WANDERSON SANTANA ROCHA[1]
(Orientador)
RESUMO: O poder de polícia surge como um dos meios do Estado exercer sua autoridade sobre a sociedade e fracionar ou restringir alguns direitos dos particulares, assim como o uso de bens, em prol da coletividade. Verifica-se que o agente público deve utilizar o poder de polícia de forma legítima e não exorbitar dos limites estabelecidos pela lei. Acentua-se que o poder de polícia não possui o propósito de erradicar os direitos e garantias individuais, em que pese esbarrar em algumas questões delicadas, como a desapropriação, por exemplo, no entanto somente o faz com base nos ditames legais e com a finalidade de atender a supremacia do interesse públicosobre o privado, seu objetivo, em síntese, é zelar pela sua existência, apenas mitigando e condicionando esses direitos quando houver conflitos de interesse pessoais e o interesse público e for estritamente necessária tal intervenção estatal e sempre respeitando o contido na lei. Daí a importância do principio da proporcionalidade, segundo o qualas ações do agente público devem ser na exata medida do interesse público.
PALAVRAS-CHAVE: Poder de Polícia, Proporcionalidade e Discricionariedade.
ABSTRACT : Police power emerges as one of the means of the state to exercise its authority over society and to fractionate or restrict some rights of individuals, as well as the use of goods, for the benefit of the community. It is verified that the public agent should use the police power legitimately and not exorbit the limits established by the law. It is emphasized that the police power does not have the purpose of eradicating individual rights and guarantees, in spite of bumping into some sensitive issues, such as expropriation, for example, but only on the basis of legal dictates and for the purpose. to meet the supremacy of the public over the private interest, its purpose, in short, is to ensure their existence, only mitigating and conditioning these rights when there are conflicts of personal interest and the public interest and such state intervention is strictly necessary and always respecting the contained in the law. Hence the importance of the principle of proportionality, therefore, states that the actions of the public agent must be to the exact extent of the public interest.
KEYWORDS: Police Power, Proportionality and Discretion.
1. INTRODUÇÃO
A proposta deste artigo é abordar o poder de polícia sob o prisma da discricionariedade e, por conseguinte, da proporcionalidade, pois um princípio está intimamente ligado ao outro.
O poder de polícia, aqui tratado em seu sentido objetivo, é o poder da administração pública que permite restringir o uso e gozo de bensem benefício da coletividade, desde que esteja em consonância com o princípio da legalidade.
Frise-se que a Constituição Federal veda o abuso do poder e impõe limites para proteger a sociedade de abusos e excessos de poder, ou seja, o administrador não pode agir ao seu talante, prejudicando a coletividade ou a um cidadão em benefício próprio ou de terceiros.
Primeiramente, será explicitado o conceito do Poder de Polícia, perpassando por sua competência e espécies, seguidos pela distinção de Polícia Administrativa e Polícia Judiciária e, por conseguinte, os conceitos do Princípio da Proporcionalidade e Discricionaridade.
Por fim, explanar-se-á o âmbito de aplicação do Poder de Polícia como sendo um dos poderes da Administração Pública.
2. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
2.1 DEFINIÇÕES DE PODER DE POLÍCIA
Necessário se faz, antes de se adentrar à seara do poder de polícia propriamente dito, explanar o conceito de tal objeto de estudo.
O art. 78 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966) considera poder de polícia como sendo:
A atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessãoou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aosdireitos individuais ou coletivos.
Em razão de sua amplitude, o conceito apresentado pelo CTN sofre críticas da doutrina. Contudo, também é considerado um marco na definição das noções do poder de polícia e nuances das limitações que a Administração pode impor sobre direitos.
Dessa feita, cabe transcrever a lição lapidar de Meirelles, apud Alexandrino e Paulo (2017, p. 291), segundo o qual o “poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”.
A fim de complementar o conceito acima mencionado, não se poderia deixar de citar a cátedra de Marcelo Caetano, apud Carvalho Filho (2015, p. 77), que ensina o poder de polícia como sendo:
O modo de atuar daautoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objeto evitar que se produzam, ampliem ougeneralizem os danos sociais que a lei procura prevenir.
