JULIANO DE OLIVEIRA LEONEL[1]
(Orientador)
RESUMO: A audiência de custódia tem sido vista por muitos como uma maneira para proteger os direitos fundamentais da pessoa detida em flagrante, evitando erros no processo judicial e injustiças ao indivíduo. Nesse contexto a pesquisa objetivou compreender o funcionamento da audiência de custódia e verificar as evidências científicas sobre a sua efetividade como mecanismo para maior celeridade processual e redução da superlotação carcerária. A pesquisa foi realizada com base em artigos científicos por meio do Scholar Google e consulta à Constituição Federal e Código Penal. Com o estudo observou-se que a audiência de custódia é um mecanismo legal criado para prevenir prisões desnecessárias e que trazem riscos para o detido, visando ainda reverter ou reduzir o quadro de superlotação e precariedade do sistema carcerário brasileiro onde os presos vivem em condições subumanas. Para tanto, conclui-se que é importante que haja empenho por parte dos responsáveis para o cumprimento desse ordenamento, livres de preconceito e discriminação, para assegurar julgamento justo e com respeito à dignidade humana.
Palavras-chave: direito penal, audiência de custódia, código penal, direitos humanos.
Para compreender o real significado da audiência de custódia, torna-se necessário antes de tudo, entender o contexto da prisão no país. O atual cenário onde realiza-se a prisão dos indivíduos no Brasil é preocupante. A lógica judicial, embora permeada por possibilidades de mudanças em seu cenário por meio de leis estabelecidas, permanece tendo como base de seu funcionamento a prisão do indivíduo, onde o flagrante continua sendo o modelo padrão para o sistema processual brasileiro. A não redução do número de presos no país evidencia este fato (LOPES JÚNIOR; PAIVA, 2014).
Neste contexto de prisão em flagrante, entende-se a audiência de custódia como sendo um ato judicial de caráter pré-processual que tem como finalidade garantir ao cidadão que foi preso em flagrante ser posto diante de uma autoridade judiciária competente, que pode ser juiz, desembargador ou ministro, que irá realizar a análise da prisão e sua legalidade ou não. Na realização da audiência serão ouvidos pelo juiz, o preso, sua defesa, e a acusação, os quais abordarão aspectos relacionados direta ou indiretamente ao ato da prisão bem como suas consequências à integridade física e psíquica, e aos direitos do preso. É função do juiz nesse processo determinar a decisão tomada, sendo pautada na continuidade ou não da custódia. É importante destacar que durante a audiência de custódia o indivíduo autuado mantém todos os seus direitos básicos, tais como o direito de permanecer em silêncio, sem que este comportamento pese de forma negativa para o mesmo, de ter sua voz defendida por um defensor constituído ou público, devendo este trabalhar com autonomia e independência (MASI, 2015).
Desta maneira, a audiência de custódia tem sido vista por muitos como uma maneira para proteger os direitos fundamentais da pessoa detida em flagrante, evitando erros no processo judicial e injustiças ao indivíduo. De outra forma, é também uma maneira eficaz para tornar tangível a contradição prévia deixada na reforma do sistema de cautelaridade do processo penal no país. Este mecanismo apresenta-se então como maneira de reduzir os riscos de danos à integridade física e psíquica do detido por meio de sua colocação direta diante do juiz (OLIVEIRA, 2017; MASI, 2015; NUCCI, 2015).
O atual cenário carcerário brasileiro apresenta uma realidade triste de superlotação e desvalorização da dignidade humana. Em face ao exposto, analisar a audiência de custódia é fundamental para compreender a importância que esta apresenta como uma forma de modificação dessa realidade por meio de maior transparência e justiça no julgamento de indivíduos autuados em flagrante, como forma de contribuir para diminuir as lotações em celas. Assim, o estudo teve como objetivos compreender o funcionamento da audiência de custódia e verificar as evidências científicas sobre a sua efetividade como mecanismo para maior celeridade processual e redução da superlotação carcerária.
