RESUMO: Antes da lei 13.654, promulgada no ano de 2018, não existiam polêmicas envolvendo a causa de aumento de pena pela utilização de arma branca no crime de roubo. Sem embargo, após o advento desta norma foi retirada da previsão do tipo penal do artigo 157, do Código Penal, tal majorante, o que gerou fortes debates doutrinários envolvendo a constitucionalidade do processo legislativo que promoveu tal inovação. Neste trabalho se demonstrará, primeiramente, alguns aspectos envolvendo a constitucionalidade da lei que suprimiu a causa de aumento de pena do crime de roubo pela utilização de arma branca e em seguida, apresentar-se-á como a Lei 13.964, promulgada em dezembro de 2019,disciplinou a majorante do uso de arma branca do crime de roubo.
Palavras – chave: Arma Branca. Roubo. Aspectos da constitucionalidade da lei 13.654/2018. Inovações Lei 13.964/2019.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Arma Branca no crime de Roubo 3. Polêmicas acerca da constitucionalidade da Lei 13.654/2018. 4. Inovações da Lei 13.964/2019 quanto à utilização de arma branca no crime de roubo.5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.
1 Introdução
A causa de aumento de pena pela utilização de arma branca no crime de roubo, verificada na terceira fase da dosimetria da pena, nunca foi um tema que mereceu forte enfoque da doutrina, vez que a antiga disposição do artigo 157, do Código Penal era de clareza meridiana ao determinar a incidência desta majorante quando o crime fosse cometido mediante a utilização de tais artefatos.
Contudo, a partir da promulgação da Lei 13.654/2019, a qual suprimiu esta causa de aumento de pena do crime de roubo, promovendo uma inovação legislativa mais benéfica ao réu, passou-se a questionar a constitucionalidade de referida norma, ao argumento de que alguns dispositivos constitucionais que versam sobre o processo legislativo não teriam sido regularmente observados.
Na contramão dos que arguiram se tratar de inovação legislativa que padecia de inconstitucionalidade formal, parcela da doutrina e da jurisprudência pátria firmou o entendimento de que a nova lei seria constitucional, vez que o vício suscitado seria uma mera irregularidade.
Com efeito, em dezembro de 2019, foi promulgada a lei 13.964, o que, ao que tudo indica, encerrará os fervorosos debates antes travados na doutrina sobre a supressão da majorante pela utilização de arma branca no crime de roubo promovida pela lei anterior, vez que trouxe novamente ao crime tipificado no artigo 157, do Código Penal, referida causa de aumento de pena.
Desta forma, neste trabalho se analisará os pontos alvo de debate em razão da lei 13.654/2018 e se abordará as inovações trazidas pela lei 13.964/2019, no tocante à causa de aumento de pena pela utilização de arma branca no crime de roubo, demonstrando-se que o novo regramento faz cair por terra os debates em torno da constitucionalidade da lei anterior.
2 Arma Branca no crime de Roubo
O crime de roubo vem previsto no capítulo II do Código Penal, o qual trata dos delitos que envolvem roubo e extorsão, consoante previsto no artigo 157, que tipifica a conduta de subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem, mediante violência ou grave ameaça à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência.
Referido tipo legal também traz em seu âmbito causas de aumento de pena, dentre elas a utilização de arma branca, que permaneceu em vigor até a promulgação da lei 13.654/2018, de modo que o artigo 157, possuía a seguinte redação:
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)
V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)[...]
Todavia, após a promulgação da lei 13.654/2018, dentre as diversas alterações promovidas, foi suprimido o inciso I, do §2º, do artigo 157, do Código Penal, o que ensejou diversas polêmicas, como se demonstrará a seguir.
3 Polêmicas acerca da constitucionalidade da Lei 13.654/2018
A lei 13.654/2018 consistiu emnovatio legis in mellius ao revogar o inciso I do § 2º do art. 157, do Código Penal.Todavia, parte da doutrina e da jurisprudência entendeu não ter sido atendido o regular trâmite do processo legislativo constitucionalmente previsto.
Com efeito, nos termos do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 149/2015, foi proposta alteração ao Código Penal para prever a majoração do crime de roubo quando cometido com emprego de arma de fogo, explosivo ou artefato análogo que cause perigo comum (art. 1º, PLS), além de prever a revogação da causa de aumento de pena do inciso, I, do § 2º do art. 157 do Código Penal (art. 3º, PLS).
Contudo, mesmo após a aprovação da supressão da causa de aumento de pena pelo emprego de arma branca no crime de roubo nos debates promovidos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, ao ser redigida a versão final deste projetopor esta Comissão, foi consolidado o texto sem a previsão da revogação do inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, de modo que a majorante pelo emprego de arma branca, em tese, teria permanecido prevista no dispositivo em questão.
Neste sentido, o texto final do Projeto de Lei que tramitou no Senado Federal sob o nº 149/2015 foi encaminhado, sem revogação do inciso I do § 2º do art. 157, do Código Penal em vigor, para a Coordenação de Redação Legislativa (CORELE), que tem como atribuição revisar “os textos finais das proposições aprovadas terminativamente pelas Comissões, procedendo às adequações necessárias em observância aos preceitos de técnica legislativa previstos na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998”[1].
