RESUMO: A investigação criminal tem importante papel na persecução penal, pois objetiva a formação de elementos legitimadores do processo penal, tais como: provas da materialidade do delito e indícios de autoria, além de identificar fontes de prova, torna possível que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. O presente trabalho abordou de forma ampla a temática que envolve a investigação criminal e as garantias do investigado no ordenamento pátrio, trazendo, por vezes, subsídios do Direito Comparado. Sem o intuito de exaurir o tema, dada sua amplitude, buscou-se abranger os diversos pontos convergência que envolve a investigação criminal. Para tanto, primeiramente, foi necessário discorrer acerca das noções fundamentais sobre investigação criminal, tais como: evolução histórica, conceito, princípios, instrumentos e limitações. Foi feito, ainda, uma explanação breve sobre os sistemas processuais, bem como o sistema adotado pelo Brasil. Sobre a Competência, foi abordada de forma ampla a possibilidade de investigação não só pela Polícia Judiciária, mas também pelo Ministério Público, pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, pela Conselho de Controle de Atividades Financeiras Inquérito, pela Policial Militar, pela autoridade judiciária, e, finalmente pelos Defensores. Após discorrer sobre os principais pontos acerca da competência passou-se a discorrer sobre direitos e garantias do acusado durante a investigação criminal, bem como as garantias constitucionalmente garantidas, as Limitações, os temas que envolvem a Reserva de Jurisdição e a Posição consolidada do Supremo Tribunal Federal.
SUMÁRIO: 1INTRODUÇÃO. 2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS. 2.1 Sistema inquisitorial. 2.2 Sistema Acusatório. 2.3 Sistema Misto. 2.4 Modelo adotado no ordenamento brasileiro. 3 INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. 3.1 Evolução Histórica. 3.1.1 Evolução Histórica no Mundo. 3.1.2 Evolução Histórica da Investigação Criminal no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 3.2 Conceito. 3.3 Princípios aplicáveis ao processo penal e à investigação criminal. 3.3.1 Princípio da presunção de inocência. 3.3.2 Princípio da vedação das provas ilícitas. 3.3.3 Princípio do nemo tenetur se detegere . 3.4 Instrumentos. 3.4.1 Inquérito Policial. 3.4.2 Termo circunstanciado. 3.4.3 Inquérito ou procedimento judicial. 3.4.4 Procedimento investigatório criminal do Ministério Público. 3.4.5 Inquéritos parlamentares. 3.4.6 Peças de informações particulares. 4 COMPETÊNCIA. 4.1 Investigação criminal pelo Ministério Público. 4.2 Polícia Judiciária. 4.3 Conselho de Controle de atividade financeiras - COAF. 4.4 Polícia Militar. 4.5 Investigação criminal pela autoridade judiciária. 4.6 Investigação Criminal defensiva. 5 DIREITOS E GARANTIAS DO ACUSADO DURANTE A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. 5.1 Direitos e garantias constitucionais. 5.1.1 Presunção de inocência ou estado de inocência.
1.INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o objetivo de pontuar e analisar, de forma objetiva e sistemática, as principais questões que cercam o tema da investigação criminal, notadamente em relação à competência, os princípios aplicáveis e aos direitos e garantias do acusado, não esgotando o assunto, mas apresentando uma visão atual acerca das regras que disciplinam o tema proposto.
Não obstante os pontos polêmicos que envolvem o assunto, que serão objeto do presente estudo, apresentar o tema de forma didática é, igualmente, objetivo do presente trabalho.
Nesse passo, embora a investigação criminal seja realizada predominantemente pela polícia judiciária, não é atividade exclusiva desta, pois o próprio Código de Processo Penal, em seu artigo 4º, parágrafo único, acentua que a atribuição para apuração de infrações penais e de sua autoria não exclui a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
Considerando que a investigação criminal tem importante papel na persecução penal, pois objetiva a formação de elementos legitimadores do processo penal torna-se imperioso estabelecer regras claras que norteiem essa fase, dada a sua natureza inquisitorial, a fim de que não sejam violados os direitos e garantias fundamentais dos investigados.
São diversas as questões que se levantam sobre as garantias do investigado, a doutrina e a jurisprudência tem se manifestado a fim de estabelecer limites claros à investigação, com o fim de equilibrar o poder/dever do Estado em apurar infrações à lei penal e as garantias do investigado de não ter seus direitos lesados, vez que nesta fase não há juízo de certeza quanto à autoria do delito.
Nesse contexto, o presente trabalho justifica-se pela necessidade de apresentar uma percepção atual e consolidada sobre o tema.
Por fim, o presente trabalho tem como embasamento teórico a legislação em vigor, a doutrina (na qual se inclui, além da bibliografia tradicional, diversos artigos jurídicos encontrados em obras, revistas e, principalmente, na rede mundial de computadores) e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
Embora a investigação criminal seja uma fase preparatória ao processo penal, é importante adentrar no tema atinente aos sistemas processuais, ainda que de forma superficial, pois o sistema adotado pelo ordenamento reflete de forma direta na investigação criminal.
Existem três sistemas que podem reger o processo penal, que serão brevemente expostos, quais sejam, sistema inquisitivo, sistema acusatório e sistema misto.
Segundo Renato Brasileiro, o sistema inquisitorial foi adotado pelo Direito Canônico a partir do Século XIII, o sistema inquisitorial posteriormente se propagou por toda a Europa, sendo empregado inclusive pelos tribunais civis até o século XVIII. Tem como característica principal o fato de as funções de acusar, defender e julgar encontrarem-se concentradas em uma única pessoa, que assume assim as vestes de um juiz acusador, chamado juiz inquisidor (BRASILEIRO,2013, pag. 3)
No sistema inquisitorial, o juiz inquisitorial possui amplos poderes, inclusive de iniciativa probatória, tendo liberdade para determinar a colheita de provas no curso das investigações, independente de iniciativa da acusação ou do acusado.
Pode-se afirmar que o sistema inquisitivo é rigoroso, secreto, em que considera possível a descoberta de uma verdade absoluta, e, por isso, admiti-se que os mais variados métodos para a descoberta, dentre outros a tortura.
Por tais características, o processo inquisitorial é totalmente incompatível com o ordenamento jurídico pátrio, pois a presença de um julgador/acusador viola os mais comezinhos direitos e garantias processuais estabelecidos na Constituição Federal.
Não obstante, devemos observar que na fase de investigação criminal, prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento que o inquérito policial é um procedimento inquisitorial, conforme se verá no momento oportuno, nesta fase não se aplicam o contraditório e a ampla defesa.
O sistema acusatório, que se destacou durante toda a Antiguidade grega e romana, bem como na Idade Média. Após o século XIII perdeu espaço com a prevalência do sistema inquisitivo[1].
Hodiernamente, porém,o sistema acusatório é utilizado por grande parte das legislações modernas, incluindo a legislação pátria, tem como principais características o contraditório, a igualdade de partes,a publicidade, as funções de investigar, acusar e julgar são exercidas por pessoas diferentes e o início da ação penal compete ao órgão incumbido da acusação.
Nesse sistema “o juízo penal é o actum trium personarum de que falavam os práticos medievais, existindo assim, verdadeira relação processual”(MARQUES, 2000, p. 64).
Segundo Ferrajoli citado por Brasileiro, “são características do sistema acusatório a separação rígida entre o juiz e acusação, a paridade entre acusação e defesa, e a publicidade e a oralidade do julgamento” (BRASILEIRO, 2013, pag. 40). Lado outro, são tipicamente próprios do sistema inquisitório a iniciativa do juiz em campo probatório, a disparidade de poderes entre acusação e defesa e o caráter escrito e secreto da instrução.
O sistema misto, também denominando francês, é assim denominado em razão das alterações ao sistema inquisitorial, determinadas pelas modificações napoleônicas. Trata-se de um modelo diverso, criado a partir dos sistemas acusatório e inquisitorial, e surge com o Code d’Instruction Criminalle Francês, de 1.808[2].
É chamado de sistema misto porquanto o processo se desdobra em duas fases distintas: a primeira fase é tipicamente inquisitorial, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, por isso sem contraditório. Nesta, objetiva-se apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga, vigorando, em regra, a publicidade e a oralidade (BRASILEIRO, 2013, pag.5).
Quando o Código de Processo Penal pátrio entrou em vigor, prevalecia o entendimento de que o sistema adotado era o misto, pois a fase pré- processual da persecução penal, caracterizada pelo inquérito policial, era inquisitorial. E, uma vez iniciado o processo, havia uma fase acusatória.
Porém, com a promulgação da Constituição Federal, o cenário mudou, pois, embora o Código de Processo Penal tenha nítida inspiração no modelo fascista italiano, é imperioso que seja interpretado à luz da Constituição Federal, conforme se verá adiante.
2.4 Modelo adotado no ordenamento brasileiro
A Constituição Federal prevê de forma expressa a separação de funções de acusar, defender e julgar, estando assegurado o contraditório e a ampla defesa, além do princípio da presunção de não culpabilidade. Daí se nota que foi adotado o sistema acusatório.
O artigo 129, inciso I, estabelece que a competência para a propositura da ação penal pública é privativa do Ministério Público. Assim, a relação processual só tem início mediante a provocação da pessoa encarregada de deduzir a pretensão punitiva, impedindo que o magistrado tome iniciativas que não se coadunam com a imparcialidade que deve ter em relação às partes.
Portanto, segundo o sistema vigente no ordenamento pátrio, o magistrado deve se abster de promover atos de ofício na fase de investigação criminal, a fim de manter equidistante quanto aos interesses das partes.
Praticado um delito surge para o Estado o poder-dever de punir o suposto autor do delito. Para que o Estado possa deflagrar a persecução penal por intermédio do processo penal, é imprescindível a existência de elementos de informação que indiquem, ainda que por indícios, a autoria e a materialidade da infração penal. A propósito o próprio Código de Processo Penal, em seu artigo 395, inciso III, com redação dada pela lei 11.719/08, aponta a ausência de justa causa para o exercício da ação penal como causa de rejeição da peça acusatória.
Daí se nota a importância da investigação criminal, pois além de colher elementos de informação decisivos para desencadeamento do processo penal, contribui para que pessoas inocentes não sejam submetidas ao processo penal.
3.1.1 Evolução Histórica no Mundo
Não há registros do momento exato em que a investigação criminal surgiu na História da Humanidade, mas pode-se afirmar, conforme orienta os estudiosos que a investigação criminal surgiu juntamente com a necessidade de se punir os transgressores das regras estabelecidas pelo Homem, surgidas no momento em que houve a necessidade de se viver em sociedade.
O ilustre professor Guilherme Nucci assevera que:
O ser Humano sempre viveu em permanente estado de associação, na busca incessante do atendimento de suas necessidades básicas, anseios, conquistas e satisfação, e desde os primórdios violou as regras de convivência, ferindo os semelhantes e a própria comunidade onde vivia tornando inexorável a aplicação de uma punição. Sem dúvida, não se entendiam as variadas formas de castigo como se fossem penas, no sentido técnico- jurídico que hoje possuem, embora não passassem de embriões do sistema vigente. Inicialmente se aplica a sanção como fruto da libertação da ira dos deuses em face da infração penal cometida, quando a reprimenda consistia, como regra, na expulsão do agente da comunidade, expondo-o à própria sorte.[3]
Nesse diapasão, a investigação criminal acompanhou a evolução da sociedade e, por consequência, do Direito Penal. À toda evidência, não é possível delinear os traços evolutivos da investigação criminal, vez que não são rigorosamente definidos.
Assim o presente trabalho busca observar sucintamente a forma que no desenvolver da história a investigação criminal se caracterizou, passando pelos períodos da Antiguidade clássica, Idade Média, Iluminista.
3.1.1.1Antiguidade Clássica
Na Grécia antiga, aproximadamente no século VIa.C, a investigação criminal passou a ser atribuição das partes envolvidas, pois deixou de haver um representante do poder central com a incumbência exclusiva de investigar.
Sobre a investigação criminal na Grécia antiga, verbera Mauro Fonseca Andrade:
Este afastamento do Poder Público, em relação ao início da persecução penal - ocorrida em torno do século VII a.C – foi o ponto de partida do sistema acusatório, pois, até então, as funções de acusar e investigar eram atribuídas ao poder central, que também detinha a função de julgar.[4]
No direito Romano, segundo Bismael Moraes, durante o período republicano, a investigação criminal, denominada inqisitio, era feita unicamente pelas partes. O acusador recebia do magistrado uma comissão com poderes para realizar a investigação em um prazo predeterminado. Tal comissão conferia ao acusador e ao imputado o direito de dirigir-se aos lugares, reunir indícios, visitar e ouvir testemunhas, proceder a arresto de documentos, e coisas necessárias à prova, tirar cópias e requerer autenticações e proceder à buscas e apreensões. O juiz conduzia,ex officio, uma investigação apenas na ausência de um investigador (MORAES, 1986, pag. 123/124).