O estudo foi realizado seguindo o método de abordagem dedutiva, que busca estudar determinado fenômeno partindo de conceitos gerais para conceitos específicos. Esse método de abordagem, na concepção de Prodanov (2013), é um método que tem como base um conceito geral em estudo, que é trabalhado com direcionamento para uma conceituação mais específica ou particular. Ou seja, a partir da análise de princípios, teorias ou leis ditas verdadeiras e ou indiscutíveis, analisa e explica a ocorrência de casos particulares.
A revisão da literatura é um método de pesquisa de grande eficácia para pesquisadores, e que permite a estes determinar o estado da arte do conteúdo pesquisado e sua contextualização. Ou seja, por meio da revisão da literatura é possível avaliar o conhecimento produzido por outros pesquisadores, destacar conceitos, resultados e conclusões obtidas, e identificação de possíveis lacunas no tema analisado (PRODANOV, 2013).
Seguindo o método conceituado, realizou-se revisão da literatura já publicada, com leitura e análise de artigos científicos sobre o tema abordado. Durante a pesquisa foram usadas palavras-chave/descritores para busca dos estudos, como “Direito Penal”, Audiência de Custódia”, “Prisão em Flagrante”. A pesquisa foi realizada na plataforma Scholar Google, bem como consulta de artigos da Constituição Federal, Código de Processo Penal e leis e decretos. Em consecutivo à busca dos estudos seguiu-se a discussão do conteúdo à luz das evidências estudas, organizadas didaticamente em três categorias ou subtópicos: Prisão em flagrante; O sistema carcerário brasileiro; e a Audiência de custódia.
Nesta primeira categoria foi realizada discussão em torno da conceituação da prisão em flagrante, de fundamental importância para a compreensão da audiência de custódia e sua real finalidade no plano jurídico.
Assim sendo, a Constituição Federal estabelece que todas as decisões tomadas pelo poder judiciário devem ser realizadas de maneira fundamentada, sob risco de invalidação. Nesse contexto, no ato da decisão pela realização de prisão preventiva ou definitiva, deve ser feita a partir de fundamentação que ateste a sua legalidade, uma vez que a ausência de fundamento na decisão após o julgamento decreto de pena condenatória pode tornar esse ato defeituoso e com vício à prisão, tendo como consequência a nulidade da decisão e a libertação do preso. Assim, a constituição torna obrigatória a necessidade de motivos coerentes para as decisões tomadas. Esse ponto é importante porque oferece embasamento e credibilidade aos atos realizados por via legal, e tendo em vista a importância que representa a decisão de prender e restringir a liberdade do indivíduo julgado (GIACOMOLLI, 2013).
Para compreender de fato a audiência de custódia e seus aspectos é necessário antes tem noção sobre o significado da prisão em flagrante. Segundo Sá (2013) o termo flagrante apresenta sua origem a partir do termo latim flagare, que tem como significado aquilo que arde, queima, resplandece. Desse modo, ao realizar-se a associação, tem-se que o caso do indivíduo que é surpreendido praticando o delito engloba dois aspectos importantes, quais sejam, a atualidade, ou seja, a constatação de que ocorreu um fato inegável, e a prova, que é a verificação clara da existência do ato e da sua autoria.
De acordo com o autor supracitado, a prisão em flagrante é a única exceção que a Constituição Federal apresenta, em seu artigo de número 5, onde é declarado que a prisão será realizada somente por ordem escrita. Assim, neste caso em excepcional, a prisão pode ser realizada para interromper a prática delituosa e a perturbação da ordem jurídica, bem como para preservar a prova de ocorrência do fato e a autoria. De outro modo, pode ser citado como aspectos ou fundamentos da prisão em flagrante: a exemplaridade, ou seja, ato que serve para dar exemplo a outros indivíduos tendenciosos a práticas delituosa; a satisfação, por trazer tranquilidade para os cidadãos de bem; o prestígio, por restaurar a confiança na lei; e frustração do resultado, por impedir a realização completa do crime ou sua impunidade.
