RESUMO: O presente artigo tem por objetivo esclarecer os conceitos das oito circunstâncias judiciais utilizadas para dosar a 1ª fase da pena privativa de liberdade e associá-los à interpretação que vem sendo dada pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, no intuito de contribuir com o ofício dos aplicadores do Direito que, rotineiramente, deparam-se com a necessidade de aplicar sanções. Ressalte-se que a análise a que se procedeu na confecção deste trabalho foi elaborada através de pesquisa qualitativa, sendo utilizados escritos doutrinários e jurisprudência.
PALAVRAS CHAVE: Circunstâncias Judiciais; Dosimetria da Pena; Superior Tribunal de Justiça
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Circunstâncias Judiciais do art. 59 do Código Penal em Espécie. 2.1 Culpabilidade. 2.2 Antecedentes. 2.3 Conduta Social. 2.4 Personalidade. 2.5 Motivos. 2.6 Circunstâncias do Crime. 2.7 Consequências do Crime. 2.8 Comportamento da Vítima. 3 Critério Ideal para a Fixação da Pena-base. 4 Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A dosimetria da pena é o procedimento realizado pelo magistrado após a prolação de uma sentença condenatória em desfavor do réu. Deve observar não só os limites fixados no preceito secundário do tipo penal, mas também os princípios que norteiam a imposição da sanção, tais como o da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como o da proporcionalidade, ensejando a fixação de uma pena justa, conforme as especificidades do caso concreto, sem que o julgador incorra em excesso, ao aplicar uma pena maior do que a necessária para punir o infrator, ou em proteção deficiente, deixando a sanção aquém do esperado para o fato cometido.
O art. 68, caput, do Código Penal prevê que a dosagem da pena seguirá o sistema trifásico, iniciando-se pela análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Em seguida, serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por fim, as causas de diminuição e de aumento de pena.
O presente trabalho tem por objetivo analisar os fundamentos considerados idôneos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para fins de valorar as circunstâncias judiciais referentes à primeira fase da dosagem da pena, bem como apontar o critério majoritariamente utilizado na imposição da sanção, de forma a garantir a observância dos princípios acima indicados.
2. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL EM ESPÉCIE
O texto do art. 59 do Código Penal traz em seu corpo oito circunstâncias que devem ser analisadas na 1ª fase da dosimetria da pena. São elas: a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime, bem como o comportamento da vítima.
Elas são objeto de apreciação do magistrado sentenciante, que poderá utilizar-se de certa discricionariedade para entendê-las como neutras, favoráveis ou desfavoráveis ao réu. Nesse último caso, apenas fundamentos concretos podem justificar o desvalor atribuído.
A seguir serão apresentados os conceitos e as aplicações jurisprudenciais de cada uma das vetoriais.
2.1. Culpabilidade
Sobre a culpabilidade – circunstância judicial –, conforme leciona Schmitt (2018), não deve ela ser confundida com a “culpabilidade” tida como pressuposto de aplicação da pena. Na seara da fixação da sanção, a culpabilidade diz respeito à censurabilidade da conduta, medindo o grau de reprovabilidade diante dos elementos concretos disponíveis no caso em julgamento.
É o que a doutrina chama de “plus” na reprovação da conduta e está ligada à intensidade do dolo ou ao grau de culpa do agente.
De acordo com Lima (2017, p. 1519),
A circunstância judicial “culpabilidade”, disposta no art. 59 do CP, atende ao critério constitucional da individualização da pena. Para o Supremo, a análise judicial das circunstâncias pessoais do réu é indispensável para fins de adequação temporal da pena, em especial nos crimes perpetrados em concurso de pessoas, nos quais se exige que cada um responda na medida de sua culpabilidade (CP, art. 29).
O STJ já se manifestou diversas vezes no sentido de que a premeditação é fundamento idôneo para negativar o aludido vetor, pois demonstra maior intensidade do dolo do agente, senão veja-se:
Nos moldes da jurisprudência desta Corte, "a culpabilidade está baseada na forma de premeditação e planejamento da conduta criminosa, circunstâncias aptas a demonstrarem a maior intensidade do dolo dos ora pacientes, denotando-se a maior periculosidade e reprovabilidade da conduta" (STJ, AgRg no HC 461.771/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 22/08/2019).