3.1.1.2 Idade Média
Na Idade Média, devido a união entre Igreja e Estado, o direito canônico foi predominante. O marco histórico desta época, se deu no século V, onde os imperadores romanos concederam aos bispos, o direito de inspecionar as prisões e os processos.
O Direito Penal da época punia as transgressões aos dogmas como se fossem crimes. As sanções passaram a almejar a regeneração do criminoso-pecador, castigando-o, além de terem caráter sacro.
Nesse período, através da Santa Inquisição, foram constatados abusos cometidos pelo poder público, o qual se utilizava de métodos desumanos, como a tortura, além de impor penas desproporcionais às condutas praticadas.
Valter Foleto Santin pondera que:
O processo eclesiástico seguiu no início a forma oral, depois passou à escrita. As provas eram semelhantes às empregadas pelos juízes seculares: testemunhas, água fervente e ferro quente. E com o decurso do tempo, as provas obtidas por meios cruéis foram substituídas e a investigação criminal passou a ser feita pelo próprio juiz, em vista do conhecimento notório do crime ou clamor público (clamosa insinuatio), por meio de inquirição ou informação. Todavia, no século XV, foram criados os tribunais do Santo Ofício, para decisão de matérias espirituais, eclesiásticas, cíveis e criminais. Ocasião em que surgiu a Santa Inquisição e o retorno do uso da tortura para obtenção de confissão do suspeito e a aplicação das penas de sangue. Na luta contra os árabes e Judeus, a jurisdição eclesiástica ficou ainda mais forte[5].
3.1.1.3 Iluminismo
No século XVIII, quando se iniciou o Iluminismo, a obra "Dos Delitos e Das Penas"[6], aliada ao surgimento da Escola Clássica, fez com que ideias inovadoras surgissem, passando, o conceito de pena, a assumir caráter humanitário, tendo, a recuperação do criminoso, como principal objetivo.
Neste sentido, Cesare Beccaria[7] posicionou-se a favor da proporcionalidade da pena, em relação à prática do delito e contra as penas de morte, ressaltando que a eficácia da sanção estaria ligada à certeza de sua aplicação e não à sua gravidade.
Beccaria ainda defendeu a aplicação do princípio da legalidade, onde a fixação da pena estaria relacionada com uma lei existente, que a delimitasse, cabendo aos juízes apenas aplicá-las, além de sustentar o princípio da personalidade da pena, no qual as sanções deveriam ser aplicadas apenas em quem cometeu o delito, manifestando-se contrário à tortura como método de investigação.
Com relação à importância do Iluminismo na evolução do Direito Penal, Guilherme de Souza Nucci afirma:
É inequívoco que o processo de modernização do Direito Penal somente teve início com o Iluminismo, a partir das contribuições de Benthan (Inglaterra), Monstesquieu e Voltaire (França), Hommel e Feuerbach (Alemanha), Beccaria, Filangeieri e Pagano (Itália). Houve preocupação com a racionalização na aplicação das penas, combatendo-se ao banimento do terrorismo punitivo, uma vez que cada cidadão teria renunciado a uma porção de liberdade para delegar ao Estado a tarefa de punir, nos limites da necessária defesa social. A pena ganha um contorno de utilidade, destinada a prevenir delitos e não simplesmente [8]castigar.
Por fim, ressalta-se que os ideais dos autores do Iluminismo, baseados na racionalização da investigação criminal e da pena, na proporcionalidade entre o ato e a sanção, bem como no banimento da tortura como meio de investigação, nortearam a criação da Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, na França.
3.1.2 Evolução Histórica da Investigação Criminal no Ordenamento Jurídico Brasileiro
O Brasil antes da colonização era desprovido de um ordenamento jurídico nos moldes dos padrões europeus, que após a colonização influenciou fortemente o Direito Brasileiro.
Em razão dessa ausência de normas e, principalmente, em razão da colonização, no Brasil colônia vigeu, a partir da dominação de Portugal, as Ordenações do Reino[9], sob forte influência do Direito Canônico, cujo conteúdo e nome variava de acordo com o Monarca que governava Portugal. As Ordenações do Reino vigoraram por muitos anos no Brasil, possuindo especial destaque as Ordenações Afonsinas- Rei D. Afonso V, As Ordenações Manuelinas- Rei D. Manuel e Filipinas- Rei D. Filipe I de Espanha e D. João IV de Portugal.
Passemos à analise sucinta desses ordenamentos e suas repercussões no Brasil.
A investigação criminal sob o palio das Ordenações Afonsinas- 1446 a 1521, se desenvolvia de duas maneiras, a saber: por meio de inquérito com a participação do acusado; ou pela denominada Devassa, procedimento inquisitorial para a persecução de crimes, que era iniciado de ofício e se desenvolvia sem a participação do acusado.
Sobre a investigação criminal nas Ordenações Afonsinas, verbera o Ilustre Mestre Valter Foleto Santin:
A polícia judiciária era exercida por juízes auxiliados por meirinhos, homens jurados (escolhidos e compromissados) e vintaneiros (inspetores e policiais de bairros). Nessa fase, para defesa dos direitos reais, os procuradores reais teriam funções de promotores de justiça para promoção de acusação que pudesse resultar em confisco. Essa função acusatória seria a origem do Ministério Público na área criminal[10].
Em relação às Ordenações Manuelinas - 1521 a 1603, a persecução penal tinha início por intermédio das querelas juradas, das denúncias ou das inquirições devassas. O promotor de justiça tinha acentuada participação nas ações penais, mas sem participação efetiva na apuração de delitos. Nessa fase ainda não existia uma autoridade encarregada da persecução penal.
Nas Ordenações Filipinas - 1603 a 1830, as investigações criminais também se iniciavam por intermédios da devassas e das querelas juradas. Destaque-se, ainda, que nessa época por não haver uma autoridade encarregada de realizar a investigação policial e posteriormente a persecução penal, a apuração era, muitas vezes, feita por moradores[11].
Ressalte-se que tanto a querela quanto a devassa, eram procedimentos inquisitoriais, pois não havia participação do acusado.
Com a evolução do direito penal em consequência dos reflexos do movimento iluminista, a partir do século XIII, com a Declaração dos Direitos do Homem, o ordenamento jurídico português passou por significativas modificações e, por consequência, o do Brasil passou a ter um cunho mais humanitário.
Posteriormente foi elaborado o Código Penal do Império, no ano de 1830, (...)
O processo, sob o aspecto formal, é composto de fases que se sucedem, ordenadas cronologicamente. Antes da formação do processo, há uma fase investigatória, destinada a esclarecer a existência de uma infração penal e indicar sua autoria.
Nesse passo, a investigação criminal pode ser conceituada como a fase preliminar ao processo, cujo principal objetivo é certificar a materialidade de uma infração penal, bem como angariar elementos de prova que indique, ao menos por indícios, a autoria. O que servirá de subsídio para deflagrar o processo penal.
3.3 Princípios aplicáveis ao processo penal e à investigação criminal
Em uma acepção ampla pode-se considerar os princípios como a base de uma ordem de conhecimentos. Na ordem jurídica, princípios são normas basilares que expressam os valores de uma determinada sociedade.
Segundo a doutrina majoritária, é espécie de norma jurídica, ao lado das regras, possuindo, portanto, força normativa.
A Constituição Federal elencou vários princípios processuais penais, alguns aplicáveis no âmbito da investigação criminal, conforme veremos.
3.3.1 Princípio da presunção de inocência
Além de ser um princípio, conforme se verá no momento oportuno, a presunção de inocência é consagrada como um direito do Homem, conforme enuncia o artigo 9º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão[12] e o artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos[13], foi pela primeira vez consagrado em texto constitucional, com a Constituição de 1988 (TOURINHO FILHO, 2012, p. 63), que estabelece em seu artigo 5º, LVII que: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Consiste, assim, o referido princípio no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para a sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório) (BRASILEIRO, 2013, pag.8).
É oportuno dizer que a observância deste princípio durante a investigação criminal é de suma importância, pois, segundo Renato Brasileiro, deste princípio deriva duas regras fundamentais, quais sejam: a regra probatória e a regra de tratamento.
Por força da regra probatória, a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável, e não este de provar sua inocência, mutatis mutandisessa regra é perfeitamente aplicável à fase de investigação.
Quanto a regra de tratamento, o Poder Público está impedido de agir e de se comportar em relação ao suspeito como se este fosse culpado.
É importante salientar que o princípio ora estudado não proíbe a prisão temporária do investigado, decretada para assegurar o sucesso de alguma diligência imprescindível para as investigações, conforme dispõe a lei 7.960/89.
Fica claro que para que alguém seja considerado culpado e submetido ao cumprimento de uma pena, antes deve ocorrer o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, antes disso, nenhuma pena pode ser imposta antecipadamente, pois a ―prisão antecipada se justifica como providência exclusivamente cautelar, valer dizer, para impedir que a instrução criminal seja perturbada ou então, para assegurar a efetivação da pena‖ (TOURINHO FILHO, 2012, p. 62).
Sobre a aplicação desse princípio veremos no momento oportuno, quando tratarmos dos direitos e garantias do investigado.
3.3.2 Princípio da vedação das provas ilícitas
As Constituições Federais anteriores não previam em seus textos a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Existia apenas o artigo 233 do Código de Processo Penal (TOURINHO, 2012, p. 58).
Com a promulgação da Constituição de 1988, o princípio da vedação das provas ilícitas foi inserido em seu artigo 5º, LVI, possuindo a seguinte redação: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”[14].
Atualmente, o artigo 157 do Código de Processo Penal, também dispõe sobre a proibição das provas ilícitas, assim entendidas as obtidas com violação a normas constitucionais ou legais.
Por prova ilícita, Fernando Capez (2013, p. 300) entende que é “toda aquela evidência que não pode ser admitida nem valorada no processo”.
Sobre a inadmissibilidade de provas ilícitas, vejamos o aresto antológico do Supremo Tribunal Federal, vejamos:
Ilicitude da prova – Inadmissibilidade de sua produção em juízo (ou perante qualquer instância de poder) – Inidoneidade jurídica da prova resultante da transgressão estatal ao regime constitucional dos direitos e garantias individuais. Ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para se revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios licitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do male captum, bene retentum. Doutrina. Precedentes (STF, HC 82.788, Rel. Celso de Mello, j. 12.04.05,).
A doutrina faz distinção entre provas ilícitas, sendo entendidas como aquelas que violam as normas de direito material e, ilegítimas, entendidas como todas as provas que infringem as normas de direito processual. Todavia, o disposto no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal, assevera que não serão admitidas as ‘provas obtidas por meios ilícitos’. Portanto, a Constituição proíbe tanto a prova ilícita quanto a ilegítima (CAPEZ, 2013, p. 38).
Com a atual redação do artigo 157, do Código de Processo Penal, são consideradas como provas ilícitas tanto aquelas obtidas em violação a normas constitucionais quanto legais.
Além das provas obtidas por meios ilícitos, a doutrina e jurisprudência também não admitem as chamadas provas ilícitas por derivação, ou seja, aquelas que são, em si mesmas, lícitas, mas advindas de outras produzidas de forma ilícita.
Consoante esse entendimento, se uma prova for de qualquer forma obtida ilicitamente, todas as outras dela decorrente, embora lícitas, também serão consideradas ilícitas, pois em sua origem são viciadas.
Segundo Fernando Capez, “tal conclusão decorre do disposto no art. 573, § 1º, do CPP, segundo o qual “a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência” (CAPEZ, 2013, p. 302).
Trata-se da aplicação da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada ou Fruits of the Poisonous Tree, teoria norte-americana, surgida a partir de uma decisão proferida em 1920 pela Suprema Corte, no caso Silverthorne Lumber Co. x United States, em 1920.
Bruno Fontenele Cabral[15] em brilhante artigo sobre a doutrina das provas ilícitas, preceitua:
A Doutrina dos frutos da árvore envenenada "fruits of the poisonous tree" foi criada e aperfeiçoada pela Suprema Corte norte-americana a partir do julgamento do caso Silverthorne Lumber Co v. United States (1920) [01], em que a empresa Silverthorne Lumber tentou sonegar o pagamento de tributos federais. No combate à fraude, agentes federais copiaram de forma irregular os livros fiscais da referida empresa. A questão chegou ao conhecimento da Suprema Corte e se questionou, em síntese, se as provas derivadas de atos ilegais poderiam ser admitidas em juízo.
A Suprema Corte, ao analisar o caso Silverthorne Lumber Co v. United States (1920) formou o posicionamento no sentido de que, ao se permitir a utilização de evidências derivadas de atos ilegais, o Tribunal estaria encorajando os órgãos policiais a desrespeitar a 4ª Emenda da Constituição norte-americana. Dessa forma, o tribunal decidiu pela inadmissibilidade das provas derivadas de provas obtidas ilicitamente[16].