Na percepção de Leão (2004), o flagrante é uma qualidade inerente ao delito, ou seja, é a prática criminosa que está sendo realizada, ato ilícito, e que possibilita a realização da prisão do infrator sem a necessidade de ordem prévia, uma vez que existe ali a constatação absoluta do culpado. Portanto, a prisão em flagrante tem sido retratada como um mecanismo da lei que representa uma autodefesa da sociedade, que surge por meio da necessidade de dar fim ao ato criminoso e de perturbação da ordem, bem como punir o culpado e cumprir a lei.
De acordo com o Código de Processo Penal, em seu artigo 302, é considerado como autuado em flagrante o indivíduo que está realizando o ato criminoso ou que acabou re cometê-lo e sofre perseguição pela autoridade presente no local, pela vítima ou por pessoas que presenciaram o ato, em casos onde é possível presumir com certeza quem é o culpado, u nos casos onde este é encontrado após o ato em posse de objetos como armas, objetos ou papéis que façam presumir ser autor da infração (BRASIL, 2011).
Diversos autores têm emitido suas definições de flagrante e que devem ser considerados ao estudar a temática. Como já abordado, a prisão em flagrante pode ser vista como a detenção do indivíduo que é surpreendido no instante mesmo da consumação da infração. Nucci (2002) descreve a prisão em flagrante como uma medida de caráter cautelar, apresentando natureza administrativa e que é realizada durante ou após o termino imediato da infração. Para Capez (2002) este ato apresenta-se como uma medida restritiva de liberdade, apresentada na forma de medica cautelar e processual, que não necessita da determinação escrita do juiz para sua efetivação, sendo então realizada a detenção do infrator no momento em que este é surpreendido em seu ato criminoso.
Iennaco (2012) ressalta ainda a importância de que a prisão em flagrante possui autonomia como uma medida cautelar onde o indivíduo flagrado pode ser preso anteriormente a uma possível condenação por meio dos processos legais. No entanto, a força dessa medida encontra-se enfraquecida por aspectos importantes, como o que está expresso no artigo 310 do código de processo penal, por meio do qual o juiz pode determinar a liberdade provisória ao preso mediante a verificação de que, durante a prisão em flagrante, houve inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizavam a prisão preventiva. O autor escreve que essa medida passou a ter finalidade pré-cautelar, ou seja, o flagrante permite que o indivíduo seja autuado à prisão, mas não determina que ele possa ser mantido sob custódia cautelar.
De acordo com o autor supramencionado, a implementação da lei 12.403/11 foi o ponto chave para confirmar essa narrativa. Ou seja, essa lei determina que o juiz, quando receber o auto de uma prisão em flagrante, deverá proceder por meio de conversão da prisão em preventiva caso a prisão tenha sido realizada dentro da legalidade da lei, quando as medidas cautelares existentes não se fizeram adequadas ou suficientes, na presença dos requisitos do artigo 312 do código de processo penal, e a autoridade policial ou o Ministério Público tenha solicitado a preventiva. Na ausência desses pontos mencionados, o preso receberá a concessão de liberdade provisória, acompanhada ou não de cautelares, nos casos em que houver a ausência dos requisitos descritos no código penal.
2.2 O sistema carcerário brasileiro
Após a compreensão do que vem a ser a prisão em flagrante, faz-se necessário também abordar a realidade do sistema carcerário brasileiro à luz dos estudos publicados. Este tópico traz reflexões sobre a relação da prisão em flagrante, a condição do sistema carcerário e sua influência para o surgimento da audiência de custódia.
Como já mencionado, a lei 12.403 de 04 de maio de 2011 estabelece que a prisão processual poderá ser realizada como uma medida excepcional, que se apresenta como necessária nos casos em que o uso de medidas cautelares não se fizer possível. Ou seja, a prisão preventiva só poderá ser executada quando não existir a possibilidade de aplicação de outras medidas cautelares. Para Giacomolli (2013) o decreto da prisão preventiva para só depois serem buscadas alternativas faz com que a prisão preventiva, ou seja, o recolhimento ao cárcere como primeiro recurso, seja contrário ao que está prescrito nos Diplomas Internacionais, na Constituição Federal e nas Leis Ordinárias.