Em giro diverso, a Corte Especial não admite a exasperação da pena com fundamento na mera ciência da ilicitude do fato ou em outros argumentos genéricos:
No caso, o desvalor da culpabilidade deve ser afastado, "pois a consciência da ilicitude é elemento constitutivo do conceito analítico de crime (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa), sendo, portanto, inerente ao próprio tipo penal" (STJ, HC 513.454/PE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 27/8/2019).
No tocante à culpabilidade, para fins de individualização da pena, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito. 4. In casu, as instâncias ordinárias limitaram-se a afirmar que a culpabilidade do agente foi acentuada. Todavia, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que considerações genéricas e desvinculadas do contexto fático dos autos, assim como elementos inerentes ao próprio tipo penal não servem para o agravamento da pena, como se constata na espécie. (STJ, HC 520.822/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 22/10/2019, DJe 30/10/2019)
Vê-se, portanto, que o sentenciante deve ter o cuidado de pautar a exasperação da pena em elementos que, concretamente, demonstrem que a conduta do condenado merece uma reprovação maior do que o normal.
2.2. Antecedentes
Os antecedentes dizem respeito à ficha criminal do réu, ou seja, à sua vida pregressa. Nas palavras Schmitt (2018, p. 134), a valoração negativa implica em afirmar que a condenação anterior não cumpriu seu papel reabilitador frente ao agente, o que conduz a necessidade de exasperação da pena do mínimo legal previsto em abstrato.
Importante ressaltar que somente podem configurar maus antecedentes condenações criminais com trânsito em julgado, sob pena de afrontar o enunciado sumular nº 444 do STJ, in verbis: “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.”
Mencione-se que o referido trânsito em julgado pode ter acontecido, inclusive, no curso da ação penal em apreciação, desde que a prática do delito tenha se dado em momento anterior ao fato objeto de análise. Neste sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. CRIME ANTERIOR AO APURADO NOS AUTOS. TRÂNSITO EM JULGADO POSTERIOR. CONFIGURAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. 1. É assente nesta Corte o entendimento no sentido de que a condenação definitiva por fato anterior ao crime em análise, mas com trânsito em julgado posterior, justifica a elevação da pena-base pela valoração negativa dos antecedentes. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no HC 502.995/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 15/08/2019, DJe 23/08/2019)
O STJ, diferindo do posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), admite a caracterização dos antecedentes mesmo após o transcurso do período depurador de cinco anos, por entender que o conceito da mencionada circunstância judicial é mais amplo do que o da reincidência:
Embora o Supremo Tribunal Federal ainda não haja decidido o mérito do RE n. 593.818 RG/SC - que, em repercussão geral já reconhecida (DJe de 3/4/2009), decidirá se existe ou não um prazo limite para se sopesar uma condenação anterior como maus antecedentes -, certo é que, por ora, este Superior Tribunal possui o entendimento consolidado de que "O conceito de maus antecedentes, por ser mais amplo, abrange não apenas as condenações definitivas por fatos anteriores cujo trânsito em julgado ocorreu antes da prática do delito em apuração, mas também aquelas transitadas em julgado no curso da respectiva ação penal, além das condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos, as quais também não induzem reincidência, mas servem como maus antecedentes. Precedentes." (HC n. 337.068/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 28/6/2016). Ainda, menciono: HC n. 413.693/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 16/10/2017. III - Decorrido o prazo de 5 (cinco) anos entre a data do cumprimento ou a extinção da pena e a infração posterior, a condenação anterior, embora não prevaleça mais para fins de reincidência, pode ser sopesada a título de maus antecedentes. (STJ, HC 539.436/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 20/11/2019)
Ainda de acordo com o STJ, mesmo que não configurem reincidência, também podem ser utilizadas como maus antecedentes as condenações definitivas pela prática de contravenções penais, conforme julgado abaixo:
Não há ilegalidade na exasperação da pena-base no caso, pois não obstante não caracterize reincidência, a contravenção penal pode ser considerada como reveladora de maus antecedentes (STJ, AgRg no AREsp n. 896.312/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 21/6/2016, DJe 29/6/2016).