Segundo Fernando Capez (2013, p. 303), no Brasil, a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada foi repelida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 69.912-0-RS[17], no entanto, posteriormente, em razão do impedimento do Ministro Néri da Silveira, que havia votado contrário a adoção da referida teoria, foi realizada nova votação, da qual o Ministro não participou, ocasião então a teoria foi acolhida em razão do princípio do favor rei, já que o empate favorece o paciente. Assim a atual posição do STF é pela inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação.
Ademais, o artigo 157, do Código de Processo Penal, adotou tal teoria, trazendo inclusive limites para sua aplicação, vejamos:
Art. 157 - São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
§1º - São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§2º - Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§3º - Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
Sobre limitações às provas ilícitas na investigação criminal versaremos mais adiante ao tratarmos dos direitos e garantias do acusado na investigação criminal.
3.3.3 Princípio do nemo tenetur se detegere
Este princípio segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo encontra previsão no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[18] e na convenção Americana sobre Direitos Humanos[19].
O artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal preceitua que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. O direito ao silêncio, conforme estabelecido na Constituição Federal, é uma das decorrências do Nemo tenetur se detegere.
O entendimento dominante é o de que o dispositivo constitucional em destaque se presta para proteger não somente quem está preso, como também aquele que está solto, bem como qualquer pessoa a quem seja imputada a prática de um ilícito criminal. Não importando se o cidadão é suspeito, indiciado, acusado ou condenado, e se está preso ou em liberdade.
Nesse sentido, insta trazer à baila a precisa observação de Antônio Magalhães Gomes Filho, citado por Renato Brasileiro:
(...) o direito ao silêncio estende-se a qualquer pessoa, em razão do princípio da presunção de inocência, do qual decorre que incumbe exclusivamente à acusação produzir as provas de culpabilidade(BRASILEIRO apud GOMES FILHO).
O princípio segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, portanto, é aplicável a qualquer pessoa que possa se autoincriminar e abrange o direito ao silêncio, o direito de não ser constrangido a confessar a prática de ilícito penal e a inexigibilidade de dizer a verdade, direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo e o direito de não produzir nenhuma prova incriminadora invasiva.
Esses direitos serão aprofundados no capítulo referente aos direitos e garantias do acusado durante a investigação criminal.
Os responsáveis pela investigação criminal utilizam determinados instrumentos investigatórios que podem ser típicos ou atípicos.
Segundo Valter Foleto Santin (2001, p. 32/33):
Os instrumentos típicos de investigação criminal são policiais e extrapoliciais, conduzidos pelos órgãos de persecução penal (polícia e Ministério Público). Os instrumentos típicos policiais são o Inquérito Policial e o Termo Circunstanciado elaborados pela polícia; os típicos extrapoliciais, por procedimento de investigação realizado pelo Ministério Público.
Os instrumentos atípicos de investigação são por meios de inquéritos, procedimentos e processos judiciais, administrativos, de comissões parlamentares de inquérito e peças de informação públicas e privadas.
Dada a diversidade de instrumentos investigatórios, é pertinente tecer algumas considerações a respeito daqueles comumente utilizados, quais sejam: Inquérito Policial, Termo Circunstanciado, Comissões Parlamentares de Inquérito e Peças de Informações Particulares. Necessário, também, discorrer acerca do Inquérito Judicial.
É o instrumento de investigação comumente utilizado no território brasileiro e surgiu no Brasil em 1871, com a Lei 2033, tem por objetivo a apuração de infrações penais e respectiva autoria para que o Ministério Público ou o ofendido tenham condições de ingressar com a ação penal. Assim, tem como destinatários imediatos o Ministério Público (artigo 129, I, da Constituição Federal), e o ofendido (artigo 30, do Código de Processo Penal) e como destinatário mediato o Juiz.
Cabe ressaltar que, segundo os ensinamentos de ilustre doutrinador Ricardo Lemos Thomé[20]:
A divisão ou separação da função de polícia judiciária (investigar profissional e cientificamente para esclarecer a verdade) da função jurisdicional (julgar) foi característica marcante adotada pela legislação brasileira ainda no século XIX, quando foi criado o Inquérito Policial como instrução prévia na apuração de infrações penais. O Inquérito Policial foi mantido em todas as alterações processuais penais havidas desde então. A mais forte pressão que oInquérito Policial sofreu, data de 1936, quando Vicente Raó era Ministro da Justiça e foi organizado anteprojeto para um novo Código de Processo Penal.
O professor Renato Brasileiro conceitua o inquérito policial como “procedimento administrativo inquisitório, presidido pela autoridade policial, o inquérito consiste em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa objetivando a identificação de fontes de prova e a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo” (BRASILEIRO, 2013, pag. 71).
O artigo 4º, do Código de Processo Penal, dispõe que a elaboração do Inquérito Policial constitui uma das funções da Polícia Judiciária, ou seja, a competência para presidir o Inquérito Policial, foi deferida aos Delegados de Polícia de carreira (artigo 144, §§1º e 4º, da Constituição Federal).
Conforme o entendimento majoritário o inquérito policial tem natureza de procedimento administrativo, porquanto não se tratar de processo judicial ou administrativo, dado que dele não resulta diretamente nenhuma aplicação de sanção. Portanto, não há partes no sentido processual, considerando que não há uma estrutura que garanta o contraditório.
Nesse passo, prevalece na doutrina e jurisprudência o entendimento de que o inquérito policial é um procedimento inquisitorial, significa que a ele não se aplicam o contraditório e a ampla defesa. Isto por que, conforme dito alhures, trata-se de mero procedimento administrativo e dele não resulta a imposição de sanção.
Nesse sentido verbera o ilustre professor Renato Brasileiro (2013, pag. 83):
Deveras, fossem os atos investigatórios precedidos de prévia comunicação à parte contrária, seria inviável a localização de fontes de prova acerca do delito, em verdadeiro obstáculo à boa atuação do aparato policial. Funciona o elemento da surpresa, portanto, como importante traço peculiar do inquérito.
Corrobora com o caráter inquisitorial do inquérito policial o disposto no artigo 107 do Código de Processo Penal, segundo o qual não se poderá opor suspeição às autoridades policias no atos de inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer no caso concreto hipótese de suspeição.
Ademais, para a lavratura do auto de prisão em flagrante não é necessária a presença do defensor, pois com a alteração do Código de Processo Penal pela lei 11.449/07, passou a ser obrigatória a remessa dos auto de prisão em flagrante à Defensoria Pública dentro de vinte e quatro horas após a prisão. Isso confirma o caráter inquisitorial do inquérito policial.
Ressalte-se que parte minoritária da doutrina sustenta a possibilidade de ampla defesa e contraditório no curso do inquérito policial.
Sobre essa possibilidade vaticina Marta Saad, citada por Renato Brasileiro:
Se não se mostra apropriado falar em contraditório no curso do inquérito policial, seja porque não há acusação formal, seja porque, na opinião de alguns, sequer há procedimento, não se pode afirmar que não se admite o exercício do direito de defesa, porque esta tem lugar em todos os crimes e em qualquer tempo, e estado da causa, e se trata de oposição ou resistência à imputação informal, pela ocorrência de lesão ou ameaça de lesão.(BRASILEIRO apud SAAD, 2013, pag. 84)
Interessante trazer à baila o Decreto nº86.715/81 que regulamentou o Estatuto do Estrangeiro – Lei 6.815/80, relativamente ao procedimento de expulsão de estrangeiro, nos artigos 100 a 109 traça o procedimento a ser observado para o ato de expulsão, abrangendo a possibilidade de contraditório e ampla defesa.
Em relação às diligências investigatórias no inquérito policial, o Código de Processo Penal traz, em seu artigo 6º e 7º, um rol exemplificativo de diligências que poderão ser adotadas pela autoridade policial ao tomar conhecimento de um delito, tais como, preservação do local do crime, apreensão de objetos, colheita de provas, oitiva do ofendido, oitiva do suspeito, reconhecimento de pessoas e coisas, acareações, determinações de perícias, identificação do investigado, averiguação da vida pregressa do investigado, reconstituição do fato delituoso, dentre outras diligências que a autoridade entender pertinente à elucidação do fato delituoso.
O legislador estabeleceu uma sequência lógica no Código de Processo Penal para instauração, desenvolvimento e conclusão, porém ser estabelecer uma ordem rígida, pois pela sua própria natureza e para garantir o resultado nas investigações policiais, o procedimento do inquérito deve ser flexível.
Por vezes a efetivação das diligências citadas esbarra em direito fundamentais assegurados constitucionalmente, pois, embora seja o inquérito instrumento inquisitorial, deverá respeitas os direitos e garantias do investigado e demais pessoas envolvidas no fato delituoso.
Exemplificativamente a busca domiciliar está condicionada à clausula de reserva de jurisdição, pois somente com mandado judicial a autoridade policial poderá adentra em residência alheia, ressalvados os casos especificados no artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém podendo nela penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial.
No momento oportuno, veremos detalhadamente os direitos e garantias do investigado, ocasião em que debruçaremos sobre as limitações impostas às diligências no inquérito policial.
É importante lembrar que o inquérito policial, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal[21], é mera peça informativa, e eventuais vícios dele constantes não tem o condão de contaminar o processo penal dele decorrente. Caso haja irregularidade em ato praticado no curso de inquérito, é inviável a anulação do processo penal subsequente, porquanto as nulidades processuais dizem respeito aos vícios que afetam os atos praticados dentro do processo penal[22].
A Constituição Federal dispõe em seu artigo 98, I, que a União e os Estados criarão juizados especiais competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo. A Lei 9099/95, com o objetivo de instituir tais juizados, dispõe em seu artigo 61, que são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa.
Dessa forma, a autoridade policial que tomar conhecimento de infração penal de menor potencial ofensivo, deverá lavrar um Termo Circunstanciado que será imediatamente encaminhado ao juizado, com o infrator e a vítima, não sendo admissível a prisão em flagrante nem a exigência de fiança se o infrator for imediatamente encaminhado ou assumir o compromisso de ao juizado comparecer(artigo 69, parágrafo único, da Lei 9.099/95).
Segundo Fernando Capez (2009, p. 77):
O Inquérito Policial é substituído por um simples boletim de ocorrência circunstanciado, lavrado pela autoridade policial (delegado de polícia),chamado de Termo Circunstanciado, no qual constará uma narração sucinta dos fatos, bem como a indicação da vítima, do autor do fato e das testemunhas, em número máximo de três, seguindo em anexo um boletim médico ou prova equivalente, quando necessário para comprovar a materialidade delitiva (dispensa-se o laudo de exame de corpo de delito).
Assim, o Termo Circunstanciado é um substitutivo do Inquérito Policial na tarefa de registrar e documentar os fatos delituosos de menor potencial ofensivo,assemelhando-se a um boletim de ocorrência, embora mais detalhado.
Da mesma forma que o Inquérito Policial, o Termo Circunstanciado tema função de dar ao Ministério Público os elementos necessários para formar suaopinio delicti para eventual início de uma ação penal, sendo que as investigações podem ser realizadas de forma simples e direta pela polícia e pelo Ministério Público, que pode tomar declarações e juntar documentos.
Valter Foleto Santin (2001, p. 38) define o Termo Circunstanciadocomo sendo um documento administrativo, expedido pela autoridade policial, em que são registrados os dados da ocorrência policial em infrações de menor potencial ofensivo, de forma simples e direta.
Tal instrumento investigatório tem o objetivo de concentrar os atos da investigação, o que facilita e acelera o conhecimento dos fatos pelo Promotor de Justiça, “proporcionando rápidas condições para o trabalho de desencadeamento do mecanismo de prestação jurisdicional criminal” (SANTIN, 2001, p. 38).
O Termo Circunstanciado, com sua simplicidade, se coaduna com os princípios da informalidade, economia processual e celeridade, norteadores do processo desencadeado perante os juizados especiais, que objetiva, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
3.4.3 Inquérito ou procedimento judicial
No Brasil, conforme dito alhures, o sistema processual adotado foi o acusatório, pois as tarefas de acusar, defender e julgar são exercidas por pessoas distintas.
Dessa forma, o Ministério Público é o órgão responsável pela acusação(artigo 129, I, da Constituição Federal), ao advogado ou defensor público compete a defesa do acusado(artigo 133 da Constituição Federal) e ao juiz incumbe o julgamento (artigo 5º,XXXV).
Nesse sistema, a função do juiz é julgar as medidas e ações cautelares, bem como a ação penal principal, absolvendo ou condenando oacusado.
No entanto, conforme observa Valter Foleto Santin (2001, p. 129), há alguns procedimentos com características do modelo misto com juizado de instrução contraditório, pois em alguns procedimentos de investigação prévia, tais como:crimes falimentares, delitos de organização criminosa e crimes eleitorais, aseparação de funções é tênue, já que o juiz ultrapassa sua função judicante,enveredando-se pela investigação antes de iniciado o processo.
O inquérito judicial era previsto na antiga lei de falências, o Dec. Lei nº7.661/45, artigos 103 e seguintes, funcionando como um procedimento preparatório para a ação penal, presidido por um juiz de direito, no qual era assegurado o contraditório e a ampla defesa.
