RESUMO: O presente trabalho acadêmico discorre a respeito do papel exercido por alguns dos mais relevantes princípios constitucionais do processo civil na condição de garantidores do exercício da função jurisdicional. De fato, as balizas principiológicas advindas da ordem constitucional inaugurada pela Carta Política de 1988 trouxeram importantes alterações no sistema processual até então vigente. Nesse sentido, diversos paradigmas normativos passaram a gozar de relevância substancial, influenciando sobremaneira as legislações infraconstitucionais, entre os quais os postulados do devido processo legal e seus consectários, a exemplo dos predicados da isonomia, contraditório e ampla defesa. Os referidos institutos, portanto, serão objeto de análise no contexto das reportadas mudanças históricas e políticas, em especial como elementos principiológicos de natureza processual cuja origem remonta à própria Carta Política em vigor.
Palavras-chave: princípios constitucionais do processo; devido processo legal; constituição federal.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO CIVIL; 2.1 DEVIDO PROCESSO LEGAL; 2.2 ISONOMIA; CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA; 3 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
A recente ordem constitucional inaugurada pela promulgação da Carta Política de 1988, ao mesmo tempo em que redimensionou o significado das Instituições componentes da estrutura organizacional do Estado, ampliou as garantias e direitos individuais dos cidadãos brasileiros.
Neste sentido, em se tratando do arcabouço processual pátrio, foram traçados importantes contornos ao fito de conceder à função jurisdicional um caráter verdadeiramente efetivo, mediante a sua vinculação aos princípios fundamentais constitucionalmente previstos, balizando e legitimando, portanto, a atividade processual exercida no Brasil.
Com efeito, ao se referir sobre a imprescindibilidade de se assegurar ao indivíduo o direito ao Devido Processo Legal em todos os âmbitos procedimentais, aliada à necessidade em se propiciar a ampla defesa e o contraditório, a Constituição de 1988 corporificou os anseios democráticos que se espreitavam não somente dentre os ramos do Direito, mas, sobretudo, se traduziam como uma verdadeira luta travada por todas as camadas da sociedade.
O novo Código de Processo Civil, por sua vez, logrou encampar de forma explícita o espírito norteador das disposições constitucionais que asseguram o direito fundamental a um processo justo, célere e democrático. Diversos dos seus dispositivos impõem ao magistrado e às partes o dever de transparência e lealdade, cuidando de, expressamente, adotar as balizas da Constituição como elementos norteadores do procedimento.
É de se observar, contudo, que o sobredito alargamento do conteúdo econômico, legal e social na acepção dos valores que devem viger no âmbito do novo modelo de sociedade trazido pela Constituição Federal, em vez de fomentar, por seu turno, o aprimoramento das ferramentas públicas disponibilizadas à coletividade para fins do exercício da cidadania, acabou por ocasionar um estrangulamento sem precedentes da estrutura dos setores públicos nacionais.
Como fator agravante de tal realidade, a pluralidade comportamental consagrada pela própria evolução das relações interpessoais, sem sombra de dúvidas, tornou a sociedade muito mais complexa, exigindo, por conseguinte, soluções mais aprimoradas no que tange à resolução dos conflitos surgidos diante dessa nova dinâmica social.
Nesta ordem de ideias, o Judiciário, como parte de um dos Poderes do Estado Republicano, local onde legitimamente se resolvem os litígios havidos entre os cidadãos e entre estes e o poder público, não ficou de fora dos sobreditos problemas que correlacionam a disparidade entre o leque de direitos e faculdades ofertadas às pessoas e a efetividade em se obter as providências reclamadas.
O resultado desta incongruência se traduziu em um contínuo processo de desgaste e descrédito do Judiciário frente a população que, em meio aos seus problemas estruturais, não conseguia dar vazão ao relatado crescimento das demandas postas sob a sua apreciação, impedindo-o, por conseguinte, de realizar minimamente o precípuo papel pelo qual fora instituído, qual seja o de distribuir justiça.
Assim sendo, este trabalho científico tem por escopo a análise sobre o papel exercido pelos ditames processuais elencados constitucionalmente como base da atividade processual desenvolvida no sistema normativo pátrio, atribuindo-se especial enfoque à problemática atinente à obtenção da celeridade processual como fator intrínseco à noção do Devido Processo Legal.
