GUSTAVO LUÍS MENDES TUPINAMBÁ RODRIGUES [1]
RESUMO: O presente estudo tem por objetivo a análise da viabilidade da aplicação do Plea Bargaining no sistema processual penal brasileiro, observando os dois posicionamentos a respeito do assunto. A aplicação desse instituto deriva inúmeros questionamentos, pois se de fato for implementado, o acusado, juntamente com o Ministério Público terão a possibilidade de fazer um acordo sobre a pena do crime cometido, porém, isso só ocorre em casos em que o crime tenha sido praticado sem violência ou grave ameaça e a pena não ultrapasse oito anos de reclusão. Partindo desse princípio, de acordo com a metodologia utilizada do tipo pesquisa descritiva, bibliográfica e qualitativa, foi possível verificar ainda, que de acordo com o projeto de lei 8.045/2010, esse acordo deve acontecer até o recebimento da denúncia. Desta maneira, o presente artigo concluiu que há viabilidade em sua aplicação, observando todas as suas nuances.
Palavras-chave: plea bargaining, acusado, viabilidade.
ABSTRACT: This study aims to analyze the feasibility of applying Plea Bargaining in the Brazilian criminal procedural system, observing both positions on the subject. The application of this institute raises numerous questions, because if actually implemented, the accused, along with the prosecutor will have the possibility to make an agreement on the penalty of the crime committed, but this only occurs in cases where the crime has been practiced without violence or serious threat and the penalty does not exceed eight years in prison. Based on this principle, according to the methodology used, such as descriptive, bibliographic and qualitative research, it was also possible to verify that, according to the bill 8.045 / 2010, this agreement must happen until the receipt of the complaint. Thus, the present article concluded that its application is feasible, observing all its nuances.
Keywords: plea bargaining, accused, viability.
Sumário: 1 Introdução. 2 Plea Bargaining: Origem e Desenvolvimento do Modelo Americano. 3 O Plea Bargaining Consoante o Projeto de Lei 8.045/2010. 4 Possíveis Violações a Princípios Constitucionais com a Introdução do Plea Bargaining no Processo Penal Brasileiro. 4.1 Vantagens e Desvantagens da Aplicação desse Instituto no País. 5 Conclusão. 6 Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Plea Bargaining é um instrumento de negociação de origem americana que busca resolver conflitos através de acordos, dessa forma, o acusado e o Ministério Público, podem negociar a pena para determinado crime. Esse instituto faz parte do sistema jurídico Common Law, ou seja, um sistema jurídico em que sua principal fonte, é o costume.
O sistema adotado no Brasil é o Civil Law, onde toda aplicação de pena é regida por uma legislação própria, sendo a fonte primordial do direito, onde o costume, em apenas alguns casos, torna-se fonte secundária. A introdução desse instituto vem sendo amplamente discutida no país, em especial, através do projeto de lei 8.045/2010, em seu artigo 283. De acordo com esse artigo existe a possibilidade do acusado, até o recebimento da denúncia, fazer um acordo sobre a pena do crime cometido, desde que o delito não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça e sua pena não ultrapasse oito anos de reclusão.
Desta forma, o objetivo geral deste artigo, é a discussão sobre a viabilidade de sua aplicação no sistema penal brasileiro, visto que o Plea Bargaining, decorre de um sistema jurídico diferente, e ainda, analisar as vantagens e desvantagens dessa aplicação sobre a óptica constitucional.
2. PLEA BARGAINING: ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA AMERICANO.
O Plea Bargaining, termo derivado do inglês, que significa, (pleito de barganha, justiça negociada), é um instrumento processual penal que surgiu nos Estados Unidos, por volta do século XIX. Historicamente, esse instituto não teve sua aplicabilidade por meio de uma legislação, como ocorre no Brasil. Esse instrumento surgiu de maneira informal. Eram feitos através de acordos, onde as próprias partes, de maneira consensual, decidiam sobre a lide, a fim de evitar que o processo se prolongasse.
