RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a impossibilidade da criação de novas infrações penais imprescritíveis no âmbito da Constituição Federal (CRFB) seja por emendas ou por tratados internacionais. Não se podem criar novos casos de imprescritibilidade pelo legislador e há uma grande controvérsia sobre a possibilidade ou não de se permitir a extradição ou o surrender para crimes taxados pelo Tribunal de Roma. Para tanto, utilizou-se o método de análise qualitativa, com estudo da doutrina, jurisprudência e legislação. A CRFB reza pela imprescritibilidade somente para a prática do racismo e para a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; para os demais, ainda que hediondos, se perfaz a prescrição. Desta forma, a CRFB legislou pela regra da prescritibilidade por meio de sua própria omissão - "silêncio eloquente", que permite a imprescritibilidade em apenas duas hipóteses, logo é proibido em qualquer outra.
Palavras-chave: Prescrição, surrender, Tribunal de Roma.
ABSTRACT: This article aims to analyze the impossibility of creating new imprescriptible criminal offenses under the Federal Constitution (CRFB) either by amendments or by international treaties. No new cases of lawlessness can be created by the legislature and there is great controversy over whether or not to allow extradition or surrender for crimes taxed by the Court of Rome. For this, the qualitative analysis method was used, with study of the doctrine, jurisprudence and legislation. The CRFB prays for imprescriptibility only for the practice of racism and for the action of armed groups, civil or military, against constitutional order and the Democratic State; for the others, however heinous, the prescription is made. Thus, the CRFB legislated by the rule of prescribability through its own omission - "eloquent silence", which permits imprescriptibility in only two hypotheses, so is prohibited in any other.
Key words: Prescription, surrender, Rome Court.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DESENVOLVIMENTO. 2.1 CAUSAS DE IMPRESCRITIBILIDADE TAXADAS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NO ART. 5ª, XLII e XLIV E OS CRIMES JULGADOS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. 2.2 DO EQUÍVOCO INTERPRETATIVO AO ANALISAR A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA COMO UM PERMISSIVO À CRIAÇÃO DE NOVOS CRIMES IMPRESCRITÍVEIS. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil imperial, o art. 65 do Código Criminal do Império de 1830 (BRASIL, 1830), assim afirmava “Art. 65. As penas impostas aos réos não prescreverão em tempo algum”, ou seja, na época monarca brasileiro imperava a regra da imprescritibilidade.
Como nos afirma Masson (2015, p. 978):
“O Código Criminal do Império, de 1830, dispunha em seu art. 65 que as penas impostas aos condenados não prescreviam em tempo algum. Os diplomas posteriores (Código Penal de 1890, Consolidação das Leis Penais de 1932 e Código Penal de 1940) não repetiram aquela fórmula, já criticada em seu tempo.”
Entretanto, hoje, estamos em um panorama diferente, a regra é a prescrição das penas conforme estipulado no art. 107, IV do Código Penal: “Extingue-se a punibilidade pela prescrição, decadência ou perempção”.
Ressaltasse, contudo, que a Constituição Federal de 1988 trouxe em seu art. 5º hipóteses excepcionais da imprescritibilidade, são eles:
CRFB/88, art. 5º (...)
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o estado democrático.
O Estatuto de Roma, por sua vez, tratou da imprescritibilidade para todos os crimes da competência do Tribunal Penal Internacional, conforme seu Artigo 29: “os crimes da competência do Tribunal não prescrevem”.
Sendo seguido pela Corte Interamericana, que tem o entendimento pela imprescritibilidade dos crimes lesivos aos direitos humanos, independente da época em que fora perpetrado, incluindo os crimes anteriores à criação da própria corte.
Sofre de inconstitucionalidade, comportamento do legislador pátrio em criar por emenda à Constituição ou por leis, qualquer novo caso de imprescritibilidade, não elencado em norma originária da Constituição.
O Supremo Tribunal Federal já manifestou decisões a favor da possibilidade de se perfazer novas situações de imprescritibilidade penal no julgamento do RE 460.971/RS de 2007 relatado por Sepúlveda Pertence, que assim dispõe:
“3. Ademais, a Constituição Federal se limita, no art. 5º, XLII e XLIV, a excluir os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição, sem proibir, em tese, que a legislação ordinária criasse outras hipóteses.”
