CRISTIANE DORST MEZZAROBA[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente artigo discorre sobre as medidas socioeducativas aplicadas no Centro de Atendimento Socioeducativo – CASE, de Palmas/TO, visando a ressocialização dos adolescentes infratores em regime de internação. O estudo partiu de uma abordagem histórica da legislação pertinente à infância e adolescência no Brasil, até a instituição da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, cuja promulgação foi um verdadeiro marco de inovação na proteção integral dos direitos da criança e do adolescente. Sob a ótica da ressocialização de adolescentes infratores, o ECA preconiza medidas de natureza socioeducativas e sancionatórias. Tais medidas possuem o intuito de afastá-los da criminalidade, dos vícios em substâncias psicoativas e de situações que apresentem riscos a sua integridade física e psíquica. Ao analisar o CASE de Palmas-TO, se identificou as medidas socioeducativas aplicadas, além do perfil do interno e a estrutura física e humana da unidade. Percebeu-se que a maioria dos adolescentes infratores estão inseridos em lares carentes e conflituosos, dificultando a concretização da ressocialização. Desse modo, persiste a necessidade de estender, efetivamente, o sistema socioeducativo aos seus familiares, a fim de envolver todo aquele núcleo familiar na ressocialização integral e definitiva do adolescente egresso, com o escopo de prevenção à reincidência.
PALAVRAS-CHAVE: Medidas socioeducativas; Adolescentes infratores; Centro de Atendimento Socioeducativo.
ABSTRACT: This This article discusses social and educational measures applied at the Socio-Educational Care Center – CASE (in Portuguese), in Palmas, Tocantins, aiming to contribute with the resocialization of adolescent offenders internees in the unit. The study initiated from a historical approach of the legislation pertinent to childhood and adolescence in Brazil, until the institution of the Law 8.069 / 1990 - Statute of the Child and the Adolescent – ECA (in Portuguese), whose promulgation was a true mark of innovation in the integral protection of the rights of children and the teenagers. From the perspective of the resocialization of adolescent offenders, ECA profess socio-educational and sanctioning measures. They are intended to remove them from criminality, addiction to psychoactive substances and situations that pose risks to their physical and mental integrity. Analyzing Palmas’ unit, it were identified the socio-educational measures applied, in addition to the profile of the intern and the physical and human structure of the unit. It was noticed that most adolescents are inserted in lacking and conflicting homes, making it difficult to achieve the resocialization. Thus, the need to effectively extend the socio-educational system to their families persists, in order to involve that family in the complete and definitive resocialization of the egressed adolescent, with the intent of preventing recurrence.
KEYWORDS: Adolescent Offenders; Resocialization; Social and Educational Measures; Socio-Educational Care Center.
Sumário: 1 Introdução – 2. Adolescentes Infratores: aspectos históricos e sociais das legislações brasileiras até o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990: 2.1 O Código de Menores de 1979 e a Constituição Federal de 1988; 2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente – Eca: 2.2.1 As medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. 3 As Medidas Socioeducativas aplicadas no Centro de Atendimento Socioeducativo De Palmas – Tocantins: 3.1 Atendimento Multidisciplinar e Estrutura Física do Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas – CASE; 3.2 O Perfil do Adolescente; 3.3 A Necessidade da Inclusão da Família à Programas de Acompanhamento para evitar a Reincidência do Jovem Egresso. 4 Considerações Finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Ao descrever sobre a temática em tela, a princípio se fez necessário fazer uma reflexão no documento publicado pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE, que indicou o número total de 25.929 adolescentes e jovens (12 a 21 anos) em atendimento socioeducativo nas unidades voltadas à restrição e privação de liberdade classificadas como internação, internação provisória e semiliberdade, na data de 30 de novembro de 2016, além de 521 adolescentes em outras modalidades de atendimento, tais como, atendimento inicial ou internação sanção, com um total geral de 26.450 adolescentes e jovens incluídos no sistema (BRASIL, 2018).
A funcionalidade do Estado consiste em estabelecer políticas públicas que assegurem a proteção das crianças e adolescentes em todo território brasileiro.
As instrumentações legais e jurídicas no Brasil encontram-se pautadas na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, que norteiam as políticas socioeducativas caso ocorram a prática de atos infracionais dos adolescentes na contemporaneidade.
Os respectivos documentos são essenciais devido ao número crescente de adolescentes que cometem atos criminais cada vez mais cedo e devem ter legitimações para que possam ser julgados, privados de sua liberdade com ações pedagógicas e, posteriormente, o direito a ser ressocializado e reintegrado à sociedade como um novo cidadão.
Nesse contexto, o presente estudo teve como problemática a ser respondida: quais as medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes internados no Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas que buscam ressocializar o jovem infrator?