Segundo Queirós Campos(2017), em um primeiro momento, a análise do instituto deve começar pelo escopo da tradução, já que se trata de uma palavra de origem inglesa. O referido instituto é definido por um conjunto de duas palavras, a primeira delas é “Plea” que em uma tradução interpretativa, ad intentio, significa declaração e a segunda é “Bargain” ou “Bargaining” significando barganha, negócio. Portanto, de plano, já podemos identificar que há uma ideia, no Plea Bargaining, de uma declaração que resulta em uma barganha, uma negociação ou acordo, conforme aduz Rafael Luiz(2007):
A ideia de plea é a de resposta, ou seja, declaração do réu, traduzindo-se a célebre frase dos julgamentos anglo-saxônicos: How do you plea, ou seja, “Como o réu se declara diante de determinada acusação”. (LUIZ, 2007, p.9)
De uma maneira mais técnica, pode-se dizer que o Plea Bargaining é uma ferramenta utilizada entre o polo ativo e polo passivo da situação jurídica, para resolver o conflito de maneira mais simples, sem que seja necessário a sua discussão em um longo processo penal. Com esse acordo, o acusado visa à diminuição da pena, pois caso se submetesse ao julgamento, poderia ter uma condenação superior com relação a pena acordada.
O direito processual penal americano adota para o seu sistema, o direito consuetudinário, ou seja, direito propriamente derivado dos seus costumes, não passando por um processo formal de criação das leis, diferentemente do que ocorre no Brasil. Outra grande diferença, é que lá é utilizado o sistema acusatório, onde a mesma pessoa que acusa, defende e julga o réu.
De maneira geral, contudo, pode-se apresentar, com Chemerinsky e Levenson (2008, pp. 5-11), uma espécie de passo-a-passo do procedimento criminal mais comum, dar-se início com a prisão do infrator, seguida do oferecimento da denúncia, que deve conter a demonstração de justa causa, submetida à apreciação de um magistrado. Logo em seguida, é designada uma data para comparecimento do acusado perante o juiz, para que tenha ciência das acusações a ele imputada, e advertido de seu direito a ser assistido por sua defesa, bem como a possibilidade de ser solto com o pagamento de uma fiança.
Em seguida, quando a acusação for formalizada contra o denunciado, ela é submetida à análise pelo Grande Júri, que ouvirá em audiência, todas as provas apresentadas pela acusação e decidirá se há justa causa para que o réu vá a julgamento. Caso aceite a acusação, o Grande Júri faz o que, nos Estados Unidos da América, denomina-se “indiciamento”, fixando as acusações que devem ser levadas a julgamento.
Ao concluir essa etapa, o denunciado é chamado para uma nova audiência, onde será indagado se vai se declarar culpado das acusações ou inocente, além de advertido sobre as acusações. A corte, então, irá agendar uma data para julgamento, dentro de padrões constitucionais de rápido julgamento.
Chega então, a fase de confronto da prova, na qual cada parte procura examinar as evidências que seu adversário pretende utilizar no julgamento. Nesta etapa, as partes costumam apresentar petições sobre uma infinidade de temas, como por exemplo, a supressão de todas as provas obtidas de maneira ilícita, dentre outras possíveis nulidades do procedimento.
Antes do julgamento, pode ocorrer o chamado plea bargaining, que consiste em um processo de negociação entre a acusação e o réu e seu defensor, podendo culminar na confissão de culpa (guilty plea ou plea of guilty) ou no nolo contendere, através do qual o réu não assume a culpa, mas declara que não quer discuti-la, isto é, não deseja contender. Costuma-se mencionar que cerca de 90% (noventa por cento) de todos os casos criminais não chegam a ir a julgamento.
Por meio da plea bargaining, o Estado pode oferecer uma redução das acusações ou da sanção a ser aplicada na sentença em troca da confissão de culpa por parte do acusado.
Se o acusado decide confessar a culpa, deve ser agendada uma audiência para que ele manifeste sua decisão perante um magistrado. A confissão de culpa, ao mesmo tempo que é uma admissão de cometimento do delito se torna uma renúncia aos direitos que ele teria caso decidisse ir a julgamento. Por essa razão, na audiência, o juiz deve advertir o acusado sobre seus direitos à assistência por advogado, à produção de provas, a ir a julgamento e à não-autoincriminação, dentre outros. Também deve-se avaliar a voluntariedade da decisão, para que não haja nenhum tipo de coerção, a fim invalidar a confissão. Apenas caso a decisão do réu seja consciente e voluntária é que o juiz aceitará sua confissão de culpa, caso venha haver a certeza de que houve manipulação da confissão, o acordo não deve prosperar.