Entretanto aqui, não é correspondido pelo Superior Tribunal de Justiça e pela doutrina majoritária brasileira, que tem o entendimento pela taxatividade da Constituição Federal em matéria de imprescritibilidade penal, por tratar de direito fundamental determinada pela Constituição, bem como, não se a molda no novo direito penal moderno, além do mais, os tratados internacionais são normas, quando muitas, supralegais. Como exemplo, temos o doutrinador Masson (2015, p. 978):
“Como corolário dessas exceções, taxativamente indicadas pelo texto constitucional, prevalece em seara doutrinária o entendimento de que a legislação ordinária não pode criar outras hipóteses de imprescritibilidade penal.”
Com efeito, no momento em que o Poder Constituinte Originário admitiu apenas esses dois crimes como insuscetíveis de prescrição, afirmou implicitamente que todas as demais infrações penais prescrevem, e, pela posição em que tais exceções foram previstas (CRFB/88, art. 5º), a prescrição teria sido erigida à categoria de direito fundamental do ser humano, consistente na obrigação do Estado de investigar, processar e punir alguém dentro de prazos legalmente previstos.
Foi essa a razão que levou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a firmar-se no sentido de que, em caso de citação por edital e consequente aplicação do art. 366 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 9.271/1996, não se admite a suspensão da prescrição por tempo indefinido, o que poderia configurar uma situação de imprescritibilidade.
Entretanto, nova hipótese de imprescritibilidade nasceu com o Estatuto de Roma no art. 29: “Os crimes de competência do Tribunal não prescrevem”, ao qual, o Brasil ao aderir ao Tribunal Penal Internacional, acabou por trazer novas hipóteses de imprescritibilidade, por promulgação pelo Decreto 4.388/2002 tendo como exposto os crimes de genocídio, os crimes de agressão, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade. Dentro desses crimes, temos o crime de tortura (artigo 7°, 1 , "f", do Estatuto de Roma).
Urge salientar, que aqui estamos a tratar, não apenas de extradição, mas também do instituto do surrender (entrega) - o TPI tem competência especial e subsidiária, segundo norma constitucional do art. 5º § 4º e art. 7ºda ADCT, que determina ao Brasil a propugnar pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos e sua submissão à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. Sendo o art. 7ª da ADCT norma original da Constituição.
Por tudo isto, o presente trabalho tem como objetivo analisar a impossibilidade de criação de novas infrações penais imprescritíveis no âmbito da Constituição Federal seja por emendas a ela ou por tratados internacionais.
2.DESENVOLVIMENTO
2.1 CAUSAS DE IMPRESCRITIBILIDADE TAXADAS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NO ART. 5ª, XLII e XLIV E OS CRIMES JULGADOS PELO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
A imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade figura para parte da doutrina como um costume internacional, nos termos das Resoluções nº 02 e nº 95 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), bem como, defendem que o Decreto-Legislativo 4.388 que promulgou o Estatuto de Roma teria o status de norma supralegal, então, por óbvio, abaixo da Constituição Federal, porém acima das demais normas infraconstitucionais.
Registra-se também que o art. 4º, II da Constituição Federal de 1988, determina ao Brasil reger suas relações internacionais pela prevalência dos direitos humanos, buscando assim uma proteção eficiente aos direitos fundamentais, que melhor se perfaz pela imprescritibilidade, pois proporcionaria a efetiva proteção ao bem jurídico – direitos humanos.
Atualmente no Supremo Tribunal Federal, também com esse entendimento acima exposto, se tem Edson Fachin que manifestou esse entendimento em seu voto no julgamento de extradição de número 1.362, assim afirmando:
“Hoje é evidente que inexiste um direito constitucional à prescrição, como demonstram, por exemplo, a emenda apresentada pelo Deputado Constituinte Carlos Alberto Oliveira dos Santos, posteriormente materializada nos incisos XLII e XLIV do art. 5º da Constituição Federal, e a Emenda Constitucional n. 45/04, que acrescentou o parágrafo 4º ao art. 5º, reconhecendo a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, o qual prevê, no artigo 29 do Estatuto de Roma, a imprescritibilidade dos crimes internacionais (...)
Dessa forma, a manutenção do entendimento segundo o qual a prescrição deve ser verificada apenas de acordo com o disposto na lei brasileira tem o resultado de transformar o país em um abrigo de imunidade para os autores das piores violações contra os direitos humanos. Tal interpretação não apenas viola a jurisprudência da Corte Interamericana, cuja obrigatoriedade da jurisdição foi declarada pelo Governo da República Federativa do Brasil em 10 de dezembro de 1998, como também esvazia o sentido do princípio fixado no art. 4º, II, da Constituição Federal (...)