Para tanto, estabeleceu-se o objetivo geral que visa verificar quais as medidas socioeducativas estão vinculadas à ressocialização aplicadas aos adolescentes infratores internos do Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas – CASE, no estado do Tocantins.
Na sequência, apontou-se os objetivos específicos que estão organizados em: descrever um breve contexto histórico e social das medidas socioeducativas no Brasil até a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA em 1990; contextualizar o ordenamento jurídico que disciplina as sanções aos adolescentes infratores; Discorrer sobre as medidas socioeducativas do Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas – CASE. Por fim, evidenciar a importância de medidas ressocializadoras e o atendimento por meio de programas sociais para as famílias dos socioeducandos, como formas de combate à reincidência do adolescente infrator egresso na sociedade tocantinense.
Assim, para alcançar as respostas do problema, bem como dos objetivos, efetivou-se um levantamento epistemológico, mediante a busca bibliográfica em livros, artigos e sites que versam sobre o objeto de estudo.
Seguidamente, foi realizada uma análise empírica no Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas, mediante uma abordagem qualitativa com o objetivo descritivo, através de vistoria in loco, que permitiu informações sobre o perfil desse adolescente infrator, bem como a estrutura física da unidade de internação.
Assim, tornou-se imprescindível executar essa pesquisa, visto ser uma questão de ordem social, pois paira sobre a sociedade a sensação de impunidade com relação aos adolescentes infratores e, para tanto, deve-se discutir as abordagens que estão sendo tomadas para diminuir a criminalidade e proporcionar medidas socioeducativas de internação e ressocialização dos adolescentes.
O respectivo estudo foi realizado pela importância social. Ademais, os dados encontrados permitem reflexões principalmente para estudantes, professores e profissionais que atuam no ramo do direito, por se tratar de uma temática de relevância social.
2 ADOLESCENTES INFRATORES: aspectos históricos e sociais das legislações brasileiras até o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990
A Santa Casa de Misericórdia foi o primeiro registro na história, em 1543, de instituição que acolhia e prestava auxílio à criança e ao adolescente, dando ensejo inicial ao que hoje é denominado Direitos da Criança e do Adolescente (LORENZI, 2016).
Porém, não existia ainda garantias legais e jurídicas para assegurar os direitos para a faixa etária dos adolescentes. Com isso, no Brasil havia necessidade de normatizações legais que pensassem nas crianças e nos adolescentes como sujeitos que deveriam ter o seu direito resguardado em algum preceito legal e constitucional, para viabilizar a garantia ao seu desenvolvimento enquanto cidadão pertencente a uma sociedade.
O Código Criminal do Império, de 1830, classificava os adolescentes pertencentes as classes de maior vulnerabilidade social como “pessoas pretensas ao crime”. Pairava o entendimento de que crianças e adolescentes negros, pobres, órfãos e em situação de rua se tornariam criminosos, deixando claramente um dualismo no país entre os pobres e a elite dessa época.
É somente com o Código Penal de 1890 que ocorre a reprimenda da infância pobre brasileira, de maneira política, oriunda das “ideias positivistas, aliadas ao movimento higienista e a todo um novo aparato jurídico”, taxando a partir daí, e com muito mais ênfase jurídica a “produção do menor enquanto objeto normativo” (CUSTÓDIO, 2009, p. 14). Nesse sentido:
Nessa época surge à criminalização, de condutas como a vadiagem e a capoeira, tornando a legislação penal uma verdadeira forma de controle das classes sociais. Foi criado o Instituto Disciplinar em 1902 para crianças consideradas como “menores delinquentes”, no qual eram tomadas medidas de caráter simbólicas com esse público, ou seja, por meio dessa nova estrutura institucional é que se passou a estabelecer os direitos infanto-juvenis entre os séculos XIX-XX, ocorrendo uma verdadeira institucionalização desse público, sem qualquer critério ou observância profunda de direitos.
A primeira normativa que tinha por escopo a proteção dos menores, especialmente aqueles que os delitos tinham vinculação direta com a pobreza, somente foi instituída em 1923, por meio do Decreto n. 16.272. Quatro anos depois foi promulgado o primeiro Código de Menores do Brasil, Decreto n.17.943-A, sistematizado pelo Juiz de Menores do Rio de Janeiro, José Cândido Albuquerque de Mello Mattos, publicado em 12 de outubro de 1927, sendo o primeiro da América Latina (CUSTÓDIO, 2009, p. 16).
O Código de Menores de 1927, conhecido como Código Mello Mattos, é considerado o marco inicial legislativo do Brasil que considerava a inimputabilidade etária para criança e adolescentes, diferentemente do Código Penal de 1890, em que crianças podiam ser levadas aos tribunais a partir dos 9 anos da mesma forma que os criminosos adultos.