Quanto aos crimes falimentares, a nova Lei de Falências (Lei11.101/05) aboliu o antigo sistema bifásico, onde o próprio juiz da falência presidia as investigações dentro de um inquérito chamado judicial. Com a nova Lei, o juiz da falência, vislumbrando indícios da prática dos crimes nela previstos, cientificará oMinistério Público (artigo 187, § 2º, da Lei nº 11.101/05).
Em relação aos crimes praticados por organizações criminosas, oSupremo Tribunal Federal, na ADI 1.570[23], julgou inconstitucional o artigo 3º da Lei9.034/95 (Lei do crime organizado), que previa a possibilidade do juiz ter acesso adados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais, em razão do comprometimento do princípio da imparcialidade e consequente violação ao devido processo legal.
Tratando-se de crimes eleitorais, o legislador concedeu poder investigatório ao juiz. Assim, a apuração de crime eleitoral deve ser realizada pelo juiz eleitoral e não pela autoridade policial.
Tanto é assim, que o artigo 356 do Código Eleitoral estabelece que todo cidadão tem o dever de comunicar ao juiz eleitoral sobre o conhecimento de infração penal eleitoral. Ademais, compete ao Corregedor Geral ou Regional, proceder ou mandar proceder investigações, a teor do artigo 237, §3º do Código Eleitoral e artigo 19 da Lei Complementar 64/90.
Como restou demonstrado, embora seja adotado no Brasil o sistema acusatório, onde as atividades de acusar, defender e julgar são exercidas por pessoas diferentes, em determinados procedimentos o juiz ultrapassa sua função julgadora e acaba por proceder também a investigação.
Segundo Valter Foleto Santin (2001, p. 183), “a investigação preliminar do juiz brasileiro é totalmente inadequada, constituindo péssima cópia do Juizado de Instrução Francês”.
A maior crítica à tal tipo de investigação reside no fato de que o mesmo juiz incumbido de investigar será o mesmo que irá julgar, o que acaba por ofender oprincípio da imparcialidade, indispensável ao devido processo legal.
3.4.5 Procedimento investigatório criminal do Ministério Público
Em vários países europeus o Ministério Público é o encarregado de proceder às investigações criminais, cabendo à autoridade policial auxiliá-lo nessa tarefa.
É assim, de acordo com Fernando Capez (2009, p. 102) na França(artigo 12 do Código de Processo Penal), Itália (artigo 327 do Código de Processo Penal), Espanha (artigo 31.1 da Lei orgânica 2/86), Portugal (Decretos-lei 35.042/45e 39.351/53), e Alemanha (artigo 161 do Código de Processo Penal).
No Brasil, o Ministério Público é o titular da ação penal. É de sua competência também a investigação de crimes praticados por seus membros (artigo18, parágrafo único da Lei Complementar 75/93 e artigo 41, parágrafo único da Lei8625/93).
No entanto, em se tratando da investigação criminal que não envolva seus membros, o Ministério Público vem encontrando resistência, não estando ainda pacificada a possibilidade de o Parquet presidir a investigação criminal.
Assim, atualmente, é a autoridade policial que preside a investigação criminal, que depois de concluída é encaminhada ao membro do Ministério Público para formação de sua opinio delicti. O Promotor de Justiça tem interferência mínima,pois se limita a requisitar a instauração do inquérito ou a realização de diligências complementares.
Mas considerando a necessidade de regulamentar a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a ser realizado pelo Ministério Público, foi editada a Resolução nº 13 do CNMP, que regulamenta o artigo 8º da Lei Complementar 75/93 e o artigo 26 da Lei 8.625/93.
Dessa forma, além do Inquérito Policial e do Termo Circunstanciado, ainvestigação criminal também pode ser realizada pelo Ministério Público, através do Procedimento Administrativo Criminal.
Nesse sistema, o Promotor de Justiça preside diretamente ainvestigação, podendo praticar todos os atos que entender necessários para ooferecimento da denúncia ou arquivamento do procedimento, além de contar com oapoio da polícia se julgar conveniente.
As diligências que importarem em constrangimento aos direitos e garantias fundamentais, tais como prisão, interceptação telefônica, busca eapreensão, dentre outras, deverão ser analisadas pelo Judiciário, pois a legalidade do ato deve ser verificada.
Os que criticam esse sistema alegam que ao atribuir tal poder ao Promotor de Justiça, se estaria criando o “Império do Ministério Público”, alegam ainda que ao entregar a investigação preliminar ao Promotor de Justiça, a fase pré-processual se transformaria em algo voltado exclusivamente para a acusação, o que acarretaria prejuízos à defesa.
Já para aqueles que defendem a possibilidade do Parquet presidir ainvestigação preliminar, a justificativa reside no fato de a investigação estar a cargo do titular da ação penal, além da economia e celeridade processual.
Conforme veremos no tópico referente à competência para realização de investigação criminal, o Supremo Tribunal Federal sedimentou o entendimento no sentido de ser plenamente possível e constitucional a investigação criminal realizada pelo Ministério Público.
3.4.6 Inquéritos parlamentares
De acordo com o artigo 2º, da Constituição Federal, são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e oJudiciário. Assim, cabe ao Legislativo legislar, ao Judiciário resolver os conflitos de interesses e, ao Executivo compete a administração do governo. Essas são suas funções típicas.
No entanto, além dessas funções típicas, cada um dos Poderes da União exerce também funções atípicas.
Dessa forma, consoante observa Demóstenes Torres (2009, p. 29), oExecutivo pode legislar, editando Medidas Provisórias, o Judiciário, ao exercer ocontrole de constitucionalidade, interfere na ordem jurídico-legal e o Legislativo exerce o poder-dever de fiscalizar o governo.
A fim de exercer tal poder-dever, o Legislativo pode instalar e fazer funcionar as Comissões Parlamentares de Inquérito.
Previstas no artigo 58, § 3º da Constituição Federal, as Comissões Parlamentares de Inquérito tem poderes de investigação próprios das autoridadesjudiciais, e são criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros,para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo que suas conclusões,se for o caso, são encaminhadas ao Ministério Público, para que promova aresponsabilidade civil ou criminal dos infratores.
Trata-se de uma forma de investigação criminal atípica, uma vez que afunção principal de tais entes parlamentares é legislar.
Entendidas por José Frederico Marques (2000, p. 154) como uma forma investigatória toda especial, consubstanciada em toda e qualquer investigação levada a efeito por uma comissão escolhida por uma ou ambas as Casas Legislativas para a verificação de fatos ou a aquisição de informações necessárias ao exercício das funções parlamentares, tais Comissões são instituições importantíssimas no sistema de freios e contrapesos.
Historicamente, fruto de conflitos e acordos políticos ocorridos durantea Revolução Inglesa, as Comissões Parlamentares de Inquérito foram instituídas pioneiramente na Grã-Bretanha, tornando-se costumeiras no Parlamento inglês apartir do século XVII.
Ao servirem como exemplo aos parlamentos dos países democráticos,as comissões acabaram-se por se tornar um imprescindível mecanismo do Legislativo na investigação de assuntos determinados, como a conduta imprópria de governantes (TORRES, 2009, p. 31).
No Brasil, a Constituição de 1934 foi a primeira a prever expressamente as Comissões Parlamentares ao determinar que a Câmara dos Deputados criasse Comissões de Inquérito sobre fatos determinados, sempre que orequerer a terça parte dos seus membros (artigo 36 da Constituição Federal de1934).
Não previstas na Constituição de 1937, as Comissões Parlamentares de Inquérito foram restabelecidas pela Constituição de 1946 (artigo 53), e mantidas pela Constituição de 1967 (artigo 39) que, no entanto, estabeleceu limites temporais ao dispor que durariam por prazo certo.
Relativamente à Constituição Federal de 1988, Demóstenes Torres(2009, p. 32) diz:
Não abriga dúvidas quanto à disciplina das competências investigatórias de uma comissão parlamentar de inquérito. Definiu com rigor as características que regem o funcionamento das comissões de inquérito. E, ao fazê-lo,elevou à estatura magna os marcos institucionais necessários para que a investigação parlamentar se convertesse em um poderoso instrumento de combate aos desmandos administrativos que marcam o Estado brasileiro e,assim, contribuir para o fortalecimento da democracia política no Brasil.
Assim, também previstas na atual Constituição, que entre outros aspectos dotou-as de poderes próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas (artigo 58, § 3º).
Com relação à legislação infraconstitucional, as Comissões Parlamentares de Inquérito são regidas pela Lei 1.579/52, além da Lei 10001/00 eLei complementar 105/01 e pelos Regimentos Internos da Câmara, Senado eCongresso Nacional.
De acordo com a Lei 1579/52, as Comissões Parlamentares de Inquérito terão ampla ação nas pesquisas destinadas a apurar os fatos determinados que deram origem à sua formação e no exercício de suas atribuições,poderão determinar as diligências que reportarem necessárias e requerer aconvocação de Ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença, cuja incumbência termina com a sessão legislativa em que tiver sido outorgada, salvo deliberação da respectiva Câmara, prorrogando-a dentro da Legislatura em curso.
A Lei 10.001/00 prevê que os Presidentes da Câmara dos Deputados,do Senado Federal ou do Congresso Nacional encaminharão o resultado da investigação ao Ministério Público ou às autoridades administrativas ou judiciais com poder de decisão para a prática de atos de sua competência, sujeitando aautoridade que descumprir os preceitos desta lei a sanções administrativas, civis epenais.
A Lei Complementar 105/01 que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, prevê em seu artigo 4º, §1º que as Comissões Parlamentares de Inquérito obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários.
Quanto aos poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito,Alexandre de Moraes (2009, p. 385/386) diz:
As Comissões Parlamentares de Inquérito, portanto e em regra, terão os mesmos poderes instrutórios que os magistrados possuem durante a instrução processual penal, inclusive com a possibilidade de invasão das liberdades públicas individuais, mas deverão exercê-los dentro dos mesmos limites constitucionais impostos ao Poder Judiciário, seja em relação ao respeito aos direitos fundamentais, seja em relação à necessária fundamentação e publicidade de seus atos, seja, ainda, na necessidade de resguardo de informações confidenciais, impedindo que as investigações sejam realizadas com a finalidade de perseguição política ou de aumentar o prestígio pessoal dos investigadores, humilhando os investigados e devassando desnecessária e arbitrariamente suas intimidades e vidas privadas.
Por sua vez, José Cretella Junior (1999, p. 270/271) ensina:
A Constituição investe a Comissão Parlamentar de Inquérito em vários poderes. Não, porém, no de julgar. A Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurisdicional. Não julga. Não aplica a lei ao caso concreto. No entanto, a regra jurídica constitucional lhe deu poderes próprios e semelhantes aos atribuídos às autoridades judiciais. Assim, pode a Comissão Parlamentar de Inquérito, no exercício de suas funções,determinar o comparecimento de testemunhas, tomar-lhes depoimentos,promover diligências, requisitar documentos, certidões, pedir informações a qualquer repartição pública, ou órgão federal, estadual, municipal, distrital ou territorial, expedir notificações. Enfim, como diz a Constituição, a Comissão Parlamentar de Inquérito terá poderes de investigação tão grandes quanto os poderes das autoridades judiciais, exceto o de julgar.
Demóstenes Torres (2009, p. 41) lembra que o Supremo Tribunal Federal limita os poderes das Comissões sob o argumento de que não podem formular acusações e nem punir delitos. Lembra, ainda, que no Mandado de Segurança 23455-DF, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem decretar o bloqueio de bens, prisões preventivas e buscas e apreensões de documentos de pessoas físicas ou jurídicas sem ordem judicial. Já no HC 71039-RJ entendeu-se que a prisão que for decretada pelo presidente de uma Comissão Parlamentar de Inquérito extravasa os limites impostos pela lei.
Como exposto, embora existindo previsão expressa de que as Comissões Parlamentares de Inquérito possuem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (artigo 58, § 3º da Constituição Federal), há o entendimento de que seus poderes não são plenos.
3.4.7 Peças de informações particulares
O artigo 27, do Código de Processo Penal, estabelece que qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e aautoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.Ou seja, qualquer do povo que tenha documentos que demonstrem aprática de uma infração penal poderá remetê-los ao membro do Ministério Público afim de que este ingresse com a ação penal.
Também a imprensa e os meios de comunicação podem produzir matérias jornalísticas contendo dados e informes suficientes para permitir embasamento à ação penal‖ (SANTIN, 2001, p. 46).
Segundo José Frederico Marques (2000, p. 157) “trata-se, no caso, denotitia criminis informativa, que se assemelha a verdadeira investigação realizada por órgãos não estatais”.
E sendo tais elementos probatórios suficientes para a propositura da ação penal, o Ministério Público dispensará o inquérito e oferecerá denúncia, pois oinquérito não é fase obrigatória da persecução penal, podendo ser dispensado.
Portanto, embora não sejam instrumento de investigação propriamente ditos, as peças de informações particulares podem servir de subsídio para a propositura da ação penal.