Já o nolo contendere, por sua vez, possui o mesmo efeito da confissão de culpa, ou seja, o réu será imediatamente sentenciado no âmbito criminal. A única diferença se dá, é que, enquanto a guilty plea serve igualmente de confissão no campo da responsabilidade civil, o nolo contendere não produz qualquer efeito sobre eventual ação civil de reparação dos danos causados pelo crime.
A 6ª Emenda à Constituição norte-americana prevê o direito ao julgamento pelo júri para todas as infrações graves, definidas pela Suprema Corte como aquelas passíveis de punição com prisão superior a 6 (seis) meses. As partes, entretanto, podem optar por levar o caso a um juiz singular, renunciando a seu direito constitucional.
Se o acusado for condenado pelo júri, ele será sentenciado pelo juiz togado, normalmente em uma audiência própria para a leitura da sentença.
Contra a sentença de condenação, o acusado pode apresentar apelação, incumbindo-lhe provar que não teve um julgamento justo, ou que a prova era insuficiente para sustentar o veredicto condenatório do júri. Paralelamente, o réu também pode invocar violações constitucionais através de uma petição de habeas corpus.
Para os fins desta presente pesquisa, entretanto, interessa examinar uma fase específica desse iter procedimental, qual seja, o processo de plea bargaining, que nos ensinamentos de Levenson (2008):
O plea bargaining consiste em um processo de negociação através do qual o réu aceita confessar culpa em troca de alguma concessão por parte do Estado, que pode ser de dois tipos básicos: (1) redução no número ou na gravidade das acusações feitas contra o réu; e (2) redução da pena aplicada na sentença ou na recomendação de sentença feita pela acusação (CHEMERINSKY, LEVENSON, 2008, p. 648).
Amplamente utilizado nos dias atuais, o plea bargaining começou a ser observado apenas no século XIX, pois, até então, os julgamentos criminais eram tão simples e rápidos que não se fazia necessária a adoção de qualquer procedimento diverso (LANGBEIN, 1979).
Até meados do século XVIII, o procedimento dos julgamentos pelo júri era sumário, apresentando elevado nível de eficiência, por algumas razões básicas: (1) a dispensa de profissionais com formação jurídica para os papéis de acusação e defesa, eliminando, assim, a procrastinação causada por petições e manobras judiciais; (2) a ausência do chamado “privilégio contra a autoincriminação”, o que, em outras palavras, significa dizer que o réu era ouvido como uma simples testemunha, obrigado a falar sobre os fatos que, melhor do que ninguém, presenciou; (3) as regras de apresentação das provas e de interrogatório das testemunhas eram mais simples e não permitiam a demora do sistema adversarial moderno; (4) a inexistência de regras de exclusão de provas (exclusionary rules of evidence), evitando a apresentação de impugnações por parte do acusado; e (5) a ausência de recursos nos julgamentos criminais (LANGBEIN, 1979).
