VERÔNICA ACIOLY DE VASCONCELOS [1]
(Orientadora)
RESUMO: A sociedade precisa compreender o processo no qual as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar são submetidas e, a partir dessa consciência, promover a desconstrução da masculinidade tóxica, com o fim de atingir um novo padrão de ser homem, que tenha como cerne a equidade de gênero e o respeito às diferenças, sob a perspectiva da responsabilização e reeducação do homem envolvido no contexto desse tipo de violência, que como sanção lhe é imposto medida alternativa, obrigando-o a participar dos programas de educação e de reabilitação, para que eles compreendam seus crimes e provoquem mudanças de comportamentos. É neste contexto que se desenvolve o presente estudo, seu problema de pesquisa infere em um novo olhar sobre medidas e programas de prevenção à violência contra a mulher, com ênfase em dispositivos da LMP que estão aquém da sanção penal repressiva, com o objetivo de desvelar ações que transcendem o caráter sancionatório e sinalizam no sentido de que o trabalho com o agressor coibi a reincidência da violência. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. Este estudo justifica-se pelo elevado número de mulheres em situação de violência doméstica e familiar em nosso País.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha, Prevenção, Agressor.
ABSTRACT: Society needs to understand the process in which women victims of domestic and family violence are subjected and, from this awareness, promote the deconstruction of toxic masculinity, in order to achieve a new standard of being male, which is based on equity. respect for differences, from the perspective of the accountability and reeducation of the men involved in the context of this type of violence, which as an alternative sanction is imposed on them, forcing them to participate in education and rehabilitation programs so that they understand their crimes and cause behavioral changes. It is in this context that this study develops, its research problem infers a new look on measures and programs to prevent violence against women, with emphasis on PML devices that fall short of repressive criminal sanctions, with the aim of unveiling actions that transcend the sanctioning character and signal that working with the aggressor restrains the recurrence of violence. The methodology used was bibliographic research. This study is justified by the high number of women in situations of domestic and family violence in our country.
Keywords: Maria da Penha Law, Prevention, Aggressor.
SUMÁRIO : 1 Introdução. 2 A influência da normativa internacional na elaboração de uma legislação de violência doméstica no Brasil. 3 Desigualdade e violência de gênero. 4 Masculinidade tóxica. 5 Medidas de prevenção da Lei Maria da Penha e programas que trabalham o autor da violência doméstica e familiar. 6 Conclusão. Referências.
O presente estudo científico tem como foco “reconhecer que para intervir no contexto da violência doméstica e familiar contra as mulheres, a partir da perspectiva de gênero, é preciso implementar ações que possam também incluir os homens” (BIANCHINI, 2013 apud MEDRADO 2008, p.83), com o escopo de atender as necessidades das pessoas envolvidas no contexto desse tipo de violência.
A professora e advogada Alice Bianchini (2017) destacou que o maior desafio do profissional da advocacia para combater esse tipo de violência “é alterar a sua própria cultura. Somos um país preponderantemente machista (tanto os homens, quanto as mulheres)”. De acordo com dados obtidos por uma pesquisa realizada em fevereiro do presente ano, 19% dos homens se acham superiores às mulheres “e, o mais delicado, 14% das mulheres têm o mesmo entendimento”. Portanto, “não basta apenas à redução da violência doméstica; trata-se de uma série de fatores sociais” (BIANCHINI, 2017).
Surge, então, um novo olhar sobre ações de prevenção à violência contra a mulher, que visa não só punir o autor da violência, mas também difundir práticas de prevenção, assistência e reeducação do agressor e, assim, desvelar que a Lei Maria da Penha (LMP) é exemplo de estatuto que transcendem a sanção penal repressiva, ao tipifica a responsabilidade do Estado não só em punir, pois sua autonomia vai além da sanção repressiva, abrangendo também à prevenção e, deste modo, desmistificar a ideia errônea de que a LMP visa tão somente punir o agressor.
O objetivo principal do estudo, a partir da análise da influência da normativa internacional na elaboração de uma legislação de violência doméstica no Brasil, a LMP, sob a perspectiva de gênero, consiste em entender o necessário processo de desconstrução da masculinidade tóxica, bem como dar visibilidade as medidas integradas de prevenção prevista na LMP, ainda pouco trabalhado, mas que atualmente tem demostrado resultados favoráveis ao combate à violência contra a mulher e, não obstante, a colaboração na não reincidência de condutas violentas contra as mulheres.
O presente estudo elaborado por pesquisa bibliográfica, sob a perspectiva do caráter “tridimensional” da LMP, visa desvelar os programas e campanhas de combate e prevenção a violência contra a mulher, tais como medidas socioeducativas que trabalham o autor desse tipo de violência, também chamados de grupos reflexivos de homens, com o objetivo de combater a reincidência da violência doméstica e familiar.
2.A INFLUÊNCIA DA NORMATIVA INTERNACIONAL NA ELABORAÇÃO DE UMA LEGISLAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO BRASIL
O movimento feminista, no plano internacional e interno, foi fundamental para o despertar do sistema normativo quanto ao fortalecimento dos direitos das mulheres. Este movimento e sua busca incessante de igualdade de gênero fazem parte da história da sociedade brasileira, em especial, a partir da década de 70.
Há anos, mulheres saem as ruas para questionar e defender seus direitos e coadjuvam para as mudanças nas relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres. Nessa toada, mulheres de diversas gerações cooperam para com a construção de um mundo mais justo e igualitário e, assim, garantir a igualdade para todas as pessoas e, não obstante, contribuir para com a “transformação dos ambientes cristalizados de opressão e invisibilidade das mulheres dentro do aparato estatal” (SPM, 2013, p. 10). Para isso, é necessário idealizar e executar, a partir da noção de gênero como uma construção social, um novo jeito de elaborar e implementar políticas públicas.
Em registro, marco de grande relevância em prol dessa luta histórica em nosso ordenamento jurídico deu-se com a conceituação da violência doméstica e familiar de forma mais ampla pelo sistema de proteção internacional de direitos humanos como violência de gênero (CEDAW, 1979), tendo por pressuposto à ofensa a dignidade humana que se manifesta nas relações de poder historicamente desiguais, porém, a criação de leis de violência contra a mulher não foi um processo simples.
No Brasil, as legislações até então conquistadas foram fruto de um processo de luta político e acadêmico de mulheres e feministas o qual resultou em mais de quarenta anos de produção teórica em torno do tema, nos possibilitando constituir um campo de estudo consolidado (MACHADO, 2017).
Para uma maior compreensão, cabe tecer algumas considerações sobre essa luta que antecede o processo de elaboração de uma legislação de violência doméstica no Brasil sob influência da normativa internacional, fundamental para que a Lei Maria da Penha não fosse só repressiva, posto que esse estatuto adotou uma perspectiva múltipla, conforme veremos no decorrer dessa pesquisa.
