Resumo: O presente artigo procura analisar o fenômeno probatório na tutela inibitória. O tema envolve a análise da função da tutela inibitória, o âmbito de cognição que será exercido para sua concessão, bem como o papel da prova indiciária na formação do convencimento judicial a respeito da ameaça da conduta ilícita. Será indicada a necessidade de compreender os institutos processuais, como a prova, sob a perspectiva do futuro, dissociando-os da estrita compreensão do processo como mecanismo de atuação da tutela jurisdicional repressiva. Na análise do papel da prova indiciária na ação judicial que veicule a tutela inibitória, procurar-se-á apontar a importância da adequada compreensão dos conceitos de indício, raciocínio presuntivo, regra de experiência, presunção e juízo. A pesquisa será pautada em conteúdo biográfico e jurisprudencial a respeito do tema, de modo a tornar possível uma discussão teórica com implicações práticas.
Palavras-chave: tutela inibitória; cognição; prova indiciária; presunção e juízo.
Sumário: Introdução. 1. Tutela inibitória e a proteção contra o ilícito. 2. Âmbito de cognição da tutela inibitória. 3. Fato indiciário, prova indiciária, raciocínio presuntivo, presunção e juízo. 4. Prova indiciária e seus desdobramentos na tutela inibitória. Conclusão.
Introdução
A tutela inibitória tem a finalidade de impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito. Portanto, a ação que veicula a tutela inibitória possui nítido caráter preventivo, voltando-se para o futuro, com o intuito de evitar a consumação de um ilícito. Percebe-se que a tutela inibitória não atua após o dano, como faz a tutela ressarcitória.
Como a tutela jurisdicional passa a ser exercida com a finalidade de proteger o direito contra atos que o ameaçam, o direito processual deve conceber técnicas tendentes a dar efetividade à tutela jurisdicional, também nessa perspectiva: o futuro. Na sua gênese, o processo civil foi concebido para atender ao passado, ou, mais precisamente, para remediar a violação já praticada. Trata-se de concepção com inspiração nos valores do Estado liberal, em que se privilegia as liberdades individuais em detrimento da possibilidade de intervenção estatal.[1]
A jurisdição no contexto do Estado liberal clássico somente podia entrar em ação após a violação da lei, atuando para garantir a reintegração do direito subjetivo violado, voltando-se, assim, para o passado. Os institutos do direito processual eram concebidos dentro dessa realidade. Dentre os institutos concebidos para o passado, destaca-se a prova. Com a mudança de perspectiva da tutela jurisdicional, que passa a ser exercida preventivamente, os institutos processuais adquirem, também, novas perspectivas. A prova, historicamente pensada apenas em relação à reconstrução dos fatos, adquire a função de se desenvolver em relação à conduta ilícita futura.
O presente artigo possui a finalidade de enfrentar o seguinte problema: a prova na tutela inibitória. Na medida em que a tutela inibitória é pensada para o futuro, a prova adquire função nova, já que a conduta futura não pode ser diretamente provada. Assim, a prova indiciária apresenta-se como mecanismo importante para compreensão do fenômeno probatório na ação inibitória, já que assume a função de trazer ao juízo a possibilidade de identificar a probabilidade do ilícito futuro, atuando para evitar sua consumação.
O artigo procurará analisar como o fenômeno probatório deve ser compreendido na tutela inibitória, sopesando-o com o âmbito de cognição a ser exercido nessa espécie de tutela. Por fim, procurar-se-á indicar a forma como a prova indiciária é concebida na ação inibitória, sobretudo no que tange ao manejo dos conceitos de indício, raciocínio presuntivo, regras de experiência, presunção e juízo.
1.Tutela inibitória e a proteção contra a ameaça do ilícito.
Para a adequada compreensão do papel da tutela inibitória, faz-se necessário indicar algumas das características e escopos da jurisdição, pois, antes de tudo, tutela inibitória é tutela jurisdicional.[2]
A jurisdição é manifestação de poder, de sorte que se impõe imperativamente, criando e aplicando o direito a situações concretas que são submetidas aos órgãos jurisdicionais incumbidos de exercê-la.[3] Como a jurisdição é manifestação do poder estatal[4], é corolário lógico que esteja adstrita aos escopos do próprio Estado, que encontra no processo o mecanismo para cumprir os seus fins. Por isso, Cândido Rangel Dinamarco assevera que o direto processual é a “disciplina do exercício do poder mediante atos imperativos.”
O atual modelo de Estado constitucional assume uma série de compromissos sociais, que moldam a razão de ser e os escopos da jurisdição. Dentre os compromissos assumidos, destaca-se o acesso à justiça, que encontra previsão no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. Portanto, sendo a jurisdição manifestação do poder estatal, cuja função é tutelar o direito de modo imperativo e criativo, protegendo situações e interesses juridicamente respaldados, e concretamente deduzidos, o exercício da tutela jurisdicional está condicionado ao acesso à justiça, tal como previsto na Constituição, que assegura “uma tutela qualificada contra qualquer forma de negação de justiça”.[5]
Como o acesso à justiça prevê a proteção contra a ameaça de direito, a tutela jurisdicional, para alcançar tal desiderato, deve atuar preventivamente, atuando antes da conduta contrária ao direito (ilícito). A tutela inibitória é o mecanismo que permite a satisfação do direito de prevenção contra o ameaça do ilícito, permitindo a atuação de técnicas processuais que busquem evitar (inibir) a prática da conduta contrária ao direito. Portanto, a tutela inibitória pode atuar antes de qualquer ilícito, decorrendo da mera existência de probabilidade da conduta contrária ao direito, conforme expressamente estabelecido no art. 497 do Código de Processo Civil.[6]
A Constituição Federal de 1988, ao estruturar e definir as funções do Estado Democrático de Direito brasileiro, ampliou o rol dos direitos fundamentais, de modo que cada vez mais se destacam direitos e questões de cunho não patrimonial, exigindo, para sua adequada proteção, técnicas que garantam a observância do direito material ates de ser violado. Assim, não sendo possível, em muitos casos, o restabelecimento do direito após sua violação, faz-se necessária a existência de meios preventivos, que atuem a fim de evitar que o ilícito aconteça.