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO CIVIL
As diversas transformações experimentadas por grande parte das nações ao redor do mundo, ao longo do século 20, modificaram sobremaneira a forma como a sociedade passou a enxergar os diversos extratos que a compõem.
No Direito Constitucional não foi diferente, tendo tais importantes alterações sido levadas a efeito através da adoção de novos métodos hermenêuticos, mediante o alargamento do conteúdo axiológico incorporado às constituições.
Os direitos e garantias fundamentais tornaram-se importantes balizas indispensáveis à aplicação das normas legais, irradiando suas disposições protetivas perante os demais ramos da ciência jurídica.
Neste diapasão, o chamado neoconstitucionalismo alçou a Constituição como fonte direta para aplicação das leis, que, por conseguinte, somente terão sua aplicação legitimamente efetivada se estiverem em conformidade com tudo o quanto disposto na Lei Maior. Sobre o tema, oportuno transcrever seguinte passagem de lavra de Dirley da Cunha Junior (2018, p.33):
O neoconstitucionalismo, ou o novo direito constitucional como também é conhecido, destaca-se, nesse contexto, como uma nova teoria jurídica a justificar a mudança de paradigma, de Estado Legislativo de Direito, para Estado Constitucional de Direito, consolidando a passagem de Lei e do Princípio da Legalidade para a periferia do sistema jurídico e o trânsito da Constituição e do Princípio da Constitucionalidade para o centro de todo o sistema, em face do reconhecimento da Constituição como verdadeira norma jurídica, com força vinculante e obrigatória, dotada de supremacia e imensa carga valorativa.
Não por outra razão o novo Código de Processo Civil, cuja vigência teve início em março de 2016, já em seu primeiro dispositivo evidencia sua absoluta submissão ao espírito plasmado na Carta Política de 1988 ao consignar que “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
Em meio a este contexto é que os princípios deixam de ser elementos periféricos no âmbito dos respectivos sistemas legais, para se tornarem protagonistas de uma nova ordem constitucional. Um extenso leque de direitos e liberdades passou a assistir os cidadãos, enquanto que a proteção às pessoas como seres que necessitam dispor de uma vida digna se torna um dos objetivos primordiais do Estado.
No que se refere às características das sobreditas normas que detêm caráter principiológico, mister se faz destacar elucidativa lição sobre o tema, nestes termos:
Os princípios constitucionais são normas presentes na Constituição que se aplicam às demais normas constitucionais. Isso porque são dotados de grande abstratividade, e têm por objetivo justamente imprimir determinado significado às demais normas. Daí resulta o que se denomina sistema constitucional, que impõe a consideração da Constituição como um todo coeso de normas que se relacionam entre si (unidade da Constituição). Os princípios constitucionais, portanto, servem de vetores para a interpretação válida da constituição. (TAVARES, 2016, p.99)
Acrescenta Marlene Marlei de Souza (2008, p.06) que os princípios constitucionais “[...] se inserem na Constituição Federal como garantias fundamentais, e, nesse contexto, precisam ser bem compreendidos para que tenham sua eficácia sobre o mundo dos fatos quando levados até o Judiciário.”
Nessa linha de raciocínio, tem-se então que a mencionada supremacia dos ditames constitucionais, arraigados, por sua vez, aos intensos reflexos oriundos dos conteúdos açambarcados pelos princípios insertos na recente ordem constitucional, acabou por se espalhar, como dito, pelos diversos ramos do Direito.
Assim sendo, a chamada constitucionalização da ciência jurídica não poderia deixar de criar fortes vínculos perante as normas que balizam o processo civil, diante, sobretudo, da importância ímpar que o mencionado campo normativo ocupa dentre o sistema legal pátrio.
É que, em sendo o processo em sua acepção mais ampla o instrumento pelo qual a coletividade corporifica os direitos em geral postos à sua disposição, é natural que a mudança de paradigmas ora reportada tenha ocasionado sensíveis e profundas transformações nesta seara.
A função jurisdicional por se caracterizar como atividade monopolizada pela função Estatal, por corolário lógico, pois, exige que os seus traços mais essenciais – e que possibilitam o verdadeiro exercício deste mister – sejam retirados, de igual maneira, diretamente da Constituição Federal.