Cabe colacionar, ainda, o magistério de Marinela (2016, p. 340), segundo o qual:
O Poder de Polícia não representa limitação administrativa ao direito de propriedade e ao direito de liberdade, uma vez que essas restrições integram o perfil do direito, fazendo parte da definição dessa garantia constitucional e definindo os seus contornos.
Extrai-se das aquilatadas lições que o poder de polícia é conferido à Administração Pública para que esta possa frenar, cercear, fracionar a atividade do particular em favor do bem comum, não se olvidando que essas características devem vir acompanhadas dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
2.1.1 Competência
De acordo com Marinela (2016, p. 343), no que atine à competência, “deve-se observar a repartição constitucional para o exercício de atos legislativos e materiais”.
Em razão da Carta Magna de 1988 não esgotar todas as hipóteses, o interesse público deve ser observado mediante o âmbito de atuação. Nesse sentido, a competência da União quando o assunto for de interesse nacional, do Estado para os interesses regionais e, por fim, dos municípios para os interesses locais, não sendo uma excludente da outra.
Como bem observa Carvalho Filho (2015, p. 79):
Só pode ter-se por legítimo o exercício da atividade administrativaconfiguradora do poder de polícia se a lei em que se fundar a conduta da Administração tiver lastro constitucional. Se a lei for inconstitucional, ilegítimos serão os atos administrativos que, com fundamento nela, se voltarem a um pretenso tutelado interesse público, materializado no exercício do poder de polícia. Só há, portanto, poder de polícia legítimo na medida em que legítima é a lei que lhe dá suporte.
Preceitua o art. 22, inciso I, da Carta Política, que é competência privativa da União legislar sobre Direito Comercial. Todavia, para fixar horário de funcionamento de lojas comerciais, o ente político competente é o município.
Segundo Ribeiro (2015, p. 7):
A competência para o exercício do poder de polícia segue a distribuição constitucional das competências administrativas, com base no princípio da predominância do interesse, podendo ser cumulativa quando determinadas atividades interessarem simultaneamente aos três níveis de entes federativos. O Poder Legislativo, no exercício do seu poder de polícia, através das leis, cria as limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas. Já a Administração Pública regulamenta as leis e controla a sua aplicação, preventivamente (por meio de ordens, notificações, licenças ou autorizações) ou repressivamente (medidas coercitivas).
Vale ressaltar que a jurisprudência já se firmou no sentido de que a União tem competência para regular o horário de atendimento bancário[2], mas não para fixar o horário de funcionamento de lojas comerciais, cuja competência pertence ao município[3].
Isso posto, é fundamental que o intérprete faça uma análise criteriosa da situação concreta, de forma que a aplicação esteja em consonância com a Constituição Federal.
2.1.2 Poder Polícia Originário e Delegado
Para Alexandrino e Paulo (2017, p. 301), “a doutrina entende que o poder de polícia pode ser originário ou delegado, a classificação dependerá do órgão ou entidade que execute as atividades de polícia administrativa”.
Carvalho Filho (2017, p. 80), por sua vez, assinala que:
Ante o princípio de que quem pode o mais pode o menos, não é difícil atribuir às pessoas políticas da federação o exercício do poder de polícia. Afinal, se lhes incumbeeditar as próprias leis limitativas, de todo coerente que se lhes confira, em decorrência do poder de minudenciar as restrições. Trata-se aqui do poder de polícia originário, que alcança, em sentido amplo, as leis e os atos administrativos provenientes de tais pessoas. O Estado, porém, não age somente por seus agentes e órgãos internos. Várias atividades administrativas e serviços públicos são executados por pessoas administrativasvinculadas ao Estado. A dúvida consiste em saber se tais pessoas têm idoneidadepara exercer o poder de polícia. E a resposta não pode deixar de ser positiva, conforme proclama a doutrina mais autorizada. Tais entidades, com efeito, são o prolongamento do Estado e recebem deste o suporte jurídico para o desempenho, por delegação, de funções públicas a elecometidas.