A obrigação internacionalmente fixada ao Estado argentino de punir as graves violações de direitos humanos estaria sendo obstada por um dispositivo da legislação brasileira, o que, além de conduzir a um resultado absurdo, transformando o país em um paraíso para criminosos internacionais, viola, frontalmente, o artigo 27 da Convenção de Viena, que não autoriza a invocação de disposições do direito interno para inadimplir um tratado”.
Seguido inclusive pela procuradoria federal em parecer no mesmo julgado.
“Poder-se-ia dizer que as normas do direito internacional não são de obrigatória observância quando em confronto com normas do direito interno que estabelecem normas de prescrição dos crimes. citando André de Carvalho Ramos, não pode haver espaço para interpretações que conduzam à incompatibilidade entre as normas constitucionais com a normatividade internacional de proteção aos direitos humanos. Há, no caso, presunção absoluta de compatibilidade entre as normas.”
Sobre o assunto, Miranda (2011, p. 147) aduz que:
“(…) o que o legislador busca, nos incisos XLII e XLIX do artigo 5º, é resguardar valores como a igualdade jurídica de todos os brasileiros e o Estado Democrático de Direito, e não estabelecer o instituto penal da prescrição como garantia fundamental. Logo, não existe nenhum artigo constitucional proibindo a adoção de crimes imprescritíveis ou afirmando que a enumeração dos crimes imprescritíveis, presente no artigo 5º, incisos XLII e XLIX, é taxativa. Além disso, se considerarmos o fim objetivado pelo texto constitucional, veremos que existe concordância entre as duas normas. Se o crime de racismo é imprescritível para a Constituição, o crime de genocídio também o será pela similitude dos objetos jurídicos protegidos pelos tipos penais”
A Corte Interamericana por sua vez, tem o entendimento pela imprescritibilidade de todos os crimes violadores de direitos humanos, inclusive aos praticados anteriormente à própria criação da Corte Interamericana, violando entendimento de Sousa (2017), que afirma:
“É possível concluir, portanto, que apenas os fatos praticados posteriormente à incorporação do Estatuto de Roma, em julho de 2002, são imprescritíveis, inclusive à luz do seu caráter de complementariedade e irretroatividade”.
Citando como exemplo o caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) (LIMA JUNIOR, 2019), ao qual responsabilizou o Estado-parte Brasil pela prisão, tortura e desaparecimento de quase 70 pessoas de fatos ocorrido na década de 70, entendendo que o Brasil perfez a impunidade com a Lei da Anistia - Lei 6.683/1979 -, sendo assim, determinou ao Estado Brasileiro adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no passado e a reforma das instituições para a democracia; provocando assim, uma divergência entre a Corte Interamericana e o STF na ADPF 153, ao qual julgou constitucional e aplicável no Brasil a Lei de Anistia. Ressalta-se ainda, que a Corte Interamericana, entendeu que a violação aos direitos humanos implicaria dano permanente, o que deveriam ser punidos, mesmo para fatos praticados em momentos anteriores à própria criação da Corte Interamericana em 22 de maio de 1979 em São José na Costa Rica, devido a sua natureza permanente.
Também podemos citar o Caso Herzog e outros vs. Brasil (VILAVERDE, 2018), ao qual responsabilizou o Estado-parte Brasil pela falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pela morte de Vladimir Herzog – em que obteve o entendimento da proibição de utilização por Estados partes de argumentos em suas defesas para o descumprimento do seu dever de investigar e punir os responsáveis por violações de direitos humanos, tais como: Lei de Anistia, prescrição, o Princípio do bis in idem, nem qualquer outra disposição análoga para excluir a ilicitude.
Observação já realizada por Cavalcante (2019) nos comentários contidos no Informativo nº 888 do STF, in verbis:
“a Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu, em diversas oportunidades, que os Estados integrantes do sistema interamericano de direitos humanos (dentre eles, o Brasil) deverão reconhecer a imprescritibilidade dos crimes lesa-humanidade e punir os suspeitos de sua prática. Nesse sentido: (Caso Barrios Altos versus Peru, mérito, sentença de 14 de março de 2001, par. 41; Caso La Cantuta, mérito, sentença de 29 de novembro de 2006, par. 152; e Caso Do Massacre de Las Dos Erres, sentença de 24 de novembro de 2009, par. 129).”
