotado do cárcere é propício a toda sorte de doenças contagiosas. Tuberculose, AIDS, doenças de pele, hepatite, enfim, o preso está sujeito a todo tipo de doenças que, fatalmente, debilitarão a sua saúde”. A conjuntura de todos esses aspectos permite tornar visível o colapso da justiça retribucionista brasileira. A cultura punitiva é, portanto, em sua essência, transgressora dos direitos humanos dos presos.
A maior mácula do sistema punitivista brasileiro é a superlotação carcerária. Cenário que explicita o declínio do sistema penitenciário dado que, o que está contido em lei não é empregado na prática, já que na teoria, o condenado deveria ter o direito a cela individual, conforme art. 88 da Lei de Execuções Penais:
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).
É evidente que para ocorrer a efetivação da reabilitação do indivíduo, esse precisa de um ambiente salutar, e não conviver em celas superlotadas com presos das mais altas periculosidades. Segundo Greco (2015, p. 228), “a superlotação dos presídios é o mais crônico dos problemas, já que amontoar pessoas em um ambiente hostil é suprimir a dignidade dessas”.
O aumento estratosférico de presos não foi acompanhado de investimento proporcional no sistema carcerário, a sua ruína advém precipuamente da inobservância do poder público em se fazer cumprir o que está contido em lei. Segundo Greco (2015, p. 226) “a deficiência do sistema carcerário nunca atraiu, a preocupação do Estado”. Não há sensibilização suficiente para provocar a mobilização eficaz face às condições de saúde deploráveis, os ambientes superlotados, a ausência de atividades laborais e educativas. As prisões inviabilizam a ressocialização dos seus detentos, já que o ambiente agressivo corrobora para a revolta desses indivíduos, e consequentemente para a futura prática de novos delitos, já que o contato com outros presos cria uma universidade do crime, e aperfeiçoamento do mesmo.
Os encarcerados no Brasil detêm de legislações, tanto nacionais quanto internacionais que garantem suas integridades físicas e morais, é perceptível a preocupação do legislador com a natureza humanitária do cumprimento da pena. Ocorre que, apesar de haver previsões que assegurem a dignidade do apenado, e que preveem a atenção aos direitos humanos dos presos, a realidade vigorada nas cadeias é díspare.
Ademais, ainda que o princípio da dignidade da pessoa humana, tenha sede constitucional, constata-se no contexto atual dos presídios brasileiros, uma maculação pelo próprio Estado a esse direito, aquele que deveria ser o maior responsável pela sua observância, acaba se transfigurando em seu maior infrator.
Os direitos dos presos são negligenciados pelo Estado. Pode ser observado com nitidez é que indivíduos que foram condenados ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade são afetados, diariamente, em sua dignidade, enfrentando problemas como superlotação carcerária como já exposto, espancamentos, ausência de programas de reabilitação, falta de cuidados médicos etc. Ou seja, percebe-se que a realidade caminha em via contrária aos ditames da lei, já que apesar de pregarem nos Art. 12. da LEP: "A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas." e Art. 14 "A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.", o que está visível é a falta de todos esses deveres do Estado.
É incontroverso que não é somente o Estado que não cumpre sua responsabilidade no que concerne à assistência na reinserção do condenado na esfera social. O que é perceptível é que a sociedade similarmente não está preparada para receber o indivíduo que passou pelo ambiente degradante da penitenciária.
A ressocialização do egresso, portanto, é uma tarefa quase que impossível, pois não existem programas governamentais para sua reinserção social, além do fato de a sociedade, hipocritamente, não perdoar aquele que já foi condenado por ter praticado uma infração penal. O corpo social se mantém inerte diante da situação degradante dos presos, posto que concebem uma opinião contrassensa de que os indivíduos que estão encarcerados merecem passar por situações ultrajantes, violentas, para compensar o mal, e o sofrimento que causaram a outrem.
Nota-se um assentimento generalizado na sociedade de que os egressos devem padecer dos males do Sistema, para que não regressem ao cometimento de novas transgressões. Ocorre que, no país o alto índice de reincidência dos criminosos originários do sistema penitenciário, tem salientado o contrário.
Apesar de não ser possível quantificar um número oficial, prevê-se que boa parte dos encarcerados retornam ao seio da sociedade dando continuidade a sua conduta delitiva, e, desta feita, acabam por voltar à prisão. Isso, aumenta substancialmente por efeito do caos do sistema, já que funciona como um ciclo, já que o indivíduo que cumpre sua pena, ao sair da cela, sente-se como um problema social. Ao encarar a sociedade, dá-se de encontro ao preconceito, ao estigma social, a falta de oportunidade, e por corolário, por efeito de ser marginalizado no meio social, retorna ao cometimento de novos crimes.
Logo, é evidente que o alto índice de reincidência é uma sequela da má administração dos presídios, e as precárias condições a que o condenado foi sujeitado.
O sistema retributivo é visto como um patrocinador da desumanidade, já que promove o segregacionismo, cerceando a liberdade de indivíduos que já se encontram em um ambiente marginalizado. Observa-se que há um etiquetamento, já que a organização do sistema penal fomenta a seletividade e discriminação quando atua encarcerando apenas determinados segmentos sociais. Para Zaffaroni (2001, p. 27), “o sistema penal está estruturalmente montado para que a legalidade processual não opere e, sim, para que exerça seu poder com altíssimo grau de arbitrariedade seletiva dirigida, naturalmente, aos setores vulneráveis”. A cultura punitiva propicia a intensificação do desequilíbrio social, sendo que a mão carrasca do Estado só tem funcionalidade quando aplicada as camadas inferiores.
Importante mencionar ainda um outro fator que impede a reeducação dos detentos, que é o despreparo dos funcionários que exercem suas funções no sistema prisional. O que se observa é uma cadeia de corrupção, que alimenta o crime no sistema prisional brasileiro. Os funcionários que deveriam zelar pelo ambiente são os principais corruptores, já que se aproveitam da sua situação de superioridade para conseguirem obter vantagens sob os presos. Para Greco (2015, p. 230), “O ingresso de drogas, armas, a venda de lugares privilegiados, o acesso a telefones celulares e, até mesmo, a saída indevida de presos fazem parte desse despreparo dos funcionários”.
De tudo o que foi exposto, pode-se observar que o sistema prisional está em crise, já que não consegue cumprir com o propósito para os quais foi criado, este resulta em um modelo antigo falido e ofensivo à dignidade da pessoa humana. Figura-se num modelo intimamente ligado com a ideia de vingança, herança da Lei de Talião. Concordante está a compreensão de Howard Zehr, que defende que o processo criminal contempla principalmente o estabelecimento de culpa (2014, p. 63). Essa visão superficial de culpa não permite que haja a consideração de outros pontos essenciais, como o contexto social, psicológico e econômico do indivíduo.