Note-se, contudo, que o Estado também age por meio de pessoas administrativas vinculadas ao Poder Público, ou seja, órgãos e agentes que não integram sua estrutura interna, mas contribuem significativamente para seu bom funcionamento.
A despeito da divergência na doutrina, a corrente majoritária considera benéfica a delegação a essas entidades, pois ao Estado é garantido apoio jurídico para a consecução de seu mister.
Segundo Alexandre (2015, p. 277):
Como uma das mais claras manifestações do princípio segundo o qual o interesse público sesobrepõe ao interesse privado, no exercício do poder de polícia, o Estado impõe aos particularesações e omissões independentemente das suas vontades. Tal possibilidade envolve exercício deatividade típica de Estado, com clara manifestação de potestade (poder de autoridade).
Carvalho Filho (2015, p. 81), por seu turno, explicita que:
Indispensável, todavia, para a validade dessa atuação é que delegação seja feita por lei formal, originária da função regular do Legislativo. Observe-se que a existênciada lei é o pressuposto de validade da polícia administrativa exercida pela própria Administração Direta e, desse modo, nada obstaria que servisse também como respaldo da atuação de entidades paraestatais, mesmo que sejam elas dotadas de personalidade jurídica de direito privado. O que importa, repita-se, é que haja expressa delegação na lei pertinente e que o delegatário seja entidade integrante da Administração Pública.
Assim, verifica-se que há pressupostos que devem ser rigorosamente seguidos, a fim de que a delegação feita às pessoas jurídicas de direito privado tenha validade legal.
Tais preceitos são os seguintes: a pessoa jurídica pertença à administração direta; deve haver lei autorizando previamente a delegação da competência; o poder de polícia diz respeito a atos de natureza fiscalizatória, considerando as restrições já preexistentes; e que tratem de função de executória e não inovadora.
2.1.3 Poder de Polícia Repressivo e Preventivo
Alexandrino e Paulo (2017, p. 295) pontificam que o poder de polícia preventivo,
é aquele em que o poder público estabelece normas que limitam ou condicionam a utilização de bens (públicos ou privados) ou o exercício de atividades privadas que possam afetar a coletividade, exigindo que o particular obtenha anuência da administração pública previamente a utilização desses bens ou serviços.
Os alvarás se consubstanciam em uma forma do Estado conceder sua anuência ao uso de determinados bens e serviços. Podem se expressar na forma de licença ou autorização.
No primeiro caso, a administração pública concede ao particular direito subjetivo, desde que se enquadrem nas condições requeridas pelo poder público para a aquisição de certos bens e/ou serviços.
A licença para construção de uma casa, por exemplo, enquadra-se perfeitamente no modelo de poder de polícia preventivo.
A autorização, por conseguinte, tem o condão de possibilitar ao particular a utilização de um bem público e/ou o exercício de atividade privada de interesse próprio.
Nesse caso, não se discute o direito subjetivo, pois este não existe nessa situação; o que há é o interesse pessoal submetido ao aval do Estado, a exemplo da aquisição do porte de armas.
O poder repressivo, por sua vez, é classificado como aquele responsável pela aplicação de sanções.
Nesse trilhar, convém citar o magistério de Carvalho Filho (2015, p. 93):
Se a sanção resulta do exercício do poder de polícia, qualificar-se-á como sanção de polícia. O primeiro aspecto a ser considerado no tocante às sanções de polícia consistena necessária observância do princípio da legalidade. Significa dizer que somentea lei pode instituir tais sanções com a indicação das condutas que possam constituir infrações administrativas. Atos administrativos servem apenas como meio de possibilitara execução da norma legal sancionatória, mas não podem, por si mesmos, dar origem a apenações.
Em arremate, o referido administrativista acentua que:
As sanções espelham a atividade repressiva decorrente do poder de polícia. Estão elas difundidas nas diversas leis que disciplinam atividades sujeitas a esse poder. As mais comuns são a multa, a inutilização de bens privados, a interdição de atividade, o embargo de obra, a cassação de patentes, a proibição de fabricar produtos etc. São sanções, na verdade, todos os atos que representam a punição aplicada pela Administração pela transgressão de normas de polícia.