Os movimentos feministas ganham força, questionando os papéis sociais empregados aos gêneros. Alguns autores de relevante importância difundem uma nova visão e inovam nessa conjuntura, a título de exemplo, cita-se Judith Butler, uma filósofa pós-estruturalista estadunidense, uma das principais teóricas da questão contemporânea do feminismo, deixou registrado sua inovadora concepção de gênero. Para a referida autora, segundo Gavilanes e Aguiar (2010, p.101), “gênero deveria ser pensado como o resultado de um processo, através do qual as pessoas se constroem a si próprias, uma vez que elas podem inovar os significados culturais que recebem”.
Já no Brasil, cita-se a contribuição de Simone de Beauvoir (1970), em especial, sua célebre frase “ninguém nasce mulher, torna-se mulher” da obra “O Segundo Sexo”, foi, aos poucos, ganhando destaque e contribuindo nessa luta feminista, ao questionar as ideologias que insistiam em atribuir aos gêneros um caráter pré-determinado de ser homem e ser mulher. Nesse prisma, a referida obra da autora é considerada um “dos precursores dos estudos sobre as mulheres e, posteriormente, das relações de gênero, tornando-se referência para os movimentos feministas, principalmente a partir dos anos 1960 e 1970” (BORGES, 2019, p. 02).
No final da década de 1980, na fase de redemocratização do país, o tema da violência doméstica ganha destaque em pautas de debates acadêmico e nas propostas de políticas públicas idealizadas pelos movimentos feministas, nos quais foi dada especial atenção ao combate às formas de discriminação contra a mulher, demandando reformas legislativas para garantir o acesso das mulheres a seus direitos. Nos anos 1990, essa luta prosseguiu em busca de uma legislação específica que tratasse da violência contra as mulheres com respostas abrangentes (PIMENTEL E PIERRO, 1993).
Conforme mencionado acima, o tema violência contra a mulher avança e, com isso, as conquistas do movimento de mulheres proporcionaram um grande avanço em prol de seus direitos. E, então, tem-se a criação e implantação dos primeiros SOS-Mulher, uma alternativa não governamental em desfavor da indiferença e do preconceito presentes no atendimento policial às mulheres vítimas de violência (HERMANN, 2008) e, posteriormente, em 1985, a criação da primeira delegacia de defesa da mulher (DDM), em São Paulo, uma invenção brasileira (MACHADO, 2017), que por sua vez, deu ensejo a criação de outras delegacias especializadas de atendimento a mulheres (DEAMs), surge diante do descaso e preconceito por parte das instituições, mas que, de acordo com Cecília M. Santos (2010, p. 153 - 170), “a criação das DDM não foi uma proposição feminista, mas sim uma proposta do governador de São Paulo, apoiada pelo feminismo”.
Finalmente, nos anos 2000 o contexto político nacional mostrou-se favorável a essa demanda. Contudo, o Brasil demonstrou-se negligente ao não ter respondido de forma veemente ao hediondo caso da farmacêutica, Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu, por parte de seu marido, duas tentativas de homicídio, tendo, na primeira delas, ficado paraplégica. O que resultou, em 2001, diante da inércia do Estado, a condenação do Brasil pela Organização dos Estados Americanos (OEA) no caso de n. 54/01, sob a alegação de negligência e a conivência do ente estatal brasileiro frente ao ato de violência doméstica ao qual a agredida ficou submetida por anos, conforme aponta o relatório n. 54 da OEA de 2001. (DIAS, 2012).
Nesse cenário de resistência nacional, quanto a temáticas referentes à opressão da mulher, alguns fatores foram determinantes para desencadear esse processo que, no futuro, daria ensejo a criação da LMP, dentre eles, cita-se dois fatores: I) a criação da Secretária Especial de Políticas para Mulheres, órgão que tem por missão promover ações para a promoção dos direitos das mulheres e II) a condenação do Brasil pela OEA que trouxe em sua sentença a recomendação no sentido de obrigar o governo brasileiro à adotar todas as medidas necessárias para prevenção da violência e para a promoção dos direitos das mulheres, em especial o direito a viver sem violência (PIMENTEL E PIOVESAN, 2011).
Como se nota, o processo de criação da LMP, expressão de uma política penal e extrapenal apoiada pelo feminismo, firmou seu sustentáculo a partir da Convenção para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW (1979); da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (1994) e de previsões constitucionais relativas ao direito a igualdade de gênero e o dever do Estado de criar mecanismos para coibir a violência nas relações familiares (art. 5º, inc. I e art. 226, § 8º, ambos da CF/1988).
Registra-se, assim, desde a década de 1980, a mobilização feminista na luta por igualdade, o movimento feminista denunciava a opressão física, cultural e psicológica sofrida pela mulher no cotidiano, reflexo de uma sociedade extremamente patriarcal. Essas reivindicações atingiram positivamente a Constituição Federativa de 1988, que introduziu em seu texto dispositivos que são verdadeiras cláusulas pétreas, as quais asseguram igualdade entre homens e mulheres, como dispõe o inciso XVI do artigo 5º, bem como conferindo proteção aos integrantes das famílias, nos termos do caput do artigo 226, aduz que a família é a base da sociedade.
Diante disso, o princípio da igualdade elencado nos termos da Constituição Federal deve ser preservado e difundido para que outras mulheres, tal como Maria da Penha, não façam parte do índice de mais uma vítima da violência machista na sociedade brasileira, vítima do descaso frente ao ataque do seu direito fundamental à vida. Vez que, a partir da condenação no caso n. 54 pela OEA, ficou evidente a resistência do Brasil em reconhecer direitos humanos específicos às mulheres, necessário, então, sua condenação.
E ainda, de acordo com a narrativa de Maria Berenice Dias (2012, p.16), sobre o processo de condenação do agressor de Maria da Penha destaca-se o seguinte trecho:
Recorreu em liberdade e, um ano depois, o julgamento anulado. Levado a novo julgamento, em 1996, foi-lhe imposta a pena de dez anos e seis meses de prisão. Recorreu em liberdade e somente 19 anos e 6 meses após os fatos é que foi preso. Em 28 de outubro de 2002, foi liberado, depois de cumprir apenas dois anos de prisão. [...] O Brasil foi condenado internacionalmente, em 2001. O Relatório n. 54 da OEA, além de impor o pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares, em favor de Maria da Penha, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão frente à violência doméstica. (DIAS, 2012, p.16).
Em face da inércia do Brasil, frente a esse caso e posteriormente a sua condenação, surgiu a possibilidade para debates políticos em detrimento de uma legislação nacional para o enfrentamento da violência contra as mulheres. Nessa conjuntura, um anteprojeto de lei é elaborado por um grupo de organizações feministas que formaram um Consórcio Nacional. Este projeto previa a proteção à mulher e tinha como objetivos centrais a perspectiva do tratamento integral, transversal e multidisciplinar da prevenção, da assistência e da contenção da violência (MACHADO, 2017).
Assim, em 2002, com o reconhecimento da omissão do Estado, finalmente, em 2006, tem-se o contexto social, jurídico-político em que fora introduzido em nosso Ordenamento Jurídico a Lei n. 11.340/2006. Vale frisar, uma lei que surge como uma forma de retratação a esse caso específico, na tentativa de efetivar a prevenção, a punição e a erradicação da violência à mulher.