A competência para exercer a atividade investigatória não é exclusiva da Polícia Judiciária. Com efeito, o Código de Processo Penal, em seu artigo 4º, parágrafo único, estabelece que “a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”.
4.1 Investigação criminal pelo Ministério Público
Muito se divergiu, na doutrina e na jurisprudência, sobre a possibilidade de o Ministério Público realizar investigação Criminal.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado no dia 10 de março de 2009, colocou uma pá de cal na divergência ao reconhecer por unanimidade que existe a previsão constitucional de que o Ministério Público tem poder investigatório.
Nos dizeres da Ministra Ellen Gracie, colacionado nos auto no aresto HC 91661 PE[24]:
É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti.
O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia.
Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação" embasem a denúncia.
Em recente decisão, o plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu, nos autos no Recurso Extraordinário 593727, a legitimidade do Ministério Público para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal e fixou os parâmetros da atuação do Ministério Público.
Em sessão realizada nesta quinta-feira (14), o Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal e fixou os parâmetros da atuação do Ministério Público. Por maioria, o Plenário negou provimento ao Recurso Extraordinário de número 593727, com repercussão geral reconhecida. Com isso, a decisão tomada pela Corte será aplicada nos processos sobrestados nas demais instâncias, sobre o mesmo tema.
Entre os requisitos, os ministros frisaram que devem ser respeitados, em todos os casos, os direitos e garantias fundamentais dos investigados e que os atos investigatórios – necessariamente documentados e praticados por membros do MP – devem observar as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição, bem como as prerrogativas profissionais garantidas aos advogados, como o acesso aos elementos de prova que digam respeito ao direito de defesa. Destacaram ainda a possibilidade do permanente controle jurisdicional de tais atos.
No recurso analisado pelo Plenário, o ex-prefeito de Ipanema (MG) Jairo de Souza Coelho questionou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que recebeu denúncia em que o Ministério Público mineiro (MP-MG) o acusa de crime de responsabilidade por suposto descumprimento de ordem judicial referente a pagamento de precatórios. No caso, a denúncia teria sido subsidiada, unicamente, por procedimento administrativo investigatório realizado pelo próprio MP, sem participação da polícia.[25]
A tese acolhida pelo Supremo Tribunal federal foi a seguinte: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”[26]
Vejamos, a título de conhecimento, os dizeres do Ministro Marco Aurélio no voto vencido, o qual comungou pela ilegalidade da investigação criminal pelo Ministério Público, nesse importante julgado[27]:
Descabe a aplicação da teoria dos poderes implícitos, pois a medida pressupõe vácuo normativo. Somente se a Carta não houvesse disciplinado acerca da investigação criminal, se mostraria possível a observância dessa teoria com a finalidade de suprir a omissão do constituinte. Reafirmo: os preceitos constitucionais envolvidos não só atribuíram a atividade a outro órgão - polícias judiciárias (federal e civil) - como a versaram de forma exclusiva.
As exceções quanto à investigação criminal, para estarem dentro dos parâmetros constitucionais, necessitam de previsões expressas e balizas bem definidas de comoserão realizadas as atividades, a publicidade, o controle, etc. O Ministério Público não possui amparo legal para atuar nesse campo. A título de regulamentação do artigo 8º da Lei Complementar nº 78/93 e do artigo 26 da Lei nº 8.625/93, foram estabelecidos, na Resolução nº 13, do Conselho Nacional do Ministério Público, poderes investigatórios em matéria criminal em favor do Ministério Público, consubstanciando flagrante violação ao artigo 22, inciso I, da Carta Federal.
O artigo 4º do Código de Processo Penal definiu, como atribuição da polícia judiciária, apurar infrações penais e a autoria correlata. A dispensabilidade do inquérito policial não serve de fundamento para autorizar a investigação por parte do Ministério Público, porquanto o inquérito é prescindível quando já existem outros elementos de convencimento para atuação do titular da ação penal (artigo 12 do Código de Processo Penal).
O fato de estar impossibilitado de investigar de forma autônoma não conduz ao desconhecimento do que for apurado. O Ministério Público, como destinatário das investigações, deve acompanhar o desenrolar dos inquéritos policiais, requisitando diligências, acessando os boletins. Em elaboração RE 593727 / MG ocorrências e exercendo o controle externo. O que se mostra inconcebível é um membro do Ministério Público colocar uma estrela no peito, armar se e investigar. Sendo o titular da ação penal, terá a tendência de utilizar apenas as provas que lhe servem, desprezando as demais e, por óbvio, prejudicando o contraditório e inobservando o princípio da paridade de armas. A função constitucional de titular da ação penal e fiscal da lei não se compatibiliza com a figura do promotor inquisitor. O direito alienígena também não auxilia na solução da questão, pois os órgãos e atividades envolvidas possuem regras constitucionais próprias, bem estabelecidas, que não deixam margens a interpretações evolutivas.
A má estruturação de algumas polícias e os desvios de condutas que possam existir nos quadros policiais não legitimam, no contexto jurídico, as investigações do Ministério Público. O Judiciário vem, ao longo do tempo, evoluindo, para proporcionar tutela jurídica adequada. No entanto, as interpretações implementadas apenas são cabíveis quando há espaço normativo para tanto, sob pena de virem à baila decisões judiciais como opções puramente subjetivas dos julgadores, sem respaldo no arcabouço jurídico pátrio, contrariando regra constitucional expressa. Há de haver a autocontenção. Nunca é demasia lembrar que a atuação judicante é vinculada ao Direito posto e que a Lei das leis submete a todos indistintamente.”
Embora plausível a tese sustentada pelo ilustre ministro, o que prevalece hodiernamente é a possibilidade de o Ministério Público proceder a investigações criminais, respeitados, contudo, os direito e garantias dos investigados
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trata no Capítulo
III da “Segurança Pública” e no Art. 144, determina[28]:
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal;II - polícia rodoviária federal;III - polícia ferroviária federal;IV - polícias civis;V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
A competência da polícia civil está determinada no parágrafo 4º, in fine:
às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Consoante aos ensinamentos de Fabbrini Mirabete, “a polícia, instrumento da Administração, é uma instituição de direito público, destinada a manter e a recobrar, junto à Sociedade e na medida dos recursos de que dispões, a paz pública ou a segurança individual”[29].
Segundo a doutrina majoritária, à polícia são atribuídas duas funções principais, quais sejam, as funções de Polícia Administrativa e Polícia Judiciária.
Relativamente à função de Polícia Administrativa, trata-se de atividade de cunho preventivo, ligada à segurança, visando impedir a pratica de atos lesivos à sociedade.
Quanto à função de Polícia Judiciária, trata-se de atividade de caráter repressivo, auxiliando o Poder Judiciário após a prática de infração penal, tendo por objetivo principal a colheita de elementos de informação relativos à materialidade e à autoria da infração penal, a fim de que o Estado possa exercer legitimamente o ius puniendi.
Nesse passo dispõe o artigo 4º, caput, do Código de Processo Penal, que a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá, por fim, a apuração das infrações penais e de sua autoria.
Vale ressaltar que Renato Brasileiro sustenta ainda à função de Polícia Investigativacomo uma função diversa da judiciária(BRASILEIRO, 2013, pag. 75), embora admita que a maioria da doutrina entenda que a função investigativa se confunde com a judiciária.
Ultrapassadas as pontuações conceituais sobre a polícia, é de se ressaltar que a investigação e, consequentemente, colher elementos que comprovem a materialidade e indícios de autoria de um fato criminoso, é uma das principais funções da polícia judiciária, embora outras lhe sejam outorgadas pela Constituição Federal e pela lei.
Nesse passo, cumpre trazer à baila a lei 12.830/2013, que trata da investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia.
Cumpre ressaltar que essa lei não exclui a competência de outros órgãos realizar investigação criminal, mas, sim, regula a investigação criminal conduzida por delegado de polícia.
A referida lei em seu artigo 4ª diz que “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.
4.3 Conselho de Controle de atividade financeiras- COAF
O Conselho de Controle de atividade financeiras- COAF, órgão criado no âmbito do Ministério da Fazenda, foi instituído pela Lei 9.613, de 1998, e atua eminentemente na prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo[30].
Tem em conta que o processo de lavagem de capitais envolve, obrigatoriamente, a movimentação de bens, valores ou direitos, estabeleceram-se mecanismos de controle de registros de operações consideradas suspeitas.
A lei 9.613/98 determinou, em seu artigo 9º, as espécies de atividades sujeitas à fiscalização permanente por parte da correspondente pessoa jurídica ou física, que se vê obrigada a comunicar ao Conselho de Controle de atividade financeiras a relação de operações suspeitas, de forma a viabilizar uma investigação.
A maioria dos encargos é dirigida às pessoas jurídicas que mantenham atividades ligadas aos sistemas financeiros e econômicos, compelindo-os a identificar seus clientes, manter registros das operações com eles realizadas e comunicar reservadamente as transações suspeitas que ultrapassem o valor-limite fixado pela autoridade. Não obstante, o artigo 9º abarca outras instituições, e inclusive pessoas físicas que, por terem como atividade principal ou acessória, o giro de médias e grandes quantidades de dinheiro, podem ser utilizadas para lavagem de dinheiro.
O artigo 10 da lei 9.613/98 consagra a chamada política do know your costumer, arma eficaz no combate à lavagem de capitais segundo a qual é dever da instituição financeira conhecer o perfil de seu correntista de forma que seja possível a definição de um padrão de movimentação financeira compatível com os rendimentos declarado.
Desta feita, existindo incompatibilidade de movimentação financeira, deve-se dar notícia da operação suspeita à autoridade administrativa que adotará as providências necessárias à elucidação do fato e verificação da legalidade da operação.
Após o procedimento investigativo, na hipótese de o Conselho de Controle de atividade financeiras concluir pela existência de indícios suficientes da prática de crimes previstos na lei de lavagem de capitais ou de qualquer outro fato delituoso, comunicará à autoridades competentes para instauração dos procedimentos cabíveis.
A Constituição Federal em seu artigo 144, §4º, estabelece que “às policias civis, dirigidas por polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciárias e a apuração de infrações penais, exceto as militares.”
A Constituição ressalva a infrações penais militares da competência da polícia civil. Portanto, a investigação de crimes militares é realizada por intermédio de inquérito policial militar.
O inquérito policial militar nos dizeres do ilustre mestre Renato Brasileiro, “é a apuração sumária de fato que, nos termos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal (CPPM, art.9º)”.
O Supremo Tribunal Federal foi instado a manifestar sobre a constitucionalidade dos artigos do Código de Processo Penal Militar que atribuem aos militares a competência para proceder investigações criminais, sob o argumento de que não haviam sido recepcionados pela Constituição Federal. A Suprema Corte, na ocasião, entendeu que não é possível atribuir a investigação de fatos tipicamente militares à Policia Federal ou à Polícia Civil.[31]
Nas Forças Armadas ou no âmbito das polícias militares, não há cargo especifico destinado exclusivamente ao exercício de atividade investigativa.
A atividade investigativa exercida pela polícia judiciária militar é exercida pelas autoridades elencadas no artigo 7º do Código de Processo Penal Militar, ou seja, pelo Comandante da Organização Militar em que o delito foi praticado, ou à qual pertença o militar infrator.
O Código de Processo Penal, no entanto, prevê a possibilidade de delegação dessas atividades a oficiais da ativa, para fins especificados e por tempo limitado, e é denominada de encarregada do inquérito policial militar.
É importante salientar que a delegação de que tratamos aqui deve recair em oficial de posto superior ao do indiciado, seja este oficial da ativa, da reserva remunerada, ou não, ou reformado (BRASILEIRO, 2013, pag.144).
O Código de Processo Penal Militar descreve algumas atribuições da polícia judiciária militar, quais sejam: apurar crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria. Além dos crimes militares, o Código de Processo Penal Militar prevê que os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil, que passaram a ser julgados pela Justiça Comum a partir da lei 9299/96, podem ser objeto de investigação em inquéritos militares (CPPM, art.82,§2º); prestar aos órgãos da justiça militar e aos membros do Ministério Público as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências que por eles forem requisitadas; cumprir mandados de prisão expedidos pela justiça militar; representar a autoridades judiciárias militar acerca da prisão preventiva e da insanidade mental do indiciado, dentre outros.
Do exposto se percebe a polícia judiciária militar tem atribuições similares àquelas atribuídas à polícia judiciária, porém adstrita ao âmbito militar.
4.5 Investigação criminal pela autoridade judiciária
Conforme visto alhures ao tratarmos do tema referente aos instrumentos de investigação criminal, passamos pelo inquérito judicial e pode-se concluir que não é mais possível proceder a inquérito judicial em crimes falimentares nem em crimes praticados por organizações criminosas.
Não obstante, permanece em nosso sistema jurídico a previsão de investigação judicial na hipótese de indício de prática de crime por parte de magistrado. Nesse caso a lei complementar 35/79, no artigo 33, parágrafo único, estabelece que, quando no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou Órgão Especial competente para o julgamento, a fim de que se prossiga na investigação.