Segundo o autor referenciado acima, ao passo que é verificada a não possibilidade de manter o indivíduo em liberdade, devem ser avaliadas as medidas cautelares disponíveis como alternativas ao encarceramento. Apenas diante da impossibilidade de adequação a quaisquer das medidas cautelares existentes, o indivíduo poderá ter sua prisão decretada. Em adição às alternativas, deve-se ainda considerar a possibilidade de prisão domiciliar, com exceção dos casos de liberdade sem restrição.
Nesse contexto, a lei apresentada em 2011 trouxe uma reformulação sobre as medidas cautelares do processo penal, bem como a ampliação das medas. Bottini (2013) destaca que a lei não diz respeito a cautelares que tenham a finalidade de assegurar bens para reparar danos e garantir satisfação das obrigações dos indivíduos condenados. Trata especificamente de cautelares no âmbito pessoal, relacionadas ao réu e seu comportamento na ordem processual. Essa lei veio como facilitadora do trabalho do juiz, que antes tinha como única opção decretar a prisão como meio para assegurar a ordem processual e a aplicação da lei penal. Por vezes alguns magistrados buscavam alternativas para essa medida, como a retenção de passaportes ou a limitação de locomoção e frequência a determinados lugares, mas eram medidas não estabelecidas concretamente e que muitas vezes eram motivo de polêmica e questionamentos sobre a sua legalidade.
Ainda de acordo com o autor supracitado, a nova versão do código penal trouxe um leque de medidas cautelares que oferecem ao magistrado alternativas à prisão, para garantir a ordem processual. Não são medidas fora da realidade, mas que buscam facilitar o andamento do processo judicial e superar a dicotomia que existia. Entre as medidas destaca-se a oficialização de decisões que já eram tomadas, como a sanção restritiva de direitos, como a proibição de frequentar determinados lugares, e outras como a busca de cumprimento de privação de liberdade por meio de prisão domiciliar. Essa lei, na visão do autor, contribui para melhoria do processo, condição do acusado e é benéfica para a própria sociedade. Neste sentido, o processo é melhorado por poder contar com novas opções de medidas. Favorece o acusado uma vez que a prisão cautelar será a extrema e última opção. E a sociedade, porque a redução da prisão cautelar pode repercutir com o desencarceramento de cidadãos sem condenação definitiva e que sofriam desde o início do processo ao contato com o mundo precário e devastador criado dentro das prisões.
Um dos grandes influenciadores para a determinação da implantação da audiência de custódia tem sido a situação do sistema carcerário brasileiro. Para Assis (2008), hoje é destaque que a grande quantidade de presos, a condição precária das cadeias e a insalubridade tem sido fatores que tornaram as prisões um local desumano e com alto risco para a saúde humana, com proliferação de doenças e epidemias. Aliado a esses fatores, outros pontos importantes como a alimentação dos presos, falta de atividades, descontrole e presença de drogas, péssimas condições de higiene, fazem com que os presos que adentram o local de forma hígida, dificilmente saiam com sua condição de saúde preservada.
O mesmo autor destaca que são muitas as doenças que surgem nesse ambiente, principalmente as doenças de origem respiratória, como a tuberculose e a pneumonia. Existe também grande incidência de doenças como a hepatite e AIDS. Estudos realizados em prisões brasileiras têm mostrado que cerca de 20% dos presos sejam portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV), o que se deve principalmente à violência sexual dentro das celas, uso de drogas injetáveis e relações sexuais.
Neste cenário Miguel (2013) pontua que a constituição brasileira, bem como as suas leis vigentes, está entre as mais avançadas no mundo quando se trata de questões humanitárias. Contudo, observa-se que estas leis não apresentam real funcionamento prático no país. A norma jurídica nacional assegura desde o seu artigo inicial, dignidade humana e direitos aos seus cidadãos, os quais podem ser observados ao longo de toda a constituição, onde também estão dispostos os aspectos fundamentais sobre o processo carcerário e seu funcionamento. Porém, existe grande diferença entre a teoria proposta e a prática apresentada. O que se vê atualmente é a hiperlotação de cadeias e penitenciárias, onde os presos recebem tratamento deprimente e desumano. Não há respeito aos direitos pregados na Constituição e na Lei de Execução Penal.