Por fim, Velloso (2006, p. 17 e 18), nos afirma que os principais argumentos pela imprescritibilidade são:
“a) a prescrição não é um direito natural ou uma liberdade fundamental. b) a prescrição não é de direito comum. c) o impossível esquecimento, o improvável arrependimento. d) o argumento da expiação moral repelido. e) a exemplaridade necessária. f) a prova facilitada.”
Sendo assim, de forma sucinta, os defensores dessas doutrinas, entendem pela possibilidade de criação de novas infrações criminais imprescritíveis, seja por emenda à Constituição, sejas por leis ou tratados internacionais, em efetivação ao Princípio do Pro homini e a prevalência dos direitos humanos.
2.2 DO EQUÍVOCO INTERPRETATIVO AO ANALISAR A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA COMO UM PERMISSIVO À CRIAÇÃO DE NOVOS CRIMES IMPRESCRITÍVEIS
Nas palavras de Cunha (2016):
“Como a Tortura está elencada no artigo 7°, I, "f", do Estatuto de Roma, parte da doutrina alega que a norma conferiria a imprescritibilidade a tal delito. Majoritariamente, contudo, compreende-se que o Estatuto de Roma é tratado com status de norma supralegal, sem força suficiente para afastar a garantia implícita constitucional da prescritibilidade.”
A jurisprudência por sua vez entende que é prescritível:
Ementa: SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TORTURA. POLICIAIS MILITARES. PERDA DO POSTO E DA PATENTE COMO CONSEQUÊNCIA DA CONDENAÇÃO. APLICABILIDADE DO ARTIGO 1º, § 5º, DA LEI 9.455/1997. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 125, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTE. 1. A condenação de policiais militares pela prática do crime de tortura, por ser crime comum, tem como efeito automático a perda do cargo, função ou emprego público, por força do disposto no artigo 1º, § 5º, da Lei 9.455/1997. É inaplicável a regra do artigo 125, § 4º, da Carta Magna, por não se tratar de crime militar. Precedentes. 2. In casu, o acórdão recorrido assentou: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TORTURA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS QUANTUM SATIS. CONDENAÇÃO DOS APELADOS QUE SE IMPÕE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, MODALIDADE RETROATIVA, ARTIGO 109, INCISO V, C/C ARTIGO 110, AMBOS DO CÓDIGO PENAL, EM RELAÇÃO AOS APELANTES ANTÔNIO MARCOS DE FRANÇA E ELENILSON NUNES DA SILVA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.” 3. Agravo regimental DESPROVIDO. (ARE 799102 AgR-segundo, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-026 DIVULG 06-02-2015 PUBLIC 09-02-2015).
Também poderíamos perfazer uma análise conciliatória entre as doutrinas, ao qual o pensamento de Cunha (2016) só se aplicaria apenas aos casos julgados pelo Brasil em sua jurisdição interna, ou seja, será prescritível, entretanto, se julgado pelo Tribunal Penal Internacional será imprescritível, pois não há como negar jurisdição internacional ao Tribunal em que o Brasil faça parte, ressaltando, que essa jurisdição tem apoio em norma constitucional originária (art. 5º § 4º e Art. 7º. ADCT, ambos da Constituição Federal de 1988).
Desta forma, os crimes de tortura e outros poderão ser julgados a qualquer tempo pelo Tribunal Internacional Penal, desde que cumprido os requisitos expostos para julgamento no Estatuto de Roma, como por exemplo, existência de inércia do Brasil, sujeito ativo maior de 18 anos, e principalmente, a aceitação pela corte em julgar a matéria e ao próprio conceito restritivo da corte ao que seria tortura, pois é de se saber, que crimes de tortura na esfera internacional apenas atingem como sujeitos ativos os agentes estatais, ao passo que no Brasil atinge agentes estatais ou não, sendo assim, um crime comum e não funcional. Senão vejamos:
O art. 1º da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes (BRASIL, 1991) traz o conceito de tortura, e dispõe que:
"Para os fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimento são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram."
Já para Habib (2015, p. 289), ao analisar o crime de tortura tipificado no Brasil, ensina que:
“O delito de tortura, salvo as exceções legais, é crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, não se exigindo a condição especial de funcionário público.”