Aqui, surgiram as polêmicas acerca da constitucionalidade da Lei no tocante à supressão da causa de aumento de pena pelo emprego de arma branca no crime de roubo, vez que a CORELE, atenta aos debates travados no Senado Federal, onde foi decidido que haveria a revogação do inciso I, do artigo 157, do Código Penal, corrigiu o erro da versão final encaminhada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e incluiu no texto a supressão de referida majorante.
Desta forma, parcela da doutrina e da jurisprudência passou a entender que existia uma inconstitucionalidade formal na lei em comento, pois
a Coordenação de Redação Legislativa não tem parlamentares em sua composição, motivo pelo qual não deteria legitimidade para promover alterações nos projetos que lhe são encaminhados tão somente para supervisão técnica.
Com efeito, quando o texto final do projeto de lei n.º 149/2015foi recepcionado pela CORELE, foi realmente alterada sua redação para incluir o art. 3º constante no projeto original, e, em seguida, encaminhado para a Câmara dos Deputados com a revogação da causa de aumento prevista no inciso I, do § 2º, do art. 157, Código Penal.
Outrossim, fundamentou-se a inconstitucionalidade formal também no fato de ter sido violado o artigo 65, da Constituição da República, o qual prevê que deve ser observado pronunciamento bicameral acerca da revogação do inciso I, do §2º, do art. 157, do Código Penal, pois a redação encaminhada para revisão na Câmara dos Deputados foi diversa da versão final aprovada no Senado Federal, entendendo-se que tal vício não seria convalidável, ainda que houvesse a sanção do Presidente da República.
Assim, o projeto de lei em tablado foi revisado pela Câmara dos Deputados, conforme o texto alterado na CORELE, e nenhum dispositivo da proposta original foi alterado (PLS149/2015), mas tão somente se acrescendo a modificação da Lei 7.102/83, e, em seguida, encaminhou-se à Presidência da República para sanção, sendopublicada a Lei 13.654/2018, que, para esta parcela da doutrina, padecia de inconstitucionalidade formal.
Noutro giro, também se argumentou que a inconstitucionalidade formal encontrava fundamento na violação ao art. 61 da Constituição da República, pois haveria vício de iniciativa na alteração promovida de forma exclusiva pela CORELE, que não teria legitimidade para isso, vez que não é composta por representantes eleitos pelo povo.
Lado outro, parcela da doutrina se insurgiu e alegou que o ato da CORELE consistente em acrescentar a revogação da causa de aumento de pena pela utilização de arma branca foi uma mera irregularidade, vez que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, tinha debatido sobre a revogação desta majorante e a aprovado, olvidando-se tão somente de incluir tal alteração no texto final, vício que teria sido sanado pela CORELE, que possuiria competência para realizar tal“correção”, pois a não supressão desta majorante não seria condizente com os debates e decisão da Comissão supra, de modo que não haveria inconstitucionalidade formal.
Dessarte, a lei 13.964 colocou um ponto final nesta discussão.
4Inovações da Lei 13.964/2019 quanto à utilização de arma branca no crime de roubo
A Lei 13.954, promulgada em dezembro de 2019, conhecida como “pacote anticrime” dentre as inúmeras inovações promovidas, trouxe novamente ao tipo do artigo 157 a causa de aumento de pena pela utilização de arma branca, de modo que, após o período de vacatio legis, caso sejam utilizados artefatos deste tipo quando da subtração de coisa alheia móvel, a pena poderá ser majorada de 1/3 (um terço) até a metade, nos termos do novo inciso VII, do §2º, do dispositivo legal em testilha.
Vale ressaltar que, por se tratar de norma menos benéfica ao réu, não será aplicada aos crimes cometidos com utilização de arma branca na vigência da norma anterior, que permanece válida até a entrada em vigor da lei 13.964/2019, pois não foi declarada inconstitucional, de modo que para os delitos cometidos em sua vigência, a utilização de arma branca não será considerada causa de aumento de pena nos crimes de roubo.
5 Conclusão
Concluindo-se este trabalho, apesar das diversas polêmicas instauradas pela lei 13.654/2018 pela supressão da causa de aumento de pena pela utilização de arma branca no crime de roubo, a nova lei 13.964/2019, conhecida como “pacote anticrimes”, reestabeleceu esta majorante, o que, de certo modo, põe fim ao debate acerca da constitucionalidade da revogação da causa de aumento de pena pelo emprego de arma branca.
6 Referências Bibliográficas
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NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e Legislação Institucional. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
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PODER JUDICIÁRIO. Tribunal de Justiça de São Paulo, Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade Cível processo n.º 0017877-26.2018.8.26.0000. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=11840809&cdForo=0> Acesso em 15 de janeiro de 2020.
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Promotor de Justiça Substituto no Ministério Público do Estado do Amazonas. Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ESTRADA, Sylvio Henrique Lorena Duque. A utilização de arma branca no crime de roubo com a atualização promovida pela lei 13.964/2019 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jan 2020, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54179/a-utilizao-de-arma-branca-no-crime-de-roubo-com-a-atualizao-promovida-pela-lei-13-964-2019. Acesso em: 22 nov 2024.
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