Contudo, destaca-se que o Código Mello Mattos tratava igualmente os menores abandonados e infratores, ou seja, ambos poderiam ser internados em orfanatos, sem considerar as peculiaridades de cada caso: “Art. 1º: O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente ás medidas de assistência e proteção contidas neste Código” (BRASIL, 1927).
Todavia, restou confirmada a imputabilidade absoluta penal para menores de 14 anos:
Art. 68. O menor de 14 anos, indigitado autor ou cumplice de fato qualificado crime ou contravenção, não será submetido a processo penal de, espécie alguma; a autoridade competente tomará somente as informações precisas, registrando-as, sobre o fato punível e seus agentes, o estado físico, mental e moral do menor, e a situação social, moral e econômica dos pais ou tutor ou pessoa em cujo guarda viva (BRASIL, 1927).
Dentre os pressupostos, já continha no supracitado Código a necessidade de regenerar e educar esse menor no sentido de receber uma assistência para promover mudanças.
Em 1941 foi criado o Serviço de Assistência a Menores – SAM, que tinha o objetivo de proteger os adolescentes institucionalizados. A criação desses institutos foi um passo importante para a política de atendimento de menores em estabelecimentos governamentais, que até então eram feitas pelos juizados de menores (CUSTÓDIO, 2009, p. 17).
O SAM foi instituído no governo liderado por Getúlio Vargas, em 1941. Tratava-se de um órgão que deveria ter o seu funcionamento semelhante ao sistema penitenciário, cuja diferença era a faixa etária atendida, os menores de 18 anos. Era considerada uma política de assistencialismo e repressão para a criança e ao adolescente, na qual se acreditava que estes seriam curados mediante um tratamento e reconduzidos ao padrão moral pregado pela sociedade, o que, por sua vez, em 1960, receberia o nome de Fábrica de Delinquentes, pelas sucessivas denúncias realizadas através dos jornais e discutidas na Câmara dos Deputados pela tortura, maus tratos e instalações que não ofertavam condições mínimas para um ser humano.
A partir de então houve uma abertura na política social que permitiu a instalação, no Brasil, em 1950, do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, que tem por cerne das suas atividades a proteção ao menor, sob a ótica da dignidade e dos Direitos Humanos.
Doravante, no dia 1° de novembro de 1964, no então Estado da Guanabara, foi criada a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, conhecida como FEBEM mediante a autorização da Lei n.4.513/1964, tendo por finalidade prestar a assistência aos menores de até 18 anos.
Apesar disso, resta notório que as ações continuavam realizando atos controladores e repreensivos sem uma política de assistência mínima para propor mudanças e estímulos para ressocializar.
Com a necessidade de regulamentar a execução das medidas que previam a assistência aos adolescentes em situação irregular, foi promulgado o Novo Código dos Menores, instituído pela Lei n. 6.667/1979, que estabeleceu a proteção de crianças e adolescentes, vítimas das omissões da família e do Estado, nos casos de prática de atos infracionais e abandono. A Lei passou a vigorar como instrumento de controle social da infância e do adolescente (PORTAL EDUCAÇÃO, 2013).
2.1 O CÓDIGO DE MENORES DE 1979 E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
O Código de Menores de 1927 foi revogado dando lugar ao Novo Código de Menores, de 1979. Apesar de ter mantido seu princípio de arbitrariedade e repressão infanto-juvenil, introduziu o conceito de menor em situação “irregular”, que se tratava de crianças inseridas em fatores de perigo, surgindo, então, o Fundo Nacional do Bem Estar do Menor, conferindo a autoridade judiciária poderes ilimitados em razão do tratamento e destino da população infanto-juvenil (LORENZI, 2016).
Entre as críticas ao novo instrumento legislativo, destaca-se que
apesar de os discursos expressarem intenções educativas, respondendo ao contínuo aumento da demanda por educação principalmente nas áreas onde se implantam as novas formas de produção próprias do capitalismo industrial, as práticas adotadas se pautaram pelo isolamento e repressão dessas crianças, chamadas de menores (LORENZI, citado por OLIVEIRA, 2014 , p. 32).
Em seu escopo, o novo Código não previa políticas que pudessem contribuir para alterar os comportamentos das crianças e adolescentes, de ambos os gêneros, em situação irregular. O documento instruía o controle social da infância e da adolescência daquelas vítimas que tinham sofrido omissão por parte da família, da sociedade e do Estado no que tange aos direitos básicos.