Saliente-se, portanto, que da análise do procedimento de praxe acima suscitado, há de se observar que as vias tomadas pelo processo criminal são praticamente binárias, haja vista que ou as partes chegam a um consenso pelo acordo do Plea Bargaining tornando o processo findo com a homologação judicial dos termos negociados, ou as partes não chegam a um acordo comum e o processo toma o seu rumo natural, mais longo e moroso. Acerca de tal fato Feeley, citado por Brandalise, aborda a questão, ipsis verbis:
Em síntese, existem dois modelos junto às cortes criminais, de acordo com o sistema americano, que nos ensinamentos de Brandalise (2016):
“the due process model: por ele, há a realização do sistema adversarial em sua versão mais conhecida, pela qual há um embate entre as partes (Estado e acusado), com a nítida compreensão de que “um ganha e outro perde”. A definição da responsabilidade é feita pelo júri ou pelo juízo. Exige que o Estado cumpra o seu dever probatório quanto à acusação e possibilita que o acusado apresente provas em seu favor. Há a preocupação com a produção da justiça no caso concreto. Volta-se para a punição da conduta criminalmente tipificada, a condenação e a sentença final. Na teoria, mantém os direitos dos acusados e estabelece a culpa a partir de critério legais para apuração dela;
the plea bargain model (onde presente o nolo contendere): por ele há uma divisão na compreensão entre perdas e ganhos, na medida em que o acusado tende a receber uma pena menor do que aquela que teria caso houvesse um julgamento aos moldes anteriores, enquanto que a acusação perde certa quantidade de pena, mas ganha a certeza da condenação, que também se reflete em otimização dos recursos estatais destinados à persecução criminal (da mesma forma que há uma redução de custos a serem suportados pelo acusado na promoção de sua defesa, além da melhor preservação da imagem e do tempo consumido). Também ele demonstra uma preocupação entre juízes, prosecutors e advogados com a administração da justiça, na medida em que auxilia rápido processamento e conclusão da carga de processos que assola o sistema. Aqui, o ponto central da punição passa pelo prosecutor, que define as acusações, o estabelecimento da culpa e a quantidade a ser imposta na sentença”. (BRANDALISE, R.D.S 2016, p.153-157).
Repisa-se que o Plea Bargaining é um método de resolução de demandas criminais, feitas por meio do consenso entre acusador e acusado que eventualmente chegam a uma conclusão do conteúdo da sentença. Já o juiz, segundo Brandalise (2016), a saber:
“Anuncia existir base fática para as acusações acordadas (como visto alhures, não está vedado de produzir prova, se assim entender necessário); verifica se o acusado não está sob qualquer influência que vicie sua vontade; afere se ele compreende a acusação e as consequências de sua aceitação; e se ele tem a devida noção da implicação da não utilização de seus direitos processuais. (BRANDALISE,R,D,S 2016, p.133).
O plea bargaining é derivado do sistema jurídico common law, ou seja, o acordo feito entre acusador e acusado, é algo que é difundido desde muito tempo. Eles não se baseiam em leis escritas, como aqui no Brasil. Segundo alguns estudos, quase todos os casos penais nos Estados Unidos são resolvidos por meio desse acordo. O sistema do common law possui características totalmente diferentes do civil law, no que diz respeito à aplicação do direito em casos concretos.
O common law por sua vez, é a tradição jurídica Anglo-saxônia, que se desenvolveu na Inglaterra e depois foi para as colônias britânicas, especialmente, ao que nos interessa nesse assunto, para os Estados Unidos. Essa tradição jurídica tem como principal fonte do direito, o costume, por isso esse direito também é chamado de consuetudinário, que nada mais é, que direito costumeiro. Quando duas pessoas litigam, brigam por determinada questão, precisa-se saber qual é o costume a ser aplicado, não existe outra solução, a não ser o juiz dizer que costume será aplicado naquela situação, por isso, também se diz que o precedente, decisões judiciais, são fontes do direito na tradição do common law.
Cada país tem seu próprio sistema jurídico. O Brasil adota o civil law, tendo as leis como principal fonte do direito. Há de se observar, que não há a necessidade de modo inicial, em tornar as decisões tomadas para determinados casos, em precedentes vinculantes, para casos posteriores, desempenhando assim, função secundária do direito. Já os países em que o common law é aplicado, é exatamente isso que acontece, eles utilizam dos costumes para que ocorra a aplicação da lei.
3. O PLEA BARGAINING CONSOANTE AO PROJETO DE LEI 8.045/2010
O sistema processual penal brasileiro é um sistema caro, moroso, de difícil resolução. Em virtude de todas essas questões, o Brasil vem tratando de um assunto pouco difundido, que é o instituto Norte-Americano Plea Bargaining, um instrumento que visa o acordo entre a acusação e o acusado de uma sentença mais branda, visando a celeridade processual e dasabarrotamento de processos penais no judiciário.