A doutrina sustenta que deve-se interpretar esse artigo à luz da Constituição Federal, que adotou o sistema acusatório em seu artigo 129, inciso I, do qual deriva as separações das funções de investigar, acusar, defender e julgar.
Renato Brasileiro verbera a respeito da interpretação desta regra, vejamos:
Não se pode, pois, querer atribuir ao próprio Tribunal de Justiça ou ao Órgão Especial que irá julgar o magistrado a tarefa de investigar infrações penais por ele praticadas, sob pena de evidente violação à imparcialidade e ao devido processo legal. Na verdade, em tais situações, ao Tribunal de Justiça ou ao órgão especial deve ser reservada apenas a atividade de supervisão judicial durante toda a tramitação das investigação, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até eventual oferecimento, ou não de denúncia pelo titular da ação penal.
Eugênio Pacelli de Oliveira[32] comunga no sentido de que “não há como recusar a impossibilidade constitucional de se deferir à autoridade judiciária a titularidade para a própria investigação, e não somente para a presidência do inquérito, como ocorria no juízo falimentar”.
Desta feita, ainda que se atribua ao Tribunal ou órgão especial apenas a presidência da investigação criminal nos casos de indício de crime praticado por magistrado, é de se concluir que é possível a investigação criminal judicial nesses casos específicos.
4.6 Investigação Criminal defensiva
A investigação criminal defensiva é muito questionada no processo penal brasileiro, sob o argumento de que não há legal autorizando a defesa a proceder investigações.
Não obstante, os defensores da tese de que é possível a investigação criminal defensiva no Brasil, sustentam que pelo Decreto 592/1992, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e, pelo 678/1992, o Pacto de São José da Costa Rica foram incorporados ao nosso sistema jurídico.
Os referidos tratados internacionais versam sobre atutela dos direitos humanos, devem ser observados com status de norma supralegal, como preceitua o art. 5.º, § 2.º, da Constituição Federal[33].
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[34] garante os direitos a: “dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa” e “obter o comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que dispõem as de acusação”.
Relativamente ao Pacto de São José da Costa Rica[35] prevê “a concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa” e o “direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos”
Ressalte-se que o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional também foi promulgado pelo Decreto 4.388/2002 e, igualmente aos dois Pactos supracitados, constitui garantias ao acusado. E, segundo os defensores da possibilidade de investigação defensiva, pode ser tais preceitos aplicados, também, ao investigado;
André Boiani e Azevedo e Édson Luís Baldan, citados por Renato Brasileiro, em definição irretocável, conceituam a investigação defensiva, senão vejamos:
O complexo de atividade de natureza investigatória desenvolvido, em qualquer fase da persecução criminal, inclusive na ante-judicial pelo defensor, com ou sem a assistência de consulente técnico e/ou investigador privado autorizado, tendente À coleta de elementos objetivos, subjetivos e documentais de convicção, no escopo de construção de acervo probatório lícito que, gozo da parcialidadeconstitucional deferida, empregará para pleno exercício da ampla defesa do imputado em contraponto a investigação ou acusações oficiais. (RENATO apud ANDRÉ BOIANI e AZEVEDO e ÉDSON LUÍS BALDAN)
De acordo com o projeto de lei 156/09[36], o novo Código de Processo Penal, em seu artigo 13[37], passará a ser facultado ao investigado, por meio de seu advogado, de defensor público ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas. Tais entrevistas deverão ser precedidas de esclarecimentos sobres seus objetivos e do consentimento das pessoas ouvidas.
Deve-se ressaltar, entretanto, que essa investigação não se confunde com a participação do defensor nos autos do inquérito policial, a qual é prevista no artigo 14 do Código de Processo Civil, pois na investigação defensiva incumbe ao defensor delimitar a estratégia investigatória, não estando vinculado às autoridades públicas.
É importante frisar, que a despeito de ser um importante instrumento investigatório, pois assegura a paridade de armas, não há, no direito processual brasileiro, regulamentação da investigação criminal defensiva.
Renato Brasileiro afirma que “enquanto não aprovado o novo CPP, deve-se considerar se possível a investigação pela defesa como espécie de investigação por particular”.
A investigação por particular foi criada pela lei 3.099, de 24.02.1957, e regulamentada pelo Decreto nº 50.532, de 03.05.1961. Sendo estes aplicáveis à investigação defensiva.
Portanto, a investigação defensiva não terá, pelo menos até que se promulgue o novo CPP, o caráter de coercitivo, típico nos atos do Estado.
5. DIREITOS E GARANTIAS DO ACUSADO DURANTE A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Embora a fase de investigação seja eminentemente inquisitiva, o que faz com que seja bastante limitada a possibilidade de ampla defesa e contraditório nesta fase pré processual, não se pode negar ao investigado a observância dos direitos e garantias assegurados pela Constituição, pela lei.
A investigação criminal tem o escopo de elucidar um fato delituoso, confirmando sua materialidade e colhendo indícios de sua autoria, possibilitando a persecução penal. Tem, portanto, importante papel na elucidação de fatos delituosos e na devida aplicação da lei penal
Não obstante, a despeito desse importante desiderato, não poderá as autoridades competentes à investigação criminal, deixar de observar os limites da investigação relativamente à pessoa do investigado.
Passamos a dispor sobre essas limitações, bem como os direitos e garantias do acusado durante a investigação criminal.
5.1 Direitos e garantias constitucionais
A Constituição assegura uma ampla gama de direitos e garantias à pessoa cuja liberdade possa ser retirada pelo exercício do Poder de Punir do Estado, sobre esses direitos e garantias, como forma de limitação ao exercício da investigação criminal, passamos a discorrer.
5.1.1 Presunção de inocência/ não culpabilidade ou estado de inocência
A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVII, preceitua que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Daí se retira o postulado da presunção de inocência com todas as regras que lhes são inerentes.
É importante salientar que no direito brasileiro esse direito somente passou a ter previsão expressa com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Cesare Beccaria, citado por Renato Brasileiro, em sua célebre obra Dos Delito e das Penas, já advertia que “um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz. E a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada” (BRASILEIRO, 2013, pag.7)
A Declaração de Direitos do Homem e do cidadão, de 1979, acolheu em seu artigo 9º, o direito de o cidadão não ser declarado culpado enquanto houver dúvida sobre sua culpabilidade.
A Declaração Universal de Direitos Humanos[38], aprovada pela Assembleia das Organizações Unidas- ONU, em 10 de dezembro de 1948, em seu artigo 11.1, assim dispõe que: “Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas”.
Igualmente, esse direito encontra previsão na Convenção Americana sobre Direitos Humanos- Decreto nº 678/92, artigo 8º, §2º, assegura que: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
Esse importante preceito encontra guarida também na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, artigo 6.2, e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos- artigo 14.2.
A jurisprudência pátria não tem um rigor terminológico em relação a esse direito, pois, ora refere-se à presunção de inocência, ora à não culpabilidade. A doutrina mais autorizada considera inócua a discussão acerca da terminologia empregada.
Badaró, citado por Renato Brasileiro, adverte que não há diferença entre presunção de inocência e presunção de não culpabilidade, sendo inútil e contraproducente a tentativa de apartar ambas as ideias – se é que isto é possível -, devendo ser reconhecida a equivalência de tais fórmulas. (RENATO apud BADARÓ, 2013, pag. 8)
Diante disso trataremos as terminologias como equivalente no presente trabalho.
Da garantia ora estudada surgem duas regras fundamentais, quais sejam, de tratamento e probatória. O presente trabalho irá se ater à regra de tratamento, pois é cediço que na investigação não há produção de provas, mas, sim colheita de elementos de informação.
Relativamente à regra de tratamento no curso da investigação surge para a autoridade competente para realizar a investigação o dever de se portar e se referir ao investigado como suspeito, pois da investigação não poderá surtir efeitos prejudiciais ao investigado, no sentido de antecipação de punição de qualquer espécie, antes de ser considerado efetivamente culpado.
Nesse sentido, a sumula vinculante de número 11 do Supremo Tribunal Federal[39] dispõe que:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Essa importante súmula reforça o direito da presunção de inocência, pois visa impedir o uso desarrazoado de algemas. Pois, ressalvadas as hipóteses em que o uso da algema será considerado lícito, o uso de algemas pode causar à pessoa suspeita de um crime sérios danos e prejuízos em sua vida pessoal e social.
Ainda sobre a regra de tratamento, a presunção de inocência não é impeditivo para a decretação de prisão temporária, pois esta é ditada por razões excepcionais e tendente a garantir a eficácia das investigações criminas.
A prisão temporária foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 1989, com a edição da Medida Provisória nº 111, de 24 de novembro daquele ano, convertida posteriormente na Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989.
A lei 7.960/89 traz um rol taxativo de hipóteses em que a prisão temporária poderá ser decretada sem que configure lesão ao princípio da presunção de inocência, quais sejam:“I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso; b) sequestro ou cárcere privado;c) roubo; d) extorsão; e) extorsão mediante sequestro; f) estupro;g) atentado violento ao pudor; h) rapto violento;i) epidemia com resultado de morte;j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte; l) quadrilha ou bando;m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de suas formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).
Cumpre salientar que de acordo com a posição majoritária na doutrina, somente é possível decretar a prisão temporária quando houver fundadas razões de autoria e participação do indiciado nos crimes listados nos incisos II do artigo 1º da referida lei, associada à imprescindibilidade de segregação cautelar para a investigação policial ou à situação de ausência de residência certa ou identidade incontroversa. (BRASILEIRO, 2013, pag. 952)
É importante trazer à baila o fato de somente a autoridade policial ou o órgão do Ministério Público poder requer à autoridade judicial a decretação de prisão temporária, assim preceitua o artigo 2º da supramencionada lei que: “A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade”.
Portanto os outros entes competentes para a investigação criminal não poderão requerer à autoridade judicial a decretação de prisão temporária.
Da presunção de inocência se impõe que a restrição da liberdade do investigado somente poderá ocorrer nas hipóteses de medidas cautelares e em caráter excepcional, quando as circunstancias do caso concreto justifiquem tal medida.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 73.338-RJ[40] e HC 89.501-GO[41], respectivamente, asseverou o seguinte:
"HABEAS CORPUS" - CRIME HEDIONDO - PRISÃO PREVENTIVA - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA IDÔNEA - INVOCAÇÃO DE CLAMOR PÚBLICO - INADMISSIBILIDADE - FUGA DO RÉU - FUNDAMENTO INSUFICIENTE QUE, POR SI SÓ, NÃO AUTORIZA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR - CONSTRANGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO - PEDIDO DEFERIDO. A PRISÃO PREVENTIVA CONSTITUI MEDIDA CAUTELAR DE NATUREZA EXCEPCIONAL
. - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade. A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu
. - A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes. O CLAMOR PÚBLICO, AINDA QUE SE TRATE DE CRIME HEDIONDO, NÃO CONSTITUI, SÓ POR SI, FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE
. - O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor público - precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312)- não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes
. - A acusação penal por crime hediondo não justifica, só por si, a privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu. PRISÃO CAUTELAR E EVASÃO DO DISTRITO DA CULPA
. - A mera evasão do distrito da culpa - seja para evitar a configuração do estado de flagrância, seja, ainda, para questionar a legalidade e/ou a validade da própria decisao de custódia cautelar - não basta, só por si, para justificar a decretação ou a manutenção da medida excepcional de privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu
. - A prisão cautelar - qualquer que seja a modalidade que ostente no ordenamento positivo brasileiro (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de sentença de pronúncia ou prisão motivada por condenação penal recorrível) -somente se legitima, se se comprovar, com apoio em base empírica idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida de constrição do "status libertatis" do indiciado ou do réu. Precedentes. O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL
. - A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV)- não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem. Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII)- presumir-lhe a culpabilidade. Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário.
O princípio da presunção de inocência se estende para fora do âmbito de investigação, pois deve inibir a estigmatização do investigado funcionando como limite à abusiva exploração da mídia em torno do fato criminoso e do investigado.
Ressalte-se ainda que a regra de tratamento oriunda do princípio constitucional da presunção de inocência impede que o Poder Público se comporte em relação ao suspeito ou indiciado, como se estes já houvessem sido condenados.
Nesse sentido, o simples fato de haver inquérito policial em que o indivíduo conste como investigado ou indiciado, não poderá servir de fundamento para negar o exercício de direito sob o argumento de maus antecedentes ou má conduta.