Depreende-se dos ensinamentos dos eminentes autores que o poder de polícia é exercido para prevenir situações e ações de risco, que possam vir a prejudicar o Estado ou terceiros.
O poder de polícia repressivo é exercido para infrações a normas administrativas. Cite-se a hipótese de órgão da vigilância sanitária fechar restaurante em razão deste colocar a saúde de seus consumidores em risco.
2.2 DISTINÇÕES ENTRE POLÍCIA ADMINISTRATIVA E POLÍCIA JUDICIÁRIA
A polícia administrativa é desempenhada por órgãos de fiscalização da administração pública, enquanto que a polícia judiciária é aquela exercida por corporações, ou seja, a polícia civil e a militar.
A esse respeito, Moreira Neto (2014, p. 533) vaticina que:
A polícia administrativa, no sentido estrito, se distingue da polícia judiciária, que é ramo especificamente voltado à elucidação dos delitos e à perseguição dos delinquentes. Assim, comete-se à polícia judiciária uma atuação predominantemente voltada às próprias pessoas e relacionada, de modo especial, com o específico valor contido na liberdade de ir e vir, enquanto que, de modo bem mais amplo, à polícia administrativa refere-se à atuação voltada à s atividades das pessoas, assim relacionada, de modo geral, a todos os demais valores informadores do gozo socialmente compatível de suas liberdades e direitos fundamentais.
Nesse sentido, Di Pietro, apud Alexandrino e Paulo (2017, p. 295), assevera que:
A polícia judiciária é privativa de corporações especializadas (polícia civil e militar), enquanto a polícia administrativa se reparte entre diversos órgãos da Administração, incluindo além da própria polícia militar, os vários órgãos de fiscalização aos quais a lei atribua esse mister, como os que atuam nas áreas de saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social.
Para Mazza (2016, p. 456), a polícia administrativa “possui caráter preventivo, submetendo-se essencialmente às regras do Direito Administrativo, ao passo que a polícia judiciária, atua preponderantemente de forma repressiva”.
Marinela (2016, p. 350) delineia que:
No que tange à polícia administrativa, o seu grande objetivo é impedir ou paralisar atividadesantissociais, incidindo sobre bens, direitos ou atividades dos particulares. Incide sobre o ilícitopuramente administrativo, sendo regida pelo Direito Administrativo. Essa polícia pode ser fiscalizadora, preventiva ou repressiva, sendo que, em nenhum caso, haverá aplicação de penalidade pelo Poder Judiciário. De outro turno, a polícia judiciária tem como foco a proteção da ordem pública, com a devida responsabilização de seus violadores, incidindo sobre pessoas. Trata-se de ilícito penal, sendo regida pela legislação penal e processual penal, além das disposições constitucionais pertinentes, tais como o art. 144 da CF.
Com base no exposto acima, destaca-se que, quando o administrado infringir regras de natureza penal, estaremos diante da polícia judiciária, ao passo que a infração de normas de caráter administrativo encontra-se sujeita ao controle da polícia administrativa.
2.3 ATRIBUTOS DO PODER DE POLICIA
Saliente-se que, na doutrina, a corrente majoritária aponta que o poder de polícia possui os seguintes atributos: discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade.
Alexandrino e Paulo (2017, p. 304) pontificam que,
a discricionariedade no exercício do poder de polícia significa que a Administração, quanto aos atos a ele relacionados, regra geral, dispõe de uma razoável liberdade de atuação, podendo valorar, a oportunidade e conveniência de sua prática, estabelecer o motivo e escolher, dentro dos limites legais, seu conteúdo.
Segundo Oliveira (2018, p. 324),
costuma-se afirmar que, em regra, o exercício do poder de polícia caracteriza-se pela liberdade conferida pelo legislador ao administrador para escolher, por exemplo, o melhor momento de sua atuação ou a sanção mais adequada no caso concreto quando há previsão legal de duas ou mais sanções para determinada infração.