No que tange aos atos infracionais, o entendimento atual da Corte Especial é no sentido de que os procedimentos instaurados em razão de fatos praticados quando o agente era menor de idade não podem ser utilizados para caracterizar maus antecedentes, na medida em que a personalidade do adolescente ainda estaria em formação, não servindo, portanto, para exasperar sua pena-base, senão veja-se:
A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que atos infracionais não podem ser considerados maus antecedentes para a elevação da pena-base, tampouco podem ser utilizados para caracterizar personalidade voltada para a prática de crimes ou má conduta social. (STJ, HC 499.987/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 30/05/2019, DJe 04/06/2019)
Relembre-se que a sentença homologatória de transação penal também não tem o condão de gerar maus antecedentes em desfavor do agente, em consonância com o entendimento jurisprudencial pátrio:
O instituto pré-processual da transação penal não tem natureza jurídica de condenação criminal, não gera efeitos para fins de reincidência e maus antecedentes e, por se tratar de submissão voluntária à sanção penal, não significa reconhecimento da culpabilidade penal nem da responsabilidade civil. Precedentes. (STJ, REsp 1327897/MA, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 15/12/2016)
2.3. Conduta Social
A conduta social, para Cunha (2016, p. 417), diz respeito ao comportamento do réu no seu ambiente familiar, de trabalho e na convivência com os outros.
De acordo com Schmitt (2018, p. 151),
A circunstância judicial atinente à conduta social se traduz num verdadeiro exame da culpabilidade do agente pelos fatos da vida, pois retrata o seu papel na comunidade, no contexto da família, do trabalho, da escola e da vizinhança (STJ, HC 404304/PE). Trata-se da avaliação do comportamento do sentenciado, basicamente por meio de três fatores que integram a vida de qualquer cidadão: convívio social, familiar e laboral.
Ressalte-se que a vetorial não deve ser confundida com os antecedentes do agente. A ficha criminal tem análise em local próprio da dosimetria e, por isso, não se presta para ensejar a conclusão de que a conduta social do indivíduo é desfavorável. Neste sentido:
Eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente. A conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios - referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito -, os quais não podem ser deduzidos, de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social). Já a circunstância judicial dos antecedentes se presta eminentemente à análise da folha criminal do réu, momento em que eventual histórico de múltiplas condenações definitivas pode, a critério do julgador, ser valorado de forma mais enfática, o que, por si só, já demonstra a desnecessidade de se valorar negativamente outras condenações definitivas nos vetores personalidade e conduta social. (STJ. 3ª Seção. EAREsp 1.311.636-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/04/2019).
Neste contexto, mesmo que o réu que detenha condenações criminais com trânsito em julgado, ele pode possuir conduta social boa, ajudando a comunidade em que vive, participando de projetos sociais e sendo um bom vizinho, por exemplo.
Ressalte-se ainda que o vício do indivíduo em entorpecentes também não tem o condão de caracterizar conduta social reprovável:
A assertiva de que a paciente é viciada em droga, tendo cometido o delito para alimentar seu vício, também não autoriza o acréscimo da reprimenda, não servindo, por si só, para valorar de forma desfavorável sua conduta social e a motivação do crime. (STJ - HC: 79595 MS 2007/0063596-8, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 27/04/2010, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/05/2010)
O uso de drogas deve ser tratado como problema de saúde pública, que demanda tratamento médico e psicológico, não sendo fundamento idôneo para exasperar a reprimenda.
2.4. Personalidade
A personalidade, nas palavras de BITENCOURT (2015, p. 299),
Deve ser entendida como síntese das qualidades morais e sociais do indivíduo. Na análise da personalidade deve-se verificar a sua boa ou má índole, sua maior ou menor sensibilidade ético-social, a presença ou não de eventuais desvios de caráter de forma a identificar se o crime constitui um episódio acidental na vida do réu."
O STJ entende ser prescindível a realização de laudo técnico para analisar a personalidade do agente, bastando que o magistrado apresente fundamentos concretos que demonstrem que a vetorial merece ser negativada.
Como exemplo, cite-se o caso concreto no qual a Corte Especial entendeu que o desvalor do vetor encontrava-se justificado no fato de o réu possuir personalidade deturpada, voltada à pedofilia, notadamente em razão dos desenhos encontrados em sua residência, grande parte envolvendo crianças e adolescentes. (STJ, HC 402.373/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 17/04/2018)
No HC 525572/DF, de igual forma, o STJ entendeu que a personalidade do agente merecia negativação. Para tanto, considerou o comportamento carcerário do paciente, marcado por indisciplina, desrespeito aos servidores do presídio e consumo de drogas dentro do referido estabelecimento, constando ainda o uso de celular dentro do ambiente carcerário para a prática de estelionato. Concluiu que o citado comportamento carcerário demonstrava o desapreço do sentenciado pela ordem jurídica, a revelar a sua personalidade arredia à organização social, à ressocialização e à autoridade do Poder Judiciário. (STJ, HC 525.572/DF, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 26/11/2019)
Por fim, saliente-se que assim como se explicou quanto à conduta social, o STJ firmou posicionamento de que a ficha criminal do réu não enseja a conclusão de que sua personalidade é desfavorável.