No dia 21/12/2010 foi encaminhado à Câmara dos Deputados, um projeto de lei criado pelo Senador José Sarney, no qual visava reformar o processo penal brasileiro, tudo conforme o artigo 65 da Constituição Federal. Ao chegar à Câmara, o projeto recebeu o número 8.045/2010.
De acordo com os trâmites do regimento interno da Câmara dos Deputados, o projeto de lei foi destinado à coordenação de comissões permanentes da Câmara, lá permanecendo desde o dia 23/03/2011.
Na comissão de acompanhamento de assuntos legislativos e prerrogativas institucionais, foi instituído um comitê especial para que fosse feita a análise do PL 156/2009, aprovado no senado Federal, na Câmara, (PL 8.045/10), para eventuais alterações, passíveis de emendas ao referido projeto de lei.
Dada a recomendação eminentemente prática recebida pelo comitê, foi adotada como critério a criação de propostas pontuais, aptas a serem analisadas e apresentadas como emendas isoladas. Houve grande prioridade acerca da identificação de todos os pontos que pudessem gerar conflito, relacionado ao projeto, na perspectiva da defesa da sociedade e dos interesses da vítima.
O artigo 283 do projeto de lei 8.045/2010 traz consigo a possibilidade do acusado, até o recebimento da denúncia, por seu defensor, entrar em acordo com o Ministério Público para que haja a aplicação imediata da pena, desde que respeite os limites estabelecidos no referido artigo, como veremos abaixo:
Dê-se ao art. 283 do projeto de lei nº 156/09 a seguinte redação:
Art. 283. Até o recebimento da denúncia, o Ministério Público e o acusado, por seu defensor, poderão requerer, em conjunto, a aplicação imediata de pena nos crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse 8 (oito) anos, podendo o juiz proferir sentença condenatória, desde que:
I – haja confissão total, em relação aos fatos imputados na peça acusatória, por meio de termo assinado pelo réu e seu defensor ou por interrogatório designado para este fim;
II – a pena seja aplicada no mínimo cominado;
§1º Aplicar-se-á, quando couber, a substituição da pena privativa da liberdade, nos termos do disposto no art. 44 do Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, bem como a suspensão condicional prevista no art. 77 do mesmo Código;
§2º O acusado estará isento das despesas e custas processuais
[...]
§7º. O juiz, ao receber a denúncia, homologará o acordo, aplicando a pena nele ajustada.
[...]
§9º. Se o acordo não for homologado, será ele desentranhado dos autos, ficando as partes proibidas de fazer quaisquer referências aos termos e condições então pactuados, tampouco o juiz em qualquer ato decisório.
§10. O juiz só não homologará o acordo se verificar a inobservância dos critérios deste artigo ou a ocorrência de coação.
São crimes que não ultrapassem oito anos de reclusão e desde que não tenham sido praticado com violência ou grave ameaça. Vale ressaltar ainda, que deve haver o preenchimento de uma série de requisitos, como o acordo de confessar o crime, de não recorrer da decisão e que de imediato passe a cumpri-la, sem que haja a necessidade de um processo judicial. Esse projeto sofreu severas críticas, pois para muitos, a implantação desse instituto jurídico, que é bem parecido com o modelo Norte-Americano de negociação para a resolução de conflitos, chamado (Plea Bargaining), violaria uma serie de direitos e garantias constitucionais, como menciona Musgo (2018):
“O plea bargaining é instituto de origem na common law e consiste numa negociação feita entre o representante do Ministério Público e o acusado: o acusado apresenta importantes informações e o Ministério Público pode até deixar de acusá-lo formalmente”. (MUSGO, F.R, 2018).
O Brasil e os Estados Unidos são regidos por sistemas jurídicos totalmente distintos, caso haja de fato importações de parte do sistema processual penal americano, ele deverá passar por diversas alterações, para que seja adequado ao nosso ordenamento, evitando assim, colisões com a Constituição Federal e Legislação Infraconstitucional.
Apesar de pouco tratado no Brasil, esse assunto já foi abordado em outros projetos de lei, como a PL 236/2012, proposto pelo PSL, que também traz consigo em seu artigo 105, a barganha negocial. Há também uma resolução editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público de número 181 de 07 de agosto de 2017, em que trata da possibilidade do acordo de não persecução penal, ou seja, a não investigação criminal.