Neste sentido, em relação à multicitada influencia constitucional sobre as regras que tratam do procedimento, atesta Hugo Vitor Hardy de Melo (2010, p.06) que os princípios processuais “apesar das especificidades técnicas, também são garantias fundamentais, ou seja, não há como garantir o mínimo de estabilidade social se um instrumento que tutela liberdade, bens e outros direitos, não tiver diretrizes claras e previamente estabelecidas”
Tratando a respeito da relevância dos postulados principiológicos insertos na Lei Maior que tratam do processo, discorre José Augusto Delgado (2001, p. 38):
Os princípios que comandam as garantias processuais do cidadão são relevantes no contexto constitucional porque decorrem do que substancialmente foi inserido no texto da Carta Magna. Esta, ao se apresentar como sendo o conjunto de normas jurídicas fundamentais definidoras de uma ordem jurídico-política e de uma ordem de valores acatadas pela Nação, há de permitir que sejam extraídas de seu conteúdo as idéias forças que fizeram com que se considere a ordenação sistemática e racional da comunidade política com capacidade de produzir efeitos processuais que garantam os direitos fundamentais estabelecidos para 6 cidadão. Dai decorre a função excepcional dos princípios jurídicos processuais para a eficácia dos direitos, liberdades e garantias oferecidas aos jurisdicionados.
No mesmo sentido, oportuno destacar esclarecedora lição que também discorre sobre a missão protetiva inerente aos princípios constitucionais do Processo Civil, a saber:
Os princípios, no referente às garantias processuais do cidadão, atuam como forma de proteção das liberdades jurídicas, tendo ‘por objeto a proteção dos status pessoais e de cada um dos direitos que implicam o exercício de funções públicas' que são ‘atividades que a própria ordenação considera para limitar em relação a elas os poderes do Estado ou de outros sujeitos que exercem funções públicas, de modo que, além deste limite jurídico, há uma esfera igualmente jurídica que se tem querido reservar à iniciativa e vontade de outrem, protegendo-a de vários modos’ (ROMANO apud DELGADO, 1999, p.63)
De fato, os ditames principiológicos que tratam do processo se revelam como verdadeiras balizas para que se proceda a uma distribuição de justiça legítima, na busca pela satisfação plena daqueles que, de alguma forma, dependam do procedimento judicial para defenderem sua esfera jurídica de direitos.
É preciso que se tenha em mente que a dita constitucionalização do processo significa a ampliação da possibilidade das pessoas exercerem a cidadania; de igual forma, o próprio acesso a esta ferramenta também já é algo que revela em si mesmo o atendimento a ânsia na busca pela realização de justiça.
Por outro lado, imperioso consignar que os princípios processuais não se encontram dispostos exaustivamente ao longo do texto constitucional; neste ponto, a doutrina tradicional classificou-os quanto à citação expressa na Carta Maior: como princípios explícitos e os implícitos.
No presente estudo científico, como alertado em oportunidade anterior, não se tem a pretensão de esgotar a matéria de forma exauriente e extensiva, mas tão somente delinear alguns traços a respeito dos principais comandos constitucionais que permeiam o instituto processual cível pátrio, notadamente quando se faz premente a efetividade na prestação jurisdicional.
Neste passo, imperioso que se proceda ao estudo dos mais relevantes princípios processuais que gozam de prestígio constitucional, de modo a possibilitar o adequado desenvolvimento temático deste artigo científico, são eles: Devido Processo Legal, Isonomia, Contraditório e Ampla Defesa.
2.1 DEVIDO PROCESSO LEGAL
O primeiro registro histórico que traça os contornos iniciais acerca da conformação do Devido Processo Legal nos termos em que sua aplicação se dá atualmente, surgiu através da Magna Carta Inglesa de 1215, em que dispunha que nenhum homem livre seria preso ou exilado a menos que fosse submetido a um julgamento justo e de acordo com as leis do país.
Tal conjunto de normas britânicas, em verdade, se constituiu como a primeira fonte positivada de regramentos impostos em sociedade, tendo sido direcionado, é bom que se diga, apenas à classe nobre da Inglaterra, entendimento corroborado pelo fato de que a mencionada manifestação se deu através do Latim – língua escrita utilizada pelos extratos mais abastados daquela região – e não em inglês.