Nessa linha de raciocínio, a discricionariedade no poder de polícia diz respeito à liberdade que a administração tem para escolher, dentro dos limites da lei, qual é a melhor medida a ser tomada para a realização de ações que vislumbrem o bem da coletividade.
Por exemplo, a imediata apreensão e destruição de remédios vencidos que estão sendo vendidos em uma determinada farmácia, além, é claro, da possibilidade de tal farmácia ser interditada.
No abalizado magistério de Meirelles (2005, p.136), a autoexecutoriedade pode ser definida como:
A autoexecutoriedade, ou seja, a faculdade de a Administração decidir e executar diretamente sua decisão por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário, é outro atributo do poder de polícia. Com efeito, no uso desse poder, a Administração impõe diretamente as medidas ou sanções de polícia administrativa necessárias à contenção da atividade anti-social que ela visa obstar. Nem seria possível condicionar os atos de polícia a aprovação prévia de qualquer outro órgão ou Poder estranho à Administração. Se o particular se sentir agravado em seus direitos, sim, poderá reclamar, pela via adequada, ao Judiciário, que intervirá oportunamente para a correção de eventual ilegalidade administrativa ou fixação da indenização que for cabível. O que o princípio da auto executoriedade autoriza é a prática do ato de polícia administrativa pela própria Administração, independentemente de mandado judicial.
Impende trazer à colação a lapidar lição de Oliveira (2018, p. 324), para quem,
alguns atos de polícia não possuem o atributo da executoriedade. É o caso da multa que não pode ser satisfeita pela vontade unilateral da Administração ea respectiva cobrança é realizada, normalmente, por meio da propositura da execução fiscal.
Entende-se como autoexecutoriedade a prerrogativa que a Administração Pública possui de fazer cumprir seus atos imediatamente e sem necessidade de mandado judicial. Exemplo claro se verifica na hipótese da vigilância sanitária encontrar um restaurante em más condições de higiene, determinando seu imediato fechamento.
Para Alexandrino e Paulo (2017, p. 307), a coercibilidade,
traduz-se na possibilidade de as medidas adotadas pela administração pública serem impostas coativamente ao administrado, inclusive mediante o emprego da força. Caso o particular resista ao ato de polícia, a administração poderá valer-se da força pública para garantir o seu cumprimento.
Registre-se que não há uma rígida distinção entre autoexecutoriedade e coercitividade, de sorte que, em diversas oportunidades, tais institutos são tidos como sinônimos pela doutrina.
2.4 DISCRICIONARIEDADE VERSUS ARBITRARIEDADE
A razoabilidade e a proporcionalidade são princípios que possuem o condão de impor limites ao exercício do poder de polícia, cuidando para que a finalidade legal seja cumprida.
Segundo Carvalho Filho (2015, p. 91), o princípio da proporcionalidade,
deriva do poder de coerção de que dispõe a Administração ao praticar atos de polícia. [...] não se pode conceber que a coerção seja utilizada pelos agentes administrativos, o que ocorreria, por exemplo, se usada onde não houvesse necessidade.
Nessa esteira, Marinela (2016. p.349) apregoa que:
A Administração Pública, na utilização de meios coativos que interferem individualmente na liberdade e propriedade do particular, deve comportar-se com extrema cautela, jamais aplicando meios mais enérgicos que os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de vício que acarretará a invalidação do ato sob a responsabilidade da Administração. Exigem-se proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal a ser atingida, e a proporcionalidade entre a intensidade e a extensão da medida aplicada, além de ser a medida eficiente.
No exercício do poder de polícia, a lei garante ao administrador certa liberdade de escolha quanto à melhor medida a ser adotada em determinados casos concretos. Entretanto, isso não ocorre em todas as situações, uma vez que existem hipóteses nas quais o ato do administrador é vinculado, como se observa na concessão de licença.