Após o estabelecimento da culpa, espera-se que o ofensor possa ter o castigo equânime ao mal causado. Segundo Zehr (2014, p. 72) a culpa e a consequente punição são o cerne do sistema punitivo.
Assim, entende-se que a Justiça retributiva mostra-se pouco efetiva no seu papel de pacificação e controle social. O viés ressocializador não se vislumbra tornando possível assistir a falha do sistema penal hodierno, dado que o sujeito ativo do crime, ao ser submetido a uma pena encarceradora de sua liberdade é impelido a um regime de dessocialização que o torna tendente ao cometimento de outras transgressões.
Com todas essas deficiências escancaradas, surge a necessidade da elaboração de uma nova estratégia para a justiça criminal. A justiça restaurativa surge como um modelo capaz de trazer uma maior humanização a justiça atual, e, principalmente, volver a focalização na vítima, que é vista como mero elemento de prova na cultura punitiva, sem contudo deixar de lado a figura do preso, já que é essencial que seja dado a esses condições dignas nas cadeias, já que em algum momento, estarão de volta à sociedade, e é essencial que haja a minimização do estigma carcerário, valorizando o ser humano que, embora tenha errado, continua a pertencer ao corpo social.
A Justiça Restaurativa se denota como um agrupamento de práticas de tratamento adequado de conflitos, que com uso de técnicas sensíveis e criativas buscam o empoderamento da vítima e a responsabilização do ofensor, sem deixar de lado sua dignidade, o que é inobservado na cultura punitiva.
A abordagem da Justiça Restaurativa está na restauração do dano e da reconstrução das relações entre os indivíduos. Anseia assistir e satisfazer de modo eficaz as necessidades daquela que mais sofreu os danos, a vítima, dando-lhe voz ativa, e consequentemente, oportunizando-lhe o empoderamento que é perdido quando há a agressão, seja física ou psicológica. Também, procura reabilitar o agressor, convocando-lhe a atuar no processo de reparo as lesões causadas. As práticas restaurativas, portanto, destinam-se a produzir um processo produtivo e reintegratório, onde todos se envolvem ativamente, almejando a satisfação e resolução das questões oriundas desse conflito (PRUDENTE, 2011).
A justiça restaurativa não foca no delito, e sim na resolução do conflito, permitindo uma maior atenção a vítima e a reabilitação do agressor, busca-se confrontar o criminoso com a vítima, ofertando a essa figura a experiência moral de tomar contato real com o mal, sofrimento que este causou a sua vítima, já que ao está cara a cara ao mal causado, e as sequelas dessa agressão, a viabilidade de vir a refletir é muito maior e mais efetiva, do que ser impelido a um sistema carcerário que cerceia sua liberdade, sem, contudo, apresentar a reabilitação tão utópica (CUNHA; LARA, 2015).
A Justiça Retributiva caminha em via contrária às práticas Restaurativas, dado que visa somente a punição do transgressor, deixando de lado, portanto, a sua ressocialização e, portanto, sua reeducação, voltando a reincidir, já que não tem contato com o sofrimento causado.
Zehr (2008), acentua as alteridades entre os preceitos tocantes à Justiça Restaurativa e à Retributiva. Ao que concerne à Retributiva, seus princípios estão fundamentados na punição do agente. O paradigma clássico de justiça criminal possui como resposta ao delito a pretensão punitivista do Estado, ao justo e necessário castigo, cujo objetivo é a aplicação das penas com efeito preventivo ao culpado pelo delito. Contudo, a falta de legitimidade do sistema penal, a desumanidade, e a carência de infraestrutura dos estabelecimentos prisionais, impulsionaram à expansão da justiça restaurativa, os valores da Justiça Restaurativa se instituem na compreensão realística de crime, ou seja, ao ato que viola a integridade da vítima, ocasionando-lhe danos, predominando os interesses das pessoas envoltas e da comunidade. Na justiça restaurativa todos os sujeitos se envolvem ativamente da construção da prestação jurisdicional e a restauração da situação se mostra possível a partir da construção coletiva.
O fito desse modelo é permear e converter o sistema de justiça criminal de forma gradativa, conduzindo-se como um modo complementário, acossando metas e propósitos mais exigentes, servindo de bases flexíveis e informais e contando com baixos custos sociais.
A justiça restaurativa pretende volver a focalização nas partes envolvidas no conflito, tencionando minimizar os resultados negativos da agressão provocada. Enquanto o modelo retribucionista tem como raiz fundante apenas a retribuição do mal causado, por meio das sanções penais, sem primar pelos interesses da vítima, o infrator e a comunidade. O modelo atual traz friamente a punição do infrator, sem se restringir apenas à fixação da pena privativa de liberdade, mas, principalmente, aos efeitos que decorrem dessa punição. O poder punitivo do Estado é executado sem questionamento algum, visa somente que o desviante seja alocado dentro do sistema carcerário com a finalidade de, popularmente, “pagar pelo o que cometeu” (ZEHR, 2012).
Segundo entendimento de Zehr acerca da Justiça Retributiva (2012, p. 24 e 27), “o crime é definido como ato cometido contra o Estado, e por isso o Estado toma o lugar da vítima no processo”. Desse modo, a justiça restaurativa atua com o propósito de resguardar os direitos da vítima que teve sua confiança vilipendiada. Não obstante, o autor especifica em sua obra “Trocando as Lentes” que, na Justiça Restaurativa “O crime é uma violação de pessoas e relacionamentos. Ele cria a obrigação de corrigir os erros” (2008, p. 9). O autor aduz ainda que na justiça restaurativa ocorrerá o envolvimento da vítima, do indivíduo agressor e da sociedade na procura por soluções que suscitem a segurança, reconciliação e reparação.
A cura que a justiça restaurativa pode propiciar a vítima não é a de esquecer e minimizar a violação que lhe foi imputada, mas sim a sua recuperação, a prática restaurativa vai lhe oportunizar fechar aquele ciclo da agressão, e principalmente vai lhe resguardar a sua atuação de empoderamento. Também visualiza a figura do agressor como um sujeito de direitos que deve ser responsabilizado, contudo, sem ter sua humanidade violada, como acontece no sistema carcerário, que ao imputar a responsabilização ao indivíduo, o constrange a um ambiente sub-humano, interferindo na sua reabilitação, já que ninguém pode ter a capacidade de se regenerar quando tem sua dignidade infringida (ZEHR, 2012).