Não eram previstos no Código de 1979 mecanismos dirigidos à prevenção do crime por parte dos adolescentes. A legislação aplicava-se apenas nos conflitos instalados em situações de perigo que poderiam deflagrar na marginalização dos menores. Outro ponto salutar referia-se as diretrizes de medidas de proteção que ampliava os poderes das autoridades judiciárias para corrigir os casos de desajuste de conduta dos adolescentes na sociedade.
Importante destacar que os direitos de infância e da juventude não eram considerados pelo Código de Menores de 1979, mas somente a necessidade de adequações para garantir o processo de transformar esse infrator em cidadão munido de deveres e direitos.
Somente na década de 1980 novos olhares surgem e buscam documentos que tratam sobre a proteção e garantia de direito aos menores. Esses foram estabelecidos com o advento da Democracia e da Constituição Federal do Brasil de 1988, mediante o reconhecimento de criar políticas legais voltas para crianças e adolescentes no que se refere às medidas punitivas de atos infracionais.
A partir de 1988 o foco passou a ser uma doutrina de proteção integral da criança e adolescente, conforme preconizado pela Organização das Nações Unidas e traduzido no artigo 227 da Carta Magna:
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.
(...)
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;
IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
VI - estímulo do poder público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.
§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
§ 5º A adoção será assistida pelo poder público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204.
§ 8º A lei estabelecerá:
I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;
II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas (BRASIL, 1988).
Apesar do Código de Menores ser o marco inicial para que os direitos e garantias voltadas ao público infanto-juvenil fossem estabelecidas, como iniciar a reflexão da obrigação do Estado e da família na proteção, desenvolvimento, conhecimento e todas as suas peculiaridades como ser humano ainda em formação, foi a Constituição Federal de 1988 que promoveu a abrangência dos direitos da criança e do adolescente, fazendo surgir a necessidade de um novo instrumento legal voltado para os menores.
2.2 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ECA
A Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente– ECA trouxe as diretrizes de proteção, desenvolvimento, instrução e inserção no convívio social da criança e do adolescente menores de 18 anos, com base no artigo 227 da Constituição Federal de 1988.
Instituído há 29 anos, o ECA substituiu o Código de Menores de 1979 trazendo uma ruptura de paradigma no tratamento até então dado às crianças e adolescentes, tornando-se um importante marco em termos de legislação que busca defender e proteger os menores.
Uma das mudanças mais significativas em relação ao dispositivo anterior, foi a diferenciação entre criança e adolescente pelo critério etário:
Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (BRASIL, 1990).
O termo utilizado muitas vezes para classificar o menor de idade não pode ser configurado como sinônimo para criança ou adolescente, vez que embora ambos estejam protegidos em seus direitos, possuem responsabilização diferenciada para seus atos.
Esses estereótipos podem enfatizar que tais indivíduos não podem ser considerados como sujeitos que gozam de direitos na sociedade. Para tanto, a Agência de Notícias dos Direitos da Infância – ANDI, defini que todo menor de dezoito anos de idade deve chamado por nomes mediante uma regra explicitada, que denomina criança, menina, menino, garota, garoto, adolescente, rapaz, moça ou jovem, sem adjetivos de moleques ou delinquentes.
Criança, menina, menino, garota, garoto, adolescente, rapaz, moça, jovem, ao invés de menor, moleque e outros. Isso porque o termo “menor” reproduz o conceito de incapacidade na infância, sendo estigmatizante e discriminatório – e remete ao extinto Código de Menores (ANDI, s/d, p. 01).
Outro termo que precisa ser contextualizado e transmitido à sociedade é a terminologia ato infracional para os adolescentes que praticam condutas equiparadas a crimes ou contravenção penal (BRASIL, 1990). Assim, o adolescente que comete ato infracional é denominado adolescente infrator e, não por estereótipos pejorativos como criminoso ou bandido. Para tanto, a Lei n°. 8.069/90 preconiza, em seus artigos 104 e 105:
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.
Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101 (BRASIL, 1990).
A punibilidade prevista para os adolescentes ao praticarem atos infracionais deixa explícito que o sujeito, até os 18 anos de idade, e excepcionalmente até os 21 anos de idade, terá a sua responsabilização definida pelo sistema socioeducativo regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, todavia, caso o jovem maior de 18 anos venha praticar um crime, em regra, terá a sua pena determinada pelo Código Penal.
Assim, a sanção aplicada é no sentido de proporcionar reflexão ao infrator sobre a ação cometida, visto que eles deverão cumprir suas medidas de punibilidade em um ambiente que promova a internação e o desenvolvimento de atividades pedagógicas e a ressocialização para inserção na sociedade.
Nesse sentido, a inimputabilidade definida no ECA é necessariamente etária, ou seja, até a idade de 18 anos incompletos o adolescente não responderá por crime, mas por ato infracional (COUTO, 2014, p. 01).
