Artigo Científico apresentado no Curso de Direito da Universidade Brasil, Campus Fernandópolis, como complementação dos créditos necessários para obtenção de título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Ademir Gasques Sanches e Co-Orientadora Prof. Me. Márcia Kazume Pereira Sato.
RESUMO: Com o avanço da criminalidade nasceu a colaboração premiada com a Lei 12.850/2013. A colaboração premiada é um negócio jurídico personalíssimo, do Direito Público, em que o Ministério Público ou a Polícia celebram um acordo com o delator, e em troca de informação o juiz pode: conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal. Com a referida Lei, operações foram montadas para o combate à organização criminosa, dentre elas, a Operação Lava Jato que é considerada um expoente no combate à corrupção e ao crime organizado, mas também, é alvo de inúmeras críticas no tocante à afronta aos direitos e garantias fundamentais. De com essa força-tarefa, estão envolvidos membros da Petrobras, políticos, presidentes da República, presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, governadores de estados e grandes empresários. As benesses trazidas para a população com a Operação Lava Jato foram: a afirmação da independência do Poder Judiciário no país, o aperfeiçoamento das investigações do MPF, PF e Receita Federal, o sentimento de que a impunidade não prevalecerá, R$ 2,9 bilhões recuperados, bilhões de reais bloqueados no Brasil e no exterior, 49 acordos de colaboração premiada, 179 pessoas acusadas, 93 réus condenados, o sistema de cooperação internacional do Brasil para recuperar o dinheiro desviado, a criação do sistema compliance, para evitar e punir casos de corrupção, entre outras.
PALAVRAS-CHAVE: Colaboração premiada; Delação; Lava-Jato; Organização Criminosa.
ABSTRACT: With the advance of crime was born the collaboration awarded the Law 12.850 / 2013. The award-winning collaboration is a very personal legal business of public law, in which the prosecutor or police enter into an agreement with the whistleblower, and in exchange for information the judge may: grant judicial forgiveness, reduce by up to 2/3 (two thirds) the penalty of deprivation of liberty or replace it with restrictive of rights of the one who has collaborated effectively and voluntarily with the investigation and the criminal process. With this Law, operations were set up to combat the criminal organization, among them, Operation Lava Jato which is considered an exponent in the fight against corruption and organized crime, but also, is the target of numerous criticisms regarding the affront to rights. and fundamental guarantees. This task force involves Petrobras members, politicians, presidents of the Republic, presidents of the Chamber of Deputies and the Federal Senate, state governors and large businessmen. The benefits brought to the population with Operation Lava Jato were: the affirmation of the independence of the judiciary in the country, the improvement of the investigations of the MPF, PF and IRS, the feeling that impunity will not prevail, R $ 2.9 billion. recovered, billions of reais blocked in Brazil and abroad, 49 winning collaboration agreements, 179 accused persons, 93 convicted defendants, Brazil's international cooperation system to recover embezzled money, the establishment of the compliance system, to prevent and punish cases corruption, among others.
KEYWORDS: Award-winning collaboration; Delation; Car wash; Criminal Organization.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 COLABORAÇÃO PREMIADA. 2.1 Conceito. 2.2 Natureza Jurídica. 2.3 Aspectos Históricos. 3 DIREITO COMPARADO. 3.1 Delação premiada na Alemanha. 3.2 Delação premiada na Espanha. 3.3 Delação premiada nos Estados Unidos. 3.4 Delação premiada na Itália. 4 CONSTITUCIONALIDADE. 5 DISTINÇÃO ENTRE COLABORAÇÃO E DELAÇÃO PREMIADA. 5.1 Subespécies da colaboração premiada. 6 COLABORAÇÃO PREMIADA E A LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 7. A COLABORAÇÃO PREMIADA E A OPERAÇÃO LAVA JATO. 8 CONCLUSÃO. 9 REFERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO
Desde os primórdios dos tempos há o cometimento de crimes, bem como mecanismos para a investigação criminal com o objetivo de identificar o autor do ilícito. Com o passar do tempo as infrações criminais foram aumentando, assim como sua organização e estrutura foi se aprimorando, muitas vezes em razão da burocracia e morosidade do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, a persecução penal não acompanha a evolução criminosa.
E foi em razão da evolução criminal no Brasil e sua expansão gigantesca é que surgiu a necessidade de se formalizar e padronizar uma importante ferramenta para obtenção de provas em face das organizações criminosas: a colaboração premiada.
A colaboração premiada tem o objetivo principal de facilitar o descobrimento de infrações penais, identificando a autoria e participação de agentes em situações complexas envolvendo organizações com estruturas de comando e operação que impossibilitam ou dificultam em demasia a persecução penal.
Essa colaboração, como meio de obtenção de elementos de prova, tem por propósito promover a rápida apuração dos ilícitos e de modo célere a aplicação das punições correspondentes em face de condutas de difícil comprovação.
A decisão de realizar a colaboração premiada é livre e espontânea do agente em renunciar seu direito ao silêncio e de não promover prova contra si mesmo (Princípio da Presunção de Inocência e Princípio do "nemo tenetur se detegere"), além de se comprometer em dizer a verdade sob pena de nulidade do acordo e de incorrer em crime de denunciação caluniosa.
Como resultado da colaboração premiada deverá haver a identificação do autor/coautor e partícipes da organização criminosa e dos crimes praticados, a revelação de toda a estrutura organizacional do esquema criminoso, a prevenção de novas atividades criminosas decorrentes da organização criminosa, a recuperação total ou parcial do resultado financeiro da infração criminal ou ainda, na localização da vítima e a preservação de sua integridade física, no caso do crime de sequestro.
A principal Lei que dispõe sobre a colaboração premiada é a Lei 12.850 de 2013, que trata sobre o crime organizado, e ela foi o verdadeiro estopim para a apuração de grande número de infrações criminais, e foi através dessa lei que o Poder Judiciário conseguiu alavancar operações de investigação criminal que abrangem o país inteiro, desmantelando grandes organizações criminosas, fazendo a diferença na história penal brasileira.
Com o advento da Lei 12.850/2013 aumentaram os benefícios concedidos ao colaborador, “premiando-o”, não apenas com redução de pena, como também, em determinados casos, perdão judicial e substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.
Existem inúmeras críticas com relação à colaboração premiada, principalmente com à sua aplicação, pois “haveria” o desrespeito à vários princípios constitucionais, tais como: Princípio da Presunção de Inocência e Princípio do "nemo tenetur se detegere", Ampla defesa, Contraditório, e outros. Contudo ainda não houve nenhum argumento doutrinário ou análise feita pelo Supremo Tribunal Federal que conseguisse promover a decretação de sua inconstitucionalidade.
Há pouco mais de seis anos o uso da colaboração premiada foi legalizado no pais, e coincidentemente ou não, foi após a promulgação da Lei de Organizações criminosas é que foi deflagrada a maior investigação criminal da história do Brasil, a chamada Operação Lava Jato, que desmantelou uma organização criminosa gigantesca, tendo como membros políticos, empresários, lobistas, doleiros, dentre outros participantes, que desviaram dos cofres públicos trilhões de reais no cometimento de diversos crimes como corrupção ativa e passiva, pagamento de propinas, evasão de divisas, caixa dois para partidos políticos, lavagem de dinheiro, formação de organização criminosa, crimes financeiros e outros.
Através da referida operação, por meio do uso da colaboração premiada, é que se pode identificar e condenar os chefes dessa organização criminosa e reaver boa parte dos recursos financeiros desviados para fora do país.
2.COLABORAÇÃO PREMIADA
2.1Conceito
A colaboração premiada pode ser conceituada como uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal (redução de pena, perdão judicial, cumprimento de pena em regime diferenciado etc.).