Velloso (2006, p. 24), ensina que a interpretação dos arts. 17 e 29 do Estatuto de Roma deve ocorrer de maneira que:
“A interpretação extensiva do artigo 17 (2) do Estatuto de Roma, resultante de uma visão abrangente do alcance de seu artigo 29, não é a mais correta. A prática dos Estados não autoriza, no presente estado de coisas, a deduzir o consentimento deles sobre a imprescritibilidade dos crimes internacionais perante as ordens jurídicas nacionais, e sobre o risco conseqüente do exercício complementar da jurisdição do TPI quando o foro doméstico tenha declarado extinta a punibilidade, ou a pena, pelo decurso do tempo”
Urge salientar ainda que o Brasil não está obrigado a seguir tratado que não subscreveu, ou melhor, pela Teoria dos Atos Complexos ou da Junção de Vontades, somente após o decreto de promulgação e publicação, passa o Estado-Parte a ter obrigatoriedade no comprimento dos deveres expostos no tratado internacional. Logo, como se sabe, o Estado brasileiro não subscreveu a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade de 1968 (Resolução 2391 artigo 3º).
Então, não há como defender a existência de obrigação por parte do Brasil, como bem nos ensinou o ilustre ministro Celso de Mello em seu voto na ADPF 153:
“Isso significa que a cláusula de imprescritibilidade penal que resulta dessa Convenção das Nações Unidas não se aplica, não obriga nem vincula, juridicamente, o Brasil, quer em sua esfera doméstica, quer no plano internacional. Cabe observar, de outro lado, que o Conselho Federal da OAB busca fazer incidir, no plano doméstico, uma convenção internacional de que o Brasil sequer é parte, invocando-a como fonte de direito penal, o que se mostra incompatível com o modelo consagrado na Constituição democraticamente promulgada em 1988. Ninguém pode ignorar que, em matéria penal, prevalece, sempre, o postulado da reserva constitucional de lei em sentido formal . Esse princípio, além de consagrado em nosso ordenamento positivo (CF, art. 5º, XXXIX), também encontra expresso reconhecimento na Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 9º) e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 15), que representam atos de direito internacional público a que o Brasil efetivamente aderiu. Seguindo pelo ilustre magistrado Marcio André, ao comentando o informativo 846 do STF, “ 1)o Brasil não subscreveu a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, nem aderiu a ela. Isso significa que a cláusula de imprescritibilidade penal que resulta dessa Convenção das Nações Unidas não se aplica, não obriga nem vincula, juridicamente, o Brasil, quer em sua esfera doméstica, quer no plano internacional. Não se pode querer aplicar, no plano doméstico, uma convenção internacional de que o Brasil nem sequer é parte, invocando-a como fonte de direito penal, o que se mostra incompatível com a CF/88. 2) apenas a lei interna (lei brasileira) pode dispor sobre prescritibilidade ou imprescritibilidade de crimes no Brasil. Sendo o tema prescrição relacionado com o direito penal, deve-se concluir que ele está submetido ao princípio constitucional da reserva absoluta de lei formal, exigindo lei em sentido formal. Em matéria penal, prevalece, sempre, o postulado da reserva constitucional de lei em sentido formal.”
Desta forma, seja em casos de extradição ou de surrender a prescrição é a regra, logo, crimes prescritos pela norma mais favorável – norma do país que pede a extradição ou a normas brasileiras - impedem a extradição. Não sendo a prisão para análise da extradição, marco interruptivo da mesma. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.