Outra grande diferença entre os dois modelos é ao que concerne ao procedimento. Enquanto a Justiça Restaurativa objetiva trazer as partes ao ponto central do processo, o modelo tradicional trabalha com a crescente solenidade e o afastamento das partes, principalmente da vítima. Ademais, a Justiça Restaurativa pretende a redemocratização do procedimento e o compartilhamento do poder decisório, já que as partes por meio do diálogo, e de técnicas sensíveis e eficazes, podem decidir acerca da resolução do conflito, o que gera uma redução de danos e uma maior efetividade jurisdicional.
Parafraseando Zehr (2012), um grande estudioso da justiça restaurativa, o modelo esforça-se pela responsabilização através da reparação, envolvendo ativa e responsavelmente na busca negociada de uma solução válida, de maneira que o agressor assuma a realidade do dano causado, estendendo assim o quantitativo de conflitos resolvidos, além de restabelecer a coexistência social.
Analisa-se que o modelo restaurativo aspira trazer a responsabilização do agressor, e oportunizar a vítima, debater o impacto do delito, e como esse pode ser dirimido, uma vez que, a marca das práticas restaurativas é a escuta das partes, assim o diálogo detém de um poder transformador, que vai promover a resolução eficaz daquele conflito, já que se preocupa com a restauração da situação e não exclusivamente com a punição do agressor.
A punição do delito nem sempre equivalerá a um desenlace adequado e satisfatório ao caso concreto, por isso mesmo, a justiça restaurativa trabalha com a resolução eficaz às partes, sem deixar de lado suas necessidades e os danos que foram causados, principalmente resguardar as vontades daquela que é mais afetada pelo delito, a vítima (ROBALO, 2012).
Meritório acentuar que mesmo sugerindo uma nova ótica na forma de enxergar o sistema penal, a justiça restaurativa não anseia apagar ou promover o abolicionismo do sistema tradicional hodierno, longe disso, “planeja tornar visível novas formas de se resolver os conflitos, concebendo um vínculo jurídico infindável entre a satisfação racional do sentimento de justiça e as garantias de cidadania democrática” (PALLAMOLLA, 2009, p. 73), substanciando as garantias processuais penais e harmonizando o processo, para que este possa se aproximar dos atingidos pelo delito. Contudo, aplicando a Justiça Restaurativa no Estado Democrático de Direito, é exercida a cidadania através da realização dos direitos humanos, e a disponibilização de um espaço liberal democrático, conquistando a abordagem das relações sociais incluídas em conflitos de maneira pacífica (COSTA; COLET, 2011).
2. A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO ESTRATÉGIA DE FORTALECIMENTO DA CULTURA DE PAZ
É cada vez mais comum a inserção de métodos e técnicas de tratamento adequado de conflitos no Poder Judiciário. É notório que o judiciário, encontra-se abarrotado de demandas e que, efetivamente, não logra êxito em resolver com celeridade todas as dissensões que são trazidas ao seu conhecimento. Essas técnicas e métodos revelam estratégias humanizadas de lidar com os conflitos e por consequência colaboram com a diminuição das diversas ações judiciais em andamento e evitando novas demandas, embora não seja essa a sua finalidade primeira. Além disso, ainda, essas estratégias respondem de modo mais satisfatório as necessidades das partes oriundas do conflito.
Visando justamente trazer a sensibilidade no trato dos conflitos, e priorizar a democracia participativa, trazendo as partes ao centro do processo, a justiça restaurativa foi trazida e introduzida formalmente no Brasil pelo Ministério da Justiça, através da Secretária da Reforma do Judiciário, e se expandiu pelo país, buscando reconstruir a noção de crime, e pacificar a sociedade, por meio do diálogo, e de outras técnicas estruturadas e criativas que permitem dirimir os conflitos, e provocar a reflexão.
Para a Justiça Restaurativa, o crime não é apenas uma violação aos interesses do Estado, mas principalmente, ele é uma transgressão aos direitos das partes envolvidas no conflito, portanto, é um fato gerador de danos a toda a coletividade. Howard Zehr, um dos pioneiros da justiça restaurativa, retrata o crime na perspectiva restaurativa como sendo uma violação de pessoas e relacionamentos (2008, p. 171) para ele a infração possui um contexto mais vasto, e que em função disso é necessário adentrar nas origens do delito, conceder uma abordagem mais democrática com relação aos envolvidos e não manter uma observação apenas de causa e efeito como defendido no sistema penal.
Mas antes de analisar a fundo esse modelo secundário, com todas as suas particularidades, é necessário compreender um pouco acerca da evolução desse, sua origem, e o papel das civilizações antigas para a sua moldura.
Como mencionado, a justiça restaurativa é um processo novo no Brasil, contudo, antigo em outros lugares do mundo. Essa é fruto de um processo existente nas mais antigas comunidades tribais, já que os seus integrantes se ordenavam em círculos com o fito de conversarem sobre os conflitos e assim dirimi-los. Ademais, a prática também era habitual nas famílias mais antigas, na qual se sentavam ao redor da mesa para abordar sobre as discórdias. Essa prática milenar alcançava por meio do diálogo a resolução dos conflitos, já que propiciava o respeito e a reflexão acerca das suas condutas.
Portanto, segundo Andrade (2012, p. 333), a justiça restaurativa é primitiva e se remonta
há aos códigos de Hamurabi, Ur- Nammu e Lipit- Ishtar há aproximadamente dois mil anos antes de Cristo.
O termo “Justiça Restaurativa “ surgiu em 1950, pelo pesquisador e psicólogo Albert Eglash, que trabalhava com detentos e procurava mostrar aos mesmos como o comportamento delitivo era prejudicial às vítimas e quais atitudes deveriam tomar para amenizar os danos causados. (ANDRADE, 2012, p. 334). Contudo, o modelo restaurativo foi desenvolvido, e foi efetivamente colocado em prática de forma mais técnica em 1970, quando foi desenvolvida pela Nova Zelândia, inclusive considera-se o local como primeiro país a se valer das práticas restaurativas, e basear-se nos mecanismos de solução de litígios dos aborígines maoris.
Em razão do crescimento de crimes e da delinquência juvenil, a Nova Zelândia sentiu a necessidade da criação de encontros familiares para dialogarem acerca da situação existente no país. Foram realizadas conferências restaurativas com fito de diminuir a criminalidade, a partir daí, outros países passaram a utilizar a justiça restaurativa como instrumento de diminuição da criminalidade, prática de restauração de indivíduos e propagação de paz.
