Resumo: O presente artigo visa analisar, sob os diversos enfoques estudados ao longo das teorias de cunho etiológico-individual, etiológico-estrutural, crítica-individual (Labeling Approach) e crítica-estrutural (Marxista), a formação da criminalidade, do mecanismo de rotulação e pré-definição de comportamentos antissociais indesejados na Sociedade Capitalista moderna, diante da permanente luta de classes. Nesse diapasão, as duas primeiras teorias ocuparam-se em identificar - ora no criminoso nato, ora no seu processo de formação diante de mecanismos de interação social - de onde proveria o “espírito criminoso”, ao passo que o Labeling Approach figuraria como a primeira oportunidade em que se vislumbraria o deslocamento do foco de estudo do indivíduo para o sistema, que atuaria por meio de rotulações, impondo àqueles que descumprissem os seus ditames a pecha de “criminosos” e “inimigos da sociedade”. Por fim, a abordagem crítica-estrutural desaguaria no Marxismo, que reconheceria a existência de uma permanente luta de classes, que justificaria a presença de um sistema jurídico de normas penais como um dos principais pilares para manutenção da exploração da força de trabalho por uma classe dominante, que justamente definiria o que deveria ser objeto de criminalização pelo direito positivo.
Palavras-chave: Criminologia. Criminologia Etiológica. Criminologia Crítica. Labeling Approach.
Abstract: This article aims to analyze, under the various approaches studied along the theories of etiological nature-individual, etiological-structural, critical-individual (Labeling approach) and critical-structural (Marxist), the Formation of criminality, the mechanism of labeling and pre-definition of unwanted antisocial behaviors in the modern capitalist society, in the face of the permanent class struggle. In this tuning fork, the first two occupy themselves in identifying, sometimes in the Born criminal, in their process of formation in the face of mechanisms of social interaction, where they would provide the "criminal spirit", whereas the Labeling approach it would appear as the first opportunity in which the displacement of the individual's focus to the system is perceived, which would act by labeling, imposing on those who disfulfill their dictates the flaw of "criminals" and "enemies of society". Finally, the critical-structural approach is to dewater in Marxism, which recognizes the existence of a permanent class struggle, which would justify the existence of a legal system of penal norms as one of the main pillars for the exploitation of the labor force by A dominant class, which would rightly define what should be the subject of criminalization by positive law.
Keywords: Criminology. Etiological criminology. Critical criminology. Labeling Approach.
Sumário: 1. Introdução – 2. A ESCOLA CLÁSSICA E AS Teorias Etiológicas (POSITIVISTAS); 2.1 TEORIAS Criminologia Etiológica Individual; 2.2 Criminologia Etiológica Estrutural; 3. Teorias Críticas: 3.1 Criminologia Crítica Individual (Labeling Approach); 3.2. Criminologia Crítica Estrutural. 4. Metodologia; 5. CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÕES FINAIS. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A discussão a ser tratada neste artigo envolve questões metodológicas que têm por escopo identificar as principais diferenças entre as Teorias Criminológicas Etiológicas e Críticas/radicais. Sendo a Criminologia uma ciência que deve auxiliar o Direito Penal na busca da paz e justiça social, a análise destas teorias é de suma importância para entender como se desenvolveram os principais estudos, desde a concepção de que a criminalidade seria algo inerente a certos indivíduos ou a certos grupos de pessoas sujeitas a determinadas influências sociais negativas, até na idéia de que a criminalidade seria, na verdade, o produto da vontade humana de criminalização de determinados comportamentos sociais tidos como nocivos à manutenção da estrutura capitalista, por uma elite detentora dos meios de produção, que imporia a certas parcelas hipossuficientes da população normas penais repressoras, criando rótulos e marginalizando aqueles que se insurgissem contra esse sistema.
Portanto, inegável a importância dessas concepções para a identificação do espírito das Políticas Criminais vigentes e, finalmente, definir se a criminalidade é algo inerente à pessoa humana ou se é simples produto da vontade política de criminalização de certas parcelas da Sociedade como importante instrumento de dominação.