“Ementa: EXTRADIÇÃO REQUERIDA PELA REPÚBLICA ARGENTINA. DELITOS QUALIFICADOS PELO ESTADO REQUERENTE COMO DE LESA-HUMANIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA SOB A PERSPECTIVA DA LEI PENAL BRASILEIRA. NÃO ATENDIMENTO AO REQUISITO DA DUPLA PUNIBILIDADE (ART. 77, VI, DA LEI 6.815/1980 E ART. III, C, DO TRATADO DE EXTRADIÇÃO). INDEFERIMENTO DO PEDIDO. 1. Conforme pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “a satisfação da exigência concernente à dupla punibilidade constitui requisito essencial ao deferimento do pedido extradicional” (Ext 683, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, Dje de 21.11.2008). Nessa linha, tanto o Estatuto do Estrangeiro (art. 77, VI), quanto o próprio tratado de extradição firmado entre o Brasil e o Estado requerente (art. III, c), vedam categoricamente a extradição quando extinta a punibilidade pela prescrição, à luz do ordenamento jurídico brasileiro ou do Estado requerente. 2. O Estado requerente imputa ao extraditando a prática de delito equivalente ao de associação criminosa (art. 288 do Código Penal), durante os anos de 1973 a 1975, e, no ano de 1974, de crimes equivalentes aos de sequestro qualificado (art. 148, § 2º, do Código Penal) e de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, do Código Penal). Evidentemente, todos esses delitos encontram-se prescritos, porquanto, desde sua consumação, transcorreu tempo muito superior ao prazo prescricional máximo previsto no Código Penal, equivalente a 20 (vinte) anos (art. 109, I). Não consta dos autos, ademais, que se tenha configurado qualquer das causas interruptivas da prescrição. 3. A circunstância de o Estado requerente ter qualificado os delitos imputados ao extraditando como de lesa-humanidade não afasta a sua prescrição, porquanto (a) o Brasil não subscreveu a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, nem aderiu a ela; e (b) apenas lei interna pode dispor sobre prescritibilidade ou imprescritibilidade da pretensão estatal de punir (cf. ADPF 153, Relator(a): Min. EROS GRAU, voto do Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, Dje de 6.8.2010). 4. O indeferimento da extradição com base nesses fundamentos não ofende o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (Decreto 7.030/2009), uma vez que não se trata, no presente caso, de invocação de limitações de direito interno para justificar o inadimplemento do tratado de extradição firmado entre o Brasil e a Argentina, mas sim de simples incidência de limitação veiculada pelo próprio tratado, o qual veda a concessão da extradição “quando a ação ou a pena já estiver prescrita, segundo as leis do Estado requerente ou requerido” (art. III, c). 5. Pedido de extradição indeferido. STF. Plenário. Ext 1362/DF, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Teori Zavascki, julgado em 9/11/2016 (Info 846).
Por tudo aqui já analisado, se perfaz total absurdo a posição da Corte Interamericana em buscar punir fatos anteriores à criação da própria corte, violando o Princípio da Irretroatividade da Lei Penal, bem como, busca forçar os Estados partes à imprescritibilidade sem antes os Estados assim ratificarem a Convenção Internacional sobre o tema, o que fere o Princípio da Não Intervenção e da Soberania dos Estados, ao qual atende às necessidades de cada Estado, que no Brasil, inclusive, o art. 4º da Constituição Federal de 1988 determina:
“A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos, III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VII - solução pacífica dos conflitos;”
Devemos lembrar que o constitucionalismo moderno nasce com uma preocupação de objetivar a ordem jurídica para limitar o poder dos soberanos, bem como, definir segurança jurídica aos jurisdicionados, igual raciocínio deve ser aplicado aos tratados internacionais, sob pena de se permitir o decisionismo ou o voluntarismo das cortes internacionais, logo se o Estado-parte, não subscreveu a resolução sobre a imprescritibilidade, por óbvio, não permitiu à corte obrigar o mesmo a esse comportamento, realizando uma verdadeira hierarquização de culturas jurídicas, por impor entendimentos common law a países civil law.
Seguida pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados - Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009, Artigo 34: “Um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento.”
Não podendo alegar que é uma norma consuetudinária, nos termos do art. 38 do referido tratado, em matéria não pacificada, o que fere os requisitos de obrigatoriedade e continuidade dos costumes.
Como bem nos ensina Gonzaga e Beijato Júnior (2014, p. 304):
“No decurso do tempo surgiram os ideais iluministas: Deus dava lugar ao homem como o centro de todas as coisas (antropocentrismo). Os esses iluministas propiciaram o surgimento da Revolução Francesa e da Revolução Americana (revoluções liberais do final do século XVII) que defendiam, entre outras coisas, a positivação de diversos direitos com o intuito de propiciar maior segurança aos membros da sociedade.”
Não é por menos, que a Corte Europeia de Direitos Humanos, vem se estabelecendo com maior intensidade a Teoria da Margem de Apreciação, percorrendo um caminho diverso da Organização dos Estados Americanos, pois busca um caminho conciliatório, e não ditatorial sobre os entendimentos e práticas dos direitos humanos.
Favorecendo na Europa, a Teoria Hermenêutica Diatópica de Boaventura (SANTOS, 2004, p.257):
“A hermenêutica diatópica baseia-se na ideia de que os topoi de uma dada cultura, por mais fortes que sejam são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem. Tal incompletude não é visível a partir do interior dessa cultura, uma vez que a aspiração à totalidade induz a que se tome a parte pelo todo. O objectivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude – um objeto inatingível – mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura, outro noutra. Nisto reside o seu caráter dia-tópico”
Assim como o universalismo de chegada ou de confluência de Flores (2002):
“Uma racionalidade que não nega que é possível chegar a uma síntese universal das diferentes opções relativas aos direitos. E tampouco descarta a virtualidade das lutas pelo reconhecimento das diferenças étnicas ou de gênero. O que negamos é considerar o universal como um ponto de partida ou um campo de desencontros. Ao universal há que se chegar – universalismo de chegada ou de confluência – depois (não antes) de um processo conflitivo, discursivo de diálogo ou de confrontação no qual cheguem a romper-se os prejuízos e as linhas paralelas. Falamos do entrecruzamento e não de uma mera superposição, de propostas.”