Quase que simultaneamente à Nova Zelândia, o Canadá em 1974 na cidade de Kitcher, passou a utilizar do método restaurativo mesmo que sem usar de uma metodologia definida em relação ao modelo, inspiravam-se nas culturas indígenas, fazendo um círculo onde discutiam os motivos que ensejaram o conflito, e as formas de resolverem esse, de modo que as partes envolvidas teriam suas necessidades atendidas. O país possibilitou, e incentivou de forma significativa a reconciliação entre vítima e criminoso. A partir daí outros países passaram a utilizar da prática restaurativa como forma de dirimir os conflitos existentes na época, como é o caso da Alemanha, Itália, e outros.
Quanto a forma de difusão da justiça restaurativa na França, percebe-se uma disparidade, ao que concerne a comparação com outros países. Na década de 80, muitos operadores do direito, passaram a incentivar a constituição de programas cujo nome era “ justiça de proximidade”, em que adotava a mediação penal como forma de diminuir os conflitos, reparar os danos, e pacificar vítima e agressor, em regiões tidas como problemáticas.
A Justiça Restaurativa chegou oficialmente no Brasil em 2005, por iniciativa da antiga Secretária de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, de um modo ainda institucionalizada. Nesse período foram implementados três projetos-piloto, no Núcleo Bandeirante (DF), em São Caetano do Sul (SP) e Porto Alegre (RS). Desde então, difundiu por outros estados, mormente ao que se referia aos crimes de menor potencial ofensivo.
No Distrito Federal, o programa foi implementado no Juizado Especial Criminal, consistindo em viabilizar a resolução dos conflitos, sobretudo sendo aplicada nos crimes de menor potencial ofensivo, além da violência doméstica. Em São Paulo, foi inserido na Vara da Infância e Juventude da Comarca de São Caetano do Sul, colaborando para prevenir e elucidar os conflitos. No tocante ao estado do Rio Grande do Sul, a inserção da justiça restaurativa se deu na 3ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre com o fito de reabilitar jovens que por alguma razão se inseriram no mundo do crime, por intermédio de medidas socioeducativas.
Apesar de ter chegado ao Brasil com o objetivo de ser empregado há alguns tipos de crime, a justiça restaurativa apresentou resultados tão satisfatórios que passou a ser aplicada também em crimes graves. Para muitos estudiosos, não há nenhum crime que não possa ser objeto do olhar do processo restaurativo, ainda que seja o mais grave. Isso se deve em função da justiça restaurativa buscar a reconstrução das ligações sociais rompidas em consequência do delito, já que como já falado ao longo do artigo, a importância dela está justamente no fato de que essa nasce como um instrumento de promoção da paz social e de respeito à dignidade da pessoa humana. Ademais, a justiça restaurativa promove a mudança de percepção da sociedade defronte ao delito, propende modificar a forma como os indivíduos lidam com o crime, com a finalidade de que seja um modo de inserção e capacitação das partes.
A adoção de meios de resolução de conflitos consubstancia uma notável via para a oferta de novas soluções e um acesso mais democrático à justiça, gerando assim, um considerável fortalecimento do tecido social. A justiça restaurativa, estampa a aplicação prática desse modelo, já que anseia a pacificação social, e se propõe a substituição da cultura da violência pela cultura de paz. Portanto, apresenta-se como uma possível via sensível para humanizar a justiça, e vem ganhando destaque em diversos países do mundo, bem como, no próprio Brasil, já que proporciona deslindar o litígio por meio do encontro entre os envolvidos.
Como já falado ao longo da pesquisa, o modo de aplicabilidade da legislação penal não vem proporcionando resultados satisfatórios. O Sistema é falho, insuficiente e precário, principalmente ao que concerne a ressocialização daquele que cometeu algum crime. Assente nisso, muitos estudiosos passaram a buscar métodos secundários ao sistema tradicional. Daí a justiça Restaurativa, que traz princípios diversos do da justiça criminal tradicional e se mostra como a primeira resposta eficaz a ao delito cometido.
Zehr (2012, p. 15) explica que a Justiça Restaurativa “é um conjunto de princípios, uma filosofia, uma série alternativa de perguntas paradigmáticas. Oferece uma estrutura alternativa para pensar as ofensas”.
A Justiça Restaurativa alvitra modificar radicalmente o sistema punitivo, já que aspira a renovação dos valores do direito penal e, consequentemente, almeja ocasionar uma mudança na mentalidade da sociedade, decompondo o entendimento de que somente a pena tem o condão de “punir” o sujeito pelo erro cometido.
A punibilidade, portanto, segundo o modelo restaurativo, deve obedecer a legalidade e não violar os direitos humanos, como vem acontecendo no sistema penal.
De acordo com Prudente (2011), a Justiça Restaurativa simboliza uma possibilidade, de oferecer uma resposta ao delito e assistir, de forma completa, os ofensores, as vítimas e o corpo social para a implantação de uma legítima cultura de paz.
O delito não corresponde ao objeto funcional da justiça restaurativa, aqui, trata-se dos conflitos decorrentes do delito. A essência da Justiça Restaurativa não é a de volver a focalização unicamente na ocorrência do delito, propõe-se por meio do modelo, trazer os que foram vítimas do crime ao ponto central do processo, dando-lhes vozes ativas, para que por meio do diálogo possam chegar juntos a um resultado mais satisfatório para o caso (GOMES, 2013).
As práticas restaurativas se desvelam como uma importante e necessária viabilidade de recuperação do sistema punitivo brasileiro. Isso dado encontra-se nesse método de resolução de conflitos uma efetiva busca para atender as necessidades de todos os integrantes do conflito. Muda-se a figura de um Estado estritamente punitivista para a de um que se dispõe por meio de técnicas criativas de alternativas eficazes para integrar e reconstruir as partes que estão envolvidas no delito.
A alteração da abordagem da justiça retributiva é primordial para a consecução de resultados mais satisfatórios e a Justiça Restaurativa se manifesta como um paradigma consentâneo e efetivo de resolução dos conflitos, na atualidade, já que anseia a paz no trato com as partes, seja na responsabilização do agressor, seja na restauração da vida da vítima. Já que como falado ao longo da pesquisa, o cerne da justiça restaurativa é recuperar o ofensor mediante o contato com a vítima, incitando esse a se retratar pelo dano causado. Nesse modelo se insculpiu o mais poderoso princípio de conversão do ser humano, já que dá a ele a oportunidade de pensar sobre suas atitudes e as consequências que essas poderão gerar a ele e a outrem. Em contrapartida, a vítima também tem a oportunidade de mostrar o sofrimento que lhe foi provocado e como esse mal poderá ser reparado.