Mais adiante, o sistema jurídico americano implementa o termo Due process of Law mediante a Emenda V de 1789 da Constituição dos Estados Unidos, originando, na ocasião, o genuíno sentido do postulado em garantir aos cidadãos o direito a um processo justo, noção esta que fora posteriormente importada para os demais ordenamentos jurídicos, chegando ao Brasil através da expressão “Devido Processo Legal.”
O Devido Processo Legal, no Brasil, dentre os princípios fundamentais que regem a atividade processual, é aquele pelo qual todos os outros são verdadeiros derivados. Atua na verdade como um superpincípio balizador das atividades concernentes ao processo e ao procedimento (THEODORO JUNIOR, 2009).
Neste passo, Nelson Nery Junior (2014, p.79) atesta inclusive que “bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due processo of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justa.”
Discorrendo sobre a manifesta correlação do estudo do direito processual constitucional com o enfoque nas disposições emanadas do direito a um processo devido, tem-se o seguinte arremate de Candido Rangel Dinamarco (2012, p.73):
O direito processual constitucional põe o estudo do procedimento sob o enfoque da garantia do devido processo legal e com isso o estudioso conscientiza-se de que as exigências do Código constituem projeção de uma norma de maior amplitude e mais alta posição hierárquica, sendo indispensável uma interpretação sistemática.
O instituto em questão se afigura como gênero das demais normas principiológicas, que acabam por circundá-lo para fins de se especializarem e serem aplicadas de maneira mais uniforme e efetiva de acordo com a situação casuisticamente verificada.
Sob tal enfoque, princípios como o da Ampla Defesa, Contraditório e Isonomia, também prestigiados sob o manto das disposições de cunho constitucional, afiguram-se como corolários diretos do Devido Processo Legal.
Nestes termos, o postulado em apreço representa um núcleo intangível de direitos que não podem ser ignorados, sob pena de se comprometer as garantias individuais constitucionalmente previstas aos cidadãos.
O direito a um processo devido, sob o pálio da Lei Maior, se manifesta sob dois prismas distintos, quais sejam: o aspecto formal e o substancial ou material.
Com relação ao sobredito princípio enxergado sob a ótica formal, aí se revela a sua faceta mais conhecida, correspondente ao atendimento às formalidades legais de modo a assegurar a utilização integral, por parte dos litigantes, da plenitude dos instrumentos jurídicos a si disponibilizados.
Significa assegurar que todas as faculdades e poderes inerentes às partes sejam observados em consonância com as respectivas regras e prazos, oportunizando-se o desenvolvimento do processo sem qualquer tipo de óbice a sua legitimação como instrumento de pacificação social.
Nesta perspectiva, sintetiza Humberto Theodoro Junior (2009, p.23):
É o conjunto dessas normas do direito processual que se consagram os princípios informativos que inspiram o processo moderno e que propiciam às partes a plena defesa de seus direitos e ao juiz os instrumentos para a busca da verdade real, sem lesão dos direitos individuais dos litigantes
Já com relação ao aspecto material ou substancial do aludido ditame constitucional do processo, tal faceta é exprimida na noção de proporcionalidade que se deve fomentar na busca pela resolução dos conflitos de modo a preservar a vida, o patrimônio e a liberdade das pessoas.
Traduz-se no impedimento em se perpetuar atos desarrazoados perpetrados pelo Poder Público em desfavor dos cidadãos. A ampliação conceitual da referida norma principiológica para além dos limites formais do processo, tem início na construção doutrinária e jurisprudencial fomentada no sistema legal americano, noção esta que, outrossim, já se encontra plenamente acolhida pelo ordenamento processual pátrio.
Nesta senda, o traço material da garantia constitucional em voga pode ser facilmente visualizado em manifestações diversas perante todos os ramos da ciência jurídica. No Direito Administrativo, por exemplo, quando evocam a necessidade de se vincular os atos da administração através das balizas do princípio da legalidade.
Discorrendo a respeito de tal situação, mister destacar a seguinte manifestação de Nelson Nery Junior (2014, p.66)
Os administrativistas identificam o fenômeno do due process, muito embora sob outra roupagem, ora denominando-o de garantia legal dos administrados, ora vendo nele o postulado da legalidade. Já se identificou a garantia dos cidadãos contra os abusos do poder governamental, notadamente pelo exercício do poder de polícia, como sendo manifestação do devido processo legal.