2.5. Motivos
Os motivos são as razões que levaram o agente a praticar o delito. Podem tornar a ação mais ou menos reprovável, porém, quando forem inerentes ao tipo penal pelo qual o indivíduo foi condenado, não se prestam para elevar a reprimenda.
Não pode, por exemplo, a pena do tráfico ilícito de entorpecentes ser aumentada porque o réu atuou com o desejo de lucro fácil, uma vez que esta característica já foi considerada pelo legislador quando da escolha do intervalo de pena:
Os motivos apontados pelo juiz singular, de fato, assim como alegado pelo impetrante, são inerentes ao tipo penal incriminador, uma vez que o legislador, quando da cominação das penas referentes ao tráfico ilícito de entorpecentes, já previu, como normal à espécie, o objetivo de obter lucro fácil em detrimento da saúde da coletividade. (STJ, HC 476.564/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 23/05/2019)
Também não é idônea a valoração negativa do vetor para o réu que pratica crime de estupro para satisfazer a própria lascívia, pois o elemento é inerente ao tipo penal:
No que concerne aos motivos do crime, destacou o magistrado sentenciante a satisfação da lascívia. Entrementes, tratando-se de crime contra a dignidade sexual, injustificado o aumento, porquanto a intenção de satisfazer a lascívia é inerente ao tipo incriminador imputado ao paciente. Precedente. (STJ, HC 289.604/BA, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016)
Os motivos também podem configurar agravantes (motivo torpe ou fútil). Nesses casos, devem incidir apenas na 2ª fase da dosimetria da pena, evitando-se bis in idem.
2.6. Circunstâncias do Crime
As circunstâncias do crime referem-se ao modus operandi empregado. Para Masson (2017, p. 747),
São os dados acidentais, secundários, relativos à infração penal, mas que não integram sua estrutura, tais como o modo de execução do crime, os instrumentos empregados em sua prática, as condições de tempo e local em que ocorreu o ilícito penal, o relacionamento entre o agente e o ofendido etc.
O vetor pode ser negativado quando o roubo é cometido com emprego de faca, já que a conduta do réu de ameaçar a vítima com arma branca merece maior reprovação do que a ação daquele que age sem o aludido artefato. Neste sentido:
Esta Corte Especial possui o entendimento jurisprudencial no sentido de que o emprego de arma branca, "embora não configure mais causa de aumento do crime de roubo, poderá ser utilizado para majoração da pena-base, quando as circunstâncias do caso concreto assim justificarem" (STJ, HC 436.314/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/8/2018, DJe 21/8/2018).
Também justifica o desvalor o fato de o réu, no momento da fuga, expor a vida de outras pessoas a perigo:
Em relação às circunstâncias do crime, não se infere ilegalidade na primeira fase da dosimetria, pois o decreto condenatório demonstrou que o modus operandi dos delitos revela gravidade concreta superior à ínsita aos crimes de homicídio, pois durante a fuga, enquanto atiravam nos agentes públicos, causaram grave acidente de trânsito, expondo a perigo a vida de outras pessoas. (STJ, HC 412.848/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 25/10/2019)
No crime de tráfico ilícito de entorpecentes, a quantidade e a natureza da droga apreendida podem ser utilizadas para fundamentar a negativação da vetorial, cabendo ressaltar que receberão inclusive traço preponderante, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/2006, senão veja-se:
Na hipótese, foi considerado elemento concreto - a quantidade da droga apreendida - para agravar a reprimenda em 1/6 (um sexto) na primeira fase da dosimetria, evidenciando que o aresto objurgado está em consonância com o entendimento pacificado nesta Corte. Precedentes. (STJ, AgInt no HC 492.638/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 19/11/2019)
Ao contrário do que sustenta a impetrante, mostra-se idônea a fundamentação pela quantidade e natureza da droga apreendida, uma vez que o Juiz deve considerar, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Estatuto Repressivo, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, consoante o disposto no artigo 42 da Lei 11.343/2006. (STJ, HC 523.503/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 17/10/2019, DJe 22/10/2019)
2.7. Consequências do Crime
Nas lições de Cunha (2016, p. 418), “(…) as consequências do crime são efeitos decorrentes da infração penal, seus resultados, particularmente para a vítima, para sua família ou para a coletividade.”