Percebe-se, assim, que a tutela inibitória passa a ganhar destaque como forma de proteção dos novos direitos, como os de personalidade, ambiental e consumidor, eis que a tutela ressarcitória, que atua após a prática ilícita, se apresenta ineficaz para protegê-los, já que não atua preventivamente. A ausência de tutela preventiva para a adequada e efetiva proteção dos direitos garantidos constitucionalmente, transformá-los-ia em meras declarações políticas, destituídas de eficácia. Não há dúvida, portanto, que o compromisso do Estado em garantir a todos o acesso à ordem jurídica (acesso à justiça) prevê o direito à técnica processual capaz de viabilizar o exercício do direito à tutela inibitória.
Pelo fato de o Estado ter assumido o compromisso de tutelar os direitos antes da lesão, a jurisdição passa a ser dimensionada não apenas para o passado, mas também para o futuro, atuando preventivamente. Assim, vários institutos do direito processual, vislumbrados à luz dos princípios que somente entediam que a tutela jurisdicional atuava após a lesão do direito subjetivo, devem ser revistados e sopesados de acordo com a nova situação. Nesse ponto, o tema da prova na tutela inibitória ganha especial destaque, pois a doutrina construiu a “teoria da prova a partir da premissa de que o processo de conhecimento deve permitir a reconstrução dos fatos passados”.[i][7]
A tutela inibitória tem a finalidade de inibir a prática de uma conduta futura, de modo que tal conduta não pode constituir objeto de prova direta. O fato futuro não pode ser diretamente provado. Portanto, o tema da prova, na tutela inibitória, requer uma reflexão especial, por meio da qual seja possível revisitar a função que se costuma atribuir ao próprio fenômeno probatório.
2. O âmbito de cognição na tutela inibitória
Entende-se a cognição como ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar os meios de provas produzidos pelas partes, tendentes a elucidar as questões de fato e as de direito que são formadas no processo. O enfrentamento de tais questões constituirá o fundamento do julgamento do objeto litigioso do processo.[8]
A cognição tem papel importante para compreender o fenômeno da coordenação direito-processo, pois após longo período de preocupação com o processo considerado em si mesmo (questões endoprocessuais), a dogmática processual voltou-se para o resultado pretendido pelo direito material, e o papel do processo na sua satisfação. O processo começa a ser compreendido como instrumento cuja utilidade é aferida em função dos benefícios que possa trazer para o titular de um interesse tutelado pelo direito material.[9][10]
Como atividade racional por meio da qual o órgão judicial analisa a causa para decidir a lide, a cognição deve se pautar em parâmetros advindos do direito material que constitui a base da controvérsia que deu ensejo à formação do processo. A cognição amolda-se às necessidades dos interesses juridicamente protegidos pelo direito material. Por exemplo, a cognição pode se apresentar como técnica para garantir mecanismos adequados para a proteção dos direitos, eis que, em determinadas situações, o Estado prevê procedimentos que limitam alegações e questões que possam ser enfrentadas pelo juízo, ou seja, estabelece técnicas que legitimam a restrição da cognição judicial com o fim de tutelar de forma adequada o direito material.
Portanto, a cognição encontra o seu objeto e os seus limites no direito material cuja tutela é buscada no processo, destinando-se à análise das questões de fato e de direito que estejam ligadas à relação jurídica de direito material controvertida. Percebe-se, assim, que a técnica da cognição judicial possui estrita relação com a temática da prova, sobretudo porque, para alcançar sua finalidade, deve identificar no direito material qual matéria será objeto da atividade probatória.
Pelo exposto, para compreender o fenômeno probatório na tutela inibitória, impõe-se identificar a matéria que pode ser objeto da cognição, cuja previsão se encontra no direito material. Sendo a tutela inibitória atividade jurisdicional que busca inibir a prática do ilícito, faz-se necessário identificar os elementos que o constituem, pois serão eles o objeto da cognição judicial na tutela inibitória.
Quanto ao ilícito, construiu-se um dogma – de origem romana – de que a tutela reparatória do dano é a única forma de tutela apta a protegê-lo.[11]Assim, já à época do direito romano, unificou-se as categorias da ilicitude e da responsabilidade civil. Referida unificação reverberou na construção teórica sobre o ilícito, que ficou identificado com o ato danoso, ainda que para fins de caracterização da responsabilidade civil.
Todavia, há direitos, como os transindividuais (direito ao meio ambiente, do consumidor, do patrimônio cultural etc.), que demandam, para a adequada proteção, atuação preventiva da responsabilidade civil, a fim de evitar a ocorrência do próprio dano. Pelas características dos referidos direitos, não se pode esperar a caracterização do dano para que haja a responsabilidade do sujeito, pois impossível será o retorno ao status quo ante ou a sua quantificação em pecúnia. Assim, tem havido um esvaziamento dos conceitos tradicionais da responsabilidade civil[12], como o dano, porquanto se mostram insuficientes para amparar adequadamente as novas situações de direito material surgidas com a sociedade de massa.
Em que pese entendimentos diversos[13], a própria responsabilidade civil não se restringe aos casos em que o dano esteja presente. É possível a responsabilidade civil do ato ilícito sem o dano. Assim, entende-se que a responsabilidade civil adquire a função de atuar preventivamente. Há situações em que a violação da regra jurídica (norma), ainda que não produtora de dano, deve ser sancionada por meio da adequada tutela jurisdicional. Por exemplo: a exposição à venda de produto nocivo à saúde do consumidor. No caso, a simples exposição do produto nocivo à saúde constitui ato ilícito, suscetível de repressão por meio da tutela jurisdicional, que poderá ser efetivada por meio da técnica processual de busca e apreensão da mercadoria.[14]
Identifica-se, assim, a necessidade de a tutela jurisdicional atuar para proteger o direito, prescindindo do dano. As técnicas processuais podem ser aplicadas para evitar ou remover o ilícito (compreendido como simples ato contrário ao direito), extirpando-o independentemente dos danos que provocou ou possa provocar. Para a adequada proteção das regras jurídicas, faz-se necessário repensar o conceito de ilícito, possibilitando sua proteção preventiva.