Oportuno esclarecer que o referido viés do Devido Processo Legal não está somente direcionado ao Estado como o responsável pela atividade jurisdicional, mas se revela oponível a todos os Poderes componentes da estrutura republicana, devendo, portanto, ter sua validade corroborada em todas as esferas públicas. É pois, o direito do indivíduo a não ser submetido a posturas desarrazoadas pelos agentes estatais no âmbito de sua esfera de atribuições.
2.2 ISONOMIA
Como dito, as balizas fundamentais que lastreiam os princípios processuais constitucionais advém dos contornos emanados do conteúdo formal e material do Devido Processo Legal.
Neste sentido, não se concebe um processo justo sem que haja igualdade entre os litigantes. A paridade entre as partes que atuam em juízo se traduz como importante preceito que limita e ajusta a atividade tanto do Estado-Juiz quanto daqueles que se encontram submetidos à jurisdição.
Não se quer dizer com isso que todas as pessoas que eventualmente forem compor uma lide terão de ter, necessariamente, um tratamento idêntico. O alcance do mencionado postulado é muito mais profundo do que se possa parecer sob um primeiro olhar mais desatento, traço que reafirma a indispensabilidade em aplicá-lo da maneira mais correta possível, dentro da perspectiva cunhada pelo texto constitucional.
Em sentido convergente, indispensável, pois, transcrever lição de Canotilho a respeito do princípio em epígrafe em sua acepção mais ampla, tratando, inclusive, das razões que legitimam o tratamento diferenciado como elemento que rechaça a perpetuação de eventuais arbitrariedades, litteris:
[...] o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente "não contém o critério material de um juízo de valor sobre a relação de igualdade (ou desigualdade). A questão da igualdade justa pode colocar-se nestes termos: o que é que nos leva a afirmar que uma lei trata dois indivíduos de uma forma igualmente justa? Qual o critério de valoração para a relação de igualdade? Uma possível resposta, sufragada em algumas sentenças do Tribunal Constitucional, reconduz-se à proibição geral do arbítrio: existe observância da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente (proibição do arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras: o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária. O arbítrio da desigualdade seria condição necessária e suficiente da violação do princípio da igualdade. Embora ainda hoje seja corrente a associação do princípio da igualdade com o princípio da proibição do arbítrio, este princípio, como simples princípio de limite, será também insuficiente se não transportar já, no seu normativo-material, critérios possibilitadores da valoração das relações de igualdade ou desigualdade. Esta a justificação de o princípio da proibição do arbítrio andar sempre ligado a um fundamento material ou critério material objetivo. Ele costuma ser sintetizado da forma seguinte: existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável. Todavia, tal proibição do arbítrio intrinsicamente determinada pela exigência de um "fundamento razoável" implica, de novo, o problema da qualificação desse fundamento, isto é, a qualificação de um fundamento como razoável aponta para um problema de valoração. A necessidade de valoração ou de critérios de qualificação, bem como a necessidade de encontrar "elementos de comparação" subjacentes ao caráter relacional do princípio da igualdade implicam: (1) a insuficiência do "arbítrio" como fundamento adequado de "valoração" e de "comparação"; (2) a imprescindibilidade da análise de natureza de o peso, dos fundamentos ou motivos justificadores de solução diferenciadas; (3) insuficiência da consideração do princípio da igualdade como um direito de natureza apenas defensiva ou negativa. Esta idéia de igualdade justa deverá aplicar-se mesmo quando estamos em face de medidas legislativas de graça ou de clemência (perdão, anistia), pois embora se trata de medidas que, pela sua natureza, transportam referências individuais ou individualizáveis, elas não dispensam a existência de fundamentos materiais justificativos de eventuais tratamentos diferenciadores.(CANOTILHO, 2000, p.418-419)
Sob tal desiderato, desta feita, há de ser corroborada a assertiva que dispõe acerca de que o tratamento concedido às partes deve se dar de forma desigual na exata medida de suas desigualdades.
Corresponde, em outras palavras, a promover a igualdade substancial entre os indivíduos que integram determinada lide e gozam de situação econômica, social e/ou cultural notadamente díspares, equiparando-os mediante a utilização de certas ferramentas legalmente previstas.