Diante disso, num primeiro momento, desafia-se a análise do conflito de idéias entre as Escolas Clássica e Positiva, destacando a mudança de conceito, deslocando o foco da análise do fenômeno criminal, do sujeito criminalizado para o sistema penal e os processos de criminalização que dele fazem parte.
2. A ESCOLA CLÁSSICA E AS Teorias Etiológicas (POSITIVISTAS)
A chamada Escola Clássica, que teve como seus principais representantes as figuras de Cesare Beccaria, Francisco Carrara e Rogmanosi era assentada nas premissas filosófico-racionalistas do iluminismo e defendia que o delito surgiria como um ato de vontade livre do indivíduo e não de causas patológicas, sendo desta forma o delinquente uma pessoa que não se diferenciava de um indivíduo normal.
Nesse enfoque, o Direito Penal seria aplicado conforme critérios de necessidade e utilidade, figurando como verdadeiro instrumento de combate ao crime, merecendo destaque a obra de Cesare Beccaria, denominada “Del Deliti e Dele Pena” (1794), ocasião em que Beccaria pretendera fundamentar a legitimidade do direito de punir, diante de premissas iluministas do contrato social, quando da aplicação das penas. Segundo o mesmo autor, o delinquente teria livre arbítrio, sendo seu ato simples produto de sua vontade.
Já o discurso etiológico da criminalidade, característico da Escola Positivista, passou a explorar uma metodologia causal-determinista, tentando explicar qual a razão das pessoas cometerem delitos. Nesse enfoque, estaríamos diante de causas que determinariam o comportamento criminoso, sempre partindo do pressuposto de que existiria um consenso médio na sociedade (Teoria do Consenso), no que concerne a valores e interesses que fundamentariam politicamente a sociedade.
Os desvios de conduta seriam então definidos como dissensos individuais determinados por patologias ou subsocialização, no que esses comportamentos seriam reduzidos a meros sintomas reveladores da natureza do sujeito, que seriam produzidos por causas internas e não controladas pelo autor do delito, sendo apenas descobertos e analisados por experts, que poderiam identificar as causas e prognósticos de comportamentos, prescrevendo terapias corretivas.
Diante disso, a criminologia positiva fornece explicações fundadas basicamente em defeitos individuais determinados por patologias (individuais) ou por subsocialização (sócio-estruturais), propondo correções pessoais ou reformas sociais.
2.1 teorias criminológicas etiológicas-individuaIS
Passando à análise dos defeitos pessoais como causa dos comportamentos antissociais, temos que as Teorias Etiológicas-Individuais tratam de explicações de caráter biológico, constitucional, genético e instintivo do comportamento humano, tendo destaque a Teoria do Criminoso Nato, de LOMBROSO, com a publicação da obra “L´Uomo Delinquente” (1876), que define o Atavismo como uma degeneração pessoal identificável por características físicas, onde “o criminoso atávico, exteriormente reconhecível, corresponderia a um homem menos civilizado que os seus contemporâneos, representando um enorme anacronismo.”
Caracteres físicos também seriam correlacionados a tendências psíquicas para a prática de determinados delitos, havendo ainda explicações genéticas que davam conta da existência de um cromossomo Y a mais (anomalia cromossômica), que seria responsável pelo comportamento violento.
Já para FERRI, existiria uma classificação tipológica de sujeitos: criminoso nato, ocasional, passional, habitual e louco, trazendo à tona uma visão multifatorial, ao passo que GARÓFALO construíra uma teoria de que o delito seria uma violação dos sentimentos básicos e universais, desafiando um estudo psicológico do infrator como forma de explicação do comportamento delitivo.
Essas teorias receberam diversas críticas, sobretudo pelos questionáveis métodos de pesquisa: seletividade do sistema penal, falta de comprovação científica e origem social dos estigmas.