Importante destacar que o ECA trouxe uma ligação entre a sanção penal e o campo educacional ao designar que cabe à instituição de ensino ofertar vaga de forma obrigatória, universalizar os direitos, que antes eram restritos, a modificação do caráter anteriormente discriminatório que associava a pobreza à delinquência, e que excluía de seu contexto as dificuldades vividas pelo público infantil, bem quanto as desigualdades sociais e as escassas oportunidades para que crianças e jovens se desenvolvessem e participassem da vida em sociedade. Servindo como instrumento de exigibilidade de direitos, e não mais como instrumento de controle pelo Estado.
2.2.1 As medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente
Após a promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente se instalou o mito de que adolescente não é apreendido e permanece impune por atos infracionais praticados. Este é um fato inverídico, e que dificulta a reinclusão do infrator, facilitando a reincidência de ato infracional do adolescente (CINTI, 2012, p.1); isto porque, tal entendimento faz com que a sociedade, como um todo, viva com a sensação de impunidade, depreciando as medidas socioeducativas e de intervenções previstas no ECA.
Conforme descrito em linhas anteriores, o ECA trouxe a preocupação educacional da sanção penal, ou seja, busca a repreensão do ato infracional com foco na ressocialização do adolescente infrator. Desta forma, as penas restritivas de liberdade preconizadas para os imputáveis, foram substituídas por medidas socioeducativas, conforme preleciona o artigo 112:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI (BRASIL, 1990).
O rol de medidas socioeducativas previstos no ECA é taxativo, isto é, não existe a possibilidade de outras medidas a serem aplicadas, a não ser as que estão previstas no ECA, podendo ser cumulativas ou não com alguma das medidas protetivas exauridas nos incisos do art. 101 do Estatuto, caso o adolescente esteja em situação de risco, conforme previsão do inciso VII do art. 112, como a própria denominação indica, o alvo é educar, adequando as regras da vida em sociedade (COUTO, 2014, p. 01).
Tratando-se de crianças, até os de 12 anos de idade, não se aplicam as medidas socioeducativas, mas sim, medidas protetivas, conforme o disposto no artigo101 (BRASIL, 1990):
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - abrigo em entidade, e;
VIII - colocação em família substituta.
Além das supracitadas, o artigo 115 do ECA, menciona da advertência verbal que deve ser realizada ao adolescente e aos seus responsáveis sobre os riscos na prática de atos infracional.
Ademais, o Estatuto traz, em seu escopo, um rol de medidas socioeducativas e de intervenção, que devem ser aplicadas conforme a natureza e gravidade do ato infracional praticado pelo adolescente. São elas: medida de obrigação de reparar o dano (Art. 116); medida de prestação de serviços à comunidade (Art. 117); medida de liberdade assistida (art. 118); medida de semiliberdade (art. 120); medida de intervenção (art. 121); internação sanção (art. 122).
Percebe-se que na organização do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foram previstos todos os suportes para garantir as providências socioeducativas para o menor infrator, como: advertência, liberdade assistida, semiliberdade, entre outras.
Configura e assegura a internação mediante espaço que tenha a possibilidade do desenvolvimento de atividades e ressocialização. O elencado documento deixa explicitado que se houver a necessidade de privação de liberdade para os adolescentes, ela será aplicada no sentido de promover mudanças mediante a recuperação para futura inserção na sociedade.
3 AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS APLICADAS NO CENTRO DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DE PALMAS – TOCANTINS
Em observância ao que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, e às recomendações da Lei n. 12.594/12 – SINASE e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, o Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas – CASE presta serviços de assistência direcionados aos adolescentes que cumprem medidas sob o regime privativo de liberdade, qual seja, de internação, previsto no artigo 122 do ECA.
Tal medida consiste na privação total da liberdade do adolescente autor de infrações praticadas com violência ou grave ameaça, podendo abranger, também, jovens reincidentes em atos infracionais medianos, e ainda, são aplicadas aos adolescentes transgressores de medidas empregadas anteriormente, sendo que passam, neste último caso, por um processo chamado de regressão, visto que a medida aplicada anteriormente não resultou na sua ressocialização.
Neste instituto, apesar da liberdade restringida, os socioeducandos adquirem o direito de praticar atividades externas, como cursos profissionalizantes e atividades laborais, ficando à critério da autoridade judiciária a sua permissão. Atividades estas que a coordenação do CASE de Palmas busca, através de parcerias com instituições externas, consolidar.
A medida socioeducativa de internação não possui caráter punitivo, e sim, sancionatório, com o objetivo de responsabilizar o adolescente pelo ato infracional, e pedagógico, com o intento de fazê-lo compreender e respeitar as regras de convívio social e, assim, retornar à comunidade.