Portanto, a intenção da justiça restaurativa é despertar nas partes a restauração e a harmonia, propondo por meio do diálogo a paz social.
A justiça restaurativa traz em seu bojo algumas formas de sua aplicação, as quais são escolhidas mediante a observação do caso e sua real necessidade. As três que merecem destaque são: reuniões ou círculos restaurativos, os tratados de paz ou grupos de sentença e a mediação vítima-ofensor.
Nos círculos restaurativos há o encontro da comunidade, que pode ser composta por familiares ou integrantes do grupo comunitário, juntamente com as partes envolvidas diretamente no conflito que é a vítima e o agressor/ofensor, com o escopo de promover uma facilidade a vítima no momento de refletir e buscar as respostas aos questionamentos acerca do delito, a percepção do ofensor quanto ao dano que provocou e similarmente a propiciar a adesão dos envolvidos direta e indiretamente no conflito.
Já os tratados de paz ou grupos de sentença, serão acordados os planos de sentença que forem oportunos ao caso concreto, que gerenciem apropriadamente os transtornos e as demandas dos afetados, provocando uma responsabilidade compartilhada que consiga alcançar resultados e edificar um ambiente pacífico e comunitário.
Quanto ao último método, há um encontro, entre a vítima e ofensor em um ambiente que forneça segurança as partes, na presença de um facilitador, com o intento de propor aos envolvidos a elaboração de um plano de ação que possa promover a resolução e abordagem do conflito.
Em que pese a disparidade de manifestações e a mistura de características de cada uma das formas, três condições básicas e inerentes necessitam estar presentes e perfeitamente identificadas em toda e qualquer forma de procedimento restaurativo: o reconhecimento do mal cometido, a necessidade de promover a equidade, e a reflexão sobre as intenções futuras (Zerh, 2012, p. 56).
O que se observa é que num cenário onde o sistema penal escancara sua deficiência crônica, a Justiça Restaurativa devolve a comunidade e principalmente as partes a paz social, quando promove a busca pela resolução do conflito por meio humano e equilibrado.
Esse modelo de solução de conflitos situa a aplicação da justiça em moldes mais democráticos, colocando as partes ao centro, para que juntos possam pensar em maneiras de elucidar os danos que foram gerados aos envolvidos e também a comunidade, já que como já falado é entregue aos envolvidos a solução do conflito, ou seja, é dado a esses autonomia para que possam decidir sobre suas próprias vidas, o que consequentemente gera mais efetividade na reparação dos danos, haja vista que o ideal é que o agente agressor empreenda algo em favor da vítima e da sociedade, e não meramente cumpra sua pena no falho sistema carcerário.
A Justiça Restaurativa, como qualquer outro instituto traz em seu bojo um conjunto de princípios, que pretendem fazer com que a finalidade restaurativa possa se concretizar. Dentre elas, tem-se: Princípio da voluntariedade, consensualidade, confidencialidade, celeridade, urbanidade, adaptabilidade, imparcialidade.
A voluntariedade promove no procedimento restaurativo o protagonismo das partes, há a participação ativa dos envolvidos, onde os mesmos se colocam na postura de resolverem o conflito, por meio de soluções justas, equânimes, que atendam às necessidades da vítima, do agressor e também da comunidade. Para isso, os facilitadores quando apresentam a possibilidade restaurativa, precisam explicar todos os pontos presentes no procedimento, para que possam ter plena consciência do papel que irão desempenhar no encontro, e os efeitos que surgirão a partir do diálogo.
Quanto ao princípio da consensualidade, pode se dizer que esse é consequência do da voluntariedade, já que ele denota que as partes devem conhecer o processo restaurativo, o fato criminoso e o processo de desdobramento para a solução do mesmo, para que ambas se sintam satisfeitas. A Justiça Restaurativa busca promover um acordo com condições salutares a todos os envolvidos, para que haja a prevalência da reparação da vítima, e a reabilitação do agressor, evitando por consequência os efeitos do crime.
O processo restaurativo possui como ponto principal o seu caráter informar, desta feita o princípio da confidencialidade é basilar, e é resguardado em todo o procedimento, para que os envolvidos possam ter a segurança de que tudo o que for discutido durante os encontros possam ficar em sigilo, logo, os depoimentos que forem prestados não poderão ser reduzidos a termo, ou quaisquer outras informações não poderão ser divulgadas.
Quanto ao princípio da celeridade, é uma outra característica presente na justiça restaurativa, já que as próprias partes irão buscar formas de resolução dos conflitos, assim, o poder judiciário não participará de forma ativa, assim a consequência será a de desafogar a máquina judiciária.
O princípio da Urbanidade leva-se em conta a necessidade de as partes cumprirem determinadas regras durante o processo restaurativo, ou seja, exige-se a obediência para que haja a harmonia entre os envolvidos e facilitadores.
A Adaptabilidade, traz a ideia de que a justiça restaurativa procura adaptar cada caso concreto ao melhor procedimento, conforme suas necessidades, esse, portanto, é um dos principais diferenciais desse modelo. Busca respeitar as particularidades que cada caso apresenta, para que possa haver a efetivação da justiça e a restauração. Para Bianchini (2012, p. 132), esse princípio engloba, até mesmo, a forma de aplicação, que poderá se dar pela mediação, reunião de círculos, e a conciliação. Assevera que a “forma de aplicação não é um fim em si mesmo, mas apenas um instrumento para realizar as ações que alcancem a restauração”.
O princípio da adaptabilidade é um efeito da celeridade, já que ambas procuram trazer a informalidade como modo de direcionar o modelo restaurativo e, como resultado ressair o protagonismo das partes envolvidas para a resolução do conflito.
Já o princípio da imparcialidade é basilar a justiça restaurativa, já que é dever do facilitador equilibrar as partes no conflito, sem demonstrar preferência. É papel dele garantir a aplicação do processo restaurativo de forma justa.
O Facilitador é o encarregado pelo gerenciamento dos trabalhos, pode ele intervir e propor ações que achar importantes durante o procedimento, contudo, não pode decidir nada, já que há a prevalência do empoderamento na prática restaurativa, de modo que as partes devem decidir pela solução mais justa.
Portanto, entende-se que a justiça restaurativa conduz as partes para que essas possam solucionar o conflito, sem a intervenção direta do Estado, há uma contribuição significativa para a chamada Cultura de Paz, já que permite solucionar os conflitos, remediando as máculas do passado, e recuperando os indivíduos para que não voltem a reincidir.
3. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: EPIDEMIA GLOBAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO INSTRUMENTO EFICAZ DE EMPODERAMENTO A VÍTIMA
A violência doméstica e familiar contra mulheres representa uma das cruciais formas de transgressão dos direitos humanos, já que gera danos físicos, psíquicos incalculáveis a vítima. É qualquer ação ou omissão fundada no gênero que lhe acarrete sofrimento físico, sexual, psicológico, morte, lesão, ou qualquer outro dano moral ou patrimonial, consoante o artigo 5º da Lei nº 11.340/2006.
Ao longo de séculos, a mulher era tida como propriedade dos homens. Isso decorria justamente do fato de nascer mulher e ser abalizada como frágil comparada ao sexo masculino. A mulher era reiteradamente discriminada e vítima das mais profanas violências, físicas, morais, psicológicas, contudo, mesmo com o passar dos tempos, a mulher ainda é subjugada, e tem seus direitos violados.
Embora a violência doméstica seja tratada como sendo de esfera pública, ao longo de muitos anos ela foi vista como sendo exclusivamente de esfera privada, já que tinham a concepção de que se tratava de um assunto de cunho doméstico, privado, assim o Estado não detinha o interesse de intervir, nascendo ainda mais impunidade aos agressores, as concepções paternalistas, e a dominação do homem em face da mulher se perpetuava.
Somente nos anos 70, que a luta feminina fora particularmente exitosa, conseguindo dar publicidade à existência do problema da violência doméstica, tal como empreender uma politização sobre o que ocorria no ambiente doméstico. A partir daí as mulheres passaram a ser mais protegidas pelo Estado, contudo, muito ainda se precisava para as mulheres serem mais resguardadas, e terem seus direitos amparados.
Em razão da extrema necessidade de uma legislação mais rígida com relação à violência doméstica, foi criada a Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, que foi implementada para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, além de dirimir a sensação de impunidade aos agressores.
É indiscutível que a Lei Maria da Penha detém de um papel basilar no combate à violência doméstica contra as mulheres, é valorosa dado que trouxe reverberação e visibilidade a um tema que foi negligenciado, silenciado por muito tempo, que foi visto com naturalidade por todos os setores da sociedade, inclusive pelo próprio Estado, e sem falar que foi um marco na luta de direito das mulheres, significando, inclusive, uma vitória dos movimentos feministas. No entanto, o ponto cerne da discussão é se o uso do sistema penal se manifesta como instrumento eficaz na busca por mudanças do comportamento social, bem como se esse traz o empoderamento feminino, ou se é mais um mecanismo para vitimizá-la e silenciá-la. Para muitos autores, apesar do caráter protetivo da lei em detrimento do caráter repressivista, subsiste na sociedade, um costume punitivista intrínseco, em que todas as expectativas são depositadas no direito penal.
A reclusão por si só, não se configura, necessariamente na melhor solução relativa a tal tipo de conflito, dado que, a pena não é instrumento hábil para restaurar a vítima que sofreu a agressão. É evidente que a violência doméstica precisa ser punida, até porque as agressões violam os direitos das mulheres, suprimem sua dignidade, contudo o sistema penal não corresponde às expectativas da vítima e da sociedade.
É necessário que tenha como prerrogativa desse tipo de crime a restauração do bem estar emocional das partes envolvidas, nesse âmbito a justiça restaurativa manifesta-se como um instituto habilitado a compreender os pontos que vão muito além da punição do agressor, aspirando tanto a recuperação da vítima, quanto a restauração da vida do agressor, possibilitando a esse refletir e compreender seu erro e as sequelas que decorreram deste, evitando, assim, a reincidência e reduzindo, consequentemente, os índices de violência doméstica.
É evidente a ineficiência do sistema penal, principalmente concernente a ressocialização dos indivíduos transgressores, ocorre que essa deficiência se estende também ao que tange aos crimes de violência doméstica, visto que, promove a duplicabilidade da violência, já que além da violência sofrida pela mulher dentro do ambiente doméstico, torna também vítima institucional do sistema.
A particularidade dos crimes de violência doméstica provém das relações interpessoais inerentes a estes. O agressor não corresponde a um agente extrínseco e desconhecido, ao contrário, se perfaz em pessoa que frequente sua casa, é um indivíduo que tenha um convívio íntimo, que mantém vínculo afetivo, material, psicológico, ou seja, precisa estar presente a relação de afetividade entre vítima e ofensor para nascer a violência doméstica (DE JESUS, 2015, p. 10). Para Cláudia Cruz Santos (2014, p. 727) a condição da violência doméstica assenta diretamente na existência de uma relação doméstica, familiar ou afetiva entre as partes, em que haja além disso, uma relação de poder e submissão.
Por ser um problema de grande complexidade, nasce a necessidade de a justiça ter um olhar mais atento e humano a essas questões e, principalmente, à vítima, as respostas punitivas atuais, não têm se apresentado efetivas para a redução da violência ou da sensação de insegurança. Esse viés possibilita trazer a justiça restaurativa como via adequada e assertiva de tutela penal, já que o modelo propõe que o dano causado à vítima deve ser reparado, e defende assegurar os direitos e interesses da mulher vítima do delito.
É necessário ressaltar que a violência doméstica circunda pontos cuidadosos como os aspectos psicológicos, comportamentais tal como a persistência de um vínculo entre as partes envolvidas, em razão dessa complexidade há a necessidade de medidas diferenciadas que possam resolver esse conflito, dirimir os danos causados a vítima, a minimização dos traumas e a exposição dos mesmos, já que como exposto o sistema penal hodierno é incapaz de devolver a vítima sua dignidade, segurança, autoestima, tal como de dar a essa a esperança de que o agressor possa refletir e corrigir seus atos.
O grande valor da justiça restaurativa sustenta-se no fato de que essa procura trazer o protagonismo daqueles que estão envolvidos no conflito, por meio do diálogo, do respeito, e além disso, aposta na transformação positiva do autor da conduta, já que instiga a esse refletir os seus atos, e os danos que esse provocou a outrem.
Segundo Pallamolla (2009), uma das concepções que norteiam a Justiça Restaurativa é a não dominação, que compreende que o dever do procedimento restaurativo é reduzir as desigualdades sociais, e minimizar as diferenças, no momento do encontro entre as partes atingidas pelo conflito penal. Nessa perspectiva, percebe-se que o cerne das práticas restaurativas é justamente trazer a igualdades entre os sexos, o que anda em falta na atual conjuntura do sistema penal, já que a vítima acaba por perder o seu papel de destaque no conflito penal.