Por todo o exposto, a cultura machista precisa ser desconstruída, para isso faz-se necessário entender o processo de construção da cultura de gênero e, posteriori, correlaciona-lo com essa nova visão que nos propomos a debater, um novo olhar sobre dispositivos da lei que não são de caráter sancionatório que estão aquém da sanção repressiva, em especial aqueles que possibilitam no trabalho com o homem nos padrões com a educação de gênero e, assim, compreender o porquê de a LMP incorporar uma perspectiva de gênero na elaboração, na execução e na avaliação de políticas públicas.
3.DESIGUALDADE E VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Após a vigência da LMP, houve relevante impactos sobre as denúncias de casos de violência doméstica e familiar, sabe-se que a partir deste estatuto houve a possibilidade de resolução desse tipo de denúncia a um grande contingente de mulheres agredidas, não significa necessariamente aumento de violências, “mas sim que houve o aumento da capacidade de as mulheres reconhecerem as situações de violência a que estão submetidas no âmbito das relações domésticas e familiares, bem como de denunciá-las” (SENADO FEDERAL, 2018, P. 14).
O fato de a legislação dá maior visibilidade aos diversos casos de violência, quebrando o silêncio das vítimas, as quais passaram a denunciar com maior frequência seus agressores, não é o suficiente, é preciso assegurar às mulheres as condições necessárias para a realização de denúncias, elas precisam acreditar na Secretaria de Políticas para as Mulheres para que, assim, elas sintam-se amparadas e protegidas na hora de denunciar os seus agressores (SENADO FEDERAL, 2018).
Desta feita, em reforço, o Sistema Único de Banco de Dados “Leoneide Ferreira”, popularmente conhecido como IPENHA, ao divulgar dados sobre violência contra a mulher no Piauí (Meio Norte – 06/05/2019), esclarece que já registrou, em Teresina e Nazária, 11.597 denúncias e medidas protetivas que apuram violências domésticas e familiares praticadas contra as mulheres; dos quais 359 destes procedimentos foram instaurados a partir de janeiro de 2019. Porém, os números podem ser ainda maiores, isso porque muitas mulheres que vivem em situação de violência “ainda não denunciam seus agressores, por vários motivos, como o medo, a esperança que o autor da violência mude o comportamento, as dependências econômicas e afetivas e por não acreditarem no sistema de justiça” (IPENHA, 2019).
Antes de adentrar o tema, cabe destacar que a LMP, quando de sua publicação, no ano de 2006, foi alvo de diversas críticas, acabou gerando certa resistência em sua adoção, inclusive por parte dos aplicadores da lei. Diante desse impasse registra-se o julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal – STF (06.02.2012) da Ação Direta de Constitucionalidade - ADC nº 19/2012 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 4.424 pondo fim a questão que girava em torno da constitucionalidade ou não da lei, assim, a partir de então, entende-se que a lei está em consonância plena com a Constituição Federal de 1988, posto que o Plenário do STF declarou a constitucionalidade desta legislação que tem por objetivo criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Superado esta resistência funcional em relação à Lei, analisar-se-á a desigualdade de gênero, fator propulsor da desigualdade de distribuição de poderes e, consequentemente, da violência contra a mulher, visando isto, a LMP criou diretrizes de uma política pública com perspectiva de gênero, por meio de um sistema jurídico autônomo, com regras próprias de interpretação, buscando evidenciar o aspecto que projeta o objetivo da Lei, que é a superação da situação momentânea de violência em que vivem as mulheres vítimas dessa violência (CAMPOS, CARVALHO, 2011).
Nesse sentido, para maior compreensão do objeto em análise, cabe apresentar o conceito dos seguintes termos: gênero, sexo biológico, orientação sexual e violência de gênero, tais terminologias diferem quando de sua aplicação ao caso concreto e também em sua análise conceitual.
Pois bem, nessa perspectiva, é importante citar a contribuição de Heleieth I. B Saffioti, para a autora gênero é visto como construção social do feminino e masculino, significa que “a identidade social da mulher, assim como a do homem, é construída através da atribuição de distintos papéis, que a sociedade espera ver cumpridos pelas diferentes categorias de sexo” (SAFFIOTI, 1987, 10). Nessa mesma linha, Joan Wallach Scott analisa conceitualmente gênero, mais especificamente a escrita de seu célere artigo: “Gênero: uma categoria útil de análise histórica (1990)”, "gênero" diz respeito à construção social de papeis determinado a cada sexo. Assim, o estudo do gênero tem por objetivo compreender a formação natural de aspectos sociais e comportamentais atribuídos culturalmente ao homem ou à mulher.
Scott explica, a partir da análise estruturada na noção de construção social articulada com a noção de poder, que as mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre à mudança nas representações de poder. E, ainda, informa que "gênero significa o saber a respeito das diferenças sexuais" e este saber é sempre relativo, seus usos e significados "nascem de uma disputa política e são os meios pelos quais as relações de poder – de dominação e de subordinação – são construídas" (SCOTT, 2002, p.14). Assim, recentemente Camila Magalhães Gomes (2017) em sua tese de doutorado, citando Scott, o conceito de gênero foi construído como uma categoria de análise histórica, sendo que, gênero é, para autora, “fazer perguntas históricas”, um convite a se pensar criticamente (2017 apud SCOTT, 2010).
No plano regional das Américas, de acordo com Ela Wiecko Volkmer de Castilho e Carmen Hein de Campos (2018), infere-se da Convenção de Belém do Pará, aprovada em 1994 pela Assembleia Geral da OEA, ratificada pelo Brasil em 1995, especificamente, no que tange ao seu art. 8º, b, ao se referir à adoção pelos Estados Partes de medidas específicas, pode ser inferido do contido no supracitado artigo a aplicação conceitual de gênero, quando dispõe:
Para modificar padrões socioculturais de condutas de homens e mulheres [...] para contrabalançar preconceitos e costumes e todo outro tipo de práticas que se baseiem na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher. (COVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ,1994).
É importante ressaltar que o referido artigo, ao elencar as medidas que devem ser adotadas pelos Estados Partes, quando da condução do processo de erradicação e eliminação da violência contra a mulher, traz uma análise conceitual que permite compreender o conceito de gênero e os atos que devem ser combatidos, fazendo menção, ainda que implicitamente, a associação sexo-gênero.
A partir desse conceito, para fins de reflexão proposta para além do referido artigo, traça-se a diferença preestabelecida na definição entre o sexual e o gênero. Tal associação, sexo-gênero, foi explicitada na Recomendação Geral 33, mais especificamente em seu item 7 o qual dispõe que “a discriminação pode ser dirigida contra as mulheres por motivo de sexo e gênero”. Sendo que, “gênero refere-se a identidades, atributos e papéis socialmente construídos para mulheres e homens e ao significado cultural imposto pela sociedade às diferenças biológicas, que se reproduzem constantemente no sistema de justiça e suas instituições” (CEDAW, 1979).
Camilla de Magalhães Gomes, alerta, gênero é visto como sujeitos sociais, históricos, políticos; como sujeitos da cultura, sujeitos de direitos e, assim sendo, “o mais comum é apontar uma diferença entre o biológico do sexo e o cultural do gênero e rejeitar a ideia de que o “sexo é o destino”. (GOMES, 2017, p. 43).
