RESUMO: Este trabalho discorre acerca do princípio do promotor natural explicando seus fundamentos e importância para a concretização do devido processo legal. O princípio em estudo garante ao investigado o direito de ser acusado por um órgão previamente designado por lei, proibindo-se o direcionamento de representantes do Ministério Público para atuar em casos específicos. Para se destacar a importância do tema retoma-se uma antiga divergência jurisprudencial sobre a aplicabilidade ou não do referido princípio no ordenamento jurídico brasileiro, encerrando o estudo com o atual entredimento da Corte Constitucional sobre o tema. O método de abordagem utilizado foi o qualitativo segundo o qual o pesquisador é o instrumento fundamental, prevalecendo a sua subjetividade a partir da interpretação dos fenômenos pesquisados, utilizando-se de várias fontes de dados e com o objetivo de realizar uma compreensão mais profunda do tema, sem, contudo, fazer uso de técnicas e estatísticas. Quanto ao método de procedimento foram aplicados nesse trabalho utilizou-se, principalmente, o método comparativo e o método hermenêutico. Os objetivos foram alcançados por meio de uma pesquisa exploratória, em que se realiza um levantamento bibliográfico e jurisprudencial para esclarecimentos acerca do tema.
Palavras - chave: Promotor Natural. Juiz Natural. Inamovibilidade. Independência Funcional.
SUMÁRIO: 1- Introdução. 2- Noções gerais sobre o princípio do promotor natural. 3- Princípio constitucional implícito. 4- A evolução da jurisprudência do STF quanto a admissão da existência do princípio do promotor natural no Brasil. 5- Conclusão. Referências.
1- INTRODUÇÃO
O princípio do promotor natural preconiza que devem ser fixadas previamente na legislação as atribuições dos membros do Ministério Público impedindo a nomeação de promotores de justiça ou procuradores da república direcionada para atuarem em processos específicos, sem a correspondente previsão legal ou constitucional.
Quanto a nomenclatura vale expor que o princípio do promotor natural também é denominado de princípio do promotor legal.
Esse princípio tem como finalidade precípua de evitar arbitrariedade, abuso e desvio de poder na designação de representantes do Ministério Público, inclusive, limitando o poder do chefe do órgão ministerial na realização das designações dos membros da instituição.
Segundo Professor Pedro Lenza, o tema foi bastante discutido na doutrina, inclusive, alguns autores já o defendiam antes mesmo do advento da Constituição de 1988, destacando-se, Hugo Nigro Mazzilli, Jaques de Camargo Penteado, Clóvis A. Vidal de Uzeda e Paulo Cesar Pinheiro Carneiro. [1]
Durante o período da história do direito brasileiro as Cortes Superiores do Brasil chegaram a não reconhecer a existência do promotor natural no nosso ordenamento jurídico. Posteriormente, a jurisprudência evoluiu acolhendo o referido princípio em julgados importantes para a atual realidade do direito processual brasileiro.
2- NOÇÕES GERAIS SOBRE O PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL.
É mister iniciar o estudo do princípio do promotor trazendo a colação o conceito do doutrinador Paulo Cezar Pinheiro Carneiro o qual afirma que a teoria do promotor natural ou legal:
(...) decorre do princípio da independência, que é imanente à própria instituição. Ela resulta, de um lado, da garantia de toda e qualquer pessoa física, jurídica ou formal que figure em determinado processo que reclame a intervenção do Ministério Público, em ter um órgão específico do parquet atuando livremente com atribuição predeterminada em lei, é, portanto, o direito subjetivo do cidadão ao Promotor (aqui no sentido lato), legalmente legitimado para o processo. Por outro lado, ela se constitui também como garantia constitucional do princípio da independência funcional, compreendendo o direito do Promotor de oficiar nos processos afetos ao âmbito de suas atribuições.[2]
O professor Uadi Lammêg Bulos traz importantes considerações a cerca dos objetivos da aplicação do princípio do promotor natural: “Disso deflui o objetivo do promotor natural: abolir os procedimentos de ofício, eliminando a acusação privada e extirpando o acusador público de encomenda, escolhido pelo procurador-geral de justiça.”[3]
O Professor Nelson Nery Júnior leciona que para o o princípio do promotor natural ser respeitado exige a presença dos seguintes requisitos: a) investidura no cargo de Promotor de Justiça; b) a existência de órgão de execução; c) a lotação por titularidade e inamovibilidade do Promotor de Justiça no órgão de execução, exceto as hipóteses de substituição e remoção, e; d) definição em lei das atribuições do órgão.[4]
Desse modo, a fixação do representante do Ministério Público com atribuições para atuar num processo deve ser anterior ao mesmo, estando devidamente prevista em lei e na Constituição.
3- PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO
O promotor natural constitui um princípio constitucional implícito que decorre de princípios expressos, como: o Princípio do juiz natural, previsto no art. 5º, LIII, CF; o princípio da inamovibilidade funcional dos membros do Ministério Público estabelecido no art. 128, § 5º, I, “b”, CF; e, o princípio da independência funcional contido no art. 127, § 1º, CF.
Parte da doutrina que entende ser o promotor natural uma extensão do postulado do juiz natural, uma vez que não há previsão expressa daquele na Constituição Federal nem na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Assim, dize-se que o princípio em estudo consta de forma implícita no direito constitucional brasileiro, por ser consequência lógica do juiz natural, [5] previsto no inciso LIII do art. 5ª da Constituição Federal o qual preceitua que “ninguém será processado nem sentenciado senão por autoridade competente”.
Já a inamovibilidade do membro do Ministério Público estabelece a proibição de ocorrer remoção ou promoção do parquet sem a sua anuência. Contudo, o próprio texto constitucional traz as situações excepcionais em que essas situações podem ocorrer, quais sejam, por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público Estadual ou Federal, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, sendo assegurada ampla defesa, conforme disciplina o art. 128, § 5.º, I, “b”, da CF.
Vale trazer ao conhecimento dos leitores o voto do Min. Celso de Mello no HC 102.147, de sua relatoria no qual o mesmo afirma que o princípio do Promotor Natural coibe o afastamento arbitrário de promotores e procuradores da república do desempenho de suas atribuições nos procedimentos, salvo “por relevante motivo de interesse público”; “por impedimento ou suspeição”; “por razões decorrentes de férias ou de licença”.[6]
Dessa forma, a designação direcionada de membros do órgão ministerial encontra barreira evidente na garantia da inamovibilidade uma vez que, apenas, com a concordância ou solicitação do parquet ocorrerá sua remoção ou promoção, podendo, apenas, em situações excepcionalíssimas, previstas na constituição, ser removido.
Também, pode-se dizer que o promotor natural encontra guarida no princípio da independência funcional a qual significa que os membros do Ministério Público não estão sujeitos a nenhum poder hierárquico no exercício de suas funções, podendo exercer suas atribuições de forma livre, conforme suas convicções sem pressões ou ameças.
Destaque-se que o STF no julgamento do HC 140780/DF, oriundo da 1ª Turma e de relatoria do Min. Marco Aurélio, julgado em 30/10/2018, conforme Informativo nº 922, entendeu que a sustentação oral do representante do Ministério Público divergente do parecer juntado ao processo, com posterior ratificação, não viola a ampla defesa. Isso porque, segundo o professor Márcio Cavalcante, o papel do Ministério Público como custos legis se distingue de sua função como órgão acusador, podendo opinar pela absolvição do réu, por exemplo, ainda que o recurso tenha sido da defesa. Contudo, o membro do ministério público que atua na sessão de julgamento não está vinculado ao parecer proferido, gozando de independência funcional na realização de sua sustentação oral. [7]
4.A EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF QUANTO A ADMISSÃO DA EXISTÊNCIA DO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL NO BRASIL
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, há um registro histórico de um julgado no qual aquela Corte negou a existência do princíprio do promotor natural. Isso ocorreu no HC 67.759, de relatoria do Ministro Celso de Mello, que foi voto vencido naquela oportunidade, senão vejamos o teor do julgado de 1992:
“"HABEAS CORPUS" - MINISTÉRIO PÚBLICO - SUA DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS - A QUESTÃO DO PROMOTOR NATURAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 - ALEGADO EXCESSO NO EXERCÍCIO DO PODER DE DENUNCIAR - INOCORRENCIA - CONSTRANGIMENTO INJUSTO NÃO CARACTERIZADO - PEDIDO INDEFERIDO. - O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu oficio, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas clausulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável. Posição dos Ministros CELSO DE MELLO (Relator), SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO. Divergência, apenas, quanto a aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade da "interpositio legislatoris" para efeito de atuação do princípio (Ministro CELSO DE MELLO); incidência do postulado, independentemente de intermediação legislativa (Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO). - Reconhecimento da possibilidade de instituição do princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro SYDNEY SANCHES). - Posição de expressa rejeição a existência desse princípio consignada nos votos dos Ministros PAULO BROSSARD, OCTAVIO GALLOTTI, NÉRI DA SILVEIRA e MOREIRA ALVES.(HC 67759, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/1992, DJ 01-07-1993 PP-13142 EMENT VOL-01710-01 PP-00121).” (grifos nossos)
Embora ausentes nessa sessão os Ministros Francisco Rezek e Ilmar Galvão, o Supremo Tribunal Federal, também, concluiu pela inexistência da figura do promotor natural, em decisão referendada na apreciação do HC 90.277, de relatoria da Ministra STF Ellen Gracie, publicada em 17.6.2008:
Princípio do Promotor Natural e Designação por Procurador-Chefe - 1