Registra-se ainda que, a maior contribuição de Kelsen para a ciência do direito de grande utilização ainda hoje, é a Teoria da Pirâmide Normativa, ou seja, a Constituição por se encontrar no topo do ordenamento jurídico, se sobrepõe a qualquer outra norma do sistema de normativo, não podendo interpretações darem mais valor aos tratados internacionais ou normas infralegais em detrimento da própria Constituição (KELSEN, 1987, p. 240):
“A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental - hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora”.
Já ficou constatado que a Constituição Federal tratou no art. 5º sobre a imprescritibilidade, nos crimes de racismo e na ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, justamente para impedir a imprescritibilidade em qualquer outro delito.
Então, por se encontrar estipulado no art. 5º da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, protegido como cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV da Constituição “os direitos e garantias individuais”). Nota-se um verdadeiro direito constitucional fundamental individual, o direito à prescrição, que por interpretação, na dicção utilizada pela Constituição “direito individual”, deve repousar a ideia de que direitos individuais se sobrepõe a interesses coletivos, como é a punição por crimes, posto, a Constituição expressamente trazer os direitos individuais como cláusula pétrea.
Apesar de reconhecermos juntamente como a doutrina majoritária brasileira a classificação dos direitos sociais como cláusula pétrea, devido ao caráter de interdependência, unidade e necessidade que todos os direitos da pessoa humana se perfaz entre si, no entanto, não podemos olvidar da superioridade interpretativa que deve imperar entre os direitos individuais em conflito com os direitos coletivos, uma, porque os direitos individuais foram tratados primeiramente (art.5º da CRFB/88) aos sociais (art. 6º e seguintes, CRFB/88), e em segundo lugar, por terem sido ressalvados expressamente como cláusula pétrea apenas o direitos e garantias individuais.
Desta forma, podemos encontrar amparo inclusive na obra de Alexy (1993, p. 452 e 453), que defende a prevalência dos direitos de dimensão subjetiva em face da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, pois, a principal finalidade dos direitos fundamentais, consiste na proteção do individuo, e não da coletividade, desempenhando a dimensão objetiva uma função e reforço da tutela jurídica dos direitos fundamentais subjetivos; bem como, por argumento de otimização, a análise do caráter principiológico dos direitos fundamentais, demonstra que o reconhecimento dos direitos positivos implica num grau maior de realização dessas normas-princípios definidoras de direitos fundamentais, do que previsões de obrigações de natureza meramente objetiva.
“Sin embargo, esta distinción tiene también que ser puesta en duda. Existen problemas de derechos de defensa sumamente controvertidos, más allá del ámbito de la jurisprudencia; basta pensar, por ejemplo, en el derecho de realizar manifestaciones callejeras; y existen posiciones de derechos a proteccion; que nadie pone seriamente en duda, por ejemplo, la protección frente a lesiones corporales a través de las normas del derecho penal. Esto pone claramente de manifiesto que los límites de los campos de acción del legislador y de la competencia del Tribunal Constitucional no pueden orientarse por diferencias teórico-estructurales como las que existen entre los derechos de defensa y los derechos a protección, sino únicamente por cuestiones sustanciales. En última instancia, la cuestión sustancial apunta —tal como puede ser formulado sobre la base de la concepción formal del derecho fundamental presentada más arriba— a saber si, desde el punto de vista del derecho constitucional, una determinada protección es tan importante que su otorgamiento o no otorgamiento no puede quedar en manos de la simple mayoría parlamentaria.