Como leciona Mario Volpi, em matéria escrita para a Revista do Ilanud, “historicamente já se comprovou que a punição, por si só, não muda a postura transgressiva do adolescente. Ela precisava vir acompanhada de um processo socioeducativo que lhe possibilitasse rever sua postura diante da vida e respeitar regras de convívio social. Esse processo de internalização das normas envolve uma mudança de valores éticos e sociais, não se fazendo pela punição” (RIBEIRO, 2017, p. 01).
Sob o regime de internação, os adolescentes possuem uma jornada pedagógica diária, composta por diversas atividades, dentre elas, a educacional, na tentativa de recuperar os adolescentes com distorção idade-série, tendo em conta que todos não estavam frequentando nenhuma instituição de ensino, à época em que foram apreendidos.
Frisa-se que a maioria dos adolescentes em regime de internação possuem distorção idade-série, que corresponde a proporção de alunos com mais de 2 anos de atraso escolar.
A partir da concepção do SINASE, o eixo espiritual também é observado, conforme preconiza o artigo 49, inciso III, do referido diploma, que estabelece que são direitos do adolescente a liberdade de pensamento e religião. A unidade de Palmas possui uma capela, recentemente construída, destinada para a prática de atividades espirituais, que são ministradas por quatro instituições religiosas de diferentes denominações, como católicas, evangélicas e espíritas.
Existem, ainda, atividades que correspondem as necessidades específicas dos adolescentes, como cultura, lazer, esportes, saúde, segurança e profissionalização, todas aplicadas com finalidade pedagógica. As atividades consistem em jogos, desenvolvidos na quadra esportiva, cultivo de hortaliças e momentos de lazer em piscina. Todas as atividades em pleno funcionamento, atualmente.
Ademais, há cursos profissionalizantes disponíveis, sendo no momento: Curso de Alto Desenvolvimento Pessoal e Profissional, promovido pelo Sistema Nacional de Empregos – SINE, em parceria com o Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas – CASE; Curso de Instalações Elétricas Residenciais e Informática Básica, ambos no Instituto Federal do Tocantins – IFTO.
Os socioeducandos participam, ainda, de Oficinas de Artesanatos dentro da unidade, com a utilização de materiais recicláveis para a confecção de porta-trecos, porta-retratos, porta-canetas, sousplat, artesanatos com palitos, entre outros.
Ressalta-se que todas as atividades deduzidas não são obrigatórias, e os adolescentes podem optar por participar ou não delas. Entretanto, o interesse do socioeducando é levado em nota e, a cada 6 meses, cada um deles é avaliado pela autoridade judiciária que analisa a efetividade da internação, bem como sua progressão ou regresso com a ressocialização.
3.1 ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR E ESTRUTURA FÍSICA DO CENTRO DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DE PALMAS – CASE
Além das medidas socioeducativas supracitadas, a unidade de internação conta com a presença regular de uma Equipe Técnica de Assistência Multidisciplinar, capacitada para o atendimento e acompanhamento à saúde física e emocional dos adolescentes submetidos ao regime de internação.
A equipe conta com o trabalho conjunto de profissionais e é composta por 2pedagogas, 2 assistentes sociais, 1 médico, 3 psicólogos, 1 odontólogo, 1 nutricionista, 1 profissional de educação física, 1 terapeuta ocupacional e 1 analista jurídico. Ao todo, a unidade conta com um efetivo de 98 servidores, sendo que 34 são professores socioeducadores, conforme Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo do Tocantins.
Atualmente, o CASE possui capacidade de lotação para 42 adolescentes, contando com a internação de 28 socioeducandos. Treze estão devidamente matriculados em cursos profissionalizantes, mas somente 6 estão cursando, tendo em vista que a unidade sofre a deficiência de verba estatal, que resulta na falta de equipe técnica para supervisionar o adolescente fora da unidade, bem como de ausência de transporte, capaz de levar e buscar os jovens na instituição de ensino.
No que tange a estrutura física, o CASE possui 3 blocos, denominados de Bloco A, Bloco B e Bloco C, cada um com 4 alojamentos coletivos, com capacidade para 3 adolescentes cada, além de 2 alojamentos individuais. Existe um bloco inteiro com salas destinadas para atividades pedagógicas que funcionam diariamente, de segunda a sexta, com aulas de professores socioeducadores.
A quadra de esportes e atividades físicas é antiga, mas passou por revitalização no ano de 2016, estando em pleno funcionamento atualmente, contando com cobertura ao abrigo do sol e da chuva.
Além disso, existe um campo específico para o cultivo de variadas hortaliças, sendo que os socioeducandos são os responsáveis pelos cuidados de cultivo, sob a orientação de professores socioeducadores.