Nesse sentido vejamos o seguinte arestos do Superior Tribunal de Justiça[42]:
"MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE VIGILANTE PARTICULAR. EXIGÊNCIA DO ART. 109, VI, DA PORTARIA Nº 387/2006 - DG/DPF. CURSO DE RECICLAGEM. INSCRIÇÃO IMPOSSIBILITADA. EXISTÊNCIA DE ATO COATOR. IMPETRAÇÃO DO MANDAMUS. CABIMENTO. INQUÉRITO POLICIAL. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA. APELAÇÃO PROVIDA. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. 1. Cuida-se apelação interposta por Hélio Bernardino da Silva contra se:ntença proferida pelo douto Juízo da 21ª Vara da SJPE que rejeitou a petição inicial, na qual se pretende a afastar a aplicação do art. 109, inciso VI, da Portaria n.º 387/2006 - DG/DPF relativo ao registro de procedimento criminal referente ao boletim de ocorrência, garantindo a matrícula e freqüência do Impetrante em7 curso de formação de vigilantes, e extinguiu o feito sem julgamento de mérito, por entender ser a portaria genérica e abstrata, equiparável a lei em tese, não cabendo contra ela impetração de mandado de segurança. 2. O art. 46, I, da Portaria nº 387/2006 DG/DPF, obriga às empresas de curso de formação de vigilante a aceitarem apenas alunos que preencham os requisitos do art. 109 da referida Portaria, bem como está comprovado, nos autos, que a exigência do inciso VI do artigo retro obsta a siia participação em curso, de reciclagem de vigilantes. Assim, caracterizada a existência de ato coator concreto contra o qual manejado o mandado de segurança ora em grau de recurso neste Tribunal, deve ser reformada a sentença que extinguiu o feito sem julgamento de mérito por entender que a impetração teria sido dirigida contra lei em tese. 3. Os requisitos para o exercício da profissão de vigilante são aqueles constantes no art. 16, da Lei nº 7.102/83, e no art. 109, da Portaria nº 387/2006 - DG/DPF. 4. A exigência de certidão de não responder a inquérito policial ou a processo criminal, prevista no art. 109, inciso VI, da Portaria n.º 387/2006 - DG/DPF extrapola a previsão legal do art. 16, inciso VI, da Lei n.º 7102/83, que requer, apenas, não ter antecedentes criminais registrados, o que significa, em face do princípio constitucional da presunção de inocência, não ter condenações penais transitadas em julgado. A Portaria viola, assim, os princípios constitucionais da reserva legal e da presunção de inocência.
Assim, a presunção de inocência, embora não raras vezes seja desrespeitada na prática das investigações criminais, seja pelo despreparo dos agentes públicos, seja pela estigmatização do investigado, deverá ser observada, ainda que pela imposição do Poder Judiciário.
5.1.2. Direito de defesa
Conforme dito alhures, a fase de investigação é eminentemente inquisitiva, não havendo espaço para contraditório e ampla defesa.
Não obstante, ainda que mínima, é possível possibilitar ao investigado o direito de defesa no curso da investigação criminal.
O contraditório é direcionado ao equilíbrio da relação processual, já o direito à ampla defesa é princípio constitucional voltado para o indivíduo. A ampla defesa significa dizer que ao acusado “é reconhecido o direito de se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pela acusação”. (NUCCI, 2012, p. 40).
Nesse passo, não se pode deixar de observar no curso da investigação criminal o direito de o investigado indicar testemunhas, solicitar diligências, a fim de que nessa fase de colheita de informações, possa indicar fontes de prova.
Para tanto, faz-se necessário que o investigado tenha acesso aos autos do inquérito, para que tenha ciência das informações obtidas e, assim, possa agir no sentido de elaborar a sua defesa.
Nesse sentido, a súmula vinculante de número 14 do Supremo Tribunal Federal[43], preceitua que:“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
Assim, se os elementos de prova estiverem documentados, deve-se assegurar que o investigado ou seu defensor tenham acesso a esses elementos.
Nesse sentido, vejamos o aresto paradigma[44] da Suprema Corte que deu origem à citada súmula:
"4. Há, é verdade, diligências que devem ser sigilosas, sob o risco do comprometimento do seu bom sucesso. Mas, se o sigilo é aí necessário à apuração e à atividade instrutória, a formalização documental de seu resultado já não pode ser subtraída ao indiciado nem ao defensor, porque, é óbvio, cessou a causa mesma do sigilo. (...) Os atos de instrução, enquanto documentação dos elementos retóricos colhidos na investigação, esses devem estar acessíveis ao indiciado e ao defensor, à luz da Constituição da República, que garante à classe dos acusados, na qual não deixam de situar-se o indiciado e o investigado mesmo, o direito de defesa. O sigilo aqui, atingindo a defesa, frustra-lhe, por conseguinte, o exercício. (...) 5. Por outro lado, o instrumento disponível para assegurar a intimidade dos investigados (...) não figura título jurídico para limitar a defesa nem a publicidade, enquanto direitos do acusado. E invocar a intimidade dos demais acusados, para impedir o acesso aos autos, importa restrição ao direito de cada um do envolvidos, pela razão manifesta de que os impede a todos de conhecer o que, documentalmente, lhes seja contrário. Por isso, a autoridade que investiga deve, mediante expedientes adequados, aparelhar-se para permitir que a defesa de cada paciente tenha acesso, pelo menos, ao que diga respeito ao seu constituinte
É sabido que o procedimento investigatório é discricionário, disso resulta que a autoridade competente para a investigação tem liberdade de atuação para definir o ruma das diligências de acordo com as peculiaridades do caso concreto.
Nesse passo, deve-se observar cuidadosamente o disposto no artigo 14 do Código de Processo Penal, que assim dispõe: “o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”.
A interpretação literal do dispositivo mencionado poderia levar à conclusão que a determinação de diligências requerida pelo investigado ficaria ao puro arbítrio da autoridade.
Não obstante é necessário que se faça uma interpretação sistemática, principalmente considerando o artigo 184 do Código de Processo Civil que estabelece que salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.
Sobre o temo verbera Renato Brasileiro:
Entende-se, pois, que a autoridade policial não pode negar o requerimento de diligência que guardem importância e correlação com o esclarecimento dos fatos. Admite-se, a contrario sensu, o indeferimento de medidas inúteis, protelatórias ou desnecessárias, o que, por cautela deve ser feito motivadamente.(BRASILEIRO, 2013, pag. 87)
Caso uma diligência requerida pelo investigado à autoridade policial ou a qualquer dos outros legitimados para conduzir a investigação criminal não seja realizada, poderá o investigado por intermédio de seu advogado reiterar o pedido junto ao Juiz ou ao Ministério Público, nos casos em que o Ministério Público tenha negado, poderá ser feita diretamente ao juiz.
O Superior Tribunal de Justiça já manifestou sobre a formulação de requerimento pelo investigado[45], no caso concreto a autoridade policial indeferiu o requerimento formulado pelo investigado para oitiva de testemunhas e quebra de seu sigilo telefônico.
Na ocasião, o relator do HC nº 69.405/SP, Ministro Nilson Naves asseverou o seguinte:
Inquérito policial (natureza). Diligências (requerimento/possibilidade). Habeas corpus (cabimento).
Embora seja o inquérito policial procedimento preparatório da ação penal (HCs 36.813, de 2005, e 44.305, de 2006), é ele garantia "contra apressados e errôneos juízos" (Exposicao de motivos de 1941).
Se bem que, tecnicamente, ainda não haja processo daí que não haveriam de vir a pêlo princípios segundo os quais ninguém será privado de liberdade sem processo legal e a todos são assegurados o contraditório e a ampla defesa , é lícito admitir possa haver, no curso do inquérito, momentos de violência ou de coação ilegal (HC-44.165, de 2007).
A lei processual, aliás, permite o requerimento de diligências. Decerto fica a diligência a juízo da autoridade policial, mas isso, obviamente, não impede possa o indiciado bater a outras portas.
Se, tecnicamente, inexiste processo, tal não haverá de constituir empeço a que se garantam direitos sensíveis do ofendido, do indiciado, etc.
Cabimento do habeas corpus (Constituição, art. 105, I, c).
Ordem concedida a fim de se determinar à autoridade policial que atenda as diligências requeridas
Portanto, para evitar a persecução penal injusta, é necessário que nessa fase de colheita de elementos seja dada a oportunidade ao investigado, sempre que se mostrar possível e não comprometa a investigação.
É importante trazer à baila o fato de o direito de defesa não pode servir de fundamento para a prática de atos ilícitos, como na hipótese de o investigado mentir sobre sua identidade, o que caracteriza o crime de falsa identidade.
Corroborando com essa tese, decidiu o STF, no RE 640.139[46], asseverou que“autodefesa não protege apresentação de falsa identidade”. O relator, Ministro Dias Toffoli, consignou que “a apresentação de identidade falsa perante autoridade policial com objetivo de ocultar maus antecedentes é crime previsto no Código Penal (artigo 307) e a conduta não está protegida pelo princípio constitucional da autodefesa (artigo 5º., LXIII, da CF/88)”
5.1.3. Inviolabilidade do domicílio
A Constituição Federal assegura como direito fundamental a inviolabilidade o domicílio, no artigo 5º, incisoXI, determina que:“a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
A busca domiciliar está afeta à clausula de reserva de jurisdição, ressalvados os casos previstos na Constituição. A autoridade que invadir domicílio alheio, fora do casos especificados na Carta Maior, responderá na forma da Lei 4898, que trata do abuso de autoridade.
Sobre a expressão casa, o Supremo adota uma conceituação ampla, utilizando o §4º do artigo 150, do Código Penal como parâmetro, para fins de proteção da clausula constitucional.
O referido parágrafo preceitua que: “A expressão "casa" compreende: I - qualquer compartimento habitado;II - aposento ocupado de habitação coletiva;III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”.
Sobre a amplitude da expressão casa, decidiu a Suprema Corte, nos autos do HC 90.376-2/RJ[47], que o quarto de hotel também se enquadraria no conceito de casa, de relatoria do Ministro Celso de Mello, vejamos a ementa:
E M E N T A: PROVA PENAL – BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º, LVI) – ILICITUDE (ORIGINÁRIA E POR DERIVAÇÃO) – INADMISSIBILDADE - BUSCA E APREENSÃO DE MATERIAIS E EQUIPAMENTOS REALIZADA, SEM MANDADO JUDICIAL, EM QUARTO DE HOTEL AINDA OCUPADO – IMPOSSIBLIDADE – QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO (QUARTO DE HOTEL, DESDE QUE OCUPADO) COMO “CASA”, PARA EFEITO DA TUTELA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO EM SUA FASE PRÉ-PROCESSUAL – CONCEITO DE “CASA” PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, XI E CP, ART. 150, § 4º, II) – AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO, POR EXEMPLO, OS QUARTOS DE HOTEL, PENSÃO, MOTEL E HOSPEDARIA, DESDE QUE OCUPADOS): NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI). IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR – PROVA ILÍCITA – INIDONEIDADE JURÍDICA - RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO.BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HOTEL) – SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE QUE OCUPADO, AO CONCEITO DE “CASA” – CONSEQÜENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL.
- Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de “casa” revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes.
- Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito (“invito domino”), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária.
Portanto, qualquer compartimento habitado deve ser tratado como casa, recebendo, portanto, proteção constitucional.
5.1.4. Direito ao Silêncio e de não produzir prova contra si mesmo
A Constituição federal assegura em seu artigo 5º, inciso LXIII, que:“o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.
O direito ao silencio decorre do princípio do nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Trata-se de mandamento semelhante ao famoso aviso de Miranda do Direito norte-americano, em que o policial, no momento da prisão deve ler para o preso os seus direitos, sob pena de não ter validade o que por ele for dito.(BRASILEIRO, 2013, pag.38)
Maria Elisabeth Queijo, citada por Renato Brasileiro, anota que, senão vejamos:
o direito fundamental de não produzir prova contra si mesmoobjetiva proteger o indivíduo contra os excessos cometidos pelo Estado na persecução penal, incluindo-se nele o resguardo contra violências físicas e morais, empregadas para compelir o indivíduo a cooperar na investigação e apuração de delitos, bem como contra métodos proibitivos de interrogatório, sugestões e dissimulações. (BRASILEIRO apud Queijo, 2013, pag. 38)
Embora o dispositivo constitucional pareça atribuir o direito ao silêncio apenas àquele que esteja na condição de preso, é importante salientar que a doutrina e jurisprudência entende ser plenamente aplicável à pessoa do investigado, suspeito ou indiciado, pouco importando se ele está preso ou em liberdade.
Nesse passo, o investigado quando conduzido para prestar esclarecimentos perante a autoridade que preside as investigações, deverá ser advertido do direito de permanecer calado sob pena de nulidade das informações obtidas sem a devida advertência.
Nessa esteira o Supremo Tribunal Federal já se manifestou em julgado paradigmático, nos autos do HC 78.708/SP[48], que não constitui mera irregularidade a ausência da advertência, mas, sim, gera a efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias obtidas antes do aviso, bem como das provas delas derivadas.
Na hipótese de prisão em flagrante, deve constar expressamente do auto de prisão a informação a respeito do direito ao silêncio conferido ao indiciado.
Com o objetivo de assegurar a observância desse importante direito e de outros previstos na Constituição, a lei 7.960/89 – Lei da prisão temporária – em seu artigo 2º, §6º, preceitua que: “efetuada a prisão, a autoridade policial informará o preso dos direitos previstos no artigo 5ª da Constituição Federal”.