A Turma indeferiu habeas corpus em que denunciado a partir de investigações procedidas na denominada "Operação Anaconda" pela suposta prática do crime de corrupção ativa (CP , art. 333) pleiteava a nulidade de procedimento que tramitara perante o TRF da 3ª Região, sob o argumento de ofensa ao princípio do promotor natural (CF , artigos 5º , LIII ; 127 , § 1º e 128 , § 5º , b), bem como de violação a regras contidas no Código de Processo Penal e em portarias da Procuradoria Regional da República da respectiva região. Inicialmente, asseverou-se que, conforme a doutrina, o princípio do promotor natural representa a impossibilidade de alguém ser processado senão pelo órgão de atuação do Ministério Público dotado de amplas garantias pessoais e institucionais, de absoluta independência e liberdade de convicção, com atribuições previamente fixadas e conhecidas. Entretanto, enfatizou-se que o STF, por maioria de votos, refutara a tese de sua existência (HC 67759/RJ , DJU de 1º.7.93) no ordenamento jurídico brasileiro, orientação essa confirmada, posteriormente, na apreciação do HC 84468/ES (DJU de 20.2.2006). Considerou-se que, mesmo que eventualmente acolhido o mencionado princípio, no presente caso não teria ocorrido sua transgressão. HC 90277/DF , rel. Min. Ellen Gracie, 17.6.2008. (HC-90277) (grifos nossos)
Vale trazer alguns trechos da decisão de relatoria da Ministra Ellen Gracie:
(...) 3. O STF não reconhece o postulado do promotor natural como inerente ao direito brasileiro (HC 67.759, Pleno, DJ 01.07.1993): "Posição dos Ministros CELSO DE MELLO (Relator), SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO: Divergência, apenas, quanto à aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade de "interpositio legislatoris" para efeito de atuação do princípio (Ministro CELSO DE MELLO); incidência do postulado, independentemente de intermediação legislativa (Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO). - Reconhecimento da possibilidade de instituição de princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro SIDNEY SANCHES). - Posição de expressa rejeição à existência desse princípio consignada nos votos dos Ministros PAULO BROSSARD, OCTAVIO GALLOTTI, NÉRI DA SILVEIRA e MOREIRA ALVES". 4. Tal orientação foi mais recentemente confirmada no HC n° 84.468/ES (rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, DJ 20.02.2006). Não há que se cogitar da existência do princípio do promotor natural no ordenamento jurídico brasileiro(...). HC 90277, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 17/06/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-03 PP-00487)".(grifos nossos)
Contudo a jurisprudência do STF evoluiu seu entendimento para reconhecer a existência do princípio do promotor natural nos autos do HC 102.147/GO, de relatoria do Ministro Celso de Mello publicado em 3 de fevereiro de 2011, conforme se verifica no trecho do voto do julgador:
“A consagração constitucional do princípio do Promotor Natural significou o banimento de “manipulações casuísticas ou designações seletivas efetuadas pela Chefia da Instituição” (HC 71.429/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO), em ordem a fazer suprimir, de vez, a figura esdrúxula do “acusador de exceção” (HC 67.759/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO). O legislador constituinte, ao proceder ao fortalecimento institucional do Ministério Público, buscou alcançar duplo objetivo: (a) instituir, em favor de qualquer pessoa, a garantia de não sofrer arbitrária persecução penal instaurada por membro do Ministério Público designado “ad hoc” e (b) tornar mais intensas as prerrogativas de independência funcional e de inamovibilidade dos integrantes do “Parquet”. A garantia da independência funcional, viabilizada, dentre outras, pela prerrogativa da inamovibilidade, reveste-se de caráter tutelar. É de ordem institucional (CF, art. 127, § 1º) e, nesse plano, acentua a posição autônoma do Ministério Público em face dos Poderes da República, com os quais não mantém vínculo qualquer de subordinação hierárquico-administrativa. Daí a precisa observação, quanto a tal aspecto, de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“A Reforma do Poder Judiciário”, vol. I/175, 1979, Saraiva): “O Ministério Público é funcionalmente independente, porquanto, apesar de órgão da administração pública, não é ele instrumento à mercê do governo e do Poder Executivo. (...). Independente é, também, o Ministério Público, da magistratura judiciária, que, sobre ele, nenhum poder disciplinar exerce. Entre o juiz e o promotor de justiça, existem relações de ordem processual tão-somente. Não cabe ao magistrado judicial dar ordens ao Ministério Público, no plano disciplinar e da jurisdição censória (...).” (grifei) A existência, em um mesmo processo, de opiniões ou pronunciamentos eventualmente conflitantes emanados de membros do Ministério Público que hajam oficiado, na causa, em momentos sucessivos, não traduz, só por si, ofensa ao postulado do Promotor Natural, pois a possibilidade desse dissídio opinativo há de ser analisada e compreendida em face dos princípios, igualmente constitucionais (CF, art. 127, § 1º), da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público. Oportuna, a esse respeito, a lição de EMERSON GARCIA (“Ministério Público: Essência e limites da Independência Funcional”, “in” Ministério Público: Reflexões sobre Princípios e Funções Institucionais, p. 79/82, item n. 4, 2010, Atlas): “Como desdobramento da garantia