Esse ato normativo foi editado com fundamento na competência fixada pelo art. 130-A, § 2º, I, da Constituição Federal de 1988, e nos artigos 147 e seguintes do Regimento Interno do CNMP, veio das conclusões alcançadas pelo Procedimento de Estudos e Pesquisas, e tinha como essência a “carga desumana de processos que se acumulam nas varas criminais do País e que tanto desperdício de recursos, prejuízo e atraso causam no oferecimento de Justiça às pessoas, de alguma forma, envolvidas em fatos criminais”. (STRECK, L. L., SARLET, I. W., & CLÈVE, C. M. 2005).
Sobre este fundamento, o estudo reconhecia que o ideal seria que todos os processos penais passassem pelo crivo do Poder Judiciário e que as decisões condenatórias fossem emitidas em observação ao devido processo legal, em especial do contraditório e da ampla defesa. Acontece que o Brasil está longe do mundo ideal e é necessária a implantação de alguma solução para dar fim a uma carga excessiva de processos criminais.
É importante observar que este não é um problema exclusivo do Brasil, um estudo feito pelo CNMP indica que mesmo como países desenvolvidos, como a Alemanha já se reconhece a necessidade da implantação de um sistema de princípio da oportunidade, até mesmo por doutrinadores contrários a este instituto, como o Professor (BERND 2009), em seus ensinamentos se manifestou:
“O ideário do século XIX, de submeter cada caso concreto a um juízo oral completo (audiência de instrução e julgamento), reconhecendo os princípios da publicidade, oralidade e imediação somente é realizável em uma sociedade sumamente integrada, burguesa, na qual o comportamento desviado cumpre quantitativamente somente um papel secundário. Nas sociedades pós-modernas desintegradas, fragmentadas, multiculturais, com sua propagação quantitativamente enorme de comportamentos desviados, não resta outra alternativa que a de chegar-se a uma condenação sem um juízo oral detalhado, nos casos em que o suposto fato se apresente como tão profundamente esclarecido já na etapa da investigação, que nem sequer ao imputado interessa uma repetição da produção da prova em audiência de instrução e julgamento”. (BERND SCHÜNEMAN 2009, P.423)
Há ainda a possibilidade da aplicação consensual de pena restritiva de direitos, desde que o crime cometido seja de menor potencial ofensivo. Esses projetos de lei têm como influência, o instituto do Plea Bargaining Norte-Americano, que visam trazer para o país, uma justiça mais rápida, e econômica, como a justiça americana.
Apesar desse instituto, caso seja de fato instituído na nossa legislação processual penal, deve ser observado que o sistema judiciário americano é muito diferente do sistema jurídico brasileiro. Eles partem de pressupostos totalmente diferentes dos nossos, para aplicarem a lei.
Neste cenário, verifica-se que o supracitado Projeto de Lei visa estabelecer uma proposta de negociação penal, com a finalidade de inovar o sistema jurídico brasileiro, fazendo isso por meio da importação de institutos processuais, ou ao menos a sua essência, originados do direito estrangeiro, com a intenção de dar nova roupagem à justiça criminal nacional, e de torná-la adepta dos mecanismos de consenso, construindo uma verdadeira justiça penal negociada no território nacional.
4. POSSÍVEIS VIOLAÇÕES A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COM A INTRODUÇÃO DO PLEA BARGAINING NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Ao se falar em mudanças no código penal brasileiro como em qualquer outro, é de fundamental importância que sejam observados os princípios constitucionais, de modo que o novo texto que venha ser incorporado, não afronte tais princípios.
Há como pilar fundamental no sistema jurídico brasileiro, a observância do princípio do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, esses princípios devem ser exercidos de maneira plena, de modo a evitar prejuízos a quem efetivamente precisam se defender.
A Constituição Federal foi clara ao dizer que: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV), (CONSTITUIÇÂO FEDERAL, 1988). E, ainda, acentuou que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5º, LIV). Obviamente, fica clara a menção ao due processo of law, que abarca todas as garantias processuais. (GRINOVER, Ala Pellegrini, p. 9-18, 1991.).