É importante salientar que o preceito constitucional ora estudado tem como destinatário o Poder Público, ou seja, a autoridade que estiver a serviço do Estado é que tem o dever de proceder à advertência dos direitos do preso. Seguindo essa orientação o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 99.558/ES[49], negou a nulidade de prova, juntada aos autos, consistente em entrevista concedida a jornal, na qual o investigado narrou o modus operandi de dois homicídios a ele imputados, sem ter sido previamente advertido do seu direito de permanecer em silêncio. Na ocasião concluiu o Ilustre Gilmar Mendes não haver qualquer nulidade na juntada de prova, pois a entrevista foi concedida espontaneamente a veículo de imprensa.
Quanto ao direito de não produzir prova contra si mesmo, corolário do princípio do nemo tenetur se detegere, decorre outros desdobramentos, quais sejam: o direito de não ser constrangido a confessar a prática de ilícito penal; a inexigibilidade de não dizer a verdade; direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo; e o direito de não produzir nenhuma prova incriminadora invasiva.
Relativamente ao direito de não ser constrangido a confessar a prática de ilícito penal de acordo com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, no artigo 14, §3º, e com a Convenção Americana de Direitos Humanos, no artigo 8º, §2º, alínea g, e §3º, o acusado não é obrigado a confessar a pratica de delito.
A inexigibilidade de dizer a verdade, decorre da inexistência no ordenamento jurídico pátrio do crime de perjúrio. Assim não se pode dizer que o investigado teria o direito de mentir, mas, sim, que a mentira é tolerada, porque dela não se pode resultar nenhum prejuízo ao investigado.
A esse respeito concluiu o Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 68.929/SP[50], que, no direito ao silencio, tutelado constitucionalmente, inclui-se a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal.
Sobre o direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo, sempre que a produção de prova tiver como pressuposto uma ação do investigado ou acusado, será indispensável o seu consentimento, podemos citar como exemplo a acareação, a reconstituição do crime, exame grafotécnico, o bafômetro, dentre outros.
Renato Brasileiro ao discorrer sobre esse direito alerta no seguinte sentido:
não se admitem medidas coercitivas contra o acusado para obrigá-lo a cooperar na produção de provas de dele demandem um comportamento ativo. Alem disso a recusa do acusado em se submeter a tais provas não configura crime de desobediência nem o de desacato, e dela não pode ser extraída nenhuma presunção de culpabilidade, pelo menos no processo penal.(BRASILEIRO, 2013, pag. 43)
Relativamente ao direito de não produzir nenhuma prova incriminadora invasiva, é um importante direito que visa resguardar individualidade do investigado relativamente ao seu corpo.
Por prova invasiva, segundo Renato Brasileiro, se entende aquelas que pressupõem penetração no organismo humano, por instrumentos ou substancias, em cavidades naturais ou não, implicando na utilização ou extração de alguma parte dele ou na invasão física do corpo humano, tais como os exames de sangue, exame ginecológico, a identificação dentária, a endoscopia e o exame do reto. (BRASILEIRO, 2013, pag. 45)
A jurisprudência considera que o suspeito ou indiciado pode se recusar a colaborar com a produção da prova invasiva, não podendo, em razão da recusa, sofrer qualquer gravame.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o acusado não está obrigado a se sujeitar ao exame de DNA.[51]
Importa salientar o fato de que se o material que se pretendia colher com a prova invasiva for encontrado fora do corpo do investigado, poderá ser apreendido pelas autoridades policiais. Seguindo esse raciocínio a Suprema corte confirmou a legalidade da coleta de placenta descartada no procedimento médico de uma investigada[52], a fim de que fosse realizado o exame de DNA da criança que havia nascido, pois a investigada incriminou vários policiais federais de terem a estuprado enquanto era mantida sob custódia da polícia e que a gravidez seria fruto do estupro. Ocorre que, instada a fazer o exame de DNA se recusou fornecer material genético.
Assim, o que não poderá ocorrer é a invasão no corpo do acusado contra a sua vontade, mas uma vez que o material esteja fora do seu corpo poderá ser validamente apreendido.
CONCLUSÕES
Do presente estudo se infere que o Direito é fruto das relações sociais e, por isso, deve se adequar às necessidades da sociedade e acompanhá-la em todas as suas vicissitudes. Nesse pensar, é de se observar que a sociedade brasileira passou por inúmeras mudanças após a promulgação da Constituição de 1988, tendo em vista que o país deixou para trás um longo período de ditadura militar para adquirir feições democráticas, o que teve importantes reflexos no âmbito da investigação criminal, pois a Constituição assegurou importantes direitos e garantias ao investigado.
A investigação criminal teve um importante papel na persecução penal ao longo da história, na aplicabilidade de lei penal, bem como na elucidação de fatos criminosos. Umas das principais e mais nobres conseqüências da investigação criminal é assegurar que não seja desencadeado processo penal incriminador contra pessoa alheia ao fato criminoso, alem de servir como subsídio para que o titular da ação penal possa exercê-la legitimamente.
Durante a investigação criminal não há acusado, pois a investigação serve para colher elementos e fontes de prova, confirmando a materialidade do fato delituoso e indicando ao menos por indícios a autoria. Assim não se abre espaço a contraditório, pois esta fase é eminentemente inquisitorial e extraprocessual.
Não obstante, a Constituição Federal e os tratados internacionais incorporados ao nosso sistema, assegura vários direitos e garantias à pessoa do investigado, servindo por vezes como limite à atuação dos legitimados à investigação criminal.
É certo que a forma de proceder às investigações, notadamente pela polícia judiciária, ainda está aquém do ideal, seja pela falta de recursos humanos, seja pelo despreparo dos agentes encarregados. Porém, o sistema investigatório brasileiro não está imune à evolução que tem se apresentado no mundo em relação ao respeito ao direitos humanos e o respeito aos direitos individuais.
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[1]CIVITAS. Revista de Ciências Sociais. O Sistema Processual Penal Brasileiro. Pag. 296. Disponível em <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/6513/5607> Acessado em 10.03.2015
[2]CIVITAS. Revista de Ciências Sociais. O Sistema Processual Penal Brasileiro. Pag. 298. Disponível em <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/6513/5607> Acessado em 10.03.2015.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo. RT. 2015. pag. 57.
[4]ANDRADE, Mauro Fonseca. Ministério Público e sua investigação criminal. 2ª Edição. Curitiba. Juruá. 2008. pag. 30
[5] SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na Investigação Criminal, 2ª edição, Bauru, Edipro, 2007, pg. 26
[6] BECCARIA. Cesare Bonesana. Marchesi de. Dos delitos e das Penas. Tradução: Lucia Guidicini. Alessandro Berti Contessa. São Paulo. Martins Fontes. 1997.
[7] BECCARIA. Cesare Bonesana. Marchesi de. Dos delitos e das Penas. Tradução: Lucia Guidicini. Alessandro Berti Contessa. São Paulo. Martins Fontes. 1997.
[8] NUCCI, Guilherme de Souza, op. cit, pg. 59 e 60.
[9]REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Ordenações do Reino de Portugal. Disponível em <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67236> Acessado em 15.04.2015
[10] SANTIN. Valter Foleto. O Ministério Público na Investigação Criminal. 2º Edição. Bauru. Edipro.2007. pg.27.
[11]REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Ordenações do Reino de Portugal. Disponível em <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67236> Acessado em 15.04.2015
[12]Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.
[13]Artigo 11.1.Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade
fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias
de defesa lhe sejam asseguradas.
[14]BRASIL. Constituição Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acessado em 10.04.2015.
[15] CABRAL. Bruno Fontenele. A doutrina das provas ilícitas por derivação no direito norte-americano e no direito brasileiro. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/12658/a-doutrina-das-provas-ilicitas-por-derivacao-no-direito-norte-americano-e-brasileiro> Acessado em 17.05.2015
[16]CABRAL. Bruno Fontenele. A doutrina das provas ilícitas por derivação no direito norte-americano e no direito brasileiro. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/12658/a-doutrina-das-provas-ilicitas-por-derivacao-no-direito-norte-americano-e-brasileiro> Acessado em 17.05.2015
[17]BRASIL. STF. HC 69912/RS. Relator Sepúlveda Pertence. Tribunal Pleno. Julgamento em 30.06.1993
Publicado em DJe 26.11.1993.
[18]PLANALTO.Decreto 592/92. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.Artigo 14.3. “g” Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>.. Acessado em 10.03.2015
[19]CENTRO DE ESTUDOS. PGESP. CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969)(PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA). Artigo 8º,§2º,”g”. Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm Acessado em 10.03.2015.
[20] THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à prática de polícia judiciária. Florianópolis: Ed. do Autor, 1997. p.19.
[21] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC nº 94034/SP, Relatora Min. Cármem Lúcia. Julgado em 10/06/2008, publicado em DJe 167 09/04/2008.
[22] Nesse sentido: STF, 2ª Turma, HC nº 85.286/SP, Relator Min. Joaquim Barbosa, j. 29/11/2005, DJ 24/03/2006.
[23] BRASIL. STF. ADI 1.570, Relator Ministro Maurício Correa, julgado em 12.02.2004, DJ 22.10.2004.
[24] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC.HC 91661 PE. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Segunda Turma. Julgado em 10.03.2009.DJe-064 DIVULG 02-04-2009 PUBLIC 03-04-2009.
[25] Supremo Tribunal Federal. Notícias do STF. STF fixa requisitos para atuação do Ministério Público em investigações penais. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=291563>Acessado em 15.06.2015
[26]Supremo Tribunal Federal. Notícias do STF. STF fixa requisitos para atuação do Ministério Público em investigações penais. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=291563>Acessado em 15.06.2015
[27]Supremo Tribunal Federal. Arquivo. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE593727.pdf. Acessado em 15.06.2015.
[28] BRASIL, Constituição da república federativa do Brasil. Disponível em Acesso em 22.03.2015.
[29] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18º Edição. São Paulo. Atlas,2006. Pag.57.
[30] COAF. Competências. Disponível em <http://www.coaf.fazenda.gov.br/o-conselho/competencias>. Acessado em 12.05.2015.
[31] BRASIL. STF. RMS- AgR 26.509/ES, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 07.08.2007, DJe 112 27.09.2007
[32]OLIVEIRA. Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 14º Ediçãp. Rio de Janeiro. Editora Lumem Juris, 2012. Pag. 72.
[33]Art. 5. § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
[34]PLANALTO. Decreto 592/92. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acessado em 10.05.2015
[35] CENTRO DE ESTUDOS. PGESP. CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969)(PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA). Artigo 8º,§2º,”g”. Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm Acessado em 10.03.2015.
[36] SENADO. Texto final do Projeto de novo Código de Processo Penal, aprovado pela Comissão temporária de Estudo da Reforma do Código de Processo Penal. Disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=85509&tp=1 Acessado em 10.05.2015.
[37] Art. 13. É facultado ao investigado, por meio de seu advogado, de defensor público ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas.
[38] DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS. Disponível em http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf> Acessado em 17.06.2015.
[39] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmulas na Jurisprudência. Súmula vinculante 11. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1230>
[40]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 73.338-RJ. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 13 de agosto de 1996. Diário de Justiça da União, 19 dez. 1996.
[41] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 85.501/GO- 2º Turma. Relator Ministro Celso de Mello- DJ 16/03/2007
[42] BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AREsp 680956 PE 2014/0316792-5. Ministro Humberto Martins. Publicação DJE 07.05.2015.
[43] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmulas na Jurisprudência. Súmula vinculante 14. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1230> Acessado em 17.08.2015.
[44] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 88190, Relator Ministro Cezar Peluso, Segunda Turma, julgamento em 29.8.2006, DJ de 6.10.2006.
[45] BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC nº 69.405/SP. 6º Turma. Relator Ministro Nilson Naves. Julgado em 23.10.2007, publicado em 25.02.2008.
[46] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Autodefesa não protege apresentação de falsa identidade. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=191194>. Acessado em 18.06.2015
[47] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 90.376/RJ. Relator Ministro Celso de Melo. Julgado em02/05/2007. Publicado em DJe 05/06/2007
[48] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 78708/SP. !ª Turma. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. DJe 16/04/1999.
[49] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 99.558/ES. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento 14.12.2010.
[50] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 68.929/SP. Relator Ministro Celso de Mello. DJe 28/08/1992
[51] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC. 71373/RS. Relator Ministro Marco Auréilo. Julgado em 10.11.1994. DJe 22.11.1996
[52] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Rcl- QO 2.040;DF. Relator Ministro Néri da Silveira. Dje 27.06.2003
Pós- Graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes. Pós-Graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes. Graduada em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos. Estagiária de Pós-Graduação no Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Lázara Cristina Gonçalves Tavares de. A investigação criminal e os direitos garantias do investigado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53970/a-investigao-criminal-e-os-direitos-garantias-do-investigado. Acesso em: 22 nov 2024.
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