Ao que diz respeito ao benefício que o procedimento é capaz de proporcionar a figura da vítima, seu valor está no fato de que essa terá sua importância reconhecida, já que é sabido que na disposição do processo na atualidade, a vítima é praticamente esquecida. A partir do momento em que a vítima sofre a violação dos seus direitos, o Estado passa a assumir e responder em seu nome, e se mostra titular da ação penal, isto posto, a vítima é inserta em papel secundário e consequentemente os danos que lhe foram provocados também ocuparão lugar periférico. Isso ocorre por não ser dado espaço para a atuação da vítima dentro do processo.
A vítima, portanto, assume o papel de protagonista, ganha voz, pode mostrar o seu sentimento, sua dor, ser ouvida de fato, e não ser um mero elemento de prova, como é o caso do sistema penal. A importância da participação das mulheres vítimas no método está no seu poder de fala, de expor sua dor, para que possa até mesmo perceber que não foi responsável pela agressão. A Justiça Restaurativa tem um papel basilar nesses tipos de conflitos, já que não promove e não reforça a culpabilização da mulher, também atenua a sua vitimização, já que evita que a mulher passe por mais constrangimento, medo e humilhação, uma vez que é acolhida e compreendida sua experiência de forma particular.
Essas conjunturas evidenciam que o sistema penal hodierno, ao procurar esforçar-se por defender o interesse da vítima, suprime a sua própria vontade, e silencia sua voz, não atentando quanto às suas reais necessidades e os seus sentimentos.
Devido às falhas da justiça criminal tradicional, as práticas restaurativas trabalham para trazer a vítima ao centro do processo, conferindo a essa voz ativa, participativa, com o propósito de resguardar seus direitos e atender as suas necessidades.
A justiça restaurativa, portanto, pretende amparar de forma significativa a vítima e auxiliar em sua recuperação física e psicológica. É válido acentuar que às práticas restaurativas não objetivam construir relações entre vítimas e seus algozes, mas tão somente, conceber a resolução do conflito, e a reparação do mesmo, por meio da conversação, e do encontro entre os envolvidos, uma vez que ao figurarem diante um do outro haverá maior possibilidade da vítima expressar o sofrimento que lhe foi causado e o agressor por sua vez perceber a consequência do seu ato. (ZEHR, 2012).
Facilitar o contato entre as partes que estão envolvidas no conflito se mostra vital para a restauração do delito. É imprescindível que a sociedade deixe de lado a crença de que o cerceamento da liberdade daqueles que transgrediram a lei é a única medida viável para a resolução dos conflitos.
Arredar a liberdade do ofensor por um lapso temporal, sem oportunizá-lo a viabilidade de refletir sobre o mal causado, e sem assegurar a esse um ambiente salutar, não vai contribuir para a sua reeducação, e é essa reflexão que a justiça restaurativa aspira instigar nas pessoas.
A Justiça Restaurativa incentiva a responsabilização consciente, diferente do que é encontrado no sistema penal, que utiliza a pena para repreender a conduta criminosa do agressor, sem, contudo, estimular o agressor a visualizar o impacto dos seus atos, e os danos que ele causou em sua vítima.
Tal instituto não busca apenas entregar uma resposta ao crime cometido, mas sobretudo analisar o fato, ver o lado das partes envolvidas, e o que se encontra por trás do conflito. Somente a reclusão como resposta à violência doméstica pode vir a acentuar o conflito, já que promove o sentimento de vingança, tão presente no sistema penal que é retribucionista, o que acarreta a extensão da instabilidade dentro do ambiente doméstico que já está tão cercado de conflitos.
A Justiça Restaurativa se mostra, assim, como um instituto com uma ótica diferenciada ao que concerne aos casos de violência doméstica, já que busca enxergar de forma humana, sensível as partes envolvidas, e principalmente, conceder maior assistência, amparo a mulher vítima da violência, caminha, portanto, em contramão ao indiferente sistema penal, já que o Estado, busca apenas punir o agressor, sem, contudo, promover a reflexão a esse, e sua consequente ressocialização.
Howard Zehr (2012) afirma que a legítima responsabilidade reside em nos depararmos com os atos que praticamos, figura em incitar o agressor a perceber o efeito da sua conduta criminosa, e as lesões físicas e morais que essa provocou, e instá-lo a empregar ações para reparar tudo o que for viável.
A Justiça Restaurativa se desvela como um importante e necessário método, que busca enriquecer e satisfazer as carências do agressor e principalmente da vítima, para essa mudança de paradigma é primordial que todos deixem de lado suas amarras e preconceitos sobre esse meio secundário de tratamento de conflitos.
Em sua conjuntura, há uma preocupação discrepante da atual Justiça Penal, já que, como já citado, realça a primordialidade de se centrar no reparo do dano em detrimento da simples resposta punitiva aos transgressores. Assim, proporciona as partes maior cooperação e diálogo, na busca para atender às necessidades sociais e emocionais das vítimas, assente na cooperação ativa de todos os enredados no conflito.
Evidentemente, ao que concerne ao encontro entre as partes, são realizados de modo que assista e resguarde a integridade física e moral da vítima, e principalmente, ambas as partes precisam estarem dispostas a dialogarem, já que é comum que vítimas de agressões físicas e psicológicas se sintam despreparadas para estarem diante daqueles que lhe provocaram tamanha dor, por isso, a justiça restaurativa busca resguardar à vontade dos indivíduos e principalmente da vítima que mais foi afetada, volvendo a sua focalização em responder de forma salutar as necessidades dessa, que não são satisfeitas pelo sistema penal.
Dado que é essencial se ouvir e entender os sentimentos da vítima e suas necessidades, buscando sempre a eficácia e reparação dos danos através de propostas inovadoras, a justiça restaurativa transforma-se em um dos principais recursos para solucionar os conflitos que envolvam a violência doméstica, já que como falado ao longo da pesquisa, o instituto, se preocupa com as carências das partes, com a dignidade de ambas, por essa razão, se desvela como sendo a melhor resposta para os casos que envolvam a violência doméstica contra a mulher, já que por intermédio do método é possível chegar ao tratamento adequado ao conflito, principalmente porque a resposta será construída pelas partes com a ajuda de um facilitador.
Por meio de observações, analises, foi possível constatar que inocorre qualquer incongruência entre a Justiça Restaurativa e a Lei Maria da Penha, já que a intenção da lei é assegurar a proteção as mulheres vítimas da violência doméstica, e a justiça restaurativa pode ser um meio excelente para atingir os objetivos da lei, visto que, tem o fito de promover a redução dos casos de violência no país, mediante a conscientização de homens agressores, o que logicamente já atenue a reincidência.