Fica evidenciado que a atuação da tutela inibitória independe da aferição da presença do dano, tendo seu exercício voltado para inibir a prática do ato contrário ao direito, pura e simplesmente. A tutela inibitória visa conservar e proteger uma situação jurídica. Parte-se da premissa de que o ato contrário ao direito e o dano não se confundem. O dano é consequência eventual do ilícito, e não necessária. Pontes de Miranda já identificava tal situação, deixando claro que “pode haver delito, ou melhor, ato ilícito, sem dano, e, pois, sem que se possa reclamar a reparação”.[15]
Por sua vez, como corolário do fato de a tutela contra o ilícito não se fundar na reparação do dano, tem-se a constatação de que a culpa é um elemento cuja perquirição também é desnecessária. A ideia de culpa somente tem utilidade quando se busca identificar o responsável por um dano, porquanto se apresenta como nexo que liga a conduta com evento danoso, possibilitando com que o causador do ato por ele responda. Partindo-se da ideia de ilícito aqui delineada, que o afasta do elemento dano, não há razão para se cogitar sobre culpa ou dolo para fins de atuação da tutela inibitória, pois tais elementos constituem critérios para imputação da sanção ressarcitória.[16]
Ademais, na medida em que a tutela inibitória se volta para o futuro, não é possível valorar preventivamente os elementos subjetivos do comportamento ilícito futuro, de sorte que o dolo e a culpa não são elementos necessários para atuação da tutela inibitória, que tem o ilícito futuro como evento a ser evitado. Aqui, vale destacar o ensinamento de Pontes de Miranda: “a pretensão e a ação de abstenção não são pretensão e ação ex delicto. Nem a culpa lhe é pressuposto necessário. Se a culpa existe, é plus. Só se exige o ser contrário a direito o ato que se teme, ou cuja continuação se tem por fim evitar”.[17]
O Código de Processo Civil, no artigo 497, parágrafo único, esposou tal entendimento ao afirmar, expressamente, que “para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou a existência de culpa ou dolo”.
Impende destacar que a tutela contra o ilícito não visa apenas atuar após a consumação da conduta contrária ao direito, mas também é exercida contra sua probabilidade. Quando a tutela contra o ilícito atua contra a sua probabilidade, está-se diante da tutela inibitória. A tutela inibitória visa inibir atos futuros dos sujeitos, que estejam em desacordo com um existente dever de conduta. Pretende-se ver garantida a integridade e o respeito ao direito afirmado, que se encontra ameaçado pela futura conduta que lhe contraria.
Quando se fala em tutela contra a futura conduta contrária ao direito, deve-se entender tutela exercida contra a probabilidade do ilícito. Na esteira do que se expôs acerca do conceito de ilícito, a tutela contra a sua probabilidade não diz respeito apenas à probabilidade do ilícito danoso. Ou seja, pode-se asseverar que a causa de pedir próxima para o exercício jurisdicional da tutela inibitória é a demonstração da ameaça da prática de ato violador de direito. O escopo é evitar que se concretize o justificado receio de que um ato seja praticado contra interesse juridicamente protegido.[18]
Conclui-se, portanto, que o thema decidendum na ação que veicula a tutela inibitória fica restrito à questão da futura ocorrência de um ilícito, podendo ser decomposto em dois elementos: (i) a ameaça da prática de ato e (ii) a sua ilicitude.
Para fins probatórios, entende-se que exigir prova plena da ameaça do direito inviabilizaria a tutela inibitória, sendo suficientes fundadas razões e indícios veementes. Pode-se afirmar que a ameaça ao direito, para atuação da tutela inibitória, deve ser aferida por meio da presença de critérios objetivos que indiquem a situação fática na qual está inserida a probabilidade da conduta ilícita.
Quando se teme a futura prática de um ilícito, faz-se necessária a prova de alegações de fato que sejam suficientes para que o órgão judicial forme um juízo de convicção sobre a provável prática da ilicitude. Pelo fato de referida tutela ser voltada para o futuro, percebe-se que a prova na tutela inibitória terá como objeto fatos (afirmações) que indiquem a probabilidade da prática do ilícito. Trata-se, assim, de provar fatos indiciários que ensejem a oportunidade de o juízo se convencer sobre a probabilidade da prática de ato que se deseja inibir.
Portanto, na formação de convicção sobre a probabilidade de um ato futuro, é fundamental dominar de forma adequada os conceitos de fato indiciário, prova indiciária, raciocínio presuntivo, regras de experiência, presunção e juízo.
3.Fato indiciário, prova indiciária, raciocínio presuntivo, presunção e juízo.
O fato indiciário é aquele que serve para, indiretamente, convencer o juiz sobre a verdade das afirmações de fato que estejam relacionados ao thema probandum, ou, mais precisamente, aos “argumentos do autor, que embasam seu pedido, e pelos argumentos do réu, que conformam exceções apresentadas para rejeição do pedido (ou seja, somente no espaço das afirmações de fato controvertidas no processo)”.[19]Trata-se de fato conhecido, que, por via de raciocínio, indica a veracidade do fato desconhecido (fato probando), do qual é causa e efeito.[20]
O valor do indício está relacionado com sua aptidão para possibilitar o conhecimento de outro fato, que com ele possui uma relação de causa e efeito. O indício suscita uma operação por meio da qual é possível chegar ao conhecimento dos fatos que se relacionam com o mérito da causa. Ou seja, o único critério relevante para se considerar o valor probatório do indício é a sua utilidade; a partir dela, o juiz deve poder obter conclusões inferenciais sobre a verdade ou falsidade do enunciado sobre um fato em litígio.