Podem ser de índole material, quando causarem diminuição no patrimônio, ou de índole moral, se gerarem intenso sofrimento, por exemplo.
Ressalte-se que devem ser analisadas sempre à luz do caso concreto e só podem ensejar a elevação da pena-base quando extrapolarem os limites do tipo penal.
O desapossamento dos bens e o prejuízo material, em regra, são traços inerentes a delitos patrimoniais como o de roubo. Contudo, se a subtração ensejar grande prejuízo, pode justificar a elevação da sanção, senão veja-se:
Reputa-se como válida a negativação das consequências do delito, notadamente pelo expressivo valor subtraído, R$ 12.000,00 (doze mil reais) em dinheiro e R$ 2.160,00 (dois mil, cento e sessenta reais) em cheques, aliado ao fato de grande parte do referido valor não ter sido restituído à vítima. 2. As consequências do crime consistem no conjunto de efeitos danosos provocados pelo crime. Em concreto, as instâncias ordinárias concluíram que o crime causou à vítima grandes avarias materiais, haja vista o elevado valor do bem subtraído, consistente em um veículo Hyundai/HB20, o que ultrapassa largamente a perda patrimonial ordinariamente esperada para um crime de roubo (HC n. 444.181/RJ, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 12/6/2018). 3. Admite-se a exasperação da pena-base pela valoração negativa das consequências do delito com base no valor do prejuízo sofrido pela vítima (AgRg no REsp n. 1.728.124/RO, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 6/6/2018). (STJ, AgRg no REsp 1699788/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 03/09/2018)
O intenso trauma sofrido por criança vítima do crime de estupro de vulnerável, que tem seu comportamento alterado, necessitando inclusive de acompanhamento psicológico, justifica, nos termos da jurisprudência do STJ, a elevação da pena-base, pois exorbita os abalos “normais” pelos quais passam as vítimas de crimes (STJ, AgRg no AREsp 1408536/TO, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 03/04/2019).
2.8. Comportamento da Vítima
O último vetor trazido pelo art. 59 do Código Penal diz respeito ao comportamento da vítima. Aqui, analisa-se se o ofendido contribuiu, de alguma forma, para a prática do delito, facilitando o intento criminoso. É, portanto, circunstância judicial que se liga à vitimologia.
Exemplo citado pela doutrina é o da pessoa que manuseia grande quantidade de dinheiro dentro de um ônibus, incentivando a prática de furtos (MASSON, 2017).
De acordo com o STJ, a vetorial deve ser utilizada apenas em benefício do réu. Não pode haver exasperação da sanção com esteio na ausência de contribuição do ofendido para a prática delitiva.
Ou a vítima contribui para o crime e a circunstância judicial é favorável ao condenado, ou não contribui e o vetor permanece neutro.
Corroborando o acima exposto, veja-se:
Na hipótese, o Tribunal de origem incorreu em flagrante ilegalidade, pois manteve a exasperação da pena-base dos pacientes, a título de comportamento da vítima, sob a premissa de que não houve provocação do ofendido. No entanto, "Esta Corte Superior considera o vetor do comportamento da vítima neutro, não podendo ser desfavorável ao apenado na dosimetria da pena. Precedentes." (AgRg no AREsp n. 473.972/GO, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 3/3/2017). Precedentes. (STJ, HC 528.679/AC, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 10/10/2019, DJe 16/10/2019)
3. CRITÉRIO IDEAL PARA A FIXAÇÃO DA PENA-BASE
Uma vez esclarecidos os conceitos das circunstâncias judiciais e explicitadas as hipóteses que podem servir para exasperar a pena, mostra-se importante delimitar os critérios que devem ser utilizados no momento de dosar a sanção.
Primeiramente, cumpre ressaltar que de acordo com a doutrina e com a jurisprudência majoritárias, a aplicação da pena deve partir sempre do valor mínimo trazido pelo preceito secundário do tipo penal, só podendo dele se afastar quando houver alguma vetorial negativa. Isso implica na conclusão de que a sanção será imposta no piso legal quando todas as circunstâncias judiciais forem consideradas favoráveis ou neutras. (SCHMITT, 2018)
Há de se ressaltar que não se fala em compensação das circunstâncias do art. 59 do Código Penal. Sempre que houver um vetor negativo, a pena obrigatoriamente deve se afastar do mínimo legal, independentemente da quantidade de circunstâncias neutras ou favoráveis.