Há severas críticas sobre a aplicação do Plea Bargaining no processo penal brasileiro, pois quando o acusado assume de fato sua culpa e decide pelo acordo, abre mão do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, após o acordo, deixa de ter o direito de produzir novas provas sobre o caso. A análise desses princípios descritos acima é de fundamental importância para que haja um processo justo e que atenda todas as normas da Constituição Federal.
A Carta Magna em seu artigo 5º, LIV prevê que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. A expressão “devido processo legal” deriva da expressão inglesa due process of law. Law, porém, significa Direito, e não lei. A observação é de suma importância, pois o processo deve estar em conformidade com o direito, e não somente com a lei.
O processo deve ser justo, imparcial e observar todos os princípios constitucionais, em especial, aqueles que norteiam o processo penal. Com a possível aplicação desse instituto americano no Brasil, esses princípios podem acabar ficando em segundo plano, pois quando o acusado decide pelo acordo, abre mão de uma série de prerrogativas, entre elas, o direito de recorrer da sentença, mesmo que depois ache que o acordo não tenha lhe sido tão favorável, uma vez que o referido artigo ao ser homologado, não é passível de qualquer recurso, devendo assim, ser cumprido.
Seguindo o mesmo raciocínio, Birck Alexandre de Azevedo(2018), preceitua:
“O devido processo legal é uma cláusula aberta, indeterminada, mas não vazia de conteúdo, dele defluindo vários princípios, que a jurisprudência vai reconhecendo e aplicando aos casos concretos. Para esse autor, a cláusula representa mais que a mera obediência à lei processual, abrigando dois pontos principais. O primeiro é o referente ao recurso a que recorre o Poder Judiciário para tornar ilegais as atividades dos Poderes Executivo e Legislativo. O segundo, ressalta o autor, citando Odone Sanguiné, não se limita à determinação processual (procedural due process), pois se estende também à garantia de direitos substanciais (substantive due process), impedindo que o gozo desses direitos seja restringido arbitrariamente”. (BIRCK, Alexandre de Azevedo, 2018).
A negociação proposta pelo artigo 283 do projeto de lei 8.045/2010 é imposta antes da instrução processual, consequentemente sem a produção de provas. O que leva o inquérito policial a um patamar diferente, passar a ter um destaque maior, pois se torna o único meio de prova existente.
O inquérito, de acordo com Streck (2005), é um modelo defasado de investigação, unilateral, sigiloso e sem ampla defesa e contraditório. Como visto anteriormente, a observância desses princípios é de fundamental importância para que todos os direitos que são assistidos ao acusado, não sejam desrespeitados.
Vale destacar, que o principal meio de prova é a confissão, o que pode ser facilmente manipulado. Há a possibilidade de coerção por parte de terceiros para que determinado acusado confesse crime que de fato não cometeu, o que tornaria nulo, qualquer tipo de processo.
É por essa razão, que a aplicação do Plea Bargaining ou de qualquer outro instituto que modifique de maneira significativa o ordenamento jurídico, deve atender às todas as normas e princípios preexistentes, a fim de evitar que, ao serem aplicadas de fato, tragam prejuízos irreparáveis para a parte.
4.1 As Vantagens e Desvantagens da Aplicação desse Instituto no País
Com relação ao posicionamento a favor da aplicação do Plea Bargaining, ele deveria ser introduzido no ordenamento, por razões práticas, uma vez que os acusados evitariam o tempo e valor elevado das custas de uma defesa judicial, um risco maior de ser condenado a uma pena mais severa, além da promotoria economizar tempo e recursos com a morosidade do processo. As duas partes obteriam um resultado, sem ter que depender do posicionamento de um pronunciamento judicial. Esse procedimento, não permite que o juiz tenha acesso às provas obtidas, ele age apenas homologando o acordo.
O ministério público e o acusado é que controlam os resultados do processo, exercendo seus direitos e barganhando sobre eles. Após o acordo ter sido homologado, ele se torna público. Qualquer um deles podem propor o acordo, mas só torna-se válido, se o acordo for vantajoso para ambas as partes.