Muitos especialistas criticam o uso da justiça restaurativa em casos de violência doméstica, para muitos essa é inviável ao que toca a sua aplicação a esses casos, já que para muitos defensores do sistema penal, a conciliação é um modelo reprodutor da violência, e que para vencê-la é necessário que haja sanções típicas do Direito Penal. Os críticos ainda argumentam que a Justiça Restaurativa produziria risco à integridade física da mulher, tendo em conta que a mesma não consegue impedir a violência. Defendem que a técnica não é intimidatória, muito menos corretiva, o que incentiva a ocorrência de outras agressões. Ademais, mencionam ainda que o encontro entre vítima e acusado promove o constrangimento na mulher de estar em contato com aquele que lhe causou tamanhos danos e sequelas, afirmam que a mulher estaria em posição de vulnerabilidade, e que em razão disso não pode a justiça restaurativa ser aplicada em um contexto de tamanho desequilíbrio.
O que pode ser facilmente observado é que os próprios críticos apontam a desigualdade da vítima e dos agressores, ademais, também fica claro que para muitos há o entendimento de que só com o medo, a repressão, a sanção é possível nascer a mudança de comportamento.
Contudo, já é uma decisão pacífica, inclusive do STF e do CNJ que a justiça restaurativa deva ser usada principalmente ao que concerne aos casos de violência doméstica, já que essa não tem o fito de suceder a prestação jurisdicional do sistema penal tradicional, muito menos de trazer a impunidade ao agressor, mas sim promover o diálogo, para que por meio desse possa haver o reconhecimento e a responsabilização dos atos praticados. Acerca disso, Resolução 2002/12 do Conselho Econômico e Social da ONU dispõe que a Justiça Restaurativa tem capacidade de servir como complemento ao processo penal. Integra a isso o fato de que essa só deverá ser aplicada de modo voluntário as partes, ou seja, precisa partir da vontade, e caso haja um que não queira, não ocorrerá a sua aplicação e portanto, será dado encaminhamento ao procedimento criminal comum.
Assente no que foi exposto conclui-se que a justiça restaurativa corresponde a um tratamento eficaz de conflitos, precipuamente ao que concerne à violência doméstica. Anseia estabelecer respostas mais criativas e efetivas para questões conflituosas e violentas, e busca focar nos danos que foram causados a vítima, dando empoderamento a essa. Contudo, Zehr (2008, p. 15) afirma que “a verdadeira justiça não acontecerá a não ser que as pessoas e relacionamentos sejam transformados em algo saudável de modo que a violência não seja recorrente”.
Portanto, o caráter humanitário da justiça restaurativa, promove a transformação da realidade das partes que estão insertas no conflito, já que busca volver a focalização na vítima, dando a essa uma resposta salutar, para que assim possa haver uma minimização das sequelas que lhe foram causadas, sem contudo deixar o agressor de lado, já que a esse também é concedido um olhar atento e sensível para que a reflexão dos seus atos possam ser uma forma desse mudar sua realidade e consequentemente não voltar a reincidir.
O estudo se propôs a investigar a aplicabilidade dos processos restaurativos em crimes caracterizados pela violência doméstica. Nesse sentido, foi feita uma análise acerca da justiça retributiva que se mostra pouco efetiva no seu papel de pacificação e controle social. O viés ressocializador não se vislumbra tornando possível assistir a falha do sistema penal atual, dado que o sujeito ativo do crime, ao ser submetido a uma pena encarceradora de sua liberdade é impelido a um regime de dessocialização que o torna tendente ao cometimento de outras transgressões.
A cultura punitiva corrobora para a presença de um sistema excludente, considerando que atua encarcerando apenas determinados segmentos sociais, não conquistando seu desiderato, qual seja a redução dos delitos. Observou-se a premência de caminhos outros para solucionar conflitos sociais ante a justiça estatal. É nesse contexto que surge o modelo restaurativo, a contar da apuração da ineficiência dos ideários retributivos.
Foi feita uma descortinação acerca da Justiça Restaurativa, mostrando que essa pode ser um meio eficaz para responder de forma salutar os casos de violência doméstica, que em virtude de ser um tema de grande complexidade, merece uma atenção maior. Foi realizada uma comparação entre a justiça comum e a justiça restaurativa certificou-se que esta pode ostentar mais vantagens as vítimas pela maneira com que essa se sucede, almejando reparar todas as ofensas, lesões que foram causadas a mulher em razão da violência. E, ainda, mostrar ao agressor a lesão que seu ato causou a sociedade e principalmente a mulher, prestando a esse uma efetiva responsabilização e não uma mera punição que não vai lhe causar a reflexão e sim revolta, fomentando o seu lado desumano.
Nessa perspectiva, a pesquisa mostrou que a reclusão por si só, não se figura, necessariamente, na solução mais viável para solucionar tal tipo de crime, já que, somente a pena prisional não é consentânea a restabelecer o equilíbrio da vítima que sofreu a agressão. Nessa vertente a justiça restaurativa se apresenta como apta a compreender questões que superam a punição do agressor, pretendendo tanto a recuperação da mulher vítima e dos demais ofendidos, como a reeducação do agressor, para que essa possa refletir sobre o seu ato e a lesão que transcorreu desse, contendo assim a reincidência, por conseguinte, os índices de violência doméstica.
A Justiça Restaurativa traz, portanto, a preocupação com a dignidade de todos os enredados no conflito, e em razão disso, acredita-se que ela possa ser a resposta mais eficaz para os casos de violência doméstica contra a mulher, já que além de o procedimento permitir a resolução do conflito por meio de uma resposta construída por agressor e vítima, conjuntamente, com o auxílio dos facilitadores, ela ainda promove o empoderamento da vítima, concedendo a essa voz ativa, protagonismo, o que lhe é podado no sistema penal, em que ela serve apenas como prova e é representada pelo Ministério Público, sem poder se manifestar, expor seus sentimentos, e suas dores.
Em vista disso, foi possível constatar que a utilização da Justiça Restaurativa é sim o melhor instrumento para enfrentar a violência doméstica, já que ela volve o olhar para a vítima, devolvendo a essa mulher a dignidade perdida quando foi lesionada pela agressão, e em contrapartida promove a educação e a conscientização de homens agressores, reduzindo a reincidência desses como autores da violência doméstica.
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[1] Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Professor de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins. Advogado. E-mail: [email protected]
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Geovanna de Oliveira. Justiça restaurativa como ferramenta no enfrentamento da violência doméstica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2019, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53769/justia-restaurativa-como-ferramenta-no-enfrentamento-da-violncia-domstica. Acesso em: 22 nov 2024.
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