De acordo com Schimitt (2018, p. 194),
Não existe a possibilidade de compensação entre circunstâncias judiciais, pois as circunstâncias favoráveis e/ou neutras apenas impedirão a exasperação da pena-base do seu grau mínimo; porém, não servirão para compensar (anular) outra circunstância que tenha sido reconhecida e valorada pelo julgador como desfavorável ao condenado, uma vez que esta, mesmo presente isoladamente, justificará o acréscimo da pena.
Além disso, na primeira fase, a pena se limita sempre aos valores mínimo e máximo previstos em abstrato para cada delito.
Deve, ainda, o julgador analisar cada circunstância de forma fundamentada, esclarecendo a carga valorativa que lhe será atribuída. Além disso, havendo condenação de mais de um réu, cada um deve receber tratamento específico, em observância ao princípio da individualização da pena.
Após feitas as devidas análises qualitativas, passa-se à aplicação do quantum de pena.
O critério ideal de exasperação aplicado pelo STJ se consubstancia na divisão do intervalo de pena em abstrato (diferença entre a pena máxima e a pena mínima) por oito, que é o número de circunstâncias judiciais. O resultado obtido será o quantum de elevação da sanção por cada vetorial negativa. Neste sentido:
Diante do silêncio do legislador, a jurisprudência e a doutrina passaram a reconhecer como critério ideal para individualização da reprimenda-base o aumento na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo penal incriminador. (STJ, HC 531.187/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 26/11/2019)
Ilustrando-se, em um crime de roubo (art. 157 do Código Penal) o intervalo da pena em abstrato é de 06 (seis) anos. Ao se dividir o valor por oito, constata-se que cada circunstância judicial negativa afastará a pena-base em 09 (nove) meses do mínimo legal.
Ressalte-se que a citada forma de calcular a sanção representa apenas patamar norteador, na medida em que o magistrado pode pautar a dosagem da pena em outros critérios, desde que fundamente de forma idônea e observe os primados da proporcionalidade.
4. CONCLUSÃO
A aplicação da pena é decorrência lógica da condenação exarada pelo Estado-Juiz e, em razão de sua importância, demanda atenção do magistrado, principalmente no que diz respeito à primeira fase, pois nela se permite certa discricionariedade do sentenciante ao valorar as circunstâncias judiciais.
Para se evitar arbítrios, o STJ ensina que os fundamentos utilizados para negativar as vetoriais devem ser pautados em nuances do caso concreto, que demonstrem que houve extrapolação dos limites do tipo penal, ou seja, não se podem utilizar elementos inerentes ao crime pelo qual o indivíduo foi condenado para elevar sua pena-base, sob pena de se incorrer em “bis in idem”.
Relembre-se que a gravidade abstrata do crime já foi levada em consideração pelo legislador quando criou o delito e estipulou o intervalo de pena a ele aplicado. Assim, apenas circunstâncias concretas se mostram idôneas para exasperar a basilar.
A ausência de punição por um fato delitivo é tão gravosa quanto à punição em excesso, razão pela qual deve o julgador estar ciente de sua responsabilidade, buscando impor a sanção de forma idônea e proporcional ao crime praticado.
Ademais, a partir do momento em que o sentenciante passa a aplicar a pena em congruência com os primados legais e jurisprudenciais, o número de reformas das decisões por parte dos tribunais diminui e o trabalho se torna mais efetivo.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Brasília, 5 de outubro de 1988, disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>, acesso em 01/12/2019.
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Formada pela Universidade Federal do Ceará e pós-graduada em Ciências Criminais pela Universidade Estácio de Sá e em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROMAO, AMANDA GABRIELLE SIQUEIRA BORGES. A análise das circunstâncias judiciais do artigo 59 do código penal e a fixação da pena-base à luz da atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53958/a-anlise-das-circunstncias-judiciais-do-artigo-59-do-cdigo-penal-e-a-fixao-da-pena-base-luz-da-atual-jurisprudncia-do-superior-tribunal-de-justia. Acesso em: 22 nov 2024.
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