A ideia principal da vantagem do Plea Bargaining é sem sombra de dúvidas, a rápida solução de crimes que não sejam cometidos mediante violência ou grave ameaça, crimes mais brandos, e dessa forma, evitar que se amontoem milhares e milhares de processo que poderiam ser resolvido sem precisar passar por todo um trâmite judicial.
As vantagens da aplicação desse instituto, de acordo com uma óptica geral, seria portanto, uma maior celeridade processual, diminuição de demandas no poder judiciário, diminuição significativa das custas e despesas que seriam poupadas em uma ação judicial, além da satisfação do acusado, evidenciando sobremaneira, uma análise custo-benefício positiva para as partes e as instituições do Ministério Público e da Justiça.
Entretanto, ao que diz respeito às desvantagens desse instrumento aplicado ao modelo brasileiro, como visto anteriormente, há possibilidade de violações a princípios previstos na Constituição Federal, que são de suma importância para que haja um processo justo, legal, e dentro dos parâmetros permitidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Além de haver os riscos provenientes de uma possível coação por parte de alguém para que o acusado confesse um crime que na verdade não cometeu, podendo também haver sanções desproporcionais ao crime cometido, bem como aumento da população carcerária, que no Brasil já é imensa.
Há ainda, a impossibilidade recursal, pois uma vez homologado o acordo, o acusado não pode voltar atrás. Vale ressaltar ainda, que os advogados podem estreitar seus laços com o Ministério Público para manipularem seus clientes a realizarem o acordo, independentemente da sua conveniência.
5. CONCLUSÃO
Falar sobre a aplicação desse instituto americano no ordenamento jurídico brasileiro não é algo simples, tendo em vista a sua tamanha complexidade por todo o exposto aqui apresentado, conclui-se que necessita de uma análise a todas às suas peculiaridades, já que, se trata de um sistema totalmente diferente do nosso.
Como já visto, o sistema jurídico brasileiro adotado, é o civil law, aquele baseado na primazia da lei escrita, e aos precedentes jurisprudenciais. Esse sistema se amolda perfeitamente à Constituição Federal, diferentemente do sistema common law, que é aquele que a principal fonte do direito é o costume, as decisões jurisprudenciais tem um poder bem maior que as decisões do modelo anterior, aqui elas assumem papel principal, se sobrepondo até mesmo à legislação.
É de fundamental importância o estudo da possível aplicação desse instituto no processo penal brasileiro, pois caso ele de fato venha ser introduzido através do projeto de lei 8.045/2010, ou de quantos outros possam surgir, trará mudanças significativas, pois tratará de um dos direitos mais importantes a serem tutelados, que no caso, é a liberdade.
Por certo, o nosso sistema legal, ao fazer uso desse instrumento processual americano, teria que sofrer muitas adaptações, visto que há desrespeito a diversos princípios constitucionais importantes, tais como, o princípio da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e contraditório, além de tantos outros. Pois não seria suficiente alegar a redução de custos, a menor morosidade, ou uma pena mais branda, se não fosse colocado acima disso, o respeito a todos os direitos e garantias fundamentais, disciplinados na Constituição Federal de 1988.
Diante disso, é compreensível que o Plea Bargaining seria um instrumento válido de defesa, que poderia ajudar o judiciário a se desafogar de tantas demandas, podendo resolver conflitos de maneiras mais fáceis e sem tanta burocracia, mas é evidente que para que isso ocorra, é necessário que seja feita de uma forma limpa, respeitando todas as garantias e prerrogativas de quem for fazer uso do acordo. Caso assim ocorra, trará uma nova roupagem à justiça criminal nacional, construindo assim, uma verdadeira justiça penal negociada.
REFERÊNCIAS
BIRCK, Alexandre de Azevedo et al. O institudo despenalizador da transação penal previsto na lei 9.099/95: uma análise sob o prisma dos princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e presunção de inocência. 2018.
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[1]Orientador, Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. E-mail: [email protected].
Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostino – UNIFSA – Teresina-PI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Débora Dayane de Carvalho. A possível aplicação do plea bargaining no processo penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2019, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53850/a-possvel-aplicao-do-plea-bargaining-no-processo-penal-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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