Cabe destacar que gênero não se confunde com sexo biológico, este refere-se às características biológicas de um indivíduo. De modo que um indivíduo, por exemplo, pode ter o sexo feminino e se incluir no gênero masculino. Nesse sentido, partindo dessa noção de que sexo referir-se às características biológicas, Scott (2012) afirma que apesar de estudiosos (as) “reconhecerem as relações existentes entre o sexo e os papéis sexuais (...), o uso do gênero enfatiza todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas que não é diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade”. (SCOTT, 2012. P. 75 e 76).
Quanto a orientação sexual, Laura Nayara Gonçalves Costa Gomes (2013, p. 3\6), tomando por base o princípio da liberdade sexual, o qual assegura à todos o livre arbítrio para escolherem sua opção sexual, diz que essa terminologia refere-se por “qual gênero, masculino ou feminino, a pessoa se sente atraída, ou seja, de que maneira o indivíduo quer exercer sua sexualidade”.
Nessa esteira, Costa Gomes (apud VIEIRA 2013, p. 3\6) traça o conceito de orientação sexual “como sendo a identidade atribuída a alguém em função da direção do seu desejo e/ou condutas sexuais, seja para pessoa do sexo oposto, para pessoa do mesmo sexo ou de ambos os sexos". Assim sendo, “o indivíduo pode ser: homossexual, heterossexual ou bissexual”, pois tal liberdade permite-lhe o direito de escolha que abrange tantas quantas forem as espécies de natureza sexuais.
No âmbito internacional, o Brasil assumiu compromisso de tomar providências contra a violência de gênero. Nessa esteira, a Declaração sobre Eliminação da Violência contra as Mulheres (1993) conceitua a violência contra a mulher como “qualquer ato de violência baseado em gênero que cause ou possa causar um dano físico, sexual ou psicológico às mulheres ou provocar sofrimento”, não só os efetivamente praticados, mas também inclui as “ameaças de prática de tais atos, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, quer se registre na vida pública ou na vida privada (art. 1º)”.
Por sua vez, no âmbito do sistema europeu, conforme preleciona Ela Wiecko Volkmer de Castilho e Carmen Hein de Campos (2018), cita-se a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Istambul, 2011), conhecida como o primeiro instrumento normativo a definir violência contra as mulheres. Essa Convenção reitera os princípios da CEDAW e suas Recomendações, ao passo que em seu artigo 2º traça uma definição de gênero e de violência de gênero. Assim:
“gênero” designa os papéis, os comportamentos, as atividades e as atribuições socialmente construídos que uma sociedade considera apropriados para as mulheres e os homens. “Violência contra as mulheres baseada no gênero” designa toda a violência dirigida contra uma mulher por ela ser mulher ou que afete desproporcionalmente as mulheres” (CASTILHO e CAMPOS, 2018).
E com isso, a referida Convenção de Istambul, a partir de 2011, também determinou a implementação da perspectiva de gênero, abrindo espaço para os demais textos normativos sob essa perspectiva.
Assim, violência de gênero é compreendida como uma questão cultural que envolve a determinação social dos papéis que homens e mulheres desempenham na sociedade. Não há problemas em atribuir diferentes papéis a cada um, o problema passar a existir em até que ponto passou a valorizar um em detrimento de outro e é justamente aí que se destaca a questão de gênero. No Brasil, não temos dúvidas que o papel masculino é supervalorizado em detrimento do feminino (BIANCHINI, 2017).
No que tange a essa supervalorização do papel desempenhado pelo homem em detrimento da mulher, significa dizer que, segundo Del Piore (2013, p. 6), desde o Brasil Colônia vigorava o sistema patriarcal “que conferia aos homens uma posição hierárquica superior às mulheres, de domínio e de poder, sob o qual os castigos e até o assassinato de mulheres pelos seus maridos eram autorizados pela legislação”, por vezes, delineando traços da violência de gênero.
Com efeito, não estamos diante de uma novidade imposta a sociedade contemporânea, sabe-se, ao passo que observamos os antecedentes históricos da violência contra a mulher, que ela já se encontra introduzida na cultura da sociedade desde os tempos primitivos. Sobre isso, Larissa Ribeiro da Silva, citando os escritores Mauricio Gonçalves Saliba e Marcelo Gonçalves Saliba, nos esclarece que “[...] a violência contra a mulher, além de histórica, é também produto de um fenômeno cultural da sociedade moderna”. O antídoto contra essa cultura “não se dilui com leis penais punitivas [...]” (SALIBA, SALIBA apud SILVA, 2014).
Isto posto, nota-se que os antecedentes históricos da violência doméstica contra a mulher, fruto de uma cultura patriarcal, são fatores propulsores do fortalecimento da condição dessa tal de supervalorização do homem frente à mulher, colocando-a numa relação de submissão, levando-a a rebela-se contra tal condição, logo temos o que os supracitados autores denominam de "síndrome do pequeno poder"(SALIBA, SALIBA apud SILVA, 2014).
Além desses traços de nossa cultura patriarcal alguns institutos legais contribuíram na contramão do avanço dos direitos das mulheres, tais como: o Código Civil de 1916 que, mediante a instituição do pátrio poder, garantiu a continuidade da hierarquização na família; o Código Penal de 1890 e de 1940 ao tratar da responsabilidade criminal, previu o que alguns doutrinadores chamam de “porta aberta”, ou seja, a figura da legítima defesa para os “crimes de paixão” ou “crimes passionais”, como forma de justificativa para a absolvição daqueles que matavam suas parceiras íntimas ( SENADO FEDERAL, 2016).
Entretanto, tais exemplos representam o espírito de uma época que não condizem com as formas de relações interpessoais, vez que, casos como esses, citados no parágrafo anterior, são identificados pelo Ordenamento Jurídico brasileiro como casos de discriminação da mulher, refletindo de forma significativa na necessidade de produção legislativa em prol das garantias constitucionais e dos direitos humanos.
As práticas discriminatórias, que dizem respeito a qualquer distinção, exclusão ou preferência injustificada devem ser combatidas por todas as pessoas. Para que efetivamente se concretize essa perspectiva, nos termos da CEDAW (1979), no tocante a política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, os “Estados-Partes” deverão condenar “a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, devendo concordar em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher”.
A partir de tais Recomendações passou-se a adotar diretrizes em prol da proteção da mulher vítima da violência de gênero, mas, apesar das mudanças, seguimos observando uma mesma justificativa, por intermédio de dois elementos do sistema de gênero, qual seja: os papeis e o status. Uma vez que, quanto aos papais, compreende-se por dois subsistemas que estão representados a partir da divisão sexual do trabalho que se dará em dois âmbitos, representado pelo “âmbito público e o doméstico”, sendo este último satisfeito pelo que denominam de tarefas femininas. Já o status está representado no sistema de hierarquia desenvolvido desde os primórdios, levando a divisão de dois sexos, o qual marca a desigualdade entre os papais (âmbito público e o doméstico) exercidos por mulheres em detrimento dos exercidos pelos homens, sob estes há uma valoração, dificultando o reconhecimento social da mulher, enfrentado diariamente em diferente esfera da vida, profissional e pessoal (BIANCHINI, 2017).