Esses mesmos defeitos pessoais também poderiam ser aprendidos por condicionamento ou por associação diferencial, sendo a primeira hipótese estudada por EYSENCK e SKINNER, tendo por base a capacidade humana de decidir o comportamento conforme antecipação psíquica das consequências futuras, regidas pelo princípio do prazer. A mente humana então seria um conjunto de reflexos condicionados ou um sistema de reações aprendidas ou condicionadas por processos de recompensa ou de punição.
Já na Teoria da Aprendizagem por Associação Diferencial, defendida por SUTHERLAND, esse comportamento se desenvolveria durante o processo de interação social, no interior de grupos sociais, onde haveria a difusão de técnicas e direções de execução de crimes, fundadas em motivos, impulsos, racionalizações e atitudes concretas, que poderiam variar de acordo com a intensidade, duração, frequência e prioridade dessas associações com padrões de comportamentos criminosos.
Portanto, na análise etiológica positivista individual, chama-se a atenção para causas de desvio de conduta diante de condições ambientais, biológicas, antropológicas, sociais ou psicológicas, havendo distinção clara entre os indivíduos “normais” e “anormais” (delinquentes), a quem caberiam a aplicação de medidas de correção e tratamento.
O crime então é compreendido como algo identificável e clinicamente observável, sendo uma realidade ontológica, própria dos “anormais”, devendo então ser diagnosticada e tratada.
2.2 teorias criminológicas etiológicas-estruturais
A explicação da criminalidade, agora é feita diante de princípios etiológicos sócio-estruturais, que passam a incluir a sociedade geral no desenho da prática criminosa. A sociedade agora é vista como fator desencadeador de um problema, substituindo os indivíduos patológicos e subsocializados pelas “estruturas sociais anormais”, que resultariam em pressão social do indivíduo direcionado ao comportamento criminoso, em determinadas situações de vida.
Nesse contexto, cumpre destacar a Teoria da Anomia, trazida por DURKHEIM e aperfeiçoada por MERTHON, que tem por escopo explicar o comportamento desviante, sendo a Anomia “um estado de ausência de regras”, que provavelmente ocorreria quando os objetivos sociais de uma pessoa ou de um grupo de pessoas não fossem alcançáveis pelos meios sócio-estruturais existentes. Diante dessa realidade, esses indivíduos teriam que fazer uso de meios ilegais (criminosos), para obtenção desses objetivos sociais. Ou seja: membros da sociedade sócio-estruturalmente prejudicados, que teriam seu acesso às vias legítimas de sucesso tenderiam ao desvio e à criminalidade.
A Teoria da Subcultura, ligada aos ensinamentos de Albert K. Cohen, destaca a existência de uma “subcultura” consistente em um sistema social de comportamento e valor, existente em favelas e bandos de adolescentes estudadas ao longo de anos, dando conta de que “a vida desviante nas favelas” não correria de forma arbitrária e sem regras, havendo também orientações, normas e regras de vigilância, diferentes da cultura dominante.
Diferentemente do enfoque dado por MERTHON, o objetivo de certos grupos de camadas inferiores estaria ligado à busca por status dentro do próprio grupo, fato que justificaria as práticas criminosas. Trata-se de verdadeira “cultura de bando”, entendida como reação a experiências fracassadas e frustradas de indivíduos de camadas inferiores.
Também não menos importantes as contribuições de CLOWARD/OHLIN (“diferentes oportunidades de acesso”) e MILLER (“sistemas de valores das camadas inferiores).
Enfim, como inovação em relação às Teorias Etiológicas-individuais, temos que, desta feita, não se consideravam como essenciais à explicação da criminalidade as patologias de comportamento, todavia, nesta análise ainda não existia qualquer questionamento sobre as causas de criminalização do comportamento. A criminalidade é tida como normal (sob determinadas circunstâncias ou em determinados setores da vida) e a criminalização é simples reação normal da sociedade, exercida por meio de um sistema de normas criminalizantes. O que se questiona é apenas o que efetivamente causa o comportamento nocivo das pessoas, sendo ele uma qualidade do comportamento humano sócio-estruturalmente condicionada.