Esta fórmula contiene también la solución del problema del pronostico. Es fácil reconocer que toda propuesta para la solución del problema del pronóstico incluye una propuesta para la distribución de competencias entre el Tribunal Constitucional y el legislador. Supongamos que hay que juzgar si el medio de protección M cumple o no el deber de protección P. Según el pronóstico Pr1 tal es el caso: según el pronóstico Pr2 no. El legislador sostiene Pr,. Si el legislador tiene la competencia para decidir cuál pronóstico ha de tomarse como punto de partida. el Tribunal Constitucional no puede decir que se ha lesionado el deber de protección. Si el Tribunal posee la competencia de decisión, puede decir que Pr1 es falso y Pr2 correcto y, por lo tanto, el deber de protección P no es cumplido por M”
Podemos ainda analisar o aspecto econômico do direito, como poder de fato que constrói o direito, por uma interpretação histórica dos direitos fundamentais, por ter o Brasil adotado o sistema capitalista de produção e geração de riquezas. Senão vejamos: quando o mundo fora dividido em dois polos econômicos, o capitalista e o socialista, o pacto sobre os direitos civis e políticos foram assinados pelos países capitalistas, ao passo que, os países socialistas defendiam apenas os direitos sociais em detrimento a qualquer direito individual, por isso assinalaram o pacto sobre os direitos econômicos, sociais e culturais.
Desta forma, os países capitalistas sempre defenderam a preponderância dos direitos individuais, posto decorrer do próprio modelo econômico que embasou suas constituições.
Devemos ainda salientar a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017 no art. 82:
Lei nº 13.445/2017, art. 82: Não se concederá a extradição quando: VI - a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;
No tocante aos crimes como tráfico de drogas, tortura etc, a Constituição limitou-se o a afirmar ser crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (art 5º, inciso XLIII da CRFB/88).
Também, nos termos do art. 31, § 1º, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, a exigência contida no Artigo III do Tratado de Extradição deve ser interpretada “segundo o sentido comum atribuível aos termos” do Tratado, razão pela qual, não se deve buscar outro sentido possível ao termo, senão aquele que apenas analisa o pedido extradicional à luz da legislação brasileira.
Por fim, o Ministro Marco Aurélio no HC 96.007 / SP afirmou que:
“A visão mostra-se discrepante da premissa de não existir crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal – inciso XXXIX do artigo 5º da Carta Federal. Vale dizer que a concepção de crime, segundo o ordenamento jurídico constitucional brasileiro, pressupõe não só encontrar-se a tipologia prevista em norma legal, como também ter-se, em relação a ela, pena a alcançar aquele que o cometa. Conjugam-se os dois períodos do inciso XXXIX em comento para dizer-se que, sem a definição da conduta e a apenação, não há prática criminosa glosada penalmente (...) não se poderia, repito, sem lei em sentido formal e material como exigido pela Constituição Federal, cogitar-se de tipologia a ser observada no Brasil. A introdução da Convenção ocorreu por meio de simples decreto!”.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificamos que no direito Brasileiro impera a doutrina pelo qual não se pode criar novos casos de imprescritibilidade pelo legislador, seja por emendas à Constituição ou por leis, bem como, demonstrado a grande controvérsia sobre a possibilidade de se permitir a extradição ou o surrender para crimes taxados pelo Tribunal de Roma como imprescritíveis.
Passamos a entender que a extradição se perfaz a regra da prescrição a qualquer crime, entretanto, no caso de surrender, a competência do TPI só poderá ocorrer se o Brasil internamente não julgou o caso, independente do resultado da demanda – que pode ocorrer pela prescrição -, pois baseado em norma constitucional do art. 5º, § 4º e art. 7º, ambos do ADCT.
Por tudo aqui já exposto, ao analisar a Constituição em uma interpretação a contrario senso do art. 5º XLII, XLIII e XLIV da CRFB/88, percebemos que a imprescritibilidade somente ocorre para a prática do racismo e para a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; para os demais, ainda que hediondos, se perfaz a prescrição, conforme a própria constituição ao afirmar “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
Então, a Constituição Brasileira legislou pela regra da prescritibilidade por meio de sua própria omissão - "silêncio eloquente"- pois são normas restritivas de direitos fundamentais, que devem, por óbvio, serem interpretadas restritivamente, e isso se perfaz pelo fato dos dispositivos constitucionais permitirem a imprescritibilidade apenas em duas hipóteses, logo é porque a proibiu em qualquer outra.
4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Advogado. Especialista em Direito Constitucional, Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, MANFREDO BRAGA. Da impossibilidade da criação de novas infrações penais imprescritíveis, seja por emendas à Constituição ou por tratados internacionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 dez 2019, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54055/da-impossibilidade-da-criao-de-novas-infraes-penais-imprescritveis-seja-por-emendas-constituio-ou-por-tratados-internacionais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
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