Diante de todo o exposto, vê-se que a palavra gênero não excluiu a palavra sexo nos instrumentos internacionais e, também, de igual feita, a violência de gênero tipificada na LMP, pois estas terminologias traduzem a ideia de que certas condutas praticadas contra a mulher ou pelo simples fato de ela ser mulher são classificadas como violação de direitos humanos, devendo ser percebidas como produto de uma assimetria de poder entre mulheres e homens.
Ao passo que incorpora essa perspectiva de gênero, ao tratar sobre a violência, a lei n.11.340/2006 em seu artigo 5º e incisos, traz a configuração do que é a violência doméstica e familiar por ela tipificada; no artigo 6º diz que essa violência doméstica e familiar praticada contra a mulher é uma forma de violação dos direitos humanos, enquanto que no artigo 7º e incisos, tecem um rol exemplificativo sobre as formas de violência doméstica e familiar.
Segundo BIANCHINI (2014), nos termos da LMP, esse tipo de violência é praticado contra a mulher e estará configurando quando houver um vínculo afetivo, doméstico e familiar entre o autor da violência e a vítima. É importante frisar que esse vínculo não é necessariamente biológico, podendo ser também afetivo. E ainda deve-se observar as formas em que se dará essa violência. A esse respeito, Maria Berenice Dias (2011) fornece sua contribuição ao explicitar que as formas de violência, abordada na LMP se subdividem em violência física, psicológica, sexual, patrimonial, moral.
Isto posto, quanto as espécies de violência trabalhada na LMP, colaciona-se trechos sobre as formas de violência doméstica e familiar, quais sejam: violência física, “entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal [...]”; violência Psicológica, “entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima [...]”; violência Sexual, “qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada [...]”; violência Patrimonial, “entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição de seus objetos, documentos pessoais, bens, valores e direitos [...]” e a violência Moral, “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria [...]”. (SENADO FEDERAL, 2016, p. 69).
Com isso, registra-se o âmbito de abrangência dessa violência, englobando diversas formas de suas manifestações. Desta feita, o IPENHA, em pesquisa supramencionada em parágrafos anterior, ao analisar os dados, “constatou a coexistência de diversos tipos de violências em um único procedimento de apuração, revelando os seguintes dados percentuais: violências psicológicas 100%”; morais 93,2%; físicas 86,9%; sexuais 49,1% e patrimonial 38,4%”. (IPENHA, 2019).
Em verdade, segundo dados fornecidos por uma outra pesquisa, titulada de “Visível e Invisível – A Vitimização de Mulheres no Brasil, realizada pelo Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de abrangência nacional, no período de 4 a 5 de fevereiro de 2019, sobre as diversas violências sofridas por mulheres em 2018 e seus contextos, traz que, a cada minuto, 9 mulheres foram vítimas de algum tipo de agressão no Brasil. Sendo que, 4,6 milhões de mulheres foram tocadas ou agredidas fisicamente por motivos sexuais (Datafolha/FBSP, 2019). O número indica o fator que levou pesquisadores a desvelar a questão da desigualdade de gênero como um propulsor desse tipo de violência.
A LMP reforça, assim, a necessidade da compreensão das desigualdades de gênero. Segundo a antropóloga e pesquisadora Heloísa Buarque de Almeida, do Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, “é importante desnaturalizar o pensamento e entender que o gênero não está no corpo, não é uma diferença biológica entre homens e mulheres”. Pois, “ser homem ou ser mulher é um aprendizado cultural que acontece desde antes de a gente nascer, sendo que a própria violência dos homens é um aprendizado cultural”. (Compromisso e Atitude, 2017, p.14).
Nesse sentido, o feminismo busca evidenciar que a desigualdade de gênero é fator responsável por atribuir esses diferentes papéis sociais, bem como mostrar que a solução para resolver o problema da violência de gênero está em sua raiz, qual seja, a cultura patriarcal. Daí a necessidade de integração operacional dos órgãos e o desenvolvimento de políticas públicas para prevenir e reprimir as diversas formas de violências praticadas contra mulheres.
Assim, reduzir a desigualdade perpassa por superar a construção da cultura de gênero e entender que a concepção dessa cultura predispõe a dominação masculina, que ainda repercute nos dias atuais, legitimando à mulher. Conforme apontam os resultados da já citada pesquisa realizada pelo Datafolha e FBSP (2019), dentre os resultados obtidos, chama atenção que, em relação ao agressor, 76,4% das mulheres que sofreram violência afirmam que o agressor era alguém conhecido. Sendo que, 23,8% apontam como agressor o cônjuge, companheiro ou namorado e “21,1% apontam o vizinho. Quanto ao local de ocorrência, 42% das vítimas apontam a casa como local da agressão. (DATAFOLHA/FBSP, 2019).
Tal resultado é reflexo da cultura que naturaliza a violência contra a mulher nas relações conjugais e, consequentemente, no grande número de mulheres vítimas dessa violência. É necessário dizer algo mais para fundamentar a necessidade de leis específicas para desigualar a desigualdade e combater a violência praticada contra a mulher? Evidente que não, o cenário atual nos revelar o quanto necessário se faz essa luta, pesquisas demonstram os impactos da desigualdade de gênero, atingindo a todos, isto em âmbito mundial. Dito isto, objetiva reafirmar a relevância das demandas pela igualdade de gênero que indiscutivelmente evocam e repudiam as diferenças que não permitiram a igualdade entre homens e mulheres.
Se a violência apontada na LMP tem início com decorrer relevante da desigualdade de gênero, a desconstrução do poder de masculinidade tóxica é fundamental, dado que tal termo constitui-se com base nas “normas, crenças e comportamentos que incluem: hipercompetitividade, autossuficiência individualista (em um sentido patriarcal e paroquial do papel do homem como chefe de família e autocrata da família), tendência ou glorificação da violência” (2019 DE MOURA apud SCULOS, 2017). Neste mesmo sentido, DUTRA e ORELLANA (2017, p.152) preleciona que “a toxic masculinity é uma tendência problemática dos homens”.
É necessário, portanto, a desconstrução do padrão de masculinidade tóxica e para tal deve-se compreender que essa desconstrução é de interesse de homens e mulheres, haja vista os aspectos negativos impostos ao homem em decorrência da concepção e reprodução da desigualdade de gênero, estudado no item anterior, chamado de padrão tóxico, posto que contamina e faz mal a todos, homens e mulheres e, assim, compreender o cenário que esses estudos estão inseridos, bem como contrapor a concepção errônea de que falar de feminismo ou combater a masculinidade tóxica são expressões diferentes que não convergem para o mesmo ponto.
Para compreender o processo de desconstrução da masculinidade tóxica, cabe conceituar o termo machismo, feminismo e masculinidade tóxica, bem como elencar algumas características que lhes são inerentes. O primeiro, definido pelo dicionário de língua portuguesa, Aurélio (2019), como: “modos ou atitudes de macho, ideologia segundo a qual o homem domina socialmente a mulher”, presente em características físicas e culturais que se manifestam historicamente no mundo, associadas ao gênero masculino em relação ao feminino, dentre as quais destaca-se a título de exemplo: estupros coletivos na Índia; torturas, mutilações genitais na África; exploração e escravidão sexual ainda presente em nossa sociedade, tal como incesto e abuso sexual dentro e fora da família.