Carvalho Filho (2015, p. 88) explicita que:
A doutrina tem dado ênfase, com cores vivas, à necessidade de controle dos atos de polícia, ainda quando se trate de determinados aspectos, pelo Poder Judiciário. Tal controle inclui os atos decorrentes do poder discricionário para evitar-se excessos ou violências da Administração em face de direitos individuais. O que se veda ao Judiciário é agir como substituto do administrador, porque estaria invadindo funções que constitucionalmente não lhes são atribuídas.
Alexandrino e Paulo (2017, p. 304) assinalam que:
A administração pode, em princípio, determinar, dentro dos critérios de oportunidade e conveniência, quais atividades irá fiscalizar em um determinadomomento e, dentro dos limites estabelecidos na lei, quais sanções deverão ser aplicadas e como deverá a graduação dessas sanções.
A arbitrariedade se instala quando o agente público excede sua competência ou desvia a finalidade do exercício do poder de polícia.
De acordo com Alexandrino e Paulo (2017, p. 298):
Será desarrazoada - portanto ilegal - qualquer atuação em que sejam empregados meios inadequados à obtenção dos resultados almejados, em que os meios sejam mais restritivos do que o estritamente necessário a consecução dos fins pretendidos.
Cabe pontuar que a discricionariedade do administrador diz respeito à sanção que será aplicada, ou seja, a lei fornece hipóteses dentre as quais o administrador escolherá a mais apropriada ao caso concreto, vedando seu exercício arbitrário.
Assim, o administrador deve sempre agir pautado pela proporcionalidade e razoabilidade, zelando pelo interesse público.
2.5 ABUSO DE PODER
O Estado administra por meio de seus agentes públicos. Estes, por sua vez, devem primar rigorosamente pela primazia do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. O Direito Administrativo nos ensina que o administrador público deve agir exatamente conforme a lei determina, nem mais, nem menos.
Com o intuito de que seus agentes cumpram seu dever, o Estado os reveste de alguns poderes. Prova disso é o exercício do poder de polícia, cujo uso deve se limitar ao expresso na lei.
Quando há desrespeito às normas legais no exercício do poder de polícia, fica caracterizado o que doutrina classifica como abuso de poder.
Hodiernamente, a doutrina reputa que o abuso de poder é gênero do qual pertencem duas espécies, quais sejam, o excesso de poder e o desvio de poder.
Borges e Sá (2015) lecionam que o excesso de poder ocorre quando o agente público exorbita das competências que lhe foram atribuídas, ou pratica atividades que não lhe foram conferidas por lei. O vício aqui é de competência, tornando o ato arbitrário, ilícito.
Ainda seguindo a linha raciocínio de Borges e Sá (2015), comete desvio de poder o agente que, mesmo atuando dentro de sua esfera de competência, pratica ato vislumbrando fim diverso do fixado em lei ou exigido pelo interesse público de finalidade. O vicio, nesse caso, diz respeito à ofensa ao princípio da finalidade.
Infere-se que, ao incidir em qualquer das formas de abuso de poder, o agente estará sujeito a sanções administrativas e judiciais.
Convém citar a cátedra de Carvalho Filho (2015, p. 110), para quem “a invalidação da conduta abusiva pode dar-se na própria esfera administrativa (autotutela) ou através de ação judicial, inclusive por mandado de segurança”.
Marinela (2016, p. 351) delineia que:
Abuso de poder é o fenômeno que se verifica sempre que uma autoridade ou um agente públicopratica um ato, ultrapassando os limites das suas atribuições ou competências, ou se desvia dasfinalidades administrativas definidas pela lei. Alerte-se que o administrador se sujeita aos parâmetroslegais, o que significa que a conduta abusiva não merece ser acolhida no mundo jurídico, devendo ser corrigida, seja pela própria Administração Pública, seja pelo Poder Judiciário.
O administrador público deve exercer suas funções na medida exata, cuidando para não cair no abismo do uso e/ou do abuso de poder, ao arrepio da legislação pátria.