Observa-se ainda a forte desigualdade presente no sistema carcerário brasileiro, onde verifica-se uma relação direta entre os detentos e a pobreza, baixa escolaridade e encarceramento. Grande parte dos presos, com idade entre 18 e 30 anos, tem sua origem de grupos sociais menos favorecidos economicamente. A seletividade penal é, neste cenário, um grande problema, uma vez que está arraigada no preconceito, injustiça e busca de verdadeiros bodes expiatórios, onde a pena punitiva tende a cair sobre grupos descriminados e estereotipados. Assim, é observada uma grande tendenciosidade para punir as pessoas com menor poder de defesa, onde existe forte seletividade na escolha dos que irão de fato sofrer o poder da punição judicial, tendo como base a vulnerabilidade do indivíduo. Assim, autores afirmam que quanto mais tipos penais existirem, mais pessoas estarão sujeitas ao risco dessa seletividade desigual (ANDRADE; FERREIRA, 2015).
A precariedade das prisões brasileiras, a desigualdade nas punições, e outros fatores, contribuem para que os presos saiam da prisão não com pensamento de arrependimento e mudança de conduta, mas com desprezo e revolta pelo sistema judiciário e maior risco de retornar à prática de más condutas:
[...] Hiperlotação das celas, precarização da assistência sanitária, condições degradantes de higiene, negação da assepsia, fornecimento de alimentos estragados, assessoria jurídica inepta, perpetuação de redes de poder mantidas por criminosos de alta atuação fora dos muros penitenciários. Para apenados oriundos de baixos estratos sociais, o mandamento interno da gestão punitiva é o de impedir seu reingresso como cidadão dotado de direitos políticos. Obviamente existem muitos casos bem-sucedidos de pessoas que conseguiram vencer as agruras do sistema penal e reconstruir suas histórias de vida afastando-se das incertezas da criminalidade e da marginalidade socioeconômica, mas em nível majoritário prevalece a reificação do apenado e o entrave violento a qualquer possibilidade de transformação pessoal e reinserção social conveniente, sobretudo quando o presidiário é de condição econômica inferior. Tal circunstância deletéria apenas perpetua o círculo vicioso que afoga o ex-detento na estrutura marginal da criminalidade, cujo resultado, não raro, é sua morte. O sistema penitenciário é um depósito de massa humana desprovida de dignidade, de identidade. A história de vida de um apenado é estigmatizada e obscurecida, pois a lógica excludente da sociedade normativa não aceita ouvir seu relato (BITTENCOURT, 2017, p. 79).
Estudos de caráter epidemiológico tem mostrado que em diversos países, e em âmbito brasileiro, são altas as taxas de presos que apresentam problemas relacionados ao encarceramento, principalmente em relação a transtornos por abuso de substância, transtornos de ansiedade, do humor, de personalidade e psicose em presidiários. Os números mostram que a dimensão desses problemas é bem menor em países onde se tem estrutura no sistema prisional, e onde os detentos recebem o mínimo respeito, garantindo a dignidade humana na situação de preso. Em contradição com a realizada de países assim, o Brasil tem seu sistema prisional brasileiro muitas vezes comparado com masmorras de anos perversos da humanidade, e que não foram eficazes de forma alguma para o tratamento e recuperação da saúde mental dos encarcerados (CASTILHOS, 2015).