Enquanto que, segundo Agência Patrícia Galvão (2018, p. 19), citando o discurso da atriz Emma Watson (2014), em prol da campanha mundial “HeForShe”, o “feminismo pela definição é a crença de que homens e mulheres têm de ter direitos e oportunidades iguais. É a teoria da igualdade política, econômica e social dos sexos”.
E o que seria, então, masculinidade tóxica, segundo Connel (1995; 2005) antes de adentramos nesse conceito devemos entender que falar de masculinidades não significa falar necessariamente de homens, mas sim de relações de gênero, principalmente da posição do homem numa ordem de gênero, bem como compreender que são múltiplas as masculinidades, as quais podem ser definidas como padrões de práticas através das quais tanto homens como mulheres assumem essa posição dentro da hierarquia (CONNELL, 2005). Há múltiplas concepções e expressões de masculinidades, sendo que, dentre elas, enquanto categorias de análise para refletir sobre violência sexual e desigualdade de gênero, têm duas relevantes, quais sejam: masculinidades hegemônicas (CONNELL E MESSERSCHMIDT, 2005 E 2013) e masculinidades tóxicas (DE MOURA, 2019).
Então, duas categorias de masculinidades, conforme preleciona Connell (1995) o conceito de masculinidade hegemônica pode ser visto como uma norma cultural que liga continuamente os homens ao poder. Assinala ainda Connell e Messerschmidt (2005, 2013) que a masculinidade hegemônica é normativa e não necessariamente estatística: trata-se de um ideal, que cria uma referência a partir da qual todos os homens devem se identificar numa lógica relativa e, assim, busca incorporar uma forma mais “honrada” de ser homem, exigindo que os demais homens se posicionem de igual feita e reproduzam tal conduta.
Nielson (2018), partindo dessa concepção, destaca que na década de 90, nos Estados Unidos, surge a expressão “masculinidade tóxica”, uma forma de designar determinado termo para dar nome aos efeitos negativos àquilo que ativistas e estudiosos classificam como masculinidade hegemônica e suas consequências nocivas, que afetam negativamente à sociedade como um todo e é justamente nesse ponto que se evidência o conceito de masculinidade tóxica.
Renan Gomes de Moura “[...] o termo masculinidade tóxico é usado para se referir a uma coleção vagamente interligada de normas, crenças e comportamentos associados com a masculinidade, que são prejudiciais para as mulheres, homens, crianças e sociedade em geral [...]”. Sendo que, “conceito de masculinidade está ligada ao caráter agressivo, competitivo, homofóbico, sexista e misógina da masculinidade tóxica [...]”. (DE MOURA, 2019, p. 03).
Para melhor compreensão desse campo de pesquisa centrado na análise da masculinidade é preciso relembrar as origens do pensamento feminista trabalhado no item dois desta pesquisa, para, então, entender sua crítica sob a masculinidade. Tal visão revela que o feminismo e a noção de masculinidade tóxica, apesar de terem relação, diferem em vários aspectos, senão vejamos:
[...] feminismo olha para frente, para um momento futuro, ainda não realizado, de igualdade de gênero e o fim de opressão em todas as suas formas. A teoria feminista, a crítica feminista, e suas ações políticas e sociais contemplam a implementação formal de leis além de outras transformações sociais e culturais que vão proporcionar mudanças no tratamento de mulheres. Em contrapartida, a masculinidade é frequentemente caracterizada por uma orientação para o passado e as falências dos homens, combinado com uma nostalgia por algum modo idealizado e perdido de comportamento masculino. (NIELSON, 2018, p.257).
Com isso, vislumbra-se o quão pertinente é o estudo sobre masculinidade, cuja base está assentada na contribuição do pensamento feminista, pois sob a égide desse movimento promove-se a definição de gênero, de categoria do masculino e do feminino como construções sociais e, desse modo, a ideia de que esse padrão de masculinidade tóxica constitui ao longo da história uma forma de opressão social. Resultando assim, no controle e repressão da mulher e, consequentemente, no seu silenciamento, barreira para que a mulher usufrua de direitos básicos, fundamentais assegurados na Constituição Federal de 1988, obrigando-a à condição discriminatória.
Convém, então, conhecer e difundir um novo padrão de masculinidade, este idealizado pelo movimento feminista, o qual rompe com os estereótipos de gênero e com a desigualdade, a fim de fortalecer o princípio constitucional da igualdade e propor um novo olhar sobre políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher com a inclusão do homem nesse processo.
Nesse diapasão, é necessário ir além da constatação de caracteres que constituem a masculinidade, que caracteriza tantos homens, tão diversos entre si. Em prol de contrapor e combater os efeitos negativos da masculinidade, tão presente na sociedade, a partir de moldes predeterminados que ditam normas de comportamento distinto para cada um, forma de ser homem e ser mulher, o Google BrandLab São Paulo realizou uma pesquisa com homens de 25 a 44 anos, sob o título de Dossiê Brandlab: A nova masculinidade e os homens brasileiros (GOOGLE BRANDLAB, 2018), a qual aponta e visa difundir que a nova masculinidade tem por finalidade englobar todas as formas de ser homem e assevera conjuntura mais igualitária, justa e saudável.
Nessa mesma linha, cita-se também a pesquisa nacional realizada com apoio da ONU Mulheres, em prol do documentário: “o silencio dos homens”, que abordaram as masculinidades pela visão de mais de 40 mil pessoas, entre homens e mulheres brasileiras. Dentre os quais, em consonância com os dizeres de Maria Paula Fonseca, diretora da Marca Natura, destaca-se o seguinte trecho:
Desde a infância, a masculinidade é definida por meio de padrões impostos pela sociedade. Assim, meninos não podem chorar e demonstrar sentimentos. É um aprisionamento, vivido em silêncio, que pode gerar homens emocionalmente frágeis, afetivamente rígidos e muitas vezes violentos. O impacto disso na sociedade é terrível. A pesquisa endossa a urgência para se romper essa barreira e abrir o diálogo para que a masculinidade possa ser expressa em plenitude, livre de julgamentos (ONU MULHERES, 2019).
Assim, nota-se, ao analisar os dados estatísticas que descrevem o fenômeno dos homicídios no Brasil, os homens também perdem com esse padrão de masculinidade tóxica, perdem no sentido de que, segundo Atlas da Violência de 2019, publicado pelo IPEIA, os homens são as maiores vítimas de mortalidade, dados coletados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde (SIM/MS)”. E ainda aponta que o mapa da violência de 2019 traz “o padrão de vitimização dos homicídios por sexo, onde se observa que 91,8% das vítimas é homem”, enquanto que 8% são mulheres.