No que corresponde ao sentido processual que deve nortear a interpretação do sobredito postulado, explica Nelson Nery Júnior (2014, p.105/106):
[...] quanto à paridade das partes no processo, deve-se buscá-la no seu sentido efetivo, de fato, escopo maior do direito processual civil, e não somente a igualdade jurídica, formal. Esta última seria facilmente alcançável com a adoção de regras legais estáticas. Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais é a substancia do princípio da isonomia.
Nestes termos, portanto, não há como dar efetividade ao princípio constitucional processual da isonomia sem que haja uma análise do caso concretamente analisado, justamente em razão da impossibilidade em se prover a sua utilização de maneira linear.
Da fato, imperioso consignar que há certas determinações na legislação processual que, à primeira vista, podem soar como discriminatórias para um dos litigantes, notadamente quando se têm como um dos sujeitos processuais na lide o Poder Público ou o Ministério Público.
Por outro lado, a este fato, por si só, não se pode atribuir a pecha de inconstitucionalidade por suposto desatendimento da regra que impõe tratamento igualitário entre as partes, mormente quando chancelado pela necessidade de possibilitar a plena defesa de entidades públicas, que, como se pode presumir, tem sob sua supervisão uma infinidade de casos e demandas em que devem promover sua manifestação.
Note-se, neste espeque, que, diferentemente do advogado privado que tem a faculdade de escolher seus clientes, elegendo assim as causas em que quer atuar, podendo estudá-las de forma mais detida e pormenorizada, o agente que atua na defesa de interesses públicos, por sua vez, tem que tratar de uma grande quantidade de feitos indiscriminadamente postos à sua apreciação, devendo, portanto, entre outras razões, ser-lhe concedido o multicitado prazo legalmente estabelecido.
Sobre outro enfoque, contudo, não se pode aquiescer com todos os privilégios processuais que eventualmente o legislador pretenda outorgar às mencionadas entidades de direito público, notadamente quando se vislumbra adoção de medidas que destoem do paradigma da razoabilidade e da proporcionalidade.
Do mesmo modo, é de se registrar que não se pode conceder privilégios indiscriminadamente a uma determinada parte processual, ainda que pretensamente justificados nas referidas necessidades especiais, sob pena de, aí sim, extrapolarmos o limite da busca pela igualdade formal, para nos depararmos com verdadeiros benefícios inconstitucionais.
Neste sentido, a Suprema Corte do Brasil vem repelindo certas modificações na legislação processual no âmbito das condições de atuação das entidades públicas no processo civil, declarando a sua inconstitucionalidade quando da constatação de situações de infringência ao postulado principiológico da isonomia.
Exemplo da mencionada atuação do Supremo Tribunal Federal se deu quando do julgamento da liminar requerida nos autos da ADIn 1910-1, ajuizada com o fito de impugnar alterações de prazos relativos à proposição de ação rescisória, unicamente em favor da Fazenda Pública, posto que estabelecia uma nova hipótese para o seu cabimento – quando um bem tivesse sido expropriado em valor muito acima do de mercado -, bem como aumentava para quatro anos o prazo para o seu ajuizamento quando o autor fosse o ente público.
Assim sendo, por vislumbrar manifesta afronta a igualdade entre as partes, o STF deferiu a medida cautelar em questão para fins de suspender a eficácia dos aludidos dispositivos legais, resguardando, por conseguinte, a incolumidade do texto constitucional.
Em suma, a Constituição Federal determina que as partes devem ser tratadas de forma equivalente quando em juízo, devendo, para tanto, eventualmente ser-lhes dispensado tratamento desigual em razão de algumas qualidades específicas que as diferenciam, vedando-se, contudo, qualquer discriminação fundada em motivo arbitrário.
2.3 CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
Seguindo-se na análise dos principais princípios constitucionais que tratam do processo civil, tem-se então outros dois postulados expressamente relacionados no texto constitucional, especificamente em seu art. 5º, LV, correspondentes ao contraditório e a ampla defesa.
Ambos os princípios formam entre si um laço indissociável, posto que o contraditório decorre diretamente da noção de ampla defesa, salientando, uma vez mais, que estes, por sua vez, são verdadeiras espécies do qual é gênero o Devido Processo Legal.
A noção que se deve extrair dos sobreditos postulados é a de que o processo deve ser composto mediante ampla participação das partes que o compõem, possibilitando a cooperação recíproca no sentido de balizar o juiz a uma decisão justa e com lastro no respectivo arcabouço legal.