da independência funcional, não há qualquer óbice a que determinado agente assuma posicionamento contrário àquele adotado pelo seu antecessor na mesma relação processual. (...) Por não ser possível à lei ordinária mitigar um princípio constitucional, o interesse processual do Ministério Público não se projetará em uma linha de indissolúvel uniformidade, podendo sofrer variações em conformidade com o entendimento jurídico dos agentes oficiantes. As concepções subjetivas dos agentes devem ser preteridas pela objetividade dos fatos, ainda que sua percepção possa sofrer variações no decorrer da relação processual. O Ministério Público está vinculado aos fatos e à busca de uma decisão justa, não à peremptória opinião pessoal de determinado agente. (...).” (grifei) De outro lado, não basta a mera alegação de designação “ad hoc” do membro do “Parquet”, como deduzida na presente impetração. Impõe-se, a quem sustente ofensa ao postulado do Promotor Natural, que demonstre a concreta ocorrência de “manipulações casuísticas ou designações seletivas efetuadas pela Chefia da Instituição”, tal como esta Corte já teve o ensejo de proclamar (HC 71.429/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO).”
Segundo o professor Márcio Cavalcante, um dos maiores estudiosos de jurisprudência do Brasil, atualmente, o STF admite a existência do Princípio do Promotor Natural e cita o seguinte julgado da Segunda Turma sobre o referido posturlado para comprovar sua afirmação[8]:
“consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei” (STF. 2ª Turma. HC 103038, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 27/10/2011).
Cumpre registrar que, em 09/04/2013, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no RE 638757 AgR, que teve como relator o Ministro Luiz Fux, reconheceu, também, a existência do princípio do promotor natural.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. NULIDADE DO JULGAMENTO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DO JÚRI E INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, CONTENDO DUPLO FUNDAMENTO: LEGAL E CONSTITUCIONAL. NÃO INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE RECURSO ESPECIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL. ALEGAÇÃO DE CABIMENTO SOMENTE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO POR ENTENDER QUE O TRIBUNAL DE ORIGEM TERIA ADOTADO O TEMA RELACIONADO À OFENSA AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL COMO FUNDAMENTO AUTÔNOMO E SUFICIENTE PARA DECIDIR A CONTROVÉRSIA. ARGUMENTAÇÃO INSUBSISTENTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (...) . 2. In casu o acórdão recorrido assentou (folha 642): “Júri. Duplo homicídio duplamente qualificado. Atuação em plenário de julgamento de promotor de justiça estranho à comarca e ao feito. Ferimento ao princípio do promotor natural. Nulidade reconhecida. Embora não previsto expressamente em lei, o Princípio do Promotor Natural decorre de dispositivos constitucionais e é admitido na doutrina e na jurisprudência, ainda que comportando alguma relativização. No caso, a atuação em plenário de julgamento de um Promotor de Justiça estranho à Comarca e ao feito, sem regular designação e estando a titular da Promotoria em pleno exercício de suas funções, constitui ferimento ao referido princípio e acarreta a nulidade do julgamento. De outra banda, estando o réu preso há quase onze meses e pronunciado há cerca de sete meses, está caracterizado o excesso de prazo na formação da culpa, impondo-se a concessão de habeas corpus de ofício. Apelo provido, por maioria. Habeas Corpus concedido de ofício, por maioria.” 3. Agravo regimental no recurso extraordinário. Alegação de não cabimento de recurso especial, porquanto o acórdão recorrido teria adotado a violação ao princípio do promotor natural como fundamento autônomo e suficiente ao prover o recurso de apelação interposto contra a decisão proferida pelo Tribunal do Júri. Argumentação insubsistente, dado que, tendo em vista a realidade processual e os fatos jurídicos ocorridos na sessão do Júri, o Tribunal estadual assentou a violação a regras processuais e o vício no ato de designação do Promotor de Justiça que fora designação para atuar tão somente na assentada em que o recorrido seria submetido a julgamento, o que viria patentear a ocorrência de nulidade após a pronúncia, razão pela qual o recurso de apelação foi conhecido com base no artigo 593, III, “a”, do Código de Processo Penal. 4. A reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “o princípio do Promotor Natural, tendo presente a nova disciplina constitucional do Ministério Público, ganha especial significação no que se refere ao objeto último decorrente de sua formulação doutrinária: trata-se de garantia de ordem jurídica destinada tanto a proteger o membro da Instituição, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente de seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei” (Habeas Corpus nº 67.759-2/RJ, Plenário, relator Ministro Celso de Mello, DJ de 01.07.1993). 5. Agravo regimental não provido. (RE 638757 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 25-04-2013 PUBLIC 26-04-2013)
Portanto, pode-se afirmar categoricamente que a Corte protetora da Constituição brasileira reconhece a existência do prinício do promotor natural conforme os diversos julgados acima citados, sendo evidente a ocorrência de overruling quanto ao tema em questão, posto que houve a superação do precedente HC 67.759 julgado em 1992.
5. CONCLUSÃO
O Presente trabalho visou explanar de forma cristalina e concisa os aspectos gereais do princípio do promotor natural. Demonstou-se que a garantia de que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, que assegura ao cidadão o direito de não ser submetido a um tribunal de exeção, por isso, também, deve-se proibir por extensão o acusador por exceção ou o promotor ad hoc. O reconhecimento desse postulado no ordenamento jurídico pátrio, fortalece os direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurando que a atuação do representante do ministério público se fundamente em critérios legais prévios.
Para melhor entendimento do tema colacionou-se a visão do Supremo Tribunal de Justiça acerca do referido mandamento principiológico ao longo dos anos, verificando-se a ocorrência de overruling, isto é, superação da visão de que inexistia no ordenamento jurídico brasileiro o princípio do promotor natural. Por isso foram debatidas as nuances existente sobre o tema, trazendo os entendimentos mais recente do STF e dos mais renomados doutrinadores. Logo, o presente estudo cumpriu com a função de divulgar para os operadores do direito e demais leitores que têm sede pelo conhecimento na área judicial essa discussão de suma importância para o estudo do direito constitucional e processual penal brasileiro. O que nos leva a afirmar que o postulado do promotor natural é reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro como princípio implícito, em razão do que preceitua a Constituição Federal de 1988 no art. 5º, inciso LIII, assim como diante da posição conferida ao Ministério Público evidenciada pelo princípio da independência funcional e garantias constitucionais da vitaliciedade e inamovibilidade do parquet.
REFERÊNCIAS
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_____________________________. Sustentação oral do MP pode discordar do parecer oferecido por outro membro do Parquet. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/ba053350fe56ed93e64b3e769062b680>. Acesso em: 22/12/2019
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[1] LENZA, Pedro Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. Pág. 1509-1510.
[2]CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no Processo Civil e Penal - Promotor Natural Atribuição e Conflito. 5 ed. Rio de Janeiro, Editora Forense.
[3] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. Saraiva, 2010, págs. 669/670
[4] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 6 ed. São Paulo Rt, 2000. P. 92.
[5] CORDEIRO, Taiana Levinne Carneiro Cordeiro, VALDEC, Francisco dos Santos ; VIEIRA JÚNIOR, Pedro Vieira Júnior; BRANDÃO, Marcos Lorêdo Brandão. Princípio do promotor natural. Publicado em 09/2015. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/42927/principio-do-promotor-natural> . Acesso em 20/12/2019
[6] LENZA, Pedro Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. Pág. 1513
[7] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Sustentação oral do MP pode discordar do parecer oferecido por outro membro do Parquet. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/ba053350fe56ed93e64b3e769062b680>. Acesso em: 22/12/2019
[8] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Situação na qual não houve violação ao Princípio do Promotor Naturala. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/48653af2e798bc96b6ef0b76d8a02139>. Acesso em: 22/12/2019
Advogada – Bacharel em Direito. Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Instituto Elpídio Donizetti em parceria com FEAD-MG - FACULDADE DE ESTUDOS ADMINISTRATIVOS DE MINAS GERAIS. Juíza Leiga do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba desde 26/11/2014.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAULINO, Priscilla Ribeiro. Análise do princípio do promotor natural Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 dez 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54042/anlise-do-princpio-do-promotor-natural. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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