Nesse sentido, Alexandrino e Paulo (2017, p. 310) vaticinam que:
É de primordial importância ressaltar que o postulado da supremaciado interesse público justifica o exercício de poderes administrativos única e exclusivamente na estrita medida em que sejam necessários ao atingimento dos fins públicos cuja persecução o próprio ordenamento jurídico impõe à administração pública. Dessarte, representa uma violação ao princípio da supremacia do interessepúblico, um verdadeiro desvirtuamento de seu escopoo desempenho dos poderesadministrativos sem observância dos direitos e garantias fundamentais constitucionais - com destaque para o devido processo legal -, bem como dos princípios jurídicos em geral e dos termos e limites estabelecidos na lei. O exercício ilegítimo das prerrogativas conferidas pelo ordenamento jurídico à administração pública caracteriza, genericamente, o denominado abuso de poder.
O abuso de poder é a atuação arbitrária e desproporcional do administrador público e deve ser sanado por meio da anulação dos atos que estiverem eivados de vícios de tal natureza.
Saliente-se que, quando o vício se referir à competência quanto à pessoa, desde que não se trate de competência exclusiva, poderá ser convalidado, ao passo que, nos demais casos, deverão ser anulados.
A principal distinção entre excesso e desvio de poder é o requisito dos atos administrativos denominado de competência. No excesso de poder, o agente público age sem possuí-la, sem ser dotado de poder para tal.
Lado outro, o desvio de poder se caracteriza pelo desvio de finalidade. Ocorre quando o agente público, a despeito de ser competência para a prática do ato, permite que o interesse pessoal prevaleça sobre o interesse público, ferindo, assim, a regra basilar do direito administrativo, para o qual o interesse coletivo sempre deve se sobrepor ao interesse do particular.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O poder de polícia é o poder da administração pública responsável por restringir o uso e gozo de bens e direitos em benefício da coletividade. O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular é fundamento para amparar as ações referentes a este poder.
Com o escopo de defender os interesses da coletividade, o Estado, mediante o poder de polícia, pode intervir em atividades privadas, restringindo o uso de bens ou direitos, a exemplo da interdição de farmácia que vende medicamentos vencidos.
Como restou evidenciado no presente trabalho, o poder policia é composto pelos atributos da discricionariedade, da autoexecutoriedade e da coercibilidade. Tais atributos permeiam as ações do agente público com competência para agir.
Frise-se que o princípio da proporcionalidade deve pautar os atos discricionários praticados pelo agente público, haja vista que, se não houver sua estrita observância, pode restar caracterizado o abuso de poder.
Conclui-se que o Estado confere poder de polícia aos agentes públicos competentes, para que estes cuidem dos interesses da coletividade. No entanto, estes somente podem agir na medida exata da determinação legal, sob pena de incidir em abuso de poder, sujeitando-se a sanções administrativas e judiciais cabíveis.
4. REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Administrativo Esquematizado. São Paulo: Método, 2015.
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 25. ed. São Paulo: Método, 2017.
BORGES, Cyonil; SÁ, Adriel. Direito Administrativo Facilitado. São Paulo: Método, 2014.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
LAKATOS, E. M., MARCONI, M.A. Fundamentos da metodologia científica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. São Paulo: Forense, 2018.
RIBEIRO, Ana Paula. Poder de polícia: proporcionalidade e abuso de poder à luz dos princípios constitucionais. Faculdade de Educação São Luis. Disponível em: <https://www2.jf.jus.br/pergamumweb/vinculos/00001e/00001e2f.pdf>. Acesso em: 6 nov 2019.
[1] Wanderson Santana Rocha. Professor Mestre pela Universidade Federal da Bahia
[2]A Súmula nº 645, do STF, prescreve que a competência para determinar o horário de atendimento comercial é do município.
[3]A súmula n° 19 do STJ enuncia que a União é competente para fixar o horário de atendimento bancário.
Graduanda em Direito. Faculdade Serra do Carmo ( FASEC)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GAGINI, Luanna Duarte Barros. O Poder de Polícia Administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2019, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53786/o-poder-de-polcia-administrativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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