Ao contrário da legislação processual civil, o Código de Processo Penal, no art. 239, fornece um conceito adequado para o indício: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.
O fato indireto permite que o juiz chegue, por meio de raciocínio dedutivo, à veracidade da afirmação do fato direto. Para que o fato indiciário seja considerado para a construção do raciocínio que leva à convicção sobre a veracidade do fato direito, deve ser objeto de prova, que, no caso, são denominadas provas indiciárias ou indiretas. A prova indiciária não se refere às afirmações de fato diretamente relacionadas com o thema probandum, mas aos fatos indiciários, dos quais, por trabalho do raciocínio, chega-se àqueles.
“O indício é um fato que, por essa razão, é chamado de fato indiciário, e, assim, deve ser colocado no mesmo plano classificatório do fato direto. O indício não é prova, pois, ainda que tenha o objetivo de demonstrar, de forma indireta (através de raciocínio judicial dedutivo), a afirmação do fato direto, antes de ser elucidado por meio de prova. Se o indício pode servir para o juiz pensar, por meio de raciocínio dedutivo, sobre a afirmação do fato direto, não se pode esquecer que ele, para ser tomado em consideração para o juiz formar seu convencimento, também deve ser objeto de prova.”[21]
Pelo exposto acima, fica claro que o indício não é prova, mas sim elemento para a formação da convicção do juiz acerca da veracidade da afirmação do fato direto. Como a prova indiciária é uma prova do indício, o que é indireto, nessa perspectiva, é o indício em relação ao fato direto. A diferença em relação à prova direta reside na finalidade, pois pela prova indiciária são provados os fatos indiciários, dos quais se pode deduzir o fato direto.
Apontadas as características e finalidade do indício e da prova indiciária, faz-se necessário indicar o que significa presunção. A presunção é o resultado de um raciocínio, que toma por ocorrido um fato a partir da prova de outro. Assim, a presunção não é meio e nem fonte de prova.[22]
O fato indiciário é o ponto de onde o juiz parte para a construção do raciocínio até o fato direto. Portanto, a presunção está mais próxima do raciocínio judicial do que da prova. Nesse ponto, esclarece Barbosa Moreira:
“ [...] essa presunção não constitui, a rigor, meio de prova, ao menos no sentido que se dá a semelhante locução quando se afirma que é meio de prova, v.g., um documento ou o depoimento de uma testemunha. O processo mental que, a partir da afirmação do fato x, permite ao juiz concluir pela afirmação também do fato y não se afigura assimilável à atitude da instrução, em que se visa a colher elementos para formação do convencimento judicial. Quando o juiz passa da premissa à conclusão, por meio do raciocínio ‘se ocorreu x, deve ter ocorrido y’, nada de novo surge no plano material, concreto, sensível: a novidade emerge exclusivamente em nível intelectual, in mente iudicis. Seria de todo impróprio dizer que, nesse momento, se adquire mais uma prova: o que se adquire é um novo conhecimento, coisa bem diferente”.[23]
O juiz raciocina a partir do fato indiciário para chegar a uma conclusão, que é a presunção, de sorte que raciocínio presuntivo e presunção são conceitos que não se confundem. A presunção é a conclusão do raciocínio judicial.[24] Presume-se ocorrido um fato a partir da prova de outro.
Por sua vez, uma vez estabelecido que a presunção é o resultado do raciocínio judicial, impõe destacar que a presunção não se confunde com juízo a respeito da procedência ou improcedência do pedido. A presunção se apresenta como elemento para formação da convicção do juízo, uma vez que pode coexistir com outras presunções ou mesmo provas de fatos diretos. Por exemplo: no caso da tutela inibitória, pode haver presunção de que um ato será praticado, mas, também, exista meio de prova que demonstre a ausência de ilicitude do ato, o que, por conseguinte, leva a um juízo de improcedência.
Pelo exposto, fica claro que a presunção e o juízo sobre a procedência ou improcedência do pedido são resultados do raciocínio judicial. Ocorre que o juízo sobre o mérito é mais abrangente do que a presunção. A presunção é um dos elementos utilizados para a formação do juízo sobre o mérito, de sorte que possui uma relação de instrumentalidade com esse último.
Para a construção do raciocínio que descobre a verdade sobre a afirmação de um fato a partir da prova do outro, o juiz deve utilizar as regras de experiência. “As regras de experiência são noções, generalizações e critérios que fazem parte do senso comum do homem médio e são retiradas de sua experiência de mundo”[25]. São hipóteses construídas por indução a partir da observação do que normalmente acontece.
Na construção do juízo sobre o mérito, o juiz raciocina a partir das provas e presunções, julgando com base nas regras jurídicas e nas regras de experiência, conforme preceitua o art. 375 do CPC: “o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a essas, o exame pericial”.
Quando se compreende a presunção judicial como conclusão de um silogismo, a regra de experiência se apresenta como a premissa maior e a premissa menor, o indício. Trata-se de relação, verificável pelas regras de experiência, entre o indício (fato conhecido e provado) e o fato probando (fato desconhecido) que autoriza a presunção judicial (conclusão).[26]
Para o juiz formar a presunção, deduzindo a veracidade do fato probandum a partir do fato indiciário, utiliza as regras de experiência como base para o raciocínio.[27] Assim, fica clara a distinção entre presunção e regra de experiência, pois a última é caminho para se chegar à primeira.
A regra de experiência tem a função de indicar se o fato indiciário pode ou não servir de premissa de uma inferência que conduza a uma conclusão relativa ao factum probandum (fato direto) especificamente. “Se essa inferência for possível, a circunstância será verdadeiramente probans, pois sustentará uma conclusão sobre a veracidade de um enunciado acerca de um fato em litígio; se não for, essa circunstância carece de qualquer valor probatório, não podendo ser propriamente um elemento de prova”[28]. Portanto, a questão é saber se o fato indireto (indiciário) pode ser ou não a premissa de uma inferência que conduza a uma conclusão relativa ao fato em litígio (fato direto).
O núcleo do raciocínio que leva à presunção da ocorrência de um fato pela prova de outro é a utilização das regras de experiência. Por meio delas, o julgador pode realizar as inferências que ligam os dois fatos. São regras derivadas da experiência que funcionam como premissas de inferências dedutivas que ligam o fato indireto com o fato direto.
Na medida em que as regras de experiência se apresentam como ponto nefrálgico para a construção do raciocínio presuntivo, mostra-se imprescindível que estejam devidamente indicadas na motivação da decisão judicial. O fundamento lógico que o juiz utilizou para construção do raciocínio que levou à presunção deve ser conhecido pelas partes, sob pena de o contraditório não ser observado.
A prova indiciária e a compreensão do raciocínio judicial que a relaciona com o fato direto são meios úteis para a prova de fato de difícil verificação ou ocorrência, bem como para prova de fatos futuros, como no caso das demandas relativas à tutela inibitória.
4.Prova indiciária e seus desdobramentos na tutela inibitória
Conforme acima indicado, a ação que visa a tutela inibitória tem por fim impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito. Portanto, trata-se de ação voltada para o futuro, que se dissocia da concepção do processo civil que se desenvolve apenas para o passado, ou, mais precisamente, para remediar a violação já praticada.
A tutela inibitória permite a atuação do Estado na esfera jurídica do sujeito entes de a lei ser violada, de modo que a jurisdição adquire o condão de agir antes da violação do direito subjetivo. A jurisdição passa a ter função preventiva, consolidando mandamento constitucional que assegura a todos o direito de exigir do Judiciário uma tutela capaz de impedir a violação dos direitos. Trata-se do estabelecido no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal.
Sobre a atividade judicial na perspectiva da tutela preventiva (inibitória), oportunas as palavras de Ada Pellegrini Grinover:
“a priori, com o objetivo de evitar o dano que deriva da ameaça de lesão a um direito, entes que esta se consume. Foi justamente salientado que, na tutela preventiva, o interesse de agir não decorre do prejuízo, mas do perigo do prejuízo: em outras palavras, da ameaça de lesão ou, mais precisamente, frente a sinais inequívocos de sua incidência. (...) A superioridade da tutela preventiva foi recentemente assinalada, frente à inviabilidade da modalidade tradicional de tutela que consiste na aplicação de sanções, quer sob a forma primária de restituição ao estado anterior, quer sob as formas secundárias da reparação ou ressarcimento. E a gravidade do problema, afirmou-se, aumenta de intensidade quando se passa das relações jurídicas de caráter patrimonial àquelas categorias em que se reconhece ao homem uma situação de vantagem insuscetível de traduzir-se em termos econômicos: os direitos da personalidade”.[29]
Pelo exposto, fica claro que a tutela inibitória, como tutela preventiva, possui caracteres e finalidades diversos da tutela ressarcitória, de sorte que vários institutos do direito processual devem ser adaptados a essa nova modalidade de tutela. Dentre tais institutos, destaca-se o tema da prova.
A teoria da prova foi construída a partir da premissa de que o processo deve permitir a reconstrução dos fatos passados. Todavia, tal desiderato não pode ser alcançado na tutela inibitória, eis que essa visa inibir a consumação de um fato futuro. O fato futuro não pode ser diretamente provado.
Por sua vez, conforme aduzido acima, na tutela inibitória não é necessária a alegação de probabilidade de dano, nem a sua prova. Deve-se provar que a violação do direito é provável, não sendo necessário provar que, ao lado da provável violação, há probabilidade do dano. Na ação inibitória é necessário verificar a probabilidade da prática do ato, e se tal ato configura ilícito. Basta, assim, a probabilidade de ato contrário ao direito, ou melhor, basta o temor da prática de um ilícito.
O perigo, próprio à ação inibitória, não se liga ao dano, mas ao ato contrário ao direito. O que se teme é a probabilidade de ato contrário ao direito, que consiste em um prejuízo futuro. Aqui, fica evidente a desnecessidade de aferir a existência da culpa, já que não é possível valorar subjetivamente um comportamento futuro. A questão da futura ocorrência do ilícito, como objeto a ser apreciado no julgamento da ação inibitória, pode ser decomposta em dois elementos: a ameaça da prática de ato e a sua ilicitude.
O conceito de ilicitude depende, em regra, da mera comparação do ato com o ordenamento jurídico. Indica-se a conduta hipótese, eis que futura, e a compara com as regras do ordenamento jurídico, qualificando-a como lícita ou ilícita. Assim, a afirmação de ilicitude da conduta futura, normalmente, não dependerá de prova, reduzindo-se à análise de uma questão de direito.[30]
Quanto à prova da ameaça, a questão se apresenta mais complexa, pois se trata de matéria de fato. A ação inibitória exige a prova da ameaça de lesão ao direito, de modo que, para verificar o grau de convicção que se exige para a concessão da tutela inibitória, faz-se necessário analisar as características dessa espécie de lesão.
Para compreender como a prova atua em relação à ameaça de ilicitude, faz-se necessário compreender o grau de convicção que a prova dever produzir para que a tutela inibitória seja concedida. Em apertada síntese, destaca-se que a convicção não se apresenta uniforme para todas as causas, mas impõe ao juiz a necessidade de analisar as particularidades do caso concreto, sobretudo àquelas relacionadas com o direito material.
A convicção judicial deve considerar as diferenças entre as várias situações de direito material, de modo que nas ações que veiculam tutelas preventivas, a formação do convencimento judicial é desenvolvida com vistas à probabilidade de concretização de uma ameaça. Assim, não é possível falar em convicção de certeza sobre a consumação da prática do ilícito para concessão da tutela inibitória.
Apesar de não se exigir convicção de certeza para a concessão da tutela inibitória, a questão da prova da ameaça não pode ser pautada apenas em critérios subjetivos, como se a afirmação de que se sente ameaçado fosse suficiente para a atuação de técnicas tendentes a dar concretude à tutela jurisdicional preventiva. A concessão da tutela inibitória exige a probabilidade da prática de conduta contrária ao direito, de sorte que o mero temor da prática não é suficiente para sua concessão, exigindo-se elementos objetivos que indiquem a intensidade da probabilidade apta a ensejar a atuação da tutela inibitória.
A doutrina construiu eficiente análise sobre as características da ameaça em outras ações que visam a atuação da tutela preventiva, como, por exemplo, o mandado de segurança preventivo. Por esse ângulo, urge reproduzir o ensinamento de Caio Tácito:
“o mandado de segurança preventivo tem, como pressuposto necessário, a existência de ameaça a direito líquido e certo, que importe justo receio de que este venha ter intensidade bastante para gerar o elemento subjetivo (justo receio), um e outro sintomáticos da ilegalidade ou abuso de poder virtual ou potencial. Não é suficiente temor ou receio de que a autoridade exorbite seus poderes. Para que esse receio se torne justo, é mister que a autoridade tenha manifestado objetivamente, por meio de atos preparatórios ou de indícios razoáveis, a tendência de praticar atos ou omitir-se a fazê-los, de tal forma que, a consumar-se este propósito, a lesão do direito se torne efetiva. Assim como na violência consumada, o que o juiz atende reparando o direito, também na ameaça ou expectativa de violência ter-se-á sempre um dado objetivo que se caracteriza no ato ou omissão da autoridade”.[31]
Portanto, para indicar a probabilidade de ser consumada a conduta contrária ao direito, a ameaça deve estar embasada em fatores exteriores, em dados objetivos, que caracterizem uma verdadeira ameaça. “O que importa é a seriedade da ameaça, sua credibilidade, sua aptidão para infundir num espírito normal o estado de receio.”[32] A tutela inibitória não pode ser concedida com base em um perigo genérico, sendo imprescindível a presença de uma situação específica a ameaçar o direito. Referia situação específica é demonstrada por meio de atos preparatórios e concretos, que indiquem que a ação ou omissão virá a atingir patrimônio jurídico da parte.[33]
Conforme indicado acima, a tutela inibitória é exercida contra a ameaça de futura conduta contrária ao direito. A probabilidade da ilicitude será identificada pelo grau de gravidade da ameaça, que deve ser séria e grave, não podendo ser examinada sob o enfoque do seu elemento subjetivo. A ameaça de prática de ato antijurídico, impõe a presença do perigo da conduta ilícita que pode praticada no futuro, sendo, portanto, o pressuposto para a concessão da tutela inibitória.[34]
O perigo de dano jurídico e a ameaça de lesão, significam, objetivamente, sinais inequívocos de probabilidade de conduta ilícita, de modo que a ameaça deve ser objetiva e atual. Objetiva é a ameaça real, não invocada com base em suposições, mas por meio de atos e fatos. Por seu turno, atual será a ameaça que exista quando a tutela inibitória é pedida.
Como os atos concretos são preparatórios para um fato futuro (conduta ilícita), conclui-se que são indícios (indicativos) de que a violação ocorrerá. Por meio dos referidos indícios (fatos indiciários), indica-se a probabilidade de que a ilicitude será consumada, impondo a atuação da tutela inibitória. A ilicitude é o fato direto, que se relaciona com os atos concretos e preparatórios, que lhe são indícios. Por meio da prova dos fatos indiciários, forma-se um juízo de probabilidade sobre algo que ocorrerá no futuro. Assim, urge destacar que, para enfrentar o problema da prova na ação inibitória, é importante conhecer os temas da prova indiciária, raciocínio presuntivo e presunção, expostos no tópico acima.
“De qualquer forma, é inevitável concluir que, se a prova recai em um indício, e o juiz, a partir dele, raciocina com base na experiência e no senso comum para elaborar uma presunção sobre a ocorrência de um fato futuro, o juízo sobre o mérito, na ação inibitória, não se submete aos mesmos rigores dos juízos ‘tradicionais’.”[35]
Para fins probatórios, entende-se que exigir prova plena da ameaça do direito inviabilizaria a tutela inibitória, sendo suficientes fundadas razões e indícios veementes. Pode-se afirmar que a ameaça ao direito, para atuação da tutela inibitória, deve ser aferida por meio da presença de critérios objetivos que indiquem a situação fática na qual está inserida a probabilidade da conduta ilícita. Não basta mero receio, pautado em temor estritamente subjetivo, que se encontra fundado em especulações psíquicas do titular do direito.[36]
Impende apontar que a questão da prova é mais problemática na tutela inibitória, se comparada com a tutela que busca a remoção dos efeitos do ilícito. Na ação judicial que visa a atuação da tutela inibitória, além de não importar o dano, mas apenas o ato contrário ao direito, leva-se em conta um ilícito futuro e não um ilícito já ocorrido. Na hipótese de haver ato ilícito anterior, da sua análise se pode inferir a probabilidade de sua continuação ou repetição no futuro. Por sua vez, maior dificuldade na produção da prova haverá no caso de ato que será praticado quando nenhum ilícito anterior foi cometido.[37]
Quando o ilícito já foi praticado, e a ação inibitória visa impedir a repetição da mesma conduta ilícita, o primeiro ilícito se apresenta como indício que, que por meio de um raciocínio presuntivo, levará à conclusão (presunção) de que o ilícito provavelmente será repetido. Agora, quando se tratar de ação que busca a cessação da continuidade do ilícito, a prova de que o ilícito, ou uma atividade ilícita já se iniciou é prova indiciária apta a permitir com que o juiz realize um raciocínio presuntivo que chegue a uma presunção e ao juízo de procedência. Aqui, a prova indiciária recai sobre fato do mesmo porte daquele que se visa inibir.
Por sua vez, quando se teme a futura prática de um ilícito, e nenhum ilícito já foi praticado, faz-se necessária a prova de alegações de fato que sejam suficientes para que o órgão judicial forme um juízo de convicção sobre a provável prática da ilicitude. Pelo fato de referida tutela ser voltada para o futuro, percebe-se que a prova na tutela inibitória terá como objeto fatos (afirmações) que indiquem a probabilidade da prática do ilícito. Trata-se, assim, de provar fatos indiciários que ensejem a oportunidade de o juízo se convencer sobre a probabilidade da prática de ato que se deseja inibir. Nesse caso, somente é possível demonstrar fato de natureza diversa daquele que se procura inibir, pois não há ato ilícito anterior que possa servir de indício para outro futuro. A prova da ameaça se faz em relação a atos preparatórios, ou a fatos objetivos que podem indicar o ilícito temido como provável.[38]
Como resultado de um raciocínio que parte da prova indiciária, a presunção não se apoia em convicção de absoluto de certeza, mas sim no que provavelmente se mantém da relação entre o fato-base e o presumido. Nesse sentido, o ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco:
“Nenhuma presunção apoia-se em juízo absoluto de certeza. Presumir significa apenas confiar razoavelmente na probabilidade de que se mantenha constante a relação entre o fato-base e o presumido, sendo essa probabilidade havida por suficiente para neutralizar maiores temores de erro. (...) Todo o direito - e especialmente o processual – opera em torno de certezas, probabilidades e riscos, sendo que as própria ‘certezas’ não passam de probabilidades muito qualificadas e jamais são absolutas porque o espirito humano não é capaz de captar com fidelidade e segurança todos os aspectos das realidades que o circundam.”[39]
Ainda quanto à ação inibitória sem um ilícito anterior, não é possível imaginar um grau de convicção para o juízo de procedência uniforme para todas as situações de direito material. A dificuldade probatória varia conforme a situação de direito material objeto da ação, de modo que há circunstância em que o juiz deverá, com vistas às particularidades do direito material envolvido, diminuir a exigência da prova. No caso, deve o juiz justificar a redução da exigência probatória a partir do direito material e das circunstâncias do caso concreto.
Conclusão
Por todo o exposto, é possível perceber que a adequada compreensão e aplicação da tutela inibitória passa pela revisitação de institutos do direito processual civil, que devem ser conformados com a atual realidade do Estado constitucional, cujos contornos e estrutura se encontram pautados por uma série de compromissos sociais, como o dever de assegurar a todos a proteção jurisdicional contra a ameaça ao direito. Assim, o desenvolvimento do processo não tem apenas como perspectiva o passado, buscando atuar após a lesão, mas, também, o futuro, com vistas a evitar a consumação do ilícito, que deve ser compreendido de forma dissociado do dano.
Na tutela inibitória, o fenômeno probatório tem como objeto um fato que ainda não aconteceu, mas que, diante de uma ameaça objetivamente exteriorizada, apresenta-se como provável de acontecer. Ocorre que o fato futuro não pode ser diretamente provado, de modo que a prova deve incidir sobre fatos que têm relação com o fato futuro, que, no caso, é uma conduta ilícita. Todavia, é importante destacar que a ação judicial que veicula a tutela inibitória não exige uma convicção de certeza sobre consumação da ilicitude futura. A tutela inibitória atua contra a probabilidade da ilicitude, ou seja, sua concessão é permitida quando atos objetivos demonstram que a ameaça do ilícito tem o condão de ser efetivada.
Para aferir se os atos que constituem a ameaça do ilícito são suficientes para formação de uma convicção sobre a probabilidade da conduta futura, o juízo deverá se pautar em provas indiciárias, que têm os atos de ameaça como indícios, e, por conseguinte, seu objeto. Por meio de um raciocínio, que parte das provas indiciárias, o juízo, pautado em regras de experiência, as relaciona com a conduta ilícita futura, que, no caso, é presumida. A presunção é sobre a probabilidade do ilícito, de sorte que o resultado é aceitação de um fato, sem dele ter conhecimento direito.
Entende-se que a finalidade comum e imediata de todas as presunções é a facilitação da prova. Referida finalidade é observável na tutela inibitória, pois, por meio do raciocínio presuntivo e a presunção, pode-se chegar ao conhecimento de fato futuro, ainda que provável, sem que seja diretamente provado.
Portanto, na ação que veicula a tutela inibitória, é imprescindível o adequado manejo dos conceitos de fato indiciário, prova indiciária, raciocínio presuntivo, regras de experiência, juízo e presunção. A prova do fato indiciário, e a construção do raciocínio que leva à probabilidade da ilicitude, como conduta a ser inibida, é de suma importância para o desenvolvimento da tutela preventiva, pois são por seu intermédio que a ação voltada para o futuro se torna possível.
[1] RAPISARDA, Cristina. Profili dela tutela civile inibitória. Padova: Cedam, 1987. p. 16.
[2] Concorda-se com Cândido Rangel Dinamarco no sentido de ser a ordem processual marcada pelo publicismo, tendo objetivos que se inserem no sistema político-jurídico da nação, de modo que o estudo do direito processual tem como centro a jurisdição, considerada como um dos compromissos do Estado. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 15ª edição. São Paulo: Malheiros, 2013, pp. 91-92.
[3] A jurisdição desempenha atividade criativa, pois constrói significados para o texto normativo, com o fim de resolver a lide. Apesar de a função criativa da jurisdição ser ponto de extrema importância para a adequada compreensão dos institutos processuais, o presente artigo não o enfrentará, eis que não se coaduna com os fins aqui pretendidos.
[4] Para os fins do presente trabalho, entende-se como poder estatal o que é institucionalizado, ou seja, aquele que o Estado exerce em nome do povo, conforme estabelece o art. 1º da Constituição Federal.
[5] WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 3ª ed. São Paulo: DPJ, 2005, pp. 21-31.
[6] Todavia, a possibilidade da atuação da tutela inibitória antes do ilícito, não significa que não possa também atuar para impedir a continuação ou repetição de um ilícito já praticado. Assim, a tutela inibitória pode ser utilizada (i) para impedir a prática de um ilícito; (ii) para impedir a repetição de um ilícito ou (iii) para impedir a continuação da atividade ilícita. Trata-se de possibilidade expressamente prevista no art. 497 do Código de Processo Civil.
[7] MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. PROVA. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 220.
[8] WATANABE, Kazuo. Op. Cit. pp. 58-59.
[9] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 14-15.
[10] Tendo em vista a relação indispensável entre o direito processual e o material, pode-se asseverar que a preocupação do Estado em tutelar de maneira diferenciada o direito está em consonância com a efetividade do processo. Quando o Estado confere direitos, deve, também, garantir mecanismos adequados para viabilizar a efetividade do direito outorgado. Do contrário, a legislação estatal não passaria de garantia formal, destituída de conteúdo.
[11] RAPISARDA, Cristina. Inibitoria (azione). Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 1.
[12] SCHREIBER, Anderson. Novas tendências da responsabilidade civil brasileira. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, ano 6, n. 22, p. 47, abr/jun. 2005.
[13] SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros de reparação à diluição dos danos. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, pp. 226-227.
[14] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Específica. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2ª ed. 2001, p. 22.
[15] PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966. T. LIII, p. 85.
[16] SPOLIDORO, Marco Saverio. Le misure di prevenzione nel diritto industriale. Milano: Giuffrè, 1982, 161-163.
[17] PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado das ações. São Paulo: ed. RT, 1970, t. I.
[18] SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 100.
[19] MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e Convicção. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2019, p. 114.
[20] MOREIRA, José Carlos Barbosa. As presunções e a prova. Temas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 56-57.
[21] MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Op. Cit., p. 117.
[22] Apesar disso, o art. 212 do Código Civil refere-se à presunção como meio de prova. Há um erro técnico evidente no texto legislativo.
[23] BARBOSA MOREIRA. José Carlos. As presunções e a prova. Temas de direito processual civil – 1ª série. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 59.
[24] MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e Convicção. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2019, p. 119.
[25] MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Op. Cit., p. 124.
[26] DIDIER JR., Freddie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. 11ª edição. Salvador: JusPodvm. 2016, p. 75.
[27] A Lei 9.099/1995 trata expressamente das regras de experiência, autorizando o magistrado a considerá-las no momento de apreciação da prova (art. 5º). O CPC de 2015 as prevê no art. 375.
[28] TARUFFO, Micheli. A prova. 1ª ed. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 103.
[29] GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela preventiva das liberdades: habeas corpus e mandado de segurança. RePro, n. 22, São Paulo, Ed., 1981, p. 27.
[30] MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e Convicção. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2019, p. 267.
[31] TÁCITO, Caio. Mandado de Segurança Preventivo. Revista de Direito Administrativo, n. 61, Rio de Janeiro, FGV, jul.-set. 1960, p. 222.
[32] FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, v. 8, t. III, p. 341-342.
[33] “Mesmo no mandado de segurança preventivo, não basta o simples risco de lesão a direito líquido e certo, com base apenas no julgamento subjetivo do impetrante. Impõe-se que a ameaça a esse direito se caracterize por atos concretos ou preparatórios de parte da autoridade impetrada, ou ao menos indícios de que a ação ou omissão virá a atingir patrimônio jurídico da parte. Em direito tributário, se o autor inquina determinada exação, prevista em lei, de inconstitucional ou ilegal, mas não demonstra qualquer ameaça a seu direito de não pagá-la, descabe ação mandamental, que não tem por escopo interpretar a lei em tese” (STJ, REsp 18414/CE, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 15.06.1996, p. 9.223).
[34] DI MAJO, Adolfo. La tutela civile dei diritti. MILANO: Giuffrè. 2ª ed. 1993, p. 149.
[35] MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Op. Cit.., p. 277
[36] FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1984, Vl. 8, t. III, p. 453.
[37] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela contra o ilícito. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015, p. 114.
[38] “Logo, nos termos da mencionada súmula, considerando que a autora, incontroversamente, percebia gratificação de função por mais de 10 anos, não poderia o empregador, sem justo motivo, revertê-la a seu cargo efetivo sem garantir-lhe a incorporação da gratificação, em clara ofensa ao princípio da estabilidade financeira e da irredutibilidade salarial. (...) Em que pese ausente reversão da reclamante ao cargo efetivo, assim como não houve cessação da gratificação de função, entendo que é pertinente a concessão da tutela inibitória a fim de que caso a obreira seja revertida ao seu cargo originário, deve ser mantida no cômputo de sua remuneração mensal o valor da maior gratificação da função”. (TST, AIRR 3095020175130030, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 08/05/2019, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/05/2019).
“A ação inibitória para impedir a invasão de área de venda de concessionária autorizadas da mesma marca. Instrução do feito com documentos que trazem indícios veementes da atuação irregular da ré, que vem comercializando veículos na área da autora (Belo Horizonte) por meio de ‘bloqueios’. Infringência, em tese, da Lei que regula a comercialização de veículo e do contrato entre as concessionárias e o fabricante. Antecipação concedida. Recurso provido.” (1TACSP, AgIn 1040985-1 (42137), 6ª. C., j. 13.11.2001, rel. Juiz Windor Santos).
[39] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros. 2009. V. III. 6ª edição, p. 115.
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Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Especialista e mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARNELOS, Rubens Sampaio. A prova indiciária na tutela inibitória Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2020, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54319/a-prova-indiciria-na-tutela-inibitria. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
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