Esse cunho bilateral ínsito aos princípios em destaque é o que possibilita a necessária dialética processual, instrumento indispensável à defesa e manifestação em juízo daqueles submetidos à jurisdição.
O novo Código de Processo Civil cuidou de, também neste aspecto, encampar expressamente o espírito constitucional relacionado à imprescindibilidade em se assegurar, de forma ampla e equilibrada, a participação das partes ao longo de todo o curso de uma relação jurídica processual. Logo em seu art. 7º a lei adjetiva civil assegura que “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.”
Exemplo prático da aplicação do instituto em voga trazido na nova legislação processual encontra-se no seu art. 10. O reportado dispositivo legal veda ao magistrado a prolação de decisão com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes a oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual possa decidir de ofício.
Nesse diapasão, a ampla defesa é assim descrita por Nelson Nery Júnior (2014, p. 248):
Ampla defesa significa permitir às partes a dedução adequada de alegações que sustentem sua pretensão (autor) ou defesa (réu) no processo judicial (civil, penal, eleitoral, trabalhista) e no processo administrativo com a conseqüente possibilidade de fazer a prova dessas mesmas alegações e interpor os recursos cabíveis contra as decisões judiciais e administrativas
Na mesma linha de entendimento, insta destacar as palavras de José Augusto Delgado (2001, p. 40), que define o instituto da ampla defesa como sendo o “direito subjetivo da parte a uma tutela jurisdicional transparente, pela via do que pode exigir do Estado-juiz que escute as suas manifestações de defesa ou de contra-arrazoados à pretensão posta em juízo, tudo para uma justa solução do litígio.”
No que se refere ao contraditório, por sua vez, tal preceito também se impõe como diretriz absoluta a ser aplicada na condução do processo, porquanto determina ampla participação das partes no âmbito do respectivo trâmite processual, possibilitando, por conseguinte, que todos os envolvidos em determinada causa possam dar sua versão sobre os fatos e eventuais elementos probatórios.
André Ramos Tavares (2016, p. 647), afirma que o contraditório se relaciona, ainda, com o preceito da igualdade substancial entre os litigantes, devendo ser aplicado de modo que “todo ato ou fato produzido ou reproduzido no processo por qualquer de suas partes deve dar ensejo ao direito da outra parte de se opor, de debater, de produzir contraprova ou fornecer sua versão, ou interpretação daquele ato ou fato apresentado.”
De fato, não é possível vislumbrar um processo em que se garanta uma ampla e equânime manifestação dos sujeitos que o compõe, sem que se correlacione esta noção àquela que dispõe sobre a igualdade de condições que deve pautar o desenvolvimento do trâmite processual no Brasil.
Cumpre salientar, neste mister, que o contraditório não se dirige somente às partes, porquanto é dever do juiz zelar pela sua aplicação efetiva no bojo do processo, nos termos do quanto já assentado pelo próprio novo CPC; constitui-se, por conseguinte, como um direito dos sujeitos partícipes de determinada lide e um dever do magistrado.
Acerca de deste aspecto, importante transcrever o seguinte comentário:
A garantia constitucional do contraditório endereça-se também ao juiz, como imperativo de sua função no processo e não mera faculdade [...] A participação que a garantia do contraditório impõe ao juiz consiste em atos de direção, de prova e de diálogo. A lei impõe ao juiz entre seus deveres fundamentais no processo, o de participar efetivamente. (DINAMARCO, 2004, p.221).
Do mesmo modo, a importância do contraditório e da ampla defesa pode ser medida quando se leva em consideração o seu caráter absoluto; a não observância destes princípios no âmbito procedimental de determinada causa, enseja, invariavelmente, a nulidade do processo.
Sob o prisma prático, Humberto Theodoro Júnior (2009, p.28) elenca as três consequências básicas do instituto em comento como sendo: a) a sentença só afeta as pessoas que foram parte no processo ou seus sucessores; b) só há relação processual completa após regular citação do demandado; c) toda decisão só é proferida depois de ouvidas ambas as partes.