Por fim, ressalta-se que o Centro de Atendimento Socioeducativo passou por revitalização total entre os anos de 2016 e 2017, através de repasse entregue pela Secretaria da Cidadania e Justiça do Estado do Tocantins, ao valor equivalente de R$ 697.933,76 (seiscentos e noventa e sete mil e novecentos e trinta e três Reais e setenta e seis centavos). (LIMA, 2016).
3.2 PERFIL DO ADOLESCENTE
O perfil dos adolescentes que entram para mundo do crime é variado. Em se tratando dos que são internos no Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas, nenhum possui o ensino fundamental completo e, em sua maioria, possuem distorção idade-série. São pertencentes à camada financeiramente hipossuficiente e que, na época da apreensão, muitos encontravam-se em situação de rua e sob influência de substâncias psicoativas.
Percebe-se que estes adolescentes têm em comum a falta de estrutura familiar e problemas interligados com a fome, a escolaridade irregular, o vício em substâncias psicoativas e a extrema desigualdade social.
Para compreender o perfil dos 28 adolescentes internos na unidade, foi feita uma abordagem mediante alguns questionamentos voltados a estrutura familiar, à faixa etária, à escolaridade, à renda familiar, os tipos de atos infracionais de maior incidência, a idade mais vulnerável à prática do delito e o índice do uso de drogas entre os infratores.
No que tange à estrutura familiar, verifica-se que muitos dos adolescentes vem de ciclos familiares conflituosos ou desequilibrados, muitas vezes, onde presenciam situações de violência com normalidade, consistindo em agressões físicas e verbais entre os pais ou responsáveis, castigos físicos, abuso psicológico e, até mesmo, sexual, e ainda, abuso de substâncias entorpecentes. Persiste, também, a falta de imposição de limites por parte dos seus genitores ou responsáveis, o que resulta numa educação desmazelada.
Deste modo, torna-se imprescindível que o acompanhamento e assistência prestados ao socioeducando sejam estendidos às famílias, com o objetivo de promover e resgatar o valor familiar, resultando na redução da criminalidade por parte do infrator, tendo em vista que a família é a principal responsável pelo desenvolvimento e proteção da criança e do adolescente.
É essencial, que seja desenvolvido um atendimento específico às famílias a tais adolescentes, pois diante da exposição às situações de exclusão e vulnerabilidade, eles não têm estrutura biopsicossocial para oferecer o suporte que o adolescente necessita (MELO E SILVA, 2017, p. 11).
Destaca-se que, por sua vez, o fator econômico envolvendo os infratores. Todos os internos no CASE são pertencentes a famílias pobres, na acepção jurídica do termo, sendo que a renda familiar da maioria não ultrapassa o salário mínimo vigente. Os atos infracionais de maior incidência são os análogos ao roubo, e a faixa etária de maior vulnerabilidade para o cometimento de infrações são entre 16, 17 e 18 anos de idade.
3.3 A NECESSIDADE DA INCLUSÃO DA FAMÍLIA À PROGRAMAS DE ACOMPANHAMENTO PARA EVITAR A REINCIDÊNCIA DO JOVEM EGRESSO
O termo egresso representa o resultado da progressão que o adolescente tem dentro do centro de internação até a sua saída (BARBOSA, RESENDE, 2014, p. 99). Ao cumprir a medida de internação, o adolescente deve passar pela progressão até obter a liberdade. Para tanto, é necessário que esteja à sua disposição as atividades pedagógicas visando a sua ressocialização, e que estas sejam estendidas à família.
O CASE de Palmas possui, de maneira suficiente, estrutura pedagógica completa para aplicar todas as medidas socioeducativas necessárias envolvendo os adolescentes infratores. Entretanto, durante o cumprimento da medida, o ciclo familiar do qual adveio o infrator não é inserido no sistema socioeducativo, como prevê a Lei 12.594/2012 (SINASE), especificamente no artigo 23, incisos II e VII:
Art. 23. A avaliação das entidades terá por objetivo identificar o perfil e o impacto de sua atuação, por meio de suas atividades, programas e projetos, considerando as diferentes dimensões institucionais e, entre elas, obrigatoriamente, as seguintes:
I - o plano de desenvolvimento institucional;
II - a responsabilidade social, considerada especialmente sua contribuição para a inclusão social e o desenvolvimento socioeconômico do adolescente e de sua família;
III - a comunicação e o intercâmbio com a sociedade;
IV - as políticas de pessoal quanto à qualificação, aperfeiçoamento, desenvolvimento profissional e condições de trabalho;
V - a adequação da infraestrutura física às normas de referência;
VI - o planejamento e a autoavaliação quanto aos processos, resultados, eficiência e eficácia do projeto pedagógico e da proposta socioeducativa;
VII - as políticas de atendimento para os adolescentes e suas famílias;
VIII - a atenção integral à saúde dos adolescentes em conformidade com as diretrizes do art. 60 desta Lei;
IX - a sustentabilidade financeira. (grifo nosso). (BRASIL, 2012).