Hoje, de acordo com o documentário "o silêncio dos homens", desenvolvido por Papo de Homem\instituto PdH (2019), podemos extrair que 83% das mortes por homicídios e acidentes no Brasil são de homens. Não obstante, registra-se, também, o resultado da pesquisa do Google BrandLab (2018), mencionada em parágrafo anterior, a qual evidencia os efeitos colaterais da masculinidade tóxica e reafirma que os homens se suicidam quase 04 (quatro) vezes mais do que as mulheres e eles também são os que mais morrem vítima da violência, 10 (dez) vezes mais do que as mulheres.
Posto isto, passaremos, então, à análise de medidas integradas de prevenção prevista na LMP, bem como programas que trabalham o autor da violência doméstica e familiar.
5.MEDIDAS DE PREVENÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA E PROGRAMAS QUE TRABALHAM O AUTOR DA VIOLÊNCIA CONTRA À MULHER
O ponto de partida para a análise desse item é a sociedade em sua conjuntura atual, ainda norteada pelos reflexos de uma sociedade machista que se manifesta nas múltiplas expressões de violência e, por sua vez, é palco para o ciclo da violência com o qual diversas mulheres lidam diariamente, umas de forma bem expressiva e ouras no silêncio de seus mais sombrios segredos, foi pensando nisso que a presente pesquisa se propôs a desconstruir a masculinidade tóxica, estudada no item anterior e, à medida em que se aprofundou nos estudos sobre masculinidades, observou-se que este é um fator negativo que contribui para vários outros problemas, levando a abordar no presente item algumas medidas de prevenção da LMP e também programas que trabalham o autor da violência doméstica e familiar.
5.1MEDIDAS DE PREVENÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA
A LMP, conforme preleciona Carmen Hein de Campos (2015, p. 520) “é sem dúvida, uma das mais importantes conquistas legais do feminismo, das mulheres e da sociedade brasileira”. Um estatuto composto por uma conjuntura que cria múltiplos mecanismos, incluindo as medidas de prevenção em suas mais variadas formas, englobando o autor da violência, bem como diversos outros mecanismos e instrumentos difundidos em prol da prevenção a violência doméstica e familiar, a qual, hoje, representa símbolo de maior expressão dos avanços da legislação sobre violência doméstica (CAMPOS, 2015).
Nos termos do art. 8º, da LMP (2006), para o combate à violência doméstica ser eficaz há necessidade de ser implementado políticas públicas, as quais se darão por meio de um conjunto articulado de ações do Ente Político e de ações não governamentais, a partir do amplo envolvimento da sociedade organizada e do Poder Público, o mesmo dispositivo traça, ainda, em seus itens as diretrizes da política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Nesse mister, a autora Shelma Lombardi de Kato (2011, p. 349) cita a contribuição de alguns incisos do mencionado art. 8º, da LMP (2006), dentre os quais destaca-se: o inciso I, o qual “prevê a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação [...]” e o inciso VII, “que diz respeito à capacitação permanente de todos os agentes envolvidos no combate à violência doméstica”. Acrescenta-se, ainda, o inciso V – “que trata da “promoção e realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral [...]” (LMP, 2006).
No que tange aos múltiplos mecanismos de prevenção, imperioso destacar a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar (art. 32º, da LMP), responsável pelo atendimento profissional especializado, bem como pelo desenvolvimento de “trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes” (art. 30º, da LMP).
Vale ressaltar, como a legislação vigente atesta, cabe ao Poder Público, isto é, a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, no limite das respectivas competências, criar e promover, nos termos do art. 35º, da LMP, políticas públicas correspondentes ao enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher. No que tange a sua execução, devem “ocorrer de forma integrada e articulada, nas distintas esferas governamentais, com a criação de serviços especializados e o estabelecimento de rede de atendimento às mulheres” (JUNIOR, 2011, p. 361), bem como de programas e campanhas de enfrentamento à violência doméstica e familiar (inciso IV do art. 35º, da LMP) e centros de educação e de reabilitação para os agressores (inciso V do art. 35º, da LMP).
Os programas e as campanhas de enfrentamento à violência “são instrumentos que possibilitam a modificação de padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres e auxiliam no combate a preconceitos e às visões estereotipadas, presentes na sociedade, que legitimam a violência contra a mulher” (JUNIOR, 2011, p. 362).
Quanto à criação de centros de educação e de reabilitação para os agressores, o mencionado autor destaca que o legislador tipifica tal previsão “na expectativa de se evitar agressões futuras, reincidências criminais e, fundamentalmente, permitir mudanças de comportamento do autor da agressão”, com o fim de incentiva-lo à “abandonar o uso da violência como forma de resolução de conflitos, particularmente no contexto doméstico-familiar” (JUNIOR, 2011, p. 362)
A seguir, são examinados programas que trabalham o autor da violência doméstica e familiar, os quais surgiram a partir dessas medidas vinculadas com a prevenção à violência, prevista na lei Maria da Penha.
5.2 PROGRAMAS QUE TRABALHAM O AUTOR DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Para análise desse subitem, a partir dessa proposta de intervenção da LMP, prevista no inciso V do art. 35º, que trata sobre a criação de centros de educação e de reabilitação para os agressores, afigura-se como uma medida de desconstrução da cultura machista, posto que, como trabalhado no decorrer desta pesquisa, os papéis de gênero são construções culturais e, assim sendo, podem ser desconstruídas, com o fim de atingir um novo olhar que tenha como cerne a equidade de gênero e o respeito às diferenças. Para tal, requer muito mais que a sanção punitiva do Estado. Torna-se essencial demandar no sentido de mudanças culturais que rompam com esse padrão e ressignifiquem os papéis de gênero.
Sob essa perspectiva de programas que trabalham o autor da violência, destaca-se, nos EUA, o Emerge: Counseling & Education to Stop Domestic Violence, fundado em 1977, “um dos programas pioneiros no mundo a propor o trabalho com homens pelo fim da violência nas relações íntimas. Tal programa é considerado referência para demais com o mesmo fim”. (CNMP, 2018, p. 47).
No Brasil, por seu turno, merece destaque “pelo pioneirismo, o Instituto NOOS, do Rio de Janeiro, o qual desenvolve atividades com Grupos Reflexivos de Gênero com homens autores de violência contra a mulher desde 1998”. (BRASIL, 2018, p. 47). Destaca-se, também, o programa Tempo de Despertar, voltado para homens condenados pela lei Maria da Penha, idealizado pela Promotora de Justiça, Maria Gabriela Prado Manssur, sob o viés do caráter tridimensional da LMP, qual seja: proteção, punição e ressocialização. Este programa visa a responsabilização e ressocialização de homens autores de violência doméstica e familiar contra a mulher. (MANSSUR, 2017).
Em especial, dentre aos demais programas que trabalham essa abordagem, tecer-se-á breves comentários sobre o programa REEDUCAR, desenvolvido pelo Núcleo de Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar - NUPEVID do Ministério Público de Teresina-PI.
Cabe destacar que as informações aqui disponibilizadas, sobre o referido programa, foram coletadas perante a Equipe Técnica do NUPEVID, a qual fora provocada via endereço eletrônico no dia 29 de outubro de 2019 e, conforme solicitado, no dia 06 de novembro de 2019, forneceu os dados referencias que embasam o subitem da presente pesquisa.