Neste último tópico foi realizada a caracterização sobre o que vem de fato a ser a audiência de custódia e sua finalidade, tendo como base os conceitos trabalhados nos tópicos anteriores. Dessa forma, no contexto da prisão em flagrante e da situação de superlotação e precariedade do sistema prisional brasileiro, a audiência de custódia aparece como um mecanismo que permite analisar os autos da prisão e atestar ou não a legalidade de sua realização. Desta forma, é fundamental que se tenha conhecimento das características marcantes que envolvem a prisão do indivíduo e seu encarceramento:
A detenção em flagrante não mantém, validamente, a custódia cautelar do sujeito, em face do art. 93, IX, da Constituição Federal, referendados nos arts. 283 e 310 do CPP. Com isso, não estamos afirmando que alguém não pode ser detido em flagrante delito. Sim, pode. Entretanto, a prisão advinda da lavratura do auto de prisão em flagrante tem por suporte uma circunstância fática constatada e consubstanciada pela autoridade administrativa; portanto, necessita de um controle jurisdicional fundamentado. Assim, mesmo quando o auto de prisão em flagrante é homologado, a prisão ainda carece de motivação. Faz-se mister analisar os motivos de fato e de direito (cabimento da prisão preventiva) à sustentação validada da restrição da liberdade ou da aplicação das medidas alternativas ao recolhimento ao cárcere (art. 319 do CPP). Portanto, o magistrado, mesmo homologando o auto de prisão em flagrante, para manter o flagrado preso, validamente, deverá fundamentar a sua decisão; em suma, enunciar os motivos de fato e de direito pelos quais mantêm o sujeito preso ou aplica outras medidas cautelares. A existência do crime e dos indícios suficientes de autoria (fumus commissi delicti), bem como o perigo ou o risco de o indiciado, flagrando ou imputado permanecer solto (periculum libertatis), exigem um suporte em motivos de fato, em circunstâncias atuais e concretas, capazes de atender aos requisitos autorizadores. Meras possibilidades afastam os requisitos legais, na medida em que são os fatos concretos que motivam as medidas cautelares. Assim, a restrição da liberdade, seja pela prisão ou pela aplicação de outras medidas cautelares, encontram adequação constitucional quando tiverem por suporte circunstâncias fáticas congruentes com a motivação jurídica, emergentes dos autos, da situação procedimental ou processual e não de meras suposições ou conjecturas [..] (GIACOMOLLI, 2013, p. 17).
A partir desses problemas de desigualdade e superlotação dos sistemas carcerários, é que a audiência de custódia ganha força em sua discussão. Vasconcellos (2016) destaca que, de acordo com a resolução de número 213 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), toda pessoa que é detida em flagrante, não importando sua causa ou motivação para realizar o ato, deve ser, de forma obrigatória, levada em até 24 horas, para ser posta perante uma autoridade judicial, onde serão ouvidas as circunstâncias do ato e motivos para sua prisão.
Desta forma, a audiência de custódia se caracteriza como sendo o processo de apresentação da pessoa detida, de forma rápida, para estar diante de autoridade judiciária, um juiz. Desta forma, não é enviada somente uma notificação de prisão em flagrante, enquanto o preso vai diretamente para o presídio, mas, este é conduzido para ser ouvido pelo juiz. Essa regra é então, válida apenas para os casos em que a prisão foi realizada antes mesmo de qualquer determinação por parte da justiça. Assim, o detido é levado no prazo de 24 horas para ser ouvido perante juiz, com presença do Ministério Público e da Defesa que pode ser realizada pela defensoria pública ou por um advogado particular, para realizar a análise da prisão, sua legalidade, e eventuais sofrimentos como tortura, que o preso pode ter sofrido, bem como para garantir seus direitos decretados por lei (BERNIERI; SANTOS, 2015).
É grande a discussão que se tem em volta da audiência de custódia. De modo geral, os principais objetivos apresentados por esta são, de acordo com Paiva (2015): garantir o devido cumprimento do Tratado Internacional ratificado pelo Brasil em defesa dos Direitos Humanos na Convenção Americana dos Direitos Humanos; proteger o detido contra atos de tortura, uma vez que sua apresentação diante do juiz impede que este, por vezes, sofra atos abusivos por parte de policiais durante os interrogatórios; previne a realização de prisões de forma ilegal, bem como contribui para que não ocorra constrangimentos ao cidadão; e ainda auxilia na redução das superlotações no sistema carcerário.
Assim, a audiência de custódia tem se apresentado como uma maneira encontrada para garantir a proteção da liberdade do indivíduo e de seus direitos assegurados na constituição, bem como proteção da sua integridade física e psíquica. Porém, mesmo em face da necessidade que existe para a audiência de custódia, tem que se destacar que apenas a sua implantação normativa não é suficiente. É necessário que este mecanismo apresente efetividade prática em sua realização de forma a alcançar os objetivos propostos. É preciso que as figuras do poder judiciário responsáveis por fazer cumprir essa normativa sigam de forma respeitosa o mecanismo, não cedendo apenas a pressão pública que muitas vezes não compreende o objetivo desse tipo de procedimento, e exigem apenas resposta imediata da justiça por meio de prisão (SILVA, 2015; TEIXEIRA, 2015).