Portanto, busca-se a paz social num consenso (modelo de orientação social) que apenas seria possível com a adaptação das normas de subcultura aos padrões da classe média dominante, simplesmente ignorando a existência de um conflito de classes na estrutura econômica e dos sistemas jurídicos e políticos de controle da sociedade.
3. TEORIAS DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA
3.1 teorias criminológicas crítico-individuais (labeling approach)
Entendido como concepção de transição para a Criminologia Crítica-radical, o Labeling Approach surge no final do século XIX e tem como base a explicação de SCHULTZ, no sentido de que sociedade seria uma construção social, sendo tudo o que se desenvolveria ao seu redor a criação dos indivíduos que a compõem. Nesse sentido, o comportamento desviante seria produto de uma criação do meio social, sendo a criminalidade consequentemente algo extrínseco às pessoas e imputado a alguém pela prática de alguma conduta tida como socialmente inadequada.
Assim, para se considerar alguém como criminoso, seria necessário não somente que o fato praticado por determinado indivíduo fosse tipificado como crime no ordenamento jurídico penal, devendo a sociedade oferecer uma interpretação de etiquetamento do delinquente, antecipando a seletividade da criminalização.
Esse fenômeno de criminalização se daria em várias etapas, passando, inicialmente, pela criação das normas jurídicas penais, que traduziriam os interesses estruturais dominantes, que repercutiriam na seleção das condutas a serem criminalizadas. Em seguida, analisa-se a ação das instâncias oficiais (polícia, juízes e instituições penitenciárias) de controle social da delinquência, que reconhecem e rotulam aquele indivíduo selecionado como merecedor de uma reprimenda estatal, passando a ser tratado agora como “delinquente”.
Note-se que a criminologia positivista utilizava-se das definições de comportamento criminoso como se a sua qualidade criminal existisse de forma objetiva, também admitindo que essas normas e os valores sociais transgredidos ou desviados pelos indivíduos fossem universalmente compartilhados, sendo presentes e imutáveis em todos os indivíduos.
Mas, desta feita, o interacionismo simbólico estudado pelo Labeling informa que a coordenação dos comportamentos em relação a certas normas não ocorreria de forma automática, sendo considerada como uma “operação problemática”. A “ação” seria um comportamento ao qual se atribuiria um sentido ou um significado social, dentro da interação. Esse fenômeno de transformação do comportamento em “ação”, daria-se segundo normas sociais gerais (normas éticas e jurídicas) e também conforme normas interpretativas (aplicação das normais gerais a casos concretos).
Essas normas interpretativas figurariam como uma espécie de “metanormas“, que atuariam no processo de imputação de responsabilidade, atribuição de etiquetas de criminalidade, atuando ao lado das normais punitivas gerais.
Então, para o Labeling, mais importa é a análise não de quem seria criminoso ou como ele se tornaria alguém desse tipo, mas quem seria definido como criminoso, quais seriam os efeitos dessa definição, em que condições esse indivíduo assim se tornaria e, por fim, quem definiria essa condição.
Portanto, estuda-se a formação da “identidade desviante” e os efeitos do etiquetamento (desvio secundário) sobre a pessoa escolhida como delinquente, atacando, ainda, a distribuição do poder de definição (ação das agências de controle social).
Nesse contexto, bom citar a obra de HOWARD S. BECKER, em seu “Outsiders” (1973), onde o autor constata que os grupos sociais são criadores de comportamentos desviantes, estabelecendo regras, sendo certo que uma eventual lesão a esses preceitos já constitui um comportamento desviante, que será atribuído a certas pessoas, que passam a ser tachadas de outsiders. Nesse sentido, o comportamento desviante seria uma mera consequência da aplicação de regras e sanções sobre o autor.
Portanto, para o Labeling, a aplicação da norma tem por consequência o início do processo de rotulação, onde ao transgressor é conferido um novo status com consequências sociais gravíssimas, onde lhe são retiradas todas as chances de participação social, fazendo com que o desviante se adapte ao papel juridicamente criado pela sociedade, entrando num processo progressivo na carreira criminosa.