De acordo com a Equipe Técnica do NUPEVID, julga-se ser esse programa uma atitude intrépida por parte de seus idealizadores, “pois pretende-se que os autores compreendam seus crimes e provoquem mudanças de comportamentos a partir da reflexão sobre tais práticas”. Sendo que, “concomitantemente à execução do programa REEDUCAR o homem no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, o processo segue tramitando normalmente” e, assim, “está assegurado à mulher vítima a aplicabilidade da lei para cada caso em particular”. (NUPEVID, 2019).
REEDUCAR, trata-se de um programa desenvolvido sob a perspectiva da responsabilização e reeducação desse homem envolvido no contexto de violência doméstica e familiar, em execução desde 2016, de autoria da Promotora de Justiça Maria do Amparo de Sousa Paz em coautoria com Cynara Maria Cardoso Veras Alves (Psicóloga); Liandra Nogueira Soares da Silva (Psicóloga) e Núbia de Caldas Brito Pereira (Assistente Social). Executado por “Promotora e equipe técnica do NUPEVID/MPPI”, com colaboração de “facilitadores voluntários (profissionais da rede de atendimento à mulher em situação de violência, sistema de justiça, saúde, educação, assistência social e especialistas na área de gênero e direitos humanos)”. Os quais, “auxiliam na condução dos módulos desenvolvidos ao longo de nove meses, um módulo a cada mês, com temática específica”. (NUPEVID, 2019).
Em resposta sobre normatização desse programa internamente no MINISTÉRIO PÚBLICO - PI, a Equipe Técnica do NUPEVID, esclareceu que “o programa é reconhecido como parte das práticas institucionais do MPPI, compondo seu banco de projetos, sendo acompanhado pelo setor de planejamento da respectiva instituição”. O qual tem por finalidade “constituir grupos reflexivos com homens em contexto judicial de natureza doméstica e familiar aliando estratégias e ações de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher com todo o Sistema de Justiça e com a rede de atendimento à mulher” (NUPEVID, 2019).
Esclareceu, ainda, que “o programa encontra-se em sua 4ª edição com índice de reincidência zero e que participaram ativamente 50 homens” (NUPEVID, 2019). Quanto as ações desenvolvidas, cabe destacar seu procedimento, que segundo as informações coletadas dar-se-á da seguinte forma:
O encaminhado pelo poder judiciário por meio de parceria firmada entre o MPPI/10ª PJ-NUPEVID e o TJPI. O MM. Juiz determinará a participação no REEDUCAR, seja como extensão de medidas protetivas anteriormente deferidas, seja na concessão inicial de medidas protetivas ou ainda, nas hipóteses em que a vítima tenha interesse em desistir das medidas protetivas outrora pleiteadas, como medida protetiva substitutiva as outras deferidas a priori, bem como nas sentenças penais condenatórias e como medida cautelar alternativa da prisão. Desse modo, o agressor é encaminhado ao NUPEVID para entrevista psicológica na qual são definidos os critérios de participação, posteriormente, é notificado quanto à sua inclusão no grupo reflexivo que se estenderá por nove meses e após o término do programa será monitorado via sistema Themis Web por até um ano, para fins de verificação de práticas reincidentes de natureza doméstica e familiar ( NUPEVID, 2019).
Por fim, vale destacar que “os impactos são verificados por via da aferição das práticas de reincidência, pois, uma vez inexistentes, sinalizam que o reeducando não cometeu novos crimes de natureza doméstica e familiar”, portanto, “conferindo pacificação ao conflito que existia anteriormente e segurança à mulher que buscou o serviço da justiça”. (NUPEVID, 2019).
A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 inova na perspectiva de tratamento de violência por meio de repressão e prevenção, dispõe acerca de criação de centros de educação e de reabilitação para os agressores (art. 35º, inciso V), como ações afirmativas que desempenham função relevante dentro desse contexto e sinalizam para o entendimento de que o trabalho com autores desse tipo de violência, possibilita a promoção de uma nova forma de ser homem.
É oportuno, então, destacar que trabalhar a masculinidade tóxica e o feminismo não significa buscar a superioridade feminina, diferente do machismo que prega a superioridade masculina, o objetivo a que se propõe com essa abordagem, com base na teoria defendida pelo movimento feminista, é buscar a igualdade entre os gêneros e esse novo padrão de masculinidade que não é bom só para as mulheres é bom para os homens também.
Todavia, observa-se, de plano, há necessidade de desconstrução do que caracteriza a qualidade do masculino e do feminino, essa desconstrução tem espaço na LMP (2006), apesar de não está prevista de forma literal a expressão masculinidade tóxica, os estudos apontam que é isso que essa lei quer trabalhar. Esse processo de desconstrução, requer mudanças na mentalidade patriarcal, voltada para o futuro, em prol de intervir no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher e, a partir da perspectiva de gênero, criar ações que possam também incluir o homem nesse processo.
No contexto de construção de uma sociedade com menor violência de gênero, faz-se necessário inova em nosso ordenamento jurídico, adequando-se a uma nova conjuntura de sociedade, a exemplo, cita-se o artigo 45 da LMP, o qual trouxe nova redação para o artigo 152 da Lei de Execução Penal (Lei no 7.210 de 1984), para prever a possibilidade de o juiz, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, decretar o comparecimento obrigatório do autor da violência em programas de recuperação e reeducação.
Tais previsões legitimam a criação e execução dos supracitados programas que visam difundir essa abordagem, sob a perspectiva de medidas que estão aquém da sanção repressiva, corroborando no sentido de que o trabalho reflexivo com homens, possibilita a promoção de novas posturas frente a questão de gênero, coibindo, assim, a reincidência da violência, a título de exemplo, cita-se o programa REEDUCAR, conforme já mencionado, apesar de não fornecer dados precisos, os idealizadores do programa apontam que inexistem práticas de reincidência, assim, sinalizam que o reeducando não cometeu novos crimes de natureza doméstica e familiar.
Portanto o caminho a percorrer para solucionar esta problemática perpassa por desenvolver e difundir uma nova forma de masculinidade, fundada no afeto, na capacidade de ver, reconhecer e respeitar o outro. Assim, conclui-se, a partir do presente estudo, que as medidas integradas de prevenção voltadas a educação e ao trabalho com o agressor, bem como programas que trabalham o autor da violência doméstica e familiar, são fatores positivos para a não reincidência de condutas violentas contra as mulheres, as quais encontram guarida no caráter preventivo da LMP e, ainda que não se tenha dados concisos sobre o quanto, o fato é que, em passos lentos, essa nova visão voltada para a prevenção da violência contra a mulher com a inclusão do homem nesse processo, vem se manifestando e demonstrando mudanças no cenário desse tipo de violência.
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[1] Orientador professora do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Mestra em Direito Constitucional pela UNIFOR. E-mail: [email protected]
Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostino – UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, GONÇALINHA COSTA. A Lei Maria da Penha para além da sanção penal repressiva: trabalhando a desconstrução da masculinidade tóxica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2019, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53903/a-lei-maria-da-penha-para-alm-da-sano-penal-repressiva-trabalhando-a-desconstruo-da-masculinidade-txica. Acesso em: 22 nov 2024.
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