A partir da audiência de custódia, o juiz poderá então tomar as possíveis medidas cabíveis de acordo com o caso apresentado, conforme está previsto no artigo 310 do Código de Processo Penal:
Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança (BRASIL, Lei 3.689/41).
Assim, a partir da realização da audiência, o Juiz poderá tomar determinar sua decisão final, com uso de medidas cautelares ou pela prisão do indivíduo. Quando optar pela aplicação de medidas cautelares, e em situações onde ocorra o descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o magistrado e ou o Ministério Público, poderá realizar a substituição da medida, determinar outra medida em adição, ou em último caso, decretar a prisão preventiva. É reforçada ainda a ideia de que a prisão preventiva será determinada apenas quando não for mais possível a sua substituição por outra medida cautelar (IENNACO, 2012).
Pode ser apresentado, preferentemente, em itens (tópicos) e subitens numerados (e descritos no sumário), ou não, conforme o estilo do texto. Procure sempre adotar um estilo único, desenvolvendo o raciocínio de forma lógica, breve, simples e impessoal, escrevendo de forma coerente e sequencial entre os parágrafos. Um bom exemplo de como construir as ideias ou parágrafos dentro dos tópicos apresentados é o citado por Wilson José Gonçalves (2009, p. 131): a) começar o tópico fazendo uma introdução, descrevendo sobre o que se trata; b) continuar nos parágrafos seguintes descrevendo a essência ou o fundamento do tema abordado, a sua problematização, os argumentos contrários e a favor, trazendo alguns exemplos ilustrativos e analisando e discutindo o tema; c) para concluir apontando uma solução, uma resposta sobre a parte do problema abordado, ou o todo.
A partir das evidências levantadas, foi possível inferir que a audiência de custódia foi um mecanismo criado como forma de combater a superlotação do sistema carcerário brasileiro, assegurar o mínimo possível de dignidade à pessoa humana detida e resguardar sua segurança, evitando equívocos em sua prisão. Esse mecanismo atua ainda como forma de enfrentamento à desigualdade e preconceito existente que por vezes influencia na tomada de decisão sobre a privação de liberdade dos indivíduos autuados em flagrante, sem dar ao detido, oportunidade de explicação.
Conclui-se dessa forma que a audiência de custódia é, em teoria, satisfatória para a garantia de cumprimento legal do ordenamento jurídico. Contudo, deve-se ressaltar a necessidade de que os atores que aplicam a lei sigam corretamente essa liturgia, conduzam o processo de forma imparcial, livre de julgamentos subjetivos sobre a pessoa humana, permitindo assim tomar decisões justas pautadas na lei e não apenas na ideia do imaginário público que vê na prisão uma forma de tortura ao indivíduo detido.
É por meio desse processo que se torna possível combater as injustiças nascidas no preconceito e discriminação ainda tão presentes na atual conjuntura social, onde o detido perde seu direito à voz e é condenado ao cárcere em condições subumanas de sobrevivência e risco à própria vida. A audiência de custódia, se implementada como escreve a lei, poderá de fato, ser eficaz para reverter esse quadro de injustiças, redução da superlotação e melhoria do sistema carcerário brasileiro, com aplicação das devidas medidas cautelares que se fizerem cabíveis para evitar a prisão como única solução, respeitando os direitos humanos pregados na constituição.
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[1] Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: [email protected]
Discente do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Marcos de Oliveira. O exercício de um direito fundamental no momento da audiência de custódia: perspectiva de um devido processo legal ou direito subjetivo da pessoa humana? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2019, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53901/o-exerccio-de-um-direito-fundamental-no-momento-da-audincia-de-custdia-perspectiva-de-um-devido-processo-legal-ou-direito-subjetivo-da-pessoa-humana. Acesso em: 22 nov 2024.
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Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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