3.2 TEORIAS CRIMINOLÓGICAS CRÍTICO-ESTRUTURAIS (TEORIAS MARXISTAS)
A grande inovação trazida pela Criminologia Crítica é, sem dúvida, o deslocamento do enfoque do fenômeno criminológico do sujeito para as estruturas econômicas e instituições jurídicas e políticas estatais, saindo do universo das determinações causais e passando para a lógica dialética de objetos históricos, capaz de justificar a relações entre o sistema econômico de produção e as instituições de controle social do Estado.
Sendo assim, a Criminologia Crítica parte da integração da Teoria da Interação Social (Labeling Approach) com a Teoria do Conflito de Classes do Marxismo, tratando tanto de processos objetivos das relações sociais de produção, como da compreensão dos processos subjetivos de construção social do crime e criminalidade.
Dentro dessa análise, a violência da relação capital/trabalho é tratada tanto em relação aos trabalhadores integrados ao mercado de trabalho, como daqueles que são excluídos e, consequentemente compelidos a viverem em condições precárias de miséria e marginalização, no que o sistema penal teria papel fundamental na proteção seletiva de bens jurídicos e repressão também seletiva de sujeitos, pelos órgãos de repressão estatal (Polícia, Justiça e Prisão), que nada mais seriam que meros garantidores da desigualdades sociais encobertas por falsos discursos punitivos baseados na Defesa Social.
Essa violência estrutural se apresentaria tanto na imposição da disciplina do capital nas relações laborativas de subordinação, como na deformação dos marginalizados, contra os quais seria aplicada uma coerção seletiva do direito penal, orientada por estigmas e estereótipos, que desaguam em preconceitos e idiossincrasias pessoas e ideológicas dos agentes de controle social.
Descrevendo as origens do sistema de justiça criminal, MARX, em sua obra “O Capital”, desvenda o processo de acumulação primitiva de capital, quando da transição do modo de produção feudal para o capitalista, ocasião em que os camponeses foram expulsos de suas terras e afastados de seus meios de produção. A consequência imediata desse processo foi a formação de bandos marginais, compostos de pessoas que não teriam a disciplina necessária para o trabalho manufatureiro, desafiando a criação de uma legislação criminal brutal, com o fim de garantia a manutenção da propriedade privada e dos meios de produção.
Nesse diapasão, esses “marginais” seriam considerados como “classes perigosas”, sendo eles “criminosos voluntários”, que teriam decidido espontaneamente não aderir ao sistema capitalista, ficando esse grupo submetido ainda a uma polícia de controle e repressão e a um sistema de disciplina, onde castelos foram transformados em prisões com o fim de impor penas rigorosas àqueles que se insurgissem contra o sistema capitalista.
Sobre as mencionadas penas, PASUKANIS (1926) formula uma distinção entre os objetivos reais e ideológicos da pena criminal, sendo os primeiros a proteção dos privilégios dos meios de produção e dominação das classes oprimidas, ao passo que os segundo seriam meras alegorias jurídicas com a finalidade de encobrir a proteção das condições fundamentais da sociedade de produtores de mercadorias. PASUKANIS conceitua a pena criminal como troca jurídica do crime medida pelo tempo de privação de liberdade.
Já RUSCHE e KIRCHHEIMER (1939) exploram a relação entre a base material das relações de produção econômica da sociedade e sua correspondência com o sistema jurídico e político, mostrando a origem estrutural concreta do sistema punitivo que fundamenta a Criminologia crítica contemporânea.
Também destacada a contribuição de FOUCAULT (1975), para quem o sistema punitivo atuaria com o fim de dominar a controlar as forças corporais para produção de utilidade e docilidade, sendo assim forças produtivas que deveriam ser controladas, o que justificaria a criação de um poder político que incidiria sobre o poder do corpo (produtivo). Esse poder disciplinar representaria uma estratégia das classes dominantes visando a criação de uma ideologia de submissão.
A relação cárcere/fábrica, tratada por MELOSSI/PAVARINI (1975), identifica no cárcere a principal instituição de controle social, sendo auxiliar da fábrica na manutenção da estrutura das relações de produção e circulação de mercadorias, com base na ampliação do capital com a expropriação de mais-valor da força de trabalho.