Para a doutrina moderna, a colaboração premiada também é chamada de “delação premiada”, “pacto premial”, “cooperação premiada”, “confissão delatória”, “chamamento de corréu” e “negociação premial”.
Tal instituto insere no contexto maior do chamado direito penal premial e representa uma tendência mundial, justamente por ser, nas palavras do Min. Ricardo Lewandowski, “um instrumento útil, eficaz, internacionalmente reconhecido, utilizado em países civilizados” (HC 90.688/ PR), como medida apta a auxiliar no combate ao crime organizado e à corrupção (MASSON et al, 2018, pág. 164).
Foi com a Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013) que a colaboração premiada ganhou ênfase, pois surgiram regras mais claras para a celebração do acordo, onde o magistrado foi afastado da negociação, exigiu-se requerimento e homologação judicial e foram previstos direitos ao colaborador, tipificando como crime a revelação indevida de sua identidade.
Ao mesmo tempo em que o colaborador confessa a prática delituosa, abrindo mão do seu direito de permanecer em silêncio, assume o compromisso de ser fonte e de prova para a acusação acerca de determinados fatos. É evidente que essa colaboração deve ir além do mero depoimento do colaborador em detrimento dos demais acusados, porquanto não se admite a prolação de um decreto condenatório baseado única e exclusivamente na colaboração premiada.
Note que uma simples confissão não se confunde com a colaboração premiada. O agente fará jus aos prêmios previstos nos dispositivos legais que tratam da colaboração premiada apenas quando admitir sua participação no delito e fornecer informações objetivamente eficazes para a descoberta de fatos dos quais os órgãos incumbidos da persecução penal não tinham conhecimento prévio, permitindo, a identificação dos demais coautores ou partícipes, a localização do produto do crime, a descoberta de toda a trama delituosa ou a facilitação da libertação do sequestrado.
Consequentemente, se porventura o acusado limita-se a confessar fatos já conhecidos, reforçando as provas preexistentes, fará jus tão somente à atenuante da confissão prevista no art. 65, I, alínea "d", do Código Penal.
Em casos análogos, já se pronunciou o STJ, quando do julgamento do HC 90.962/SP, "apesar de o acusado haver confessado sua participação no crime, contando em detalhes toda a atividade criminosa, incriminando seus comparsas, não há nenhuma informação nos autos que ateste o uso de tais informações para fundamentar a condenação dos outros envolvidos, pois a materialidade, as autorias e o desmantelamento do grupo criminoso se deram, principalmente, pelas interceptações telefônicas legalmente autorizadas e pelos depoimentos das testemunhas e dos policiais federais".
De todo modo, como a confissão funciona como circunstância atenuante (CP, art. 65, I, "d"), incidindo na segunda fase de aplicação da pena, ao passo que a colaboração premiada confere ao agente, em algumas hipóteses, uma causa de diminuição de pena, a ser aplicada na terceira fase (CP, art. 68), há precedentes do STJ no sentido de que a aplicação simultânea desses benefícios legais é perfeitamente compatível, porquanto dotados de natureza distinta.
2.2 Natureza jurídica
A colaboração premiada tem a natureza jurídica de meio de obtenção da prova, materializado em um “acordo” reduzido a “termo” para devida homologação judicial. Para a doutrina moderna a colaboração premiada é um “negócio jurídico processual” voltado para a obtenção de prova, e não um meio de prova propriamente dito, conforme entendimento do STF (julgamento do HC 127.483/PR).
O Supremo Tribunal Federal assentou entendimento de que o acordo de colaboração não se confunde com as declarações prestadas pelo agente colaborador, tendo em vista que estas “seriam, efetivamente, meio de prova, que somente se mostraria hábil à formação do convencimento judicial se viesse a ser corroborado por outros meios idôneos de prova. Por essa razão, a Lei 12.850/2013 dispõe que nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento exclusivo nas declarações do agente colaborador. Assinalou que a colaboração premiada seria negócio jurídico processual [...]. Por sua vez, esse acordo somente será válido se: a) a declaração de vontade do colaborador for resultante de um processo volitivo, querida com plena consciência da realidade, escolhida com liberdade e deliberada sem má-fé; e b) o seu objeto for lícito, possível, determinado ou determinável. Destacou que a ‘liberdade’ de que se trata seria psíquica, e não de locomoção. Assim, não haveria óbice a que o colaborador estivesse custodiado, desde que presente a voluntariedade da colaboração”.
Em consequência da adoção pelo Supremo Tribunal Federal do entendimento de que a colaboração premiada tem natureza jurídica de negócio jurídico processual por meio do qual se almeja a obtenção de prova, três importantes conclusões foram assentadas pelo STF, a saber:
(a) eventual coautor ou partícipe dos crimes praticados pelo colaborador não pode impugnar o acordo de colaboração;
(b) a personalidade do colaborador ou eventual descumprimento de anterior acordo de colaboração não invalida o pacto atual, atinente a fato delitivo diverso, “embora, subjetivamente, não recomende o perdão judicial ante a magnitude da benesse”; e
(c) o acordo de colaboração premiada pode dispor sobre efeitos extrapenais de natureza patrimonial da condenação.
É de se notar também que o STF reafirmou entendimento de que, por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de colaboração premiada “não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento no relato da colaboração e em seus possíveis resultados”.
Compreendeu a Corte que a homologação do acordo de colaboração, por si só, “não produz nenhum efeito na esfera jurídica do delatado, uma vez que não é o acordo propriamente dito que poderá atingi-la, mas sim as imputações constantes dos depoimentos do colaborador ou as medidas restritivas de direitos fundamentais que vierem a ser adotadas com base nesses depoimentos e nas provas por ele indicadas ou apresentadas”.
2.3 Aspectos históricos
A delação premiada não é um instituto novo no mundo, pois desde os primórdios dos tempos já se fazia uso da prática básica de se barganhar para a obtenção de informações, sejam elas de cunho civil ou criminal.
Nos tempos bíblicos, por exemplo, Judas Iscariotes foi o delator de Jesus Cristo, entregando sua localização para os Romanos em troca de trinta moedas de prata, logicamente, que é sabido que Jesus Cristo não estava sendo submetido a um processo criminal como nos dias atuais, mas a prática de Judas nada mais foi do que fornecer uma informação em troca de uma recompensa, naquele caso financeira.
No aspecto da prática processual a delação premiada foi implementada em diversos países como Alemanha, Espanha e Itália, mas ganhou força e amplitude mundial com sua aplicação no Direito Penal Americano, em especial contra o crime organizado, através de acordos entre a Promotoria Federal e os delatores, alguns criminosos chegaram a conseguir a imunidade penal e proteção de seus familiares em troca de informações valiosas contra a máfia que resultaram no desmantelamento de organizações criminosas.
A delação premiada faz parte da história brasileira, como por exemplo na Inconfidência Mineira, onde o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, delatou seus companheiros e obteve da Fazenda Real o perdão de suas dívidas.
Na Ditadura Militar de 1964 com a finalidade de se desvendar a identidade de criminosos, aqueles que não concordavam com o regime repressivo delatavam os crimes cometidos, bem como seus autores e os locais onde os corpos eram enterrados, assim, pode-se afirmar que a delação premiada sempre foi utilizada no Direito Brasileiro, porém não de forma oficial/legal, como conhecemos hoje.
A delação premiada surgiu, oficialmente, com o advento da Lei dos Crimes Hediondos - Lei nº 8.072/90, art. 8.º, parágrafo único, e nas Leis 7.242/86, 8.137/90, 9.034/95 que dispôs sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, Lei 9.080/95 que acrescentou o parágrafo da Lei 7.495/86 que definiu os crimes contra o sistema financeiro nacional, Lei 9.269/96 que modificou o parágrafo 4º do artigo 159 do Código Penal alterando a expressão quadrilha/bando para “cometido em concurso”, Lei 9.613/98 que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, Lei 9.807/99 que trata sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação ou processo criminal, Lei 11.343/2006 que definiu crimes relacionados ao tráfico ilícito de entorpecentes e finalmente a Lei 12.850/13.
Com a promulgação da Lei 12.850 de 2013, conhecida como a Lei das Organizações Criminosas, é que podemos afirmar que o instituto da delação premiada é novo no Brasil, em termos históricos, pois sua aplicação ganhou notoriedade com o início da Operação Lava Jato um ano após a criação da referida Lei.
3.DIREITO COMPARADO
3.1 Delação premiada na Alemanha
Desde que o réu se comprometa a colaborar com as investigações de forma a ajudar as autoridades a impedir a prática de ações criminosas, a autoridade policial alemã pode conceder ao réu diminuição de sua pena, podendo chegar até ao perdão judicial em alguns casos onde a colaboração teve uma grande relevância. Tal benefício é chamado de kronzeugenregelung cabendo ao próprio magistrado a proposta de acordo.
3.2 Delação premiada na Espanha
Já na Espanha, não há a figura da colaboração premiada, mas sim do arrependimento do acusado que pode receber o benefício da diminuição da pena, desde que cumpra com determinados requisitos, dentre os quais se destacam:
a) abandono das atividades delituosas;
b) confissão dos fatos delituosos nos quais tenha participado; e
c) ajuda a impedir a produção do delito ou auxiliar na obtenção de provas para a identificação ou captura dos demais, ou, ainda, cooperação eficaz para a consecução de provas que impeçam a atuação ou desenvolvimento das organizações criminosas em que tenha participado.
Tal instituto foi introduzido inicialmente no direito penal com o intuito de combater as ações de grupos terroristas em seu território, sendo posteriormente também aplicado a outras áreas do ordenamento jurídico espanhol.
3.3 Delação premiada nos Estados Unidos
e modo bem diverso, os Estados Unidos adota uma cultura jurídica que busca no acordo entre as partes, por ser um meio mais célere na resolução de demandas judiciais.
Deste modo, a maioria dos processos cíveis que tramitam pela corte americana é resolvida por meio de acordos criados a partir de uma negociação entre as partes. De igual modo, essa ideia foi difundida para a esfera penal, onde a maior parte dos processos também acaba por ser resolvidos por meio de um acordo feito entre a promotoria e a defesa do acusado.
Tal acordo é conhecido como plea bargaining que consiste em uma negociação realizada entre acusação e acusado, na qual o acusado preste informações de interesse do parquet para que este, por sua vez, deixe de acusá-lo ou o faça de modo parcial e/ou atenuado.
Neste modelo, o acusado pode optar por exercer seus direitos e garantias processuais e constitucionais ou deixá-los em troca de algum benefício, podendo também declarar-se culpado das acusações do Ministério Público, recebendo como contraprestação a atenuação no número de acusações e/ou na gravidade das penas a serem aplicadas.
Trata-se em última análise de um contrato firmado entre a parte acusatória e a parte ré, sem a participação de um juiz. Ao Judiciário cabe unicamente o papel de executor do pactuado.
Se por um lado o réu se beneficia do não julgamento de um processo obtendo desde já uma pena mais leve, o Ministério Público também se beneficia, pois é capaz de garantir que o acusado será considerado culpado pelos crimes admitidos e ao mesmo tempo economiza recurso e tempo.
3.4 Delação premiada na Itália
O instituto da delação premiada surgiu na Itália após a criação da máfia italiana. Os mafiosos encontravam-se em uma posição de grande influência tanto na esfera política quanto na esfera empresarial.
Nesse contexto a delação premiada ganhou grande destaque como um meio de quebrar o complexo sistema de influências que a máfia possuía e assim, partindo dos pequenos, conseguiu chegar a importantes políticos, grandes empresários e aos próprios chefões da máfia.
O modelo italiano possui duas formas de delação, onde a figura do delator pode ser associada a figura dos pentito ou a dos dissociati.
Os primeiros tratam-se de criminosos que, antes da sentença condenatória, retiram-se da associação e fornecem informações acerca da estrutura da organização à Justiça. Quando a veracidade de suas denúncias é comprovada, logram a extinção da punibilidade e, tanto o colaborador quanto seus parentes próximos, passam a receber salário, moradia e plano de saúde do Estado, que se torna responsável por sua integridade física.
Já a figura dos dissociati teria como alvo as organizações terroristas ou aquelas consideradas subversivas da ordem estatal, aqui, exigiam-se do dissociado, além de informações sobre o grupo organizado, também a ruptura da ideologia política que originava o seu comportamento delituoso. Quanto ao colaborador, previsto na Lei nº 82/91, para o enquadramento como tal bastava a prestação de informações úteis às autoridades investigativas, não havendo qualquer vínculo do indivíduo com a prática delitiva.
4. CONSTITUCIONALIDADE
A constitucionalidade e a eticidade da colaboração premiada estão umbilicalmente ligadas, sendo que para discutir o tema é necessário deixar de lado discursos fundamentalistas e tentar se ater aos fatos e a legalidade da ferramenta de obtenção de prova na persecução penal e é isso que se busca aqui.
No rol dos direitos e garantias fundamentais, vários princípios como: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, LVII, CF); "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogados" (art. 5º, LXIII, CF), o princípio da ampla defesa, do contraditório, dentre outros que indicam o respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana como valores norteadores dos textos legais são apontados como desrespeitados quando se aplica a colaboração premiada. Senão, vejamos:
Parte da doutrina minoritária sustenta que a colaboração premiada ofende o princípio constitucional da individualização da pena, pois se em determinado delito praticado em concurso de agentes, um dos coautores resolver colaborar com o Estado, firmando um acordo de delação premiada, este poderá receber os benefícios deste acordo, assim, terá uma pena diferente do outro coautor, ensejando sanções diversas dos agentes que praticaram o mesmo crime.
Da mesma forma, a sua aplicação atenta ao princípio da ampla defesa e do contraditório, afirmando que este acordo subtraia do judiciário o poder de julgamento.
Para a doutrina majoritária, a colaboração premiada seria constitucional, pois não ofende aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, na medida em que há várias formas prevista em lei de se atenuar ou diminuir uma pena imputada a um certo agente e permanecendo diferente ao outro criminoso, ou seja, mesmo que tenham praticado o mesmo crime em conjunto não seria apenas o instituto da delação premiada que faz análise quanto a individualização da pena. (CUNHA, 2016, p. 37).
No que se diz respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório, nada há que se falar em ofensa a tais princípios, por mais que não pareça tão formal, o acordo de colaboração premiada pode ser considerado um processo judicial que preenche todos os requisitos do devido processo legal.
Nem deve se falar da inconstitucionalidade perante o fato de usurpar do Poder Judiciário a função de julgar, como mencionado, existe um processo instaurado onde figuram as partes (acusação e defesa) e um dirigente processual (magistrado) que irá regular tal feito.
As críticas acerca da colaboração premiada são inúmeras quanto as violações no âmbito constitucional, por exemplo, a falta de acesso aos depoimentos do delator por parte da defesa, uma vez que esses deverão ficar restritos ao Ministério Público e ao juiz, de modo que nem os advogados de defesa tem acesso ao conteúdo da declaração dado pelo seu cliente.
Há ainda a crítica no tocante às violações acerca do âmbito processual/penal, dentre eles o fato de que após o acordo, será estabelecido um prazo ilimitado para o delator ficar no regime em que começa a cumprir pena, e que será fixo somente depois da confirmação efetiva das informações prestadas. Isso poderá levar meses violando assim a exigência de que a pena tenha sua quantidade de tempo fixada pelo juiz como determina o artigo 59, II, do Código Penal.
E com relação ao cumprimento de pena, os acordos de delação, trazem a aplicação da progressão de regime mesmo em desconformidade com a Lei nº 7.210/1984, artigo 122, que trata dos requisitos estipulados na Lei de Execuções Penais. Como argumento de oposição à essa crítica, o Ministério Público Federal, destaca a autorização de tal exceção pela Lei das Organizações Criminosas, porém essa exceção prevista na norma só serve para colaborações firmadas após a sentença condenatória, conforme artigo 4º, parágrafo 5º da Lei nº 12.850/13: “Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos”.
Há ainda aqueles que defendem que o benefício dado ao delator pode macular o princípio da isonomia, uma vez que autor e coautor praticaram o mesmo crime e serão julgados de formas diferentes devido a colaboração de um deles, resguardando a medida da culpabilidade de cada um.
Pelo fato da vasta previsão legal de tal instituto, a força de sua aplicação perante os tribunais pátrios e a sua eficiência processual, não dever-se-ia notar a inconstitucionalidade deste instituto e sim reforçar a sua constitucionalidade perante o ordenamento jurídico.
Uma das mais recentes e mais caóticas discussões, foi levantada à partir da instauração da operação "lava jato”, onde estava sendo discutido a validade do acordo de delação para aquele agente que já se encontre preso, seja definitivamente, preventivamente ou temporariamente.
Sendo assim, parte da doutrina questiona a eficácia deste acordo, sobre esta premissa o nobre jurista e magistrado Rodrigo Capez faz uma crítica narrando que, o fato do agente colaborador estar com sua liberdade física cerceada pelo cárcere consequentemente acarreta também na prisão de sua liberdade psíquica, onde de certa forma este delator não estaria com sua plena capacidade mental, deste ponto causando uma insegurança jurídica quanto a eficácia de sua contribuição. Expressa ainda que, de forma indireta o fato de estar recluso seria uma forma de coação para que este contribuísse para a elaboração do acordo.
Aberto este debate, os operadores desta corrente atribuem que é de extrema necessidade que o delator esteja tanto com sua liberdade física quanto sua liberdade psíquica reestabelecidas, para que, conforme diz o princípio da voluntariedade deste instituto sendo requisito essencial para sua validação a espontaneidade.
O Egrégio Supremo Tribunal Federal se deparando com este viés em agosto de 2015 proferiu um acórdão no Habeas Corpus 127.483/SP, tendo como relator o ministro Dias Toffoli, numa decisão unânime ficou entendido pelos Ínclitos Ministros, para que o acordo de colaboração premiada tivesse seu real valor e demonstrasse sua eficácia, a vontade do colaborador deveria estar guarnecida por sua plena consciência de escolha, condicionada esta a sua liberdade.
Em um cunho sociológico, o imputado estaria sendo influenciado indiretamente a contribuir com informações em virtude dos benefícios carreados pela colaboração premiada.
Todavia, de outro lado, não detém qualquer impedimento o acordo firmado por quem se encontre preso, desde que assegurados os requisitos legais da colaboração. Ainda mais que, se for negado sua concessão pelo simples fato da condição do agente estar preso, esta ação iria em confronto direto a um dos maiores princípios constitucionais vigentes, o da isonomia, uma vez que, a questão da validade do acordo feito por quem se encontre preso é de caráter subjetivo, se valendo de cada caso em concreto.
Portanto, impedir que acordos de colaboração premiada fossem celebrados por imputados que estejam em detenção seria manifestamente inconstitucional, bem como, fundamentar uma prisão de qualquer natureza com o intuito de se ter um acordo de delação premiada.
5.DISTINÇÃO ENTRE COLABORAÇÃO E DELAÇÃO PREMIADA
Existem operadores do Direito que se referem à colaboração premiada e a delação premiada como sendo instrumentos semelhantes.
Contudo, se faz necessária a separação de tais institutos, pois a colaboração é muito mais abrangente do que a delação premiada, senão vejamos:
Em termos práticos, pode-se afirmar que um colaborador pode “ajudar” nas investigações informando detalhes do crime, relatando sobre o objeto, motivação, local do crime e etc.
Já um delator é aquele que entrega à autoridade o nome daquele que praticou o crime, ou até mesmo confessa sua autoria, entregando assim, informações que se verídicas são imprescindíveis para o deslinde do processo.
Há que se ressaltar à respeito do preconceito imbuído no significado de cada palavra, pois colaborador, de forma imediata, é quem auxilia, já delator é quem conta o que sabe, trai a confiança dos demais pertencentes à organização criminosa investigada. E por tal razão, muitos doutrinadores, como Renato Brasileiro, preferem a utilização do termo Colaboração do que Delação, e quando se referem à delação, também utilizam a expressão “chamamento do corréu”.
Existem ainda alguns doutrinadores que são avessos à colaboração premiada, afirmando que seria uma verdadeira prática de “extorsão premiada”, pois o delator estaria faltando com a “ética” ao expor os demais integrantes da organização criminosa.
Contudo, a grande maioria da doutrina não entende dessa forma, pois geralmente as organizações criminosas possuem leis próprias e condutas nefastas com relação ao ordenamento jurídico brasileiro, não podendo assim falarmos sobre ética entre criminosos.
O instituto da colaboração premiada é de suma importância para o ordenamento jurídico brasileiro atual, visto que sem o mesmo não haveria tamanho avanço nas operações que apuram os crimes de “colarinho branco”, por exemplo, que geralmente são praticados através de grandes organizações criminosas que possuem vasto conhecimento e uma rede de membros em vários setores (público e privado) o que faz com que a sua apuração e a reunião de provas seja quase impossível sem o auxílio de um delator que esteja dentro da organização.
Além da distinção entre colaboração e delação premiada é mister reconhecer suas subespécies.
5.1 Subespécies da colaboração premiada:
Por ser um tema abrangente, a colaboração premiada foi dividida em quatro subespécies para facilitar seu entendimento (BRASILEIRO, 2016, p. 518):
6. COLABORAÇÃO PREMIADA E A LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
A Lei de Organização Criminosa editada em 2013 é um verdadeiro divisor de águas com relação à instrumentalização e ordenamento da colheita de provas na matéria processual penal, visto que ela surge em meio à grande necessidade de se padronizar e legalizar o recebimento de informações prestadas por integrantes das organizações criminosas investigadas.
A Lei 12.850/2013, em seu artigo primeiro, traz a definição de organização criminosa para sua aplicação, dispõe sobre a investigação criminal, meios de prova e identificação de infrações penais próprias, além de estabelecer regras especiais do procedimento criminal a serem aplicadas. Assim, a lei com foco no crime organizado dispõe sobre direito material e direito processual.
O conceito de organização criminosa está contido no parágrafo 1º do art. 1º, da Lei 12.850/2013, onde ficou determinado que:
Organização criminosa é a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Uma organização criminosa é uma estrutura coordenada, uma associação clandestina e ilícita nos objetivos, com grande aparato e escalonamento hierárquico e divisão de tarefas, tal como uma empresa. A organização criminosa também pode exercer atividades lícitas com finalidades ilícitas, apesar de revestir-se de forma e atuação formalmente regulares.
A organização criminosa pode envolver pessoas jurídicas, mas via de regra é promovida por pessoas físicas, todas com um objetivo comum, que é o de exercer uma atividade criminosa, seja ela de ordem financeira ou da ordem dos crimes contra a vida, com penalidade máxima superior à quatro anos.
A Lei nº 12.850/2013, levou em conta especialmente a organização criminosa como pressuposto imprescindível de aplicação da colaboração premiada.
A ferramenta da colaboração premiada pode ser usada em qualquer tempo processual (artigo 3º), ou seja, após a sentença de mérito (antes ou depois do trânsito em julgado) e pode acarretar, por exemplo, o perdão judicial, a redução da pena imposta, ou a substituição dela, mesmo em face de deliberações processuais consolidadas ou de preclusão ou contra ato judicial coberto por garantias constitucionais.
No âmbito da apuração das infrações criminais cometidas pelas organizações criminosas, a colaboração premiada constitui um acordo entre a acusação e a defesa (delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor), de acordo o artigo 4ª da Lei de organizações criminosas).
No referido acordo o investigado, de maneira voluntária, se compromete a delatar (art. 4º caput: a identificação dos demais autores/partícipes do crime, a estrutura da associação criminosa, a recuperação do produto ou fruto do ato criminoso e quando for o caso a localização da vítima e sempre que possível, o fornecimento de informações que prevenirão o cometimento de novos crimes.
O termo de acordo (art. 6º) deverá ser elaborado por escrito e conterá, obrigatoriamente, o relato detalhado da colaboração oferecida pelo acusado, demonstrados os requisitos legais essenciais de voluntariedade e efetividade com os resultados correspondentes, o referido termo é encaminhado para que o Juiz o homologue, podendo, caso haja necessidade, ouvir o colaborador, juntamente com seu defensor.
A colaboração ganha status de prova testemunhal em face do corréu delatado, por isso é facultado ao defensor a possibilidade de fazer reperguntas ao delator, exclusivamente com relação aos pontos da delação realizada, sob pena de cerceamento da defesa e consequente anulação do processo desde o interrogatório.
Acerca do assunto, nas mesas de processo penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, coordenadas pela Professora Ada Pellegrini Grinover, a Súmula nº 675 enuncia que “o interrogatório de corréu, incriminando outro, tem, com relação a este, natureza de depoimento testemunhal, devendo, por isso, se admitirem reperguntas”. Para que seja preservado o direito de não produzir prova contra si mesmo do delator, as reperguntas formuladas pelo advogado do litisconsorte passivo deverão se limitar aos fatos que incriminam o corréu delatado.” (BRASILEIRO, 2017, p. 766).
O colaborador/delator/chamador do corréu faz jus à proteção de sua intimidade e incolumidade, à ele são aplicados as mesmas prerrogativas das testemunhas, conforme disposição do art. 5.º da Lei do Crime Organizado:
Art. 5.º São direitos do colaborador:
I – usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;
II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;
III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;
IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;
V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, em sua prévia autorização por escrito;
VI – cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.
Os direitos concedidos ao colaborador no supracitado artigo visam garantir a plena eficácia da colaboração premiada, prevista no art. 3.º, I, da Lei do Crime Organizado como meio de obtenção da prova, visto que geralmente o colaborador é ser considerado “uma peça-chave no desmantelamento da criminalidade organizada” (MASSON; MARÇAL, 2018, p. 103).
O sigilo na colaboração premiada é uma peça fundamental tanto para o sucesso das investigações, como para o encorajamento do delator, por tal razão, deve o termo ser autuado em apartado, como um autêntico incidente do inquérito ou do processo, para que possa ser sigilosamente distribuído a um juiz, nos termos do art. 7.º da Lei 12.850/2013.
Um ponto importante da lei de organização criminosa é o parágrafo 14 que trata da renúncia expressa do colaborador, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e sua sujeição ao compromisso legal de dizer a verdade, que nada mais é do que respectivamente o Princípio da Presunção de Inocência (CF, art. 5°, LXIII), e Princípio do "nemo tenetur se detegere", princípios esses fundamentais, expressos na Carta Magna.
E por se tratar de dois princípios constitucionais, existem críticas na doutrina a respeito desse ponto legal que trata da renúncia, uma vez que, por natureza, tais princípios são indisponíveis, o que traria ilegalidade ao acordo realizado mediante a colaboração premiada, por isso o doutrinador Renato Brasileiro de Lima, defende o posicionamento de que não ocorre a renúncia ao princípio da presunção de inocência ou ao “nemo tenetur se detegere”, mas sim lhe é dada a opção de não exercício de tais prerrogativas, vez que o delator estará assistido por advogado e terá optado pela colaboração de forma livre e espontânea.
Tanto é verdade, que se caso o colaborador se retrate e não queira mais finalizar a delação, as informações e confissões não poderão ser utilizadas como meio probante nos autos processuais contra ele. Essa retratação deve ocorrer depois da homologação do juiz e antes da sentença condenatória.
Após a colheita dos depoimentos do colaborador e comprovada a eficácia e atingidos os efeitos desejados, a aplicação de sua premiação legal é medida que se impõe, mesmo o artigo 4ª da Lei 12.850/13 expressando o vernáculo “poderá”, o entendimento prevalecente é o de que o Juiz deverá aplicar os efeitos da premiação contida na disposição legal: conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.
A concessão da premiação legal é estritamente pessoal, de maneira que aqueles que participem da organização criminosa investigada e que não colaboraram de maneira voluntaria e expressa com as investigações/instrução processual não poderão ser agraciados com os benefícios elencados no caput do artigo 4º da Lei 12.850/13.
Finalmente, ainda para a concessão e especificação dos prêmios legais, não basta que as informações prestadas pelo colaborador resultem na identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas, deve haver ainda a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Para além disso, o magistrado também deverá levar em consideração a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias do crime, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração (Lei no 12.850/13, art. 4°, § 1°). Essa observação legal para a concessão dos benefícios da colaboração premiada foi criada como mecanismo de preservação desse valioso instrumento, para que seu uso não seja banalizado e acarrete na impunidade de criminosos.
Como bem asseverou o douto doutrinador Renato Brasileiro, 2017, p. 773:
Na verdade, os prêmios legais inerentes à colaboração premiada devem ser concedidos apenas àqueles acusados de pequena ou média importância, preservando-se intacta a persecução penal dos líderes das organizações criminosas. Como observa Sérgio Moro, "o método deve ser empregado para permitir a escalada da investigação e da persecução na hierarquia da atividade criminosa. Faz-se um acordo com um criminoso pequeno para obter prova contra o grande criminoso ou com um grande criminoso para lograr prova contra vários outros grandes criminosos.
O parágrafo 16 do artigo 4ª da Lei 12.850/13 determina sobre o valor da colaboração premiada, visto que nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.
Isso porque nem a confissão ou a auto incriminação, é a principal prova para a condenação criminal, de maneira que toda a sentença deverá ser pautada em documentos, depoimento de testemunhas, objetos do crime e demais elementos que deixam de forma cristalina a autoria e materialidade do fato típico.
Contudo, a colaboração premiada é suficiente para a instauração de processo investigatório contra os delatados.
O parágrafo 6º do artigo 4ª da Lei 12.850/13 trata a cerca de legitimidade para a propositura do acordo de colaboração premiada:
O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.
A partir daí, existe uma discussão acerca do fato do delegado de polícia poder ou não celebrar referido acordo.
Porém, ao analisar com atenção a Lei da Organização Criminosa se depreende que o juiz é obrigado a verificar a legalidade do acordo antes de proceder à homologação.
Mas antes, o Ministério Público de se manifestar se é favorável ou não aos termos do acordo realizado entre o Delegado de Polícia e o acusado.
Assim, a legitimidade ativa do Ministério Público para a ação penal pública terá o condão validar o acordo, que, posteriormente será submetido pelo órgão ministerial à homologação do magistrado competente. E esse também é o entendimento do Douto Doutrinador Amintas Vidal Gomes, 2015, fls. 373: “A representação do delegado de polícia possui uma natureza cautelar quanto à concessão do benefício pelo juiz competente, devendo ser apreciada tal representação obrigatoriamente pelo Ministério Público.”.
Na mesma seara está o posicionamento dos Promotores de Justiça, Cleber Masson e Vinicius Marçal, 2018, fls. 162:
Posta a divergência, e independentemente da corrente que se adote acerca da (in)capacidade postulatória dos delegados de polícia, para nós, não se pode admitir o deferimento de medidas cautelares sem a imprescindível oitiva do Ministério Público (v.g., arts. 4.º, § 2.º, e 10, § 1.º, ambos da Lei 12.850/2013), sobretudo na fase inquisitorial, sob pena de se configurar verdadeira concessão ex officio pelo magistrado (hipótese rechaçada pelo CPP, art. 282, § 2.º).
Diante de qualquer providência cautelar “representada” pela polícia ou mesmo à vista da solicitação de utilização de um meio especial de obtenção de prova (art. 3.º da Lei 12.850/2013), é de se ter por cogente a manifestação do órgão ministerial, a fim de propiciar ao titular da opinio delicti a aferição quanto à necessidade e adequação da medida aos fins da apuração da infração. Portanto, o mal não está na representação policial em si, mas na ausência de requerimento por parte do dominus litis.
Contudo, caso não haja consenso entre o delegado de polícia e o promotor de justiça, qualquer um dos dois deverá devolver a apreciação da questão ao órgão superior do Ministério Público (Procurador do Estado), conforme determinação do art. 4°, § 2º, da Lei no 12.850/13, que faz referência expressa a possibilidade de aplicação, subsidiária, do art. 28 do CPP (Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.).
Se for necessário o encaminhamento do termo para apreciação do Procurador do Estado, o mesmo poderá manter o parecer do Promotor em não concordar com o acordo de delação ou designará outro Promotor para a realização do termo de colaboração premiada.
O magistrado não poderá conceder de ofício o perdão judicial, fato esse expressamente fixado em lei.
Ainda com relação às críticas à referida Lei, há doutrinadores que afirmam que ela é um “mal necessário”, um dos maiores críticos a essa Lei é o doutrinador Guilherme Nucci, 2019, p. 07:
A “criminalidade organizada é um fator objetivo gerador de insegurança, mas o estado psicológico e social que disso se deriva é imediatamente retroalimentado pelos meios de comunicação e o poder político encarregado da repressão à criminalidade para legitimar assim mais facilmente as sus políticas”. Nesse aspecto, a Lei 12.850/2013 trouxe instrumentos abertos o suficiente para que vários órgãos penais de repressão ao crime (Polícia, Ministério Público e Judiciário) atuassem com extrema liberdade, chegando a sufocar direitos e garantias individuais, sem que os Tribunais agissem com a mesma celeridade para coibir abusos. Muita coisa positiva se fez com fundamento na Lei 12.850/2013, mas se gerou um conjunto de decisões jurisprudenciais contendo uma larga margem de alcance para os acordos feitos com os delatores, muitos dos quais não encontram expresso amparo legal. Logo, os benefícios aos agentes do crime organizado, somente porque foram delatores, aumentaram em demasia, a ponto de gerar injustiça. Alguns, porque se adiantaram, embora muitos crimes tenham cometido, terminaram condenados a sanções pífias; outros, delatando mais tarde, tiveram benefícios muito menores. Os que não quiseram participar da colaboração premiada experimentaram penas elevadíssimas. Enfim, está havendo um desequilíbrio entre as punições dos agentes que desenvolveram, praticamente, as mesmas condutas criminosas.
O fato é que nem sempre os “fins justificam os meios”, porém o avanço da criminalidade e a corrupção exacerbada na atualidade brasileira, fizeram com que fosse necessário por parte do Poder Legislativo promulgar uma lei que auxiliasse o Poder Judiciário na busca pela manutenção da ordem jurídica, mesmo que isso imponha o uso de medidas diferenciadas, que na grande maioria das vezes recebem o apoio da população, que é a vítima imediata das grandes organizações criminosas.
7. A COLABORAÇÃO PREMIADA E A OPERAÇÃO LAVA JATO
A Operação Lava Jato teve início oficialmente em 2014, contudo, um inquérito da Polícia Federal, em 2008, contra o doleiro Alberto Youssef, foi o que deu início às investigações onde identificaram que Youssef operava às sombras após delação no escândalo do Banestado.
O nome da operação, “Lava Jato”, se deu em razão do uso de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente investigadas.
Após a Polícia Federal deflagrar a Operação Lava Jato, o Ministério Público Federal em Curitiba criou uma força-tarefa para cuidar do caso, em razão do enorme tamanho da organização criminosa investigada e seus inúmeros desdobramentos, que culminaram na divisão da operação em fases.
A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve, sendo que ela não está apenas no Brasil, envolve outros países no esquema de corrupção e lavagem de direito. Estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de reais.
Inicialmente, foram investigadas e processadas quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, que são operadores do mercado paralelo de câmbio. Depois, o Ministério Público Federal recolheu provas de um gigantesco esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras.
Nesse esquema, que dura pelo menos dez anos, grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários superfaturados. Esse suborno era distribuído por meio de operadores financeiros do esquema, incluindo doleiros investigados na primeira etapa.
Até janeiro de 2017, peritos da Polícia Federal informaram que todas as operações financeiras investigadas na Operação Lava Jato somaram oito trilhões de reais.
Com relação à colaboração premiada, vários foram os acordos realizados, sendo que graças à essa ferramenta de obtenção de prova a operação se tornou o sucesso que é. Os acordos de delação premiada na Operação Lava Jato surgiram em 2014 com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, seguido do doleiro Alberto Youssef, que por sua vez delatou vários políticos, que posteriormente se tornaram réu nos processos.
Os acusados que assinaram o acordo de delação, colaboraram com os investigadores do Ministério Público Federal (MPF), Polícia Federal (PF) e Procuradoria-Geral da República (PGR), e posteriormente quando comprovados, tiveram as delações homologadas pela Justiça Federal do Paraná ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a depender da condição do acusado.
Em 2017, setenta e oito executivos da Odebrecht fizeram acordo de delação em conjunto. Dentre os executivos que delataram estavam os ex-presidentes Marcelo Odebrecht e Emilio Odebrecht.
Desde 2 014, condenaram-se 158 pessoas na operação Lava Jato, incluindo um ex-presidente da República, ex-diretores da Petrobras, políticos, ex-políticos, doleiros, lobistas e empresários.
Até 18 de dezembro de 2016, a 8.ª Turma do TRF4 julgou sete apelações envolvendo 28 condenados pelo ex-juiz, hoje ministro da Justiça, Sérgio Moro em primeira instância — três apelações já transitaram em julgado.
Em 24 de novembro de 2017 foi proferida uma decisão pelo então Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, na ação penal 5024266-70.2017.4.04.7000, onde o aludido magistrado indeferiu pedido formulado pela Defesa de Marcio de Almeida Ferreira, ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras.
Em seguida, o referido réu impetrou o Habeas Corpus (HC) 166373, onde alegou que, mesmo tendo sido delatado, teve de apresentar suas alegações finais de forma concomitante com os réus que haviam firmado acordo de colaboração premiada.
Sob a alegação de que houve constrangimento ilegal decorrente do indeferimento do pedido “de apresentação das alegações finais após a apresentação das alegações finais dos réus colaboradores, violando-se gravemente a ampla defesa” o recurso interposto chegou até o Supremo Tribunal Federal e em recentíssima decisão, no dia 02 de outubro de 2019, por maioria de votos, o Plenário do STF decidiu, que em ações penais com réus colaboradores e não colaboradores, é direito dos delatados apresentarem as alegações finais depois dos réus que firmaram acordo de colaboração.
Prevalecendo o entendimento de que, como os interesses são conflitantes, a concessão de prazos sucessivos, a fim de possibilitar que o delatado se manifeste por último, assegura o direito fundamental da ampla defesa e do contraditório. Dessa forma, foi proferida a seguinte decisão:
Decisão: O Tribunal, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, para anular a decisão do juízo de primeiro grau, determinando-se o retorno dos autos à fase de alegações finais, a qual deverá seguir a ordem constitucional sucessiva, ou seja, primeiro a acusação, depois o delator e por fim o delatado, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Marco Aurélio. Prosseguindo no julgamento e após proposta feita pelo Ministro Dias Toffoli (Presidente), o Tribunal, por maioria, decidiu pela formulação de tese em relação ao tema discutido e votado neste habeas corpus, já julgado, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Em seguida, o julgamento foi suspenso para fixação da tese em assentada posterior. Plenário, 02.10.2019.
Como esta decisão tem repercussão em diversos processos concluídos ou em tramitação, os ministros decidiram que, para garantir a segurança jurídica, será fixada uma tese para orientar as outras instâncias judiciais.
E por essa razão esta decisão do STF ocasionará um efeito cascata nos demais processos da Operação Lava Jato, pois inúmeras sentenças poderão ser anuladas, novos Habeas Corpus poderão ser aceitos, libertando vários condenados.
As críticas sobre a Operação Lava Jato são inúmeras, algumas possuem um cunho político, mas percebe-se que a grande maioria da população brasileira demonstra apoio à referida Operação, principalmente após a divulgação dos valores desviados dos cofres públicos.
Nos ateremos às críticas realizadas com embasamento jurídico, pois muitos doutrinadores fazem críticas acirradas com relação ao uso da colaboração premiada na Operação Lava Jato, devido a renúncia de direitos na qual os delatores são submetidos para que haja efetivo cumprimento do pacto, um dos mais recentes é o douto jurista Guilherme de Souza Nucci, 2019, fls. 22:
A Operação Lava Jato é um bom exemplo disso, pois vem atuando com destacado rigorismo e adotando rumos nem sempre fiéis às liberdades individuais, constitucionalmente enumeradas. O que se observa, por parte da sociedade, é um aplauso acrítico ao combate à corrupção, olvidando-se do arguto olhar no tocante à necessária defesa das garantias fundamentais. Nesse ambiente, de fato, com o apoio da mídia, cresce a relevância da luta contra o crime organizado, mesmo que nem se saiba ao certo onde ele se encontra e como se desenvolve. Aparentemente, todo indivíduo preso pela referida Operação Lava Jato é um integrante de organização criminosa, embora esse quadro não comporte cem por cento de acerto; ainda assim, quem tenha sido detido preventivamente por engano ou tenha experimentado uma devassa em sua vida pessoal não tem encontrado amparo nos colegiados superiores, estes também mobilizados pela batalha da moralização. Tornou-se comum a expedição em série de mandados de prisão e de busca e apreensão em nome do combate às organizações criminosas, sem que se conclua, depois, tratar-se, realmente, de cenário de crime organizado. Muitas vezes, cuida-se de um quadro de associação criminosa (art. 288, Código Penal), crime que não comporta a aplicação rigorosa da Lei 12.850/2013. Além disso, criou-se uma espécie de condução coercitiva não prevista em lei – hoje vedada por julgamento proferido pelo STF –, bem como os vazamentos de delações premiadas, conquanto proibidos por lei, tornaram-se habituais, sem que nenhuma autoridade tenha sido responsabilizada – nem sequer investigada. Em suma, a adoção nítida de uma política criminal tanto pelo Legislativo, quanto pelo Executivo seria essencial, inclusive para sinalizar ao Judiciário o que o Estado Brasileiro tem por meta para enfrentar qualquer espécie de criminalidade.
Fato é que críticas sempre haverão de todos os lados, conduto, deve-se ponderar os avanços na persecução penal realizados em razão do instituto da colaboração premiada, pois sem ele dificilmente se alcança os chefes das organizações criminosas.
Com relação a operação Lava Jato, nunca antes na história do Brasil houve uma investigação que combatesse o crime organizado e a corrupção da forma como está ocorrendo, os valores obtidos são imensos, e parte do descontrole econômico e educacional que o país enfrentem atualmente é em razão dos incomensuráveis desvios de verbas estatais, deixando os serviços básicos como saúde e educação descobertos de investimento. Como bem asseverou o douto Promotor de Justiça Cleber Masson, 2018, fls. 67:
Bem a propósito, a complexa Operação Lava Jato tem mostrado quão nocivos são os reflexos decorrentes da infiltração de criminosos de colarinho-branco no Estado (Petrobras), o que tem viabilizado “o desvio de quantias nunca antes percebidas”. Exatamente nesse cenário, revela-se necessária a “releitura da jurisprudência até então intocada, de modo a estabelecer novos parâmetros interpretativos para a prisão preventiva, adequados às circunstâncias do caso e ao meio social contemporâneo aos fatos”, de modo que “a prisão cautelar deve ser reservada [também] aos investigados que, [...] como os representantes das empresas envolvidas no esquema de cartelização, [...] exercem papel importante na engrenagem criminosa”. Assim, havendo fortes indícios da participação de empresários “em ‘organização criminosa’, em crimes de ‘lavagem de capitais’, todos relacionados com fraudes em contratos públicos dos quais resultaram vultosos prejuízos a sociedade de economia mista e, na mesma proporção, em seu enriquecimento ilícito e de terceiros, justifica-se a decretação da prisão preventiva, para a garantia da ordem pública.
É medida que se impõe novos ajustes na Lei de Organização Criminosa, principalmente no tocante ao cumprimento dos direitos e garantias fundamentais, e a Operação Lava Jato trouxe à tona os defeitos e qualidades da aplicação da referida lei, mas há que se considerar que a Lei em questão é tecnicamente nova, e por isso passível de modificações.
Vários foram os prêmios internacionais que o Brasil recebeu em virtude dos avanços da Operação Lava Jato, servindo como expoente em diversos países, razão pela qual a população brasileira a apoia em sua grande maioria, visto que reconhece as benesses de uma operação focada em dissolver e extinguir o crime organizado no país, trazendo um mínimo de ordem social e segurança jurídica.
Embora existam muitos argumentos doutrinários em torno da inconstitucionalidade do uso da colaboração premiada na Operação Lava Jato, essa é uma inovação nas ferramentas de investigação. E é de total relevância e imprescindibilidade a aplicação da delação premiada para o combate do maior esquema de corrupção pela qual o Brasil já enfrentou, exatamente por isso, pelas peculiaridades e enorme dimensão da referida operação de investigação.
8.CONCLUSÃO
Desde o início da história da humanidade há o cometimento de crimes, bem como a figura da traição, haja vista que Jesus Cristo foi traído por um de seus discípulos, tido como seu amigo, em troca de trinta moedas de prata. De lá para cá a história não é diferente, trocando apenas os personagens, o tempo e a complexidade dos fatos.
O instituto da colaboração premiada surgiu com o advento da Lei 12.850/2013, em razão da evolução e o crescimento demasiado da criminalidade, principalmente dos crimes de colarinho branco, tidos como crimes não-violentos, financeiramente motivados, cometidos por profissionais de negócios e do governo, envolvidos numa organização criminosa. E por serem crimes cometidos por pessoas do alto escalão, com grande influência e poder aquisitivo, com conhecimento jurídico e senso de organização, são cada vez mais inalcançáveis, salvo se houver um delator.
A colaboração premiada é um negócio jurídico personalíssimo, no campo do Direito Público, em que o Ministério Público ou a Polícia celebram um acordo com o delator. Sendo o acordo de “colaboração premiada” um “meio de obtenção de prova” (art. 3º da Lei 12.850/2013), assim como a busca e apreensão, a interceptação telefônica, o afastamento de sigilo bancário e fiscal.
A colaboração é um gênero da qual a delação é espécie. Sendo o colaborador alguém que apenas auxilia nas investigações criminais, informando quais os crimes cometidos, o objeto, a motivação do crime, o lugar, as circunstâncias criminais e etc.
Já o delator é quem “trai” a organização criminosa, informando todos os detalhes possíveis, principalmente o nome dos chefes da organização e em determinados casos o local do cárcere da vítima, preservando-lhe a vida.
A colaboração é tida como premiada, pois em troca da informação o juiz poderá: conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal (artigo 4º da Lei 12.850/2013).
A ferramenta da colaboração legalizada é uma estratégia poderosa na persecução penal, pois além de reduzir custos, aumenta a eficiência investigativa e elucidativa. Afinal, o delator está em uma condição superior ao de uma vítima, pois além de ter interesse na causa, presenciar o fato, ainda poderá trazer uma riqueza de informações e detalhes desde a cogitação até os atos executórios, detalhes esses superiores ao de qualquer testemunha.
Sem dúvida alguma, a Lei de Organização Criminosa (Lei 12.850/2013) foi o diferencial para aplicação da colaboração premiada na persecução penal das organizações criminosas, pois foi essa norma jurídica que trouxe o conceito, fundamento, e aplicação da colaboração premiada, fornecendo o aparato necessário para o Estado alcançar criminosos antes inacessíveis, resultando numa maior segurança jurídica e promovendo grande avanço na preservação da ordem pública.
Com o advento da referida Lei, o crime organizado perdeu espaço no campo da corrupção, em particular no cenário político. Operações foram montadas para o combate a essa espécie de delito, que funciona como uma empresa e mantém-se, como regra, em círculo fechado.
Dentre tantas operações policiais que fizeram uso da colaboração premiada como meio de obtenção de prova, a mais expoente, polêmica, criticada e conhecida mundialmente é Lava Jato.
A Operação Lava Jato chegou a ganhar prêmios internacionais, em 2015 ganhou o prêmio anual da Global Investigations Review, na categoria órgão de persecução criminal ou membro do Ministério Público do ano, em 2016 ganhou o Prêmio Innovare na categoria Ministério Público, dentre outros, e é considerada por muitos doutrinadores como um expoente no combate à corrupção e ao crime organizado. Mas também, é alvo de inúmeras críticas no tocante à afronta aos direitos e garantias fundamentais, elencados na Constituição Federal.
A maior crítica feita pelos doutrinadores é em relação a ocorrência de um aparente desvirtuamento da ferramenta da delação premiada na Operação Lava Jato, ou seja, prisões midiáticas e exposição pública excessiva, condenações com base em conjunto indiciário, ultra celeridade seletiva na apreciação de processos, além da inovação interpretativa dos fundamentos autorizadores da prisão preventiva/temporária.
Referidas críticas merecem ser feitas, visto que nada é perfeito, e a interpretação de leis pode gerar discrepâncias, que trazem em seus efeitos a insegurança jurídica. E é por isso que se faz necessário o aprimoramento da aplicação da Lei 12.850/2013, haja vista que é uma lei recente e por isso as críticas devem ser moderadas, visto que o Poder Judiciário ainda está formando sua Jurisprudência e seus precedentes sobre o tema.
O fato é que a Operação Lava Jato é gigantesca, tendo que ser dividida em pouco mais de sessenta e três fases de persecução penal.
E seu gigantismo, que abrange o país inteiro e possui participações no exterior trouxe ao Poder Judiciário uma complexidade processual muito grande, pois já faz mais de cinco anos de existência e acreditasse que está longe do fim.
De acordo com as investigações e delações premiadas recebidas pela força-tarefa da Operação Lava Jato, estão envolvidos membros administrativos da empresa estatal petrolífera Petrobras, políticos dos maiores partidos do Brasil, incluindo presidentes da República, presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e governadores de estados, além de empresários de grandes empresas brasileiras.
Uma operação como essa nunca foi vista antes, por tal razão acredita-se que ainda estejamos vivendo uma fase de construir a base de aplicação da Lei de Organização Criminosa na utilização do instituto da colaboração premiada. E muitas inovações de cunho positivo surgiram, como bem salientou o Promotor de Justiça Cleber Masson, 2018:
“Nesse contexto, vale observar que, na condução da Operação Lava Jato, os membros do Ministério Público Federal, liderados pelo Procurador da República Deltan Dallagnol, inovaram ao criar a metodologia de divisão de assuntos por anexos, de forma que, “se surgissem nomes de políticos, parte dos anexos poderia ser enviada ao Supremo Tribunal Federal sem prejudicar a investigação de outras pontas da história”.
Mas não podemos olvidar de todas as benesses trazidas para a população com o início da Operação Lava Jato, tais como: a afirmação da independência do Poder Judiciário no país, o aperfeiçoamento das investigações do MPF, PF e Receita Federal, o sentimento de que a impunidade não prevalecerá, R$ 2,9 bilhões recuperados, vários outros bilhões de reais bloqueados no Brasil e no exterior, 49 acordos de colaboração premiada, 179 pessoas acusadas, 93 réus condenados, o fortalecimento do sistema de cooperação internacional do Brasil para recuperar o dinheiro desviado, Grandes empresas passaram a criar sistema de compliance, para evitar e punir casos de corrupção, entre outras.
É claro que há excessos que devem ser coibidos, mas seus acertos são maiores do que seus erros. E infelizmente os pontos positivos não geram tanta polêmica e não “vendem” tanto quanto os pontos negativos tanto da Operação Lava Jato, quanto da ferramenta Colaboração Premiada, e é por isso que existem tantas críticas.
Contudo, mesmo que a famigerada Operação Lava Jato chegue ao fim, o caminho traçado por ela é um marco na história do Direito Penal brasileiro que gerou reflexos na política, economia e na sociedade do país, deixando sempre o sentimento de que ninguém é imune à Lei ou inatingível.
9. REFERÊNCIAS
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AVENA, Norberto. Processo penal. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018.
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ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. 7. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
GOMES, Amintas Vidal. LATERZA, Rodolfo Queiroz. Manual do Delegado: Teoria e Prática. 9. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.
HABIB, Gabriel. GARCIA, Leonardo de Medeiros. Leis Penais Especiais. 8. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2016.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 5. ed. rev. ampl. e atual.- Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
MASSON, Cleber, MARÇAL, Vinícius. Crime organizado. 4. ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
NUCCI, Guilherme de Souza. Organização Criminosa. 4. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 22. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018.
MPF. A Operação Lava Jato. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/entenda-o-caso/entenda-o-caso>. Acesso em: 18 out. 2018.
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STF. HC 166373. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5607116>. Acesso em: 18 out. 2019.
PGRJ. Delação Premiada: constitucionalidade e valor probatório. Disponível em: <http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista_2011/2011_Dir_Penal_Falcao_Junior.pdf>. Acesso em: 21 out. 2019.
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graduando no curso de Direito Universidade Brasil, Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CESTARI, Jesus Leonardo. Aspectos relevantes da colaboração premiada na operação Lava Jato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 mar 2020, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54337/aspectos-relevantes-da-colaborao-premiada-na-operao-lava-jato. Acesso em: 22 nov 2024.
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