RESUMO: Este estudo tem como objetivo diferenciar presunção e indício na devida investigação considerando que os indícios são aqueles que de fato apresentam força no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Como metodologia, optou-se por pesquisa bibliográfica, descritiva, explicativa e documental a partir de livros, artigos eletrônicos e sites especializados no assunto. Ao final deste estudo verifica-se a prova como instrumento de formação de um raciocínio jurídico dotado de força em decorrência de seu proferimento por uma autoridade judiciária. E ainda, compreende-la como a tentativa de demonstração objetiva dos fatos controvertidos com a intenção de facultar ao juiz a formação de uma hipótese razoável que possa ser adotada como suporte fático para a formulação de uma decisão, sendo a diferença de presunção e indícios principalmente que a primeira trata-se de mera probabilidade não devendo representar força no Ordenamento Jurídico brasileiro. Todavia, apesar dos indícios apresentarem-se essa força, é necessário cuidado em sua consideração, visto que ainda assim não são provas concretas, ainda tratam-se de indícios, devendo-se respeitar os direitos individuais, respeitando o princípios do contraditório e da ampla defesa.
Palavras-Chave: Presunção. Indícios. Prova.
ABSTRACT: This study aims to differentiate presumption and evidence in the proper investigation considering that the evidence is those that actually have strength in the Brazilian legal system. As a methodology, we chose bibliographic, descriptive, explanatory and documentary research from books, electronic articles and websites specialized in the subject. At the end of this study, the proof is verified as an instrument of formation of a legal reasoning endowed due to its delivery by a judicial authority. And yet, it is understood as the attempt to objectively demonstrate the disputed facts with the intention of providing the judge with the formation of a reasonable hypothesis that can be adopted as factual support for the formulation of a decision, with the difference of presumption and evidence mainly that the first one is mere probability and should not represent force in the Brazilian legal system. However, despite the evidence of this strength, caution must be taken in its consideration, since they are not yet concrete evidence, but they are still evidence, and individual rights must be respected, while respecting the principles of contradiction and wide defense.
Keywords: Presumption. Clues. Proof.
1 INTRODUÇÃO
Considerando que a busca pelo ponto de equilíbrio entre a concretização de um processo penal eficiente e o respeito às garantias fundamentais é o desafio atual que deve reger e nortear as decisões judiciais, a sistemática processual brasileira sofre criticas. Uma das críticas que pode ser mencionada e merece enfoque é a diferenciação entre presunção e indícios, visto que a doutrina ainda apresenta confusão sobre essas expressões, o que tem gerado problemas de ordem prática, visto que as presunções devem expressar somente probabilidades.
No marco de um Estado Democrático de Direito, toda intervenção penal deve sempre ocorrer enquanto medida de exceção. Desse postulado básico, é possível perceber que a drasticidade com a qual o Direito Penal atua exige dele uma exatidão acerca da conduta sancionada. Isso porque ele representa o mais poderoso instrumento de controle posto à disponibilidade do poder constituído, por meio do qual o Estado, detentor da prerrogativa do uso da força, molda a sociedade através das estruturas dogmaticamente fundadas no princípio da legalidade penal, dizendo quais comportamentos são intoleráveis por considerá-los ofensivos a bens jurídicos.
Entende-se que as decisões judiciais também se configuram como meio de resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, devendo o juiz se pautar em provas suficientes para análise, bem como se atentar aos princípios que regem os processos judiciais, analisando cada caso com o intuito de tomar a melhor decisão para ambas as partes, devendo ele ser imparcial. Leite [1] conceitua prova a partir do estabelecimento da ideia de atuação dos litigantes no escopo de demonstrar os fatos deduzidos ao juiz, bem como encontrando sentido instrumental para o seu convencimento.
Pode-se dizer que as provas são instrumentos primordiais no campo processual, sendo destacado por Bueno [2] que consiste em “tudo que puder influenciar, de alguma maneira, na formação da convicção do magistrado para decidir de uma forma ou de outra, acolhendo, no todo ou em parte, ou rejeitando o pedido do autor”. Trata-se da busca da constatação da verdade. Assim, pode-se entender, de forma introdutória e simplificada, que o objeto da prova são os fatos alegados pelas partes que precisam ser demonstrados para que o magistrado possa formar a sua convicção acerca do litígio em demanda. Faz-se importante destacar que trata-se de um conceito amplo, que pode assumir diferentes significados, o que dificulta discorrer sobre o assunto.
Nesse contexto, este estudo tem como objetivo diferenciar presunção e indício na devida investigação considerando que os indícios são aqueles que de fato apresentam força no Ordenamento Jurídico Brasileiro.
2 DA OBRIDATORIEDADE DA INVESTIGAÇÃO
É por meio da investigação criminal que todo o procedimento de apuração da responsabilidade penal do sujeito praticante de um crime surge. A devida investigação criminal implica no respeito à Constituição e aos direitos individuais por parte do Estado, vez que os direitos/garantias fundamentais limitam o que deve ou não ser feito numa investigação criminal. O texto constitucional é cristalino ao aludir que, via de regra, a apuração de infrações penais e a execução dos encargos de Polícia Judiciária competem à Polícia Federal e às Polícias Civis, conservando às Polícias Militares, o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. Assim, as atribuições dos órgãos de segurança pública estão elencadas de forma que não admitem margem para dúvidas de qual é a função de cada instituição, de modo que a atividade de investigação criminal pertence à polícia judiciária.
A regra prevista no caput do art. 4° do Código de Processo Penal – “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá, por fim, a apuração das infrações penais e da sua autoria” – e as regras inseridas no art. 2° caput e §2° da Lei n. 12.830/13 – "as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado" e "ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais", respectivamente – mantêm afinidade harmônica com a Constituição Federal, pois corroboram com a condução da investigação criminal pela polícia judiciária. Segundo Barbosa:
Verifica-se, portanto, a razão de os órgãos do sistema de Justiça criminal terem explicitadas as suas funções e serem todas consideradas como essenciais à administração da Justiça, inclusive a função investigativa da polícia judiciária, na qual, após a Constituição de 1988, passou a ser dirigida por um delegado de polícia de carreira, bacharel em Direito, cargo acessível por concurso público, exatamente como as demais carreiras jurídicas que integram o sistema de Justiça criminal. Salienta-se que a polícia judiciária não obstante estar alocada na Carta Política, no capítulo sobre Segurança Pública, se insere no título V (Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas), o que não a exclui da função precípua de ser uma garantidora dos direitos fundamentais do investigado e, por isso, em especial a polícia judiciária [...] Diante dessa necessária democratização da Justiça penal, notadamente dos órgãos nela atuante, a fundante independência natural que emerge das funções desempenhada pelos órgãos, e por isso, juiz natural, promotor natural, defensor natural e delegado natural. Nos dedicaremos ao último.[3]
Em outras palavras, a atividade investigativa policial será realizada pelas instituições que carregam as atividades de Polícia Judiciária em seu bojo. Considera-se a Polícia Judiciária, por compor o sistema de Justiça criminal, como ensina Nicolitt, uma “protagonista da investigação criminal exerce função essencial à Justiça, como garantia implícita na Constituição”. [4] Nesse sentido, as atividades desempenhadas pelas Polícias Judiciárias ligam-se à Justiça de forma direta e à segurança pública de forma indireta. Mesmo diante dos comandos constitucionais que definem as atribuições dos órgãos estatais, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o Ministério Público pode conduzir investigações de natureza criminal, por meios próprios, sendo que, como visto anteriormente, inexiste comando legal que autorize tal inferência. Sobre tal entendimento, brilhantes são as considerações de Hoffmann e Nicolitt:
Por mais importante que seja o discurso combate à criminalidade, não têm o condão de autorizar a subversão da divisão constitucional de atribuições. A sanha utilitarista não pode jogar por terra garantias que não foram conquistadas do dia para a noite. Daí sempre termos sustentado que a investigação direta pelo Ministério Público é algo que não se pode admitir. Todavia, surpreendentemente não foi esse o caminho trilhado pelo STF, em que pese o alerta do vencido ministro Marco Aurélio no sentido de ser “inconcebível é um membro do Ministério Público colocar uma estrela no peito, armar-se e investigar [...] prejudicando o contraditório e inobservando o princípio da paridade de armas”. A maioria entendeu pela possibilidade de investigação pelo Parquet. A partir da decisão da Corte Suprema, cessaram os debates no meio jurídico, cujo alarde resumia-se praticamente à tese primeira de poder ou não o MP investigar. Porém, o aspecto mais importante do julgado foi negligenciado, a saber, os limites e condições para a investigação direta do Ministério Público. [5]
São limites da investigação direta do Ministério Público a prevalência da requisição da instauração de inquérito sobre a deflagração de investigação, a excepcionalidade e subsidiariedade da apuração, a condução sob sua direção e até sua conclusão, a incoerência de bis in idem, consideração aos princípios e regras que norteiam o inquérito policial, bem como o respeito ao limite legal da investigação criminal brasileira. Apesar de muito se discutir sobre qual seria o órgão competente para efetuar investigações preliminares, defende-se a possibilidade de o Ministério Público realizar tais investigações. No entanto, em que pese a discussão sobre a exclusividade ou não das investigações, o que é evidente é que na Constituição, ao menos de forma clara e explícita, a investigação preliminar cabe à Polícia Judiciária, cabendo ao Ministério Público o controle externo da atividade policial (art. 129 e 144 da Constituição Federal de 1988), logo é precipuamente função das Polícias Judiciárias.
Sem prejuízo, a Constituição previu a possibilidade de outros órgãos realizarem atos de investigação, como ocorre com o Ministério Público nos inquéritos civis. Porém, percebe-se nítido desacordo com relação ao sujeito e a finalidade de tais atos. Nesse sentido, cabe o protagonismo da Polícia Judiciária na apuração de fatos criminosos, objetivando a obtenção de provas e elementos que possam esclarecer sobre a possível necessidade de processo penal posterior. Deste modo, esta fase inicial da persecução penal deve ser realizada por um ente imparcial, que não possui ligação direta com o processo, separando-se perfeitamente as funções do Estado.
Segundo Nunes, [6] na doutrina prepondera o pensamento de que o Inquérito Policial obedece a procedimento proposto para agrupar os elementos necessários à apuração da autoria e do cometimento de determinada infração. Inicia-se, então, a persecutio criminis, através da Polícia Judiciária e do Ministério Público, sendo este último o responsável por levar, através da denúncia, ao conhecimento do Juiz o delituoso e a sua autoria. Não é possível, segundo o autor supracitado, negar a parcialidade do Ministério Público no momento da investigação criminal, já que este órgão é a parte acusatória no processo posterior quando tratar-se de ação penal pública, o que feriria o princípio da paridade de armas necessária ao sistema acusatório, ora, como poderia o Ministério Público atuar em favor do investigado, se tem pela frente uma ação judicial? Cabette esclarece:
Como já externado em outro trabalho, este autor não considera adequada a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público por uma série de questões de ordem puramente jurídica, as quais se enumera a seguir sem adentrar em desenvolvimento que não cabe neste momento: a) O óbice da legalidade consistente no fato concreto de que não existe lei alguma que regule essa espécie de investigação. É indefensável pretender que uma Resolução (Resolução 13/06 do Conselho Nacional do Ministério Público) possa fazer as vezes de “lei” processual penal, a qual é de competência privativa da União através de “Lei Federal” (artigo 22, I, CF). Portanto, não se pode admitir que um órgão estatal de tamanha relevância e dignidade atue à margem da lei e da Constituição, ou seja, atue “marginalmente”. E não se pode imaginar que eventual arrimo constitucional para esse suposto poder investigatório ministerial seja suficiente para que o órgão o coloque em prática sem uma lei que o regulamente. É sabido, até por um jejuno primeiro anista de Direito, que a Constituição Federal não é Código de Processo Penal. Se essa atribuição pode ser extraída do texto constitucional, então se deve primeiro promulgar uma lei que regulamente a investigação ministerial para depois poder realizá-la de forma legítima. b) A questão da imparcialidade, consistente no fato de que em um sistema acusatório ideal é desejável que sejam separadas as quatro funções da persecução penal, quais sejam: investigação, acusação, defesa e julgamento. Então é desejável que um órgão isento faça a investigação, outro formule a convicção sobre a denúncia ou não, outro exercite a plena defesa e um último profira a decisão do caso. A confusão de funções cria desequilíbrio e exige do homem (v. G. Do Promotor) aquilo que somente se pode esperar de deuses. E tem sido muito comum que o mesmo Promotor que investiga formule a peça acusatória e siga no processo até o fim. Note-se, inclusive, que isso entra em colisão com disposição expressa do Código de Processo Penal vigente. Segundo o artigo 252, II, CPP, o Juiz fica impedido de processar e julgar uma causa onde tenha atuado anteriormente na qualidade de Autoridade Policial. Pois bem, as mesmas normas de impedimento e suspeição servem para o Ministério Público nos termos do artigo 258, CPP. Portanto, se o Promotor era Delegado do mesmo caso, não pode nele atuar. Por que poderia investigar na qualidade de Promotor e ele mesmo acusar? Seria a Súmula 234 do STJ um permissivo, na medida em que afirma que a ‘participação’ do membro do Ministério Público na fase investigatória não o impede ou torna suspeito para a denúncia? A resposta óbvia é que não. A Súmula trata somente da participação, pois que o Ministério Público sempre ‘participa’ da fase investigatória (v. G. Manifestações em pedidos de prazo durante todo o andamento do feito; manifestações em prisões provisórias e outras medidas cautelares; requerimentos de diligências ou cautelares na fase investigatória; eventuais acompanhamentos de diligências policiais tais como interrogatórios e oitivas de testemunhas juntamente com o Delegado que preside o feito; acompanhamento facultativo previsto na Lei de interceptações telefônicas quanto a essas diligências etc.). Mas, ‘participar’ não é o mesmo que ‘conduzir’ ou ‘presidir’, muito menos ser a Autoridade Policial ou alguém que atua tal e qual. Essas parecem ser as duas principais motivações jurídicas para o impedimento de uma investigação ministerial no atual estado da arte da legislação brasileira. Não obstante, se algum dia for satisfeita a legalidade, ou seja, promulgando-se uma legislação autorizadora e reguladora da Investigação Ministerial, não se vê qualquer óbice a que mais um órgão atue na repressão à criminalidade. Agora, um requisito que se considera imprescindível é que o Promotor que investiga não seja o mesmo que formula o juízo de convicção para a acusação ou arquivamento e muito menos o que prossiga no processo. [7]
Em outras palavras, segundo o autor supracitado, nem mesmo a Súmula 234 STJ colocou fim à discussão, vez que ela somente assevera não haver impedimento de atuação no processo por parte de Promotor que participou da investigação (sendo que participar é diferente de atuar diretamente). Além disso, cumpre destacar que o Inquérito Policial funda uma garantia ao investigado, ao passo que impede que um inocente seja submetido a processo desnecessário e garante que a máquina do Poder Judiciário não seja acionada em vão, evitando o dispêndio de recursos financeiros e humanos por parte do Estado.
Por tudo o que foi posto, demonstra-se imprescindível que as investigações preliminares sejam efetuadas por um órgão oficial e imparcial, tornando o Inquérito Policial, na prática, um instrumento imperativo na apuração de infrações penais e sua autoria. Isso porque outros meios investigatórios não se cercam das mesmas garantias ao investigado, sobretudo por não contarem com uma previsão legal, ferindo o Princípio da Devida Investigação Criminal Constitucional (ou due process of law).
3 DIFERENCIANDO PRESUNÇÃO E INDÍCIOS
No campo do Direito, a prova está intrinsecamente relacionada à demonstração, fundamentando-se na ideia de certeza e tendo a materialização de sua busca e concessão no processo judicial, devendo elas serem concretas e documentadas. Acrescente-se, ainda, que se configuram como modelos de constatação da verdade à certeza, à preponderância de provas e à dúvida a favor do hipossuficiente. Vale ressaltar que o direito à prova não é irrestrito e sim limitado e a prova dada à custa de violação a direitos não poderá ser introduzida no processo e caso assim ocorra, não poderá vir a ser valorada.
Em se tratando da essência das provas, pode-se destacar que o padrão de prova pode ser vagamente definido como o quantum de evidência que deve ser apresentado perante uma Corte antes que um fato possa ser dito existir ou não. Como o tipo de casos perante um Tribunal pode ser classificado em criminal ou civil, o mesmo pode acontecer com o padrão da prova.
No âmbito do processo penal, mostra-se ainda mais importante, em face da gravidade da consequência jurídica, que pode advir da violação às normas penais, a saber, o tolhimento da liberdade do indivíduo, conforme adverte Lopes Junior. [8] O autor ainda destaca que o processo penal, embora seja um ramo fundamental para instrumentalizar as normas penais que possuem, como uma de suas finalidades, a pacificação social, só se legitima na medida em que respeitar os valores e ditames democráticos previstos no texto magno.
Entende-se, assim, que a prova é um elemento, ou mesmo, um evento que possibilita a averiguação de um fato, que pode corroborar com a veracidade ou com a falsidade de proposições formuladas sobre determinado caso, cabendo ao juiz sua análise e tomada de decisão. Carlos Henrique Bezerra Leite [9] conceitua prova a partir do estabelecimento da ideia de atuação dos litigantes no escopo de demonstrar os fatos deduzidos ao juiz, bem como encontrando sentido instrumental para convencimento do juiz. Nesse contexto, em toda apresentação de prova tem seu direito de se exprimir havendo assim a conservação do estado de inocência do réu e o direito à liberdade.
O objeto da prova pode ser entendido como fatos alegados pelas partes que precisam ser demonstrados para que o magistrado possa formar a sua convicção acerca do litígio em demanda. Como finalidade da prova, busca-se o convencimento do juiz a respeito de um fato, ou seja, a verdade possível, atingível, tendo em vista que subjetivamente a verdade está em cada pessoa de acordo com a sua maneira de enxergar os fatos acontecidos no dia a dia assim como os fatos delituosos, a serem apurados pelo magistrado. [10] Diferenciando presunção e indício, Theodoro Júnior bem descreve:
Usada na operação denominada prova indireta, a presunção é a consequência ou ilação que se tira de um fato conhecido (provado) para deduzir a existência de outro, não conhecido, mas que se quer provar. As presunções às vezes são adotadas por regra legal (presunções legais); outras são estabelecidas na experiência da vida (presunções comuns ou simples) e, por isso, presunções do homem. As presunções comuns se inserem na instrução probatória por obra das partes e do juiz, quando não se consegue prova direta do fato litigioso. Nota-se que a presunção legal não se confunde com o indício, reconhecido como tal pela lei como tal. O indício é o ponto de partida para se caminhar rumo à presunção, se possível. Às vezes a lei prevê ou recomenda a valorização de determinado indício como utilizável no procedimento probatório, porém, não implica imediata instituição de uma presunção legal. Para se ter uma presunção da espécie é preciso que a avaliação do indício seja feita pelo próprio legislador. Quando a lei não chega a uma qualificação definitiva de certo fato como suficiente para autorizar o reconhecimento de outro, não se pode entrever, ainda, a presunção. [11]
Analisando o ato de indiciamento, previsto na Lei n. 12.830/13, à luz da Constituição Brasileira de 1988, verifica-se que o indiciamento é um ato administrativo e como tal deve ter algumas finalidades definidas. Uma mais evidente é a de servir de instrumento através do qual o Delegado de Polícia que preside a instrução e, portanto, apresenta nesse momento o Estado-investigador, exponha de forma técnica e fundamentada suas razões de convicção sobre a autoria e materialidade delitiva, que sai do âmbito de algo mais abstrato e passa a ser mais concreto, tendo em vista que passa a mirar em pessoa (s) definida (s).
Todavia, qual seria a função de passar de algo abstrato para algo mais concreto, definindo através de um ato administrativo fundamentado a mudança da condição de suspeito para indiciado? Pensamos que em um Estado democrático de direito, não pode e não deve ser visto apenas como um ato punitivo pré-processual que promova os inevitáveis estigmas morais extraprocessuais, tal interpretação é totalmente autoritária e antidemocrática. Nesse ponto o indiciamento serve como marco para a observância, em maior densidade, da efetividade do contraditório possível e mitigado, bem como da defesa no inquérito policial, uma vez que já estão bem delineados os fatos, a materialidade, bem como apontado expressamente quem foi o autor do fato.
Lopes Júnior e Gloeckner lecionam que “o indiciamento deve ser considerado uma carga para o sujeito passivo, mas marca também o nascimento de direitos inerentes à ampla defesa e a possibilidade de convencimento das acusações”. [12] Vale dizer, sob essa ótica constitucional, o indiciamento se mostra um ato relevante, deixando para traz um viés autoritário da fase preliminar e assumindo uma feição democrática e acusatória, tendo em vista que tutela os direitos fundamentais do investigado, possibilitando uma defesa mais adequada ainda em sede policial, pois sendo um “ato fundamentado”, poderá a defesa desde já na fase pré-processual reagir as principais provas e argumentos do Estado-investigador. Há entendimento que dentro de uma abordagem constitucional, o instituto do indiciamento deveria ser considerado acima de tudo como “meio de defesa”, pois que um marco a partir do qual o direito de defesa deve ser exercido. [13]
Questão que também merece análise é o momento do indiciamento. Não há exigência legal sobre o momento em que deva ser realizado, examinando a lei, o mesmo deve ocorrer quando o Delegado de Polícia estiver convencido da existência dos elementos de autoria e materialidade, abrindo assim duas possibilidades: uma no momento imediatamente anterior ao do relatório, em que expressará sua convicção e outra já no ato do relatório final, ou seja, indicia ao já expressar sua convicção, a seguir detalharemos ambas:
a) Ato de indiciamento fundamentado se daria em momento exatamente anterior ao relatório final, oportunizando que a defesa produza elementos de prova que possam alterar ou influir na convicção do Delegado de Polícia e, até mesmo, redefinir possíveis novos rumos para investigação. Essa primeira possibilidade traz a vantagem de, caso o Delegado de Polícia altere ou modifique sua convicção, poderá proceder ao desindiciamento, denominado doutrinariamente como cancelamento ou destituição do ato de indiciamento, que possui o grande benefício de passar a constar nos bancos de dados criminais que o indiciamento foi cancelado. Júnior e Moraes se referem ao desindiciamento como ato que deve ser fundamentado pelo Delegado de Polícia que deve motivar e explicitar os motivos da alteração de convencimento, “seja por questões técnicas ou jurídicas, seja em razão da ciência de novas circunstâncias que afastem a ilicitude do fato ou a culpabilidade do investigado, ou ainda erro quanto à pessoa submetida ao indiciamento”. [14]
b) Ato de indiciamento ocorreria no relatório final traria que o traria em seu bojo, momento em que poderia ser aberto prazo para defesa tomar ciência do seu conteúdo e se manifestar, Gabriel e Souza mencionam que nesta opção a defesa seria uma espécie de “defesa prévia” que poderá ser levada em conta pelo Promotor de Justiça, que, caso concorde, não deflagrará uma ação penal desnecessária e equivocada. Uma das questões sobre o tema em estudo, que não localizamos por ocasião da pesquisa em nenhuma bibliografia, é como adotar a sistemática do indiciamento como marco para o exercício do contraditório possível e da defesa na investigação policial, quando a autoridade policial estiver diante de elementos que entenda suficientes para a representação da prisão preventiva, previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Tal questão não nos parece tão simples, uma vez que é incoerente que um Delegado de Polícia represente pela prisão preventiva de alguém sem que esse alguém seja o indiciado, ou seja, sem que se tenha partido de um juízo de mera possibilidade para uma probabilidade mais palpável e concreta sobre a autoria e a materialidade.
Conforme mencionamos acima, pensamos que o contraditório é o “possível”, então, expressamos opinião no sentido de que o Delegado de Polícia indiciar e dar ciência ao investigado de que representará pela sua prisão poderia ter o efeito, no caso concreto, de prejudicar o término das investigações e até mesmo prejudicar o exercício da justiça criminal, tendo em vista que os pressupostos da prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP somente devem ser invocados em caso de extrema necessidade a ser demonstrada na representação da autoridade policial.
Neste caso, entendemos e propomos que o indiciamento ainda tem muita relevância, no sentido de que, ao se deparar com elementos suficientes de autoria e materialidade apontando para o fim das investigações, o Delegado de Polícia deve fazer um juízo valorativo sobre a necessidade ou não de representar pela prisão cautelar preventiva. Em caso de necessidade, efetua o indiciamento no corpo da representação, sendo a mesma o relatório final. Caso entenda pela desnecessidade da representação, por não estarem presentes os pressupostos da preventiva, e deve partir desse raciocínio como regra, uma vez que a prisão cautelar é exceção, deve promover o indiciamento e intimar a defesa para ter ciência de todo lastro colhido e oferecer defesa caso deseje, sendo o artigo 14 do CPP de grande utilidade nesse momento, uma vez que, inclusive, se refere à expressão “indiciado”, podendo ser entendido o ato de indiciamento definido na Lei n. 12.830/2013 como um marco inicial do contraditório possível a ser indiciado na investigação policial.
4 CONCLUSÃO
Ao final deste estudo verifica-se a prova como instrumento de formação de um raciocínio jurídico dotado de força em decorrência de seu proferimento por uma autoridade judiciária. E ainda, compreende-la como a tentativa de demonstração objetiva dos fatos controvertidos com a intenção de facultar ao juiz a formação de uma hipótese razoável que possa ser adotada como suporte fático para a formulação de uma decisão, sendo a diferença de presunção e indícios principalmente que a primeira trata-se de mera probabilidade não devendo representar força no Ordenamento Jurídico brasileiro. Todavia, apesar dos indícios apresentarem-se essa força, é necessário cuidado em sua consideração, visto que ainda assim não são provas concretas, ainda tratam-se de indícios, devendo-se respeitar os direitos individuais, respeitando o princípios do contraditório e da ampla defesa.
REFERÊNCIAS
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[1] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2004.
[2] BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 261.
[3] BARBOSA, Ruchester Marreiros. Delegado natural é princípio basilar da devida investigação criminal. 2015. In: Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-out-06/academia-policia-delegado-natural-principio-basilar-investigacao-criminal>. Acesso em: 28 jan. 2019.
[4] NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 5 ed. rev. Atal e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 47-50.
[5] HOFFMANN, Henrique; NICOLITT, André. Investigação criminal pelo Ministério Público possui limites. 2018. In: Revista Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jul-30/opiniao-investigacao-criminal-mp-possui-limites>. Acesso em: 19 dez. 2019.
[6] NUNES, Marcelo Alves. Duração razoável da investigação criminal: uma garantia fundamental do investigado. Dissertação (Mestrado), Uninove, 2013, p. 120.
[7] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova lei 12.830/13 - investigação pelo delegado de polícia: primeiras impressões sobre a lei 12.830/2013 - investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. 2013. In: JusBrasil. 2013. Disponível em: <https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121937943/nova-lei-12830-13-investigacao-pelo-delegado-de-policia>. Acesso em: 19 dez. 2019.
[8] LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. - 3. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017.
[9] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2004.
[10] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2004.
[11] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
[12] LOPES JÚNIOR, Aury, GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação Preliminar no Processo Penal. Saraiva. São Paulo. 2013, p. 435.
[13] LOPES JÚNIOR, Aury, GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação Preliminar no Processo Penal. Saraiva. São Paulo. 2013, p. 435.
[14] PIMENTEL JÚNIOR, Jaime; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Polícia Judiciária e Atuação da Defesa na Investigação Criminal. São Paulo: Verbatim, 2017, p. 79.
Bacharel em Direito, Pós Graduado e Delegado de Polícia Civil de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Ivaldo pereira Santiago. Presunção x indícios: reflexões sobre a força dos indícios no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 dez 2019, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54043/presuno-x-indcios-reflexes-sobre-a-fora-dos-indcios-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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