Por fim, ALESSANDRO BARATTA (1984) conceitua o Direito Penal como um sistema desigual que cumpre uma função de conservação e reprodução das desigualdades da sociedade capitalista. Os estudos de BARATTA foram revolucionários, na medida em que conseguiram alinhar os conceitos da Teoria do Labeling Approach à teoria objetiva dos processos estruturais e institucionais das relações de produção capitalistas, desenvolvidas pelo Marxismo.
Portanto, para a Criminologia Crítica, o conflito antagônico de classes (relação capital/trabalho assalariado) seria o princípio metodológico capaz de explicar as instituições jurídicas e políticas do Estado capitalista, a criação da lei penal e o funcionamento da justiça criminal. Assim, os mecanismos de controle social do Estado seriam definidos pelo sistema de normas e operacionalizados pelo sistema de repressão estatal, que atuaria de forma seletiva, garantindo a manutenção da exploração das classes menores favorecidas (massas marginalizadas do mercado de trabalho).
5. CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÕES FINAIS
Examinadas as principais teorias que tratam do fenômeno da criminalidade, temos que o ponto de partida para qualquer estudo da gênese da criminalidade deve iniciar-se da admissão, ou não, da chamada “TEORIA DO CONSENSO”, que consistiria na idéia de que existiriam valores absolutos e incontestes, presentes entre toda a sociedade, como sendo próprios da natureza humana. Sendo valores absolutos inerentes a todos os seres humanos, nada mais natural que uma sociedade organizada materializasse normas jurídicas coercitivas para aqueles que, eventualmente, as transgredissem, passando, então a serem considerados como criminosos aqueles que atentassem contra esse sistema de regras da qual se valeria a sociedade para manter a sua harmonia e até existência.
Nesse sentido, admitir-se-ia a proposta de que a criminalidade seria algo anterior ao próprio sistema jurídico penal, sendo inerente a determinadas pessoas que carregassem consigo defeitos constitucionais, ou cujas determinações teriam sido obra de um conjunto multifatorial, de cunho sócio-estrutural e que se determinassem no sentido da transgressão desses valores socialmente relevantes.
Por outro lado, para os que identificam a constante luta de classes na sociedade, expurgando qualquer possibilidade de consenso, o próprio Sistema Jurídico-penal seria um dos instrumentos de manutenção e dominação das classes oprimidas pelos detentores dos meios de produção e do poder, sendo certo que o que efetivamente existiria seria a eleição de comportamentos seletivos, que seriam alçados a crimes, pela imposição de uma legislação pesada àqueles que se insurgissem contra a manutenção do sistema. Nesse sentido, nega-se a criminalidade, passando-se ao conceito de criminalização como eleição de tipos penais seletivos, imposição de controle social rigoroso pelos órgãos estatais, com consequente penalização dos marginalizados e rotulação e segregação permanente daqueles que conduzem suas vidas em dissonância com o padrão de comportamento orientado pelos detentores dos meios de produção.
6 REFERÊNCIAS
BARATTA, ALESSANDRO. Criminologia crítica e crítica do direito penal (tradução brasileira de Juarez Cirino dos Santos). Freitas Barros, 2ª Edição, 1999.
CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal (parte geral). ICPC, 2014, 6ª Edição.
ALBRECHT, Peter-Alexis, Criminologia: uma fundamentação para o Direito Penal (tradução de Juarez Cirino dos Santos e Helena Schiessl Cardoso). ICPC/Lumen Juris, Curitiba, Rio de Janeiro, 2010.
Especialista em Direito Penal e Criminologia. Delegado de Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AZEVEDO, RICARDO SILVEIRA DE. Da criminalidade à criminalização: os diferentes focos de abordagem da criminologia etiológica positivista e da criminologia crítica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2019, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53957/da-criminalidade-criminalizao-os-diferentes-focos-de-abordagem-da-criminologia-etiolgica-positivista-e-da-criminologia-crtica. Acesso em: 22 nov 2024.
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