O acompanhamento às famílias do socioeducando é essencial e imprescindível para a sua eficaz ressocialização. Todo o ordenamento jurídico que rege o sistema socioeducativo de adolescentes em situação irregular prevê o acompanhamento e assistência aos familiares, durante e após o cumprimento da medida socioeducativa:
Há a previsão, em todas as esferas, nos planos de atendimentos socioeducativos, de ações de promoção da saúde com a intenção de integrar as ações socioeducativas, estimulando diretamente a autonomia, estreitando as relações interpessoais e melhorando a relação entre os adolescentes e suas respectivas famílias, acentuando o grande papel familiar na atenção dada ao menor infrator (NUNES; BOSCO, 2016, p. 01).
Em Palmas, a Secretaria da Cidadania e Justiça do Estado do Tocantins – SECIJU, instituiu o Núcleo do Egresso, que prevê o acompanhamento dos socioeducandos junto de suas famílias, após o cumprimento da medida de internação. Todavia, este núcleo está inativo, em razão da falta de estrutura material e funcional que o sustente.
Destaca-se que cerca de metade dos jovens que cumprem a medida de internação no CASE de Palmas vieram de cidades do interior do Estado do Tocantins, estando, portanto, distantes do contato com a família. Este problema deveria estar sendo solucionado pelas ações de assistência e programas de acompanhamento familiar promovidos pelo Núcleo do Egresso, vez que os únicos municípios que possuem Centros de Atendimento Socioeducativos são Palmas, Araguaína e Gurupi.
As ações deveriam manter o vínculo familiar, bem como estender o acompanhamento da Equipe Multidisciplinar às famílias dos adolescentes socioeducandos, mas tais ações não estão ocorrendo e não possuem previsão para regulamentação, buscando assim, manter a efetividade do programa ressocializador mantido quando o menor é interno do sistema socioeducativo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As medidas socioeducativas atualmente empregadas pelo Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas-TO possuem potencialidade de eficácia na sua execução, visto que são aplicadas de forma humanizada, buscando a recuperação do adolescente em conflito com a lei sob a ótica da ressocialização, estando os adolescentes envolvidos, diariamente, em atividades de cunho pedagógico e profissional.
As medidas supracitadas estão de acordo com o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, especificamente em seu artigo 101, incisos II, III, V e VI, que estabelecem a institucionalização de acompanhamentos pedagógicos; matrícula e frequência escolar; tratamento médico e psicológico, inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.
Entretanto, da realidade mostrada pela parte epistemológica deste estudo, conclui-se que o sistema socioeducativo só não é totalmente eficaz em razão da ausência de estrutura para sua execução em decorrência do abandono estatal, primordialmente, no que tange ao jovem egresso. O Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado com o objetivo pedagógico-protetivo. Se tal premissa for cumprida, não há dúvidas quanto à eficácia da aplicação das medidas socioeducativas.
Neste sentido, como demonstrado no presente estudo, é salutar a realização de ações assistenciais em favor das famílias dos socioeducandos, a fim de acompanhar periodicamente o adolescente em seu retorno à sociedade. Além disso, é importante chamar a atenção do Estado para a importância de investimentos no sistema socioeducativo, essencialmente, com relação ao Núcleo do Egresso.
É um fator de extrema relevância, que não pode ser ignorado pelas políticas públicas. É preciso romper o ciclo da criminalidade familiar que permeia a realidade do adolescente infrator, haja vista se tratar de um ser humano em formação.
Ressalta-se, portanto, que as medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente que infringiu a lei, por si só, não são capazes de o afastar, por definitivo, do mundo do crime. Mas a aplicação dessas medidas, em conjunto com programas de acompanhamento e assistência ao egresso, estendendo para suas famílias, possuem maior condão de mudar a realidade daquele jovem, e do núcleo familiar a qual está inserido.
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[1] Professora Mestre na Faculdade Serra do Carmo - FASEC, nas disciplinas de Direito Penal e Prática Jurídica Criminal. Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da FASEC. Advogada Criminalista. E-mail: [email protected]
Acadêmica de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Ludiana. A aplicabilidade das medidas socioeducativas na ressocialização dos adolescentes infratores internos no centro de atendimento socioeducativo de Palmas/TO Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2019, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53895/a-aplicabilidade-das-medidas-socioeducativas-na-ressocializao-dos-adolescentes-infratores-internos-no-centro-de-atendimento-socioeducativo-de-palmas-to. Acesso em: 22 nov 2024.
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