Observa-se que, a par da imprescindibilidade da aplicação dos institutos em voga, o seu exercício, por parte daqueles que detêm legitimidade para tanto, não é compulsório, ou seja: o que deve ser garantido é a possibilidade das partes se manifestarem e se defenderem plenamente em juízo, não se podendo, contudo, obrigar ninguém a exercitar tais direitos. (THODORO JÚNIOR, p. 29, 2009)
Tratam-se, pois, de garantias disponíveis e, que, portanto, podem ser renunciadas expressa ou tacitamente. Neste passo é que se deve observar o caso concretamente analisado, a fim de que se possa verificar se a lacuna na manifestação de determinado sujeito processual se deu em virtude de ter sido-lhe sonegada sua efetivação, ou se tratou de mera renúncia ao direito. Logicamente, por via de consequência, a declaração de nulidade do processo somente se dará quando se tratar a primeira hipótese ventilada, não havendo que se falar em afronta ao direito constitucional da parte quando esta se omitir propositadamente.
Note-se, ademais, que a existência de certos instrumentos legais que acabam por retardar o momento em que se propiciará a plena manifestação da parte sobre aspectos controvertidos em determinada lide, como, por exemplo, a concessão de medidas cautelares sem a oitiva da parte contrária, não significa qualquer afronta ao contraditório e a ampla defesa.
Em tais ocasiões, o caráter de urgência da pretensão posta sob apreciação judicial impõe que o exercício das faculdades processuais atinentes à defesa em juízo seja adiado, sob pena da ineficiência do próprio objeto que se está a buscar judicialmente, fato que não é apto a representar qualquer desprestigio aos postulados ora em apreciação.
3 CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como premissa dissecar o significado e aplicação de alguns dos mais relevantes princípios constitucionais do processo civil, dando-se ênfase à sua aptidão como verdadeiros paradigmas da legislação processual vigente.
Nesse diapasão, a importância dos postulados principiológicos como nítidas ferramentas afirmadoras da cidadania restou devidamente destacada, notadamente em razão da amplitude de garantias advindas da promulgação da Carta Política de 1988.
Assim sendo, tendo o direito a um processo sem dilações indevidas sido constitucionalizado recentemente, por exemplo, imperioso que se promova a sua aplicação de maneira complementar aos demais princípios que compõem o sistema jurídico brasileiro.
A recente reforma do Código de Processo Civil, outrossim, logrou corporificar, no texto infralegal, diversos anseios contidos na Constituição da República, materializando, portanto, por meio de regras efetivas, a implementação no procedimento dos princípios que fundam a ordem jurídica em vigor.
O desafio que se observa, no entanto, perpassa por trazer maior eficácia ao relevante significado dos referidos postulados à prática forense. A implementação de um processo devido, fundado em firmes garantias e equilíbrio entre as partes, deve se localizar em um horizonte para além do direito formal, chegando-se, ao fim, à efetivação de um direito material justo e efetivo.
As transformações políticas e sociais que se multiplicam em velocidade nunca antes constatada precisam estar acompanhadas de novos instrumentos processuais ao fito de que o prestígio constitucional aos reportados postulados principiológicos não se dissipe em meio ao vazio da inefetividade prática.
REFERÊNCIAS
ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. Revista Eletrônica do Direito do Estado, n. 17 – jan./fev./mar., 2015.
CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional, Salvador: Editora Podivm, 2018.
DELGADO, José Augusto. Princípio da instrumentalidade, do contraditório, da ampla defesa e modernização do processo civil. Revista Jurídica, São Paulo, ano 49, n. 285, p. 31-60, jun. 2001.
DELGADO, José Augusto. Reforma do Poder Judiciário: art. 5°, LXXVIII, da CF. In: Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier ... [et. al.] - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 355-371.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do processo e processo de conhecimento. Vol 1. 9 ed.. Salvador: Jus Podivm, 2017
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol I, 4ª edição, São Paulo: Malheiros, 2012.
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros editores,1999.
NERY JR., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal: Processo civil, penal e administrativo. 11ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2016.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol I, 50ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.
Assessor de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Matheus Oliveira de. Apontamentos sobre os princípios constitucionais do devido processo legal, isonomia e contraditório no âmbito do processo civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jan 2020, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54118/apontamentos-sobre-os-princpios-constitucionais-do-devido-processo-legal-isonomia-e-contraditrio-no-mbito-do-processo-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
Precisa estar logado para fazer comentários.