RESUMO: Partindo-se da premissa da ausência de personalidade jurídica das Casas Legislativas, o presente artigo tem por objetivo tratar da possibilidade ou não do ingresso daquelas na qualidade de assistente simples do ente federativo respectivo nas demandas judiciais não relacionadas aos seus interesses e prerrogativas institucionais, abordando os aspectos doutrinários e a jurisprudência relativa ao tema.
PALAVRAS-CHAVES: Personalidade jurídica. Capacidade judiciária. Parte. Intervenção de Terceiros. Assistência simples.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Partes. 3. Intervenção de terceiros. 4. Assistência e assistência simples. 5. Cabimento da intervenção de terceiro na modalidade de assistência simples das Casas Legislativas nas demandas não relacionadas aos seus interesses e prerrogativas institucionais. 6. Conclusão. 7. Referências.
1) INTRODUÇÃO
Devido a ausência de personalidade jurídica das Casas Legislativas, estas, encontram-se impossibilitadas de figurarem como partes (em sentido material) de demandas judiciais que não envolvam os seus interesses e prerrogativas institucionais.
Considerando tal restrição, como as Casas Legislativas devem proceder para ingressarem nessas demandas de forma legítima?
A alternativa jurídica que surge quando da presença do interesse jurídico das Casas Legislativas ingressarem em Juízo nas demandas que lhe afetem, porém, não envolvam seus interesses e prerrogativas institucionais, é socorrer-se da figura processual da intervenção de terceiros, na modalidade de assistência simples, de modo a poder influenciar a decisão judicial a ser proferida no caso concreto, conforme será demonstrado abaixo.
2) PARTES
Como principais sujeitos dos processos, as partes, sejam elas autor e réu são essenciais, eis que sem as suas presenças não se completa a relação jurídica processual.
“Autor é aquele que deduz em juízo uma pretensão (qui res in iudicium deducit); e réu, aquele em face de quem aquela pretensão é deduzida (is conta quem res in iudicium deducitur)”[1].
Para melhor compreensão do instituto processual relativo as partes revela-se conveniente que se faça uma distinção entre parte processual[2], parte material (parte do litígio) e parte legítima conforme a abalizada doutrina de Fredie Didier Junior[3]:
“Parte processual é aquele que está na relação jurídica processual, faz parte do contraditório, assumindo qualquer das situações jurídicas processuais, atuando com parcialidade e podendo sofrer alguma consequência com a decisão final. Esse é o conceito que deve ser utilizado. A parte processual pode ser parte da demanda (demandante e demandado), que é a parte principal, ou a parte auxiliar, coadjuvante, que, embora não formule pedido, ou não tenha contra si pedido formulado, é sujeito parcial do contraditório e, pois, parte. É o caso do assistente simples, por exemplo. Parte material ou do litígio é o sujeito da situação jurídica discutida em juízo; pode ou não ser a parte processual, pois, como se viu, o Direito pode conferir a alguém, em certas hipóteses, a legitimação para defender, em nome próprio, interesse alheio. Assim, alguém, mesmo sem ser o titular da situação jurídica discutida, pode ser parte processual. Parte legítima é aquela que tem autorização para estar em juízo discutindo aquela determinada situação jurídica; parte ilegítima, por consequência, é o sujeito que, não obstante esteja em juízo, não tem autorização para tanto. Sucede que a parte ilegítima também é parte, até porque pode alegar sua própria ilegitimidade”.
Assim, conforme será demonstrado linhas abaixo, as Casas Legislativas poderão figurar em certas demandas como parte processual, na mera posição de coadjuvante, através do instituto da assistência simples, ainda que não formulem pedido e tampouco tenha pedido formulado contra si.
3) INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Verdadeira manifestação do fenômeno denominado de “pluralidade de partes”, a intervenção de terceiro, prevista na legislação processual, é uma forma de alguém estranho à lide inicial, vir a intervir no processo, como é exemplo, a assistência[4], a denunciação da lide[5], chamamento ao processo[6], entre outras situações legalmente previstas.
Antes de mais nada necessário, conceituar o que seria o terceiro na relação jurídica processual.
“Terceiro é conceito a que se chega por negação. É terceiro que não é parte. Assim, num processo em que são partes um Fulano e um Beltrano, serão terceiros todas as demais pessoas que não estes dois. Assim é que, conhecido o conceito de terceiro, podemos definir a intervenção de terceiro como o ingresso, num processo, de quem não é parte”[7].
Dentre as diversas espécies de intervenção de terceiro previstas na legislação processual civil, este artigo se limitará a cuidar da figura da assistência em sua modalidade simples, que é a hipótese ora defendida, para fins de intervenção das Casas Legislativas nas demandas, cujo objeto não estejam relacionados aos seus interesses e prerrogativas institucionais.
4) ASSISTÊNCIA E ASSISTÊNCIA SIMPLES
A assistência pode ser compreendida como uma modalidade de intervenção na qual o terceiro ingressa na demanda para fins de auxiliar uma das partes originárias, conforme ser verifica do art.119 do CPC/2015[8].
Neste contexto, o dispositivo legal permite que um terceiro ingresse na demanda judicial na qual tenha interesse na vitória de uma das partes para fins de assisti-lo e uma vez admitida a assistência, o assistente receberá o processo no estado em que este se encontre[9] e exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido[10].
São espécies de assistência: a) assistência simples, onde o terceiro ingressará na demanda alegando ser titular de uma relação jurídica conexa àquela que está sendo discutida em Juízo, fundando-se o seu interesse jurídico no fato de que a sua posição poderá ser afetada de modo reflexo pelo resultado do julgamento; b) assistência litisconsorcial, onde o terceiro é titular da relação jurídica de direito material debatida na demanda judicial, logo, poderá ser atingido diretamente em sua situação jurídica pelo resultado do julgamento.
Nem sempre a identificação do interesse jurídico a justificar a intervenção do terceiro na qualidade de assistente simples será tão fácil de identificar. O exemplo tradicionalmente trazido pela doutrina brasileira é a intervenção assistencial do sublocatário na ação de despejo promovida pelo locador em face do locatário. Neste caso, a relação jurídica de sublocação (diversa da relação jurídica consistente na locação e não controvertida) pode vir a ser atingida em caso de procedência do pedido de despejo, o que autoriza a intervenção do sublocatário na qualidade de assistente simples do locatário, a fim de auxiliar este na demanda visando a sua vitória, com o fito de evitar o seu prejuízo jurídico.
A razão por essa identificação nem sempre ser fácil, é, que, invariavelmente, o interesse jurídico tem reflexos econômicos, morais ou de outra natureza[11].
Importante a contribuição doutrinária trazida por Daniel Amorim Assumpção Neves[12]:
“Note-se, entretanto, que não basta a existência da relação jurídica não controvertida entre terceiro e a parte, sendo ainda necessário que essa relação jurídica seja diretamente afetada em virtude da decisão a ser proferida no processo”.
Com efeito, para que haja a viabilidade da intervenção do terceiro na qualidade de assistente simples em uma demanda judicial, à luz do que manifesta a doutrina é essencial que se demonstre o interesse jurídico e a respectiva afetação da relação jurídica pela decisão a ser prolatada no processo.
5) CABIMENTO DA INTERVENÇÃO DE TERCEIRO NA MODALIDADE DE ASSISTÊNCIA SIMPLES DAS CASAS LEGISLATIVAS NAS DEMANDAS NÃO RELACIONADAS AOS SEUS INTERESSES E PRERROGATIVAS INSTITUCIONAIS
Ab initio, é relevante destacar, como é de conhecimento cediço, as Casas Legislativas são entes despersonalizados, ou seja, desprovidos de personalidade jurídica, logo não titularizam direitos, possuindo mera capacidade judiciária de figurarem em determinadas demandas judiciais na defesa de suas prerrogativas e interesses institucionais[13].
A questão já é tão pacífica na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que o entendimento foi cristalizado na edição da súmula nº 525 com o seguinte conteúdo: “A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos institucionais”.
Para o processualista Leonardo Carneiro da Cunha[14]:
“Sabe-se que as Câmaras Municipais e as Assembleias Legislativas são entes despersonalizados, constituindo, respectivamente, órgãos dos Municípios e dos Estados. A doutrina tradicional entende que os entes despersonalizados não detêm capacidade jurídica, não devendo, portanto, revestir-se da condição de parte em processos judiciais. Para tal doutrina tradicional, somente aqueles entes previstos no art.12 do CPC (a exemplo do espólio e do condomínio) é que poderiam ser parte, pois, embora desprovidos de personalidade jurídica, teriam a chamada personalidade judiciária. Na verdade, a falta de personalidade jurídica não conduz, necessariamente, à ausência de capacidade. Conquanto se afirme que a capacidade seja um elemento da personalidade, nem sempre que haja capacidade deve existir, necessariamente, personalidade. Em algumas hipóteses, o legislador entende desnecessário atribuir personalidade a alguns entes, mas lhes assegura capacidade jurídica e processual. Tai entes não são pessoas, mas são sujeitos de direito, podendo ser titulares de poderes, deveres, direitos, ônus e faculdades, de índole material e processual”.
À vista disso, ante a ausência de personalidade jurídica das Casas Legislativas a defesa de seus interesses em juízo, à exceção de suas prerrogativas e interesses institucionais, será realizada pela Procuradoria do Poder Executivo respectivo, à teor do conteúdo dos incisos I à III do art.75 do CPC[15].
Neste contexto, qualquer demanda judicial que não envolva questão relativa a prerrogativas e interesses institucionais[16] das Casas Legislativas a defesa desta caberá a respectiva Procuradoria do Poder Executivo de cada ente federativo respectivo.
A despeito de não possuírem personalidade jurídica, as Casas Legislativas no desempenho de suas atividades típicas e atípicas podem gerar questões que venham a ser objeto de demandas judiciais, podendo-se citar algumas delas, a título exemplificativo, tais como: atos de concessão ou reconhecimento de direitos e vantagens de seus servidores (adicionais, licenças, aposentadoria), decisões administrativas quanto aos editais de licitações e respectivos contratos, relacionamento com fornecedores e prestadores de serviços, etc.
Denota-se dos exemplos acima fornecidos que o conteúdo das decisões administrativas relacionadas a tais assuntos é eminentemente de cunho patrimonial, logo, à luz da legislação, bem como da jurisprudência retromencionada, caberá a defesa das Casas Legislativas nas eventuais demandas judiciais relacionadas à estas matérias as Procuradorias do Poder Executivo respectivo.
Uma vez que nestas situações envolvendo as Casas Legislativas a composição do polo ativo ou passivo será preenchida pelo Poder Executivo do respectivo ente federativo, é de se indagar quanto a participação daquelas na qualidade de assistente simples a fim de auxiliar o representante legal da Fazenda Pública a se sagrar vencedor na demanda judicial.
Para compreender a possibilidade de a Casa Legislativa ingressar na demanda judicial (aquelas que tratam de matéria diversa dos seus interesses e prerrogativas institucionais) na qualidade de assistente simples do representante legal da Fazenda Pública, necessário se faz a remissão ao conceito de “parte processual” mencionado no início deste artigo que à luz do que nos ensina Fredie Didier Junior é “aquele que está na relação jurídica processual, faz parte do contraditório, assumindo qualquer das situações jurídicas processuais, atuando com parcialidade e podendo sofrer alguma consequência com a decisão final”.
O próprio doutrinador ao exemplificar uma hipótese de parte processual cita o caso do assistente simples.
Trago à tona três exemplos, meramente ilustrativos, que podem gerar demandas judiciais que envolvam matéria diversa daquilo que é considerado interesse e prerrogativa institucional decorrente da atividade das Casas Legislativas: a) determinador servidor público da Casa Legislativa pleiteia o pagamento de uma vantagem patrimonial decorrente da legislação, porém, a Administração Pública em interpretação dessa legislação indefere o pedido, e, irresignado, o servidor pleiteia a concessão do direito pela via judicial; b) a Casa Legislativa realiza licitação e contrata uma determinada sociedade empresária para a prestação de um serviço e no curso da execução contratual, suspende o pagamento desta, sob a alegação de que o serviço não está sendo prestado de forma adequada, ao passo que a contratada alega o contrário, e ingressa com a ação judicial pleiteando o pagamento do serviço; c) a Casa Legislativa contrata a construção de uma determinada obra, estipulando como prazo de conclusão o período de 01 (um) ano e no curso da construção, a contratada identifica a necessidade de dilação de tal prazo, com o qual não concorda a Administração Pública, e acaba ingressando em juízo para pleitear essa prorrogação.
Evidentemente, que nos três exemplos supracitados, não há dúvidas que a legitimidade para figurar no polo passivo das demandas judiciais é da pessoa jurídica de direito público interno (ente federativo). Todavia, nada impede que a Casa Legislativa de onde surgiu o ato impugnado judicialmente, venha a ingressar na ação para auxiliar a Fazenda Pública a se sagrar vencedora, como forma de evitar uma repercussão negativa em sua esfera jurídica, através do instituto da assistência simples.
O interesse jurídico das Casas Legislativas nestas situações a justificar o ingresso nas demandas judiciais encontra-se presente, pois, a sua esfera jurídica pode ser afetada a depender do conteúdo da decisão judicial a vir a ser proferida.
Nos dois primeiros exemplos citados, em caso de eventual condenação da Fazenda Pública o dinheiro para pagamento das condenações sairá de seu orçamento, o que pode afetar a consecução de suas atividades a depender dos valores a serem despendidos, logo, afetada a relação jurídica da Casa Legislativa tanto com o servidor, quanto com a sociedade empresária contratada. Já no último exemplo citado, a afetação da esfera jurídica da Casa Legislativa encontra-se representada na hipótese de ela ter que manter a relação jurídica com a contratada por um prazo superior aquele inicialmente previsto e com o qual não concordava, caso venha a ser proferida decisão judicial neste sentido.
Segundo Fredie Didier Junior:
“A assistência é modalidade de intervenção de terceiro ad coadjuvandum, pela qual um terceiro ingressa em processo alheio para auxiliar uma das partes em litígio. Pode ocorrer a qualquer tempo e grau de jurisdição, assumindo o terceiro o processo no estado em que ele se encontra. Permite-se a assistência porque esse terceiro pode vir a sofrer prejuízos jurídicos com a prolação de decisão contra o assistido; esses prejuízos podem ser diretos/imediatos ou reflexos/mediatos. Àqueles corresponde a figura do assistente litisconsorcial; a esses, a do simples”[17].
Em que pese os relevantes argumentos doutrinários no tocante a possibilidade da intervenção judicial das Casas Legislativas na qualidade de assistente simples da Fazenda Pública nas demandas judiciais não relacionadas aos seus interesses e prerrogativas institucionais, a tese não encontra eco na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, à teor do seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE RESTRITA. DEFESA DAS PRERROGATIVAS CONSTITUCIONAIS. SITUAÇÃO NÃO VERIFICADA NO CASO. PEDIDO INDEFERIDO. PRECEDENTES.
1. A Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte pleiteia o deferimento do pedido para atuar como assistente simples na lide em que o Ministério Público estadual questiona em Inquérito Civil possíveis irregularidades no provimento efetivo de seu Quadro de Pessoal sem aprovação em concurso público.
2. "Doutrina e jurisprudência entendem que as Casas Legislativas - câmaras municipais e assembléias legislativas - têm apenas personalidade judiciária, e não jurídica. Assim, podem estar em juízo tão somente na defesa de suas prerrogativas institucionais" (AgRg no AREsp n. 44.971/GO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, DJe 05/06/2012) - o que não é o caso dos autos.
3. In casu, analisa-se a validade dos atos de provimento de cargos efetivos da Assembléia Legislativa estadual sem a realização de concurso público, não havendo falar em prerrogativas institucionais. Nesse contexto, deve ser mantido o indeferimento do pedido. No mesmo sentido em situações análogas: AgRg na PET no REsp n. 1.394.036/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJe 17/03/2016; AgRg nos EDcl no REsp n. 1.500.514/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 20/10/2015; AgRg na PET no RESP n. 1.444.111/RN, Rel. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, DJe:16/2/2016.
4. Agravo regimental não provido[18].
No mesmo sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, verbis:
AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE INTERVENÇÃO DE ASSISTENTE SIMPLES – AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA – AUSÊNCIA DE INTERESSE NA INTERVENÇÃO – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. As Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores, não dispõem de personalidade jurídica mas apenas ostentam personalidade judiciária, de maneira que essas instituições detém capacidade processual limitada a defender interesses constitucionais próprios e vinculados ao seu funcionamento, autonomia e independência. 2. O instituto da assistência, previsto no artigo 50, caput, do Código de Processo Civil, demanda a qualificação da pretensão no caso concreto, para se aferir a legitimação dos órgãos legislativos, com escopo de concluir se está, ou não, relacionada a interesses e prerrogativas institucionais. 3. A legitimidade para recorrer é um requisito intrínseco recursal, sendo uma extensão do direito de ação e, caso não satisfeito, o recurso não deve ser conhecido. 4. A demanda versa sobre contagem de tempo de serviço de servidor e, portanto, não diz respeito à interesse ou prerrogativa institucional da agravante. 5. Para o ingresso no feito, é essencial a demonstração da existência de interesse jurídico na intervenção, que no caso da assistência simples resulta da possibilidade de vir a sofrer os efeitos da sentença a ser proferida. Convém realçar que, in casu, o ESTADO DO ESPÍRITO SANTO é quem arcará com eventual êxito da ação em apreço, independentemente dessa demanda ter como fundamento um ato praticado pela Assembleia Legislativa Estadual. 6. A recorrente não logrou demonstrar o interesse jurídico que preconiza o diploma processual civil como necessário para admissão do interveniente. 7.Recurso conhecido e improvido[19].
Em sentido contrário, encontra-se o seguinte julgado oriundo do Tribunal de Justiça do Amapá, verbis:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA ESTADUAL. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO OU ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL. INADMISSIBILIDADE. ASSISTENTE SIMPLES. POSSIBILIDADE. POR NÃO SEREM DOTADAS DE PERSONALIDADE JURÍDICA. MAS APENAS JUDICIÁRIA. As assembléias legislativas, tal qual as câmaras de vereadores e as casas do Congresso Nacional em relação aos municípios e à união, respectivamente, não têm capacidade de estar em juízo no bojo de ação de cobrança e, pela mesma razão, também não podem figurar como litisconsorte passivo ou como assistente litisconsorcial de estado-membro, admitindo-se, a interveniência como assistente simples[20].
Observando-se os julgados que indeferem o ingresso das Casas Legislativas nas demandas de cunho patrimonial na qualidade de assistente simples da Fazenda Pública, denota-se que o fundamento invocado para tal indeferimento consiste, exatamente, no fato de que o objeto do processo não está relacionado a interesses e prerrogativas institucionais do Poder Legislativo.
Destarte, a meu sentir, o argumento invocado pelos Tribunais para promover tal indeferimento estaria adequado se o ingresso das Casas Legislativas fosse como parte da demanda (polo ativo ou passivo), mas não na qualidade de intervenção de terceiro na modalidade de assistência simples, logo, a tese por eles desenvolvidas carece de uma melhor sustentação jurídica, senão vejamos.
Tratando-se de demanda judicial relacionada a um ato advindo do Poder Legislativo cujo tema não está afeto a suas prerrogativas e interesses institucionais, à evidência, que as Casas Legislativas não poderão figurar como partes no processo. Entenda-se o termo parte aqui mencionado como parte material ou do litígio, conforme já explicado linhas acima.
Porém, nada impede que as Casas Legislativas ingressem na demanda judicial na qualidade de assistente simples, eis que os requisitos dessa modalidade de intervenção de terceiro diferem dos requisitos para legitimá-las como parte no processo. Trata-se aqui daquilo que a conceituada doutrina de Fredie Didier Junior denomina de parte processual, exemplificada pelo próprio, na figura da assistência simples.
A ausência de personalidade jurídica das Casas Legislativas conduz a sua ilegitimidade para figurar como parte (entendida esta como parte material ou do litígio), porém, a sua capacidade judiciária lhe permite figurar como assistente simples (parte processual) numa demanda, como é a hipótese do questionamento de seus atos administrativos em Juízo, ainda que estes não estejam relacionados aos seus interesses e prerrogativas institucionais.
Enfim, o interesse e legitimidade das Casas Legislativas de ingressarem nas demandas judiciais relativas aos seus atos administrativos, ainda que não trate de seus interesses e prerrogativas institucionais encontra amparo na figura processual da assistência simples, pois, para tanto, basta justificar o interesse jurídico de tal intervenção.
Tal interesse jurídico estará justificado quando demonstrado que a eventual decisão judicial a ser proferida poderá afetar as relações jurídicas das Casas Legislativas, mesmo que o objeto da demanda judicial não esteja relacionado aos interesses e prerrogativas institucionais destas, pois isto a deslegitimaria o ingresso como parte (sentido material), mas não a impede de intervir como terceiro na qualidade de assistente simples (parte em sentido processual) a fim de auxiliar a Fazenda Pública a se sagrar vencedora.
6) CONCLUSÃO
Concluindo, ao contrário do que vem decidindo os tribunais, especialmente, o Superior Tribunal de Justiça, não vislumbro qualquer empecilho jurídico no ingresso das Casas Legislativas na qualidade de assistente simples nas demandas judiciais cujo objeto não esteja qualificado como de seus interesses e prerrogativas institucionais, desde que evidenciado o interesse jurídico na intervenção de terceiro, fundado este na possibilidade de afetação de sua esfera jurídica pela decisão judicial a ser proferida.
Sem sombra de dúvidas, a admissão das Casas Legislativas nas referidas demandas judiciais na qualidade de assistente simples do respectivo ente federativo, muito tem a contribuir para a instrução do processo a fim de firmar o convencimento do juiz a proferir a decisão justa e efetiva para àquela controvérsia em exame.
Isto porque, a Casa Legislativa (a ser representada pela sua Procuradoria no respectivo processo judicial), por ser a origem do fato/ato impugnado judicialmente, possui melhores condições de conhecimento daquilo que efetivamente ocorreu, o que leva a uma maior eficiência da atuação em Juízo.
Ao argumento extra jurídico acima indicado, acrescente-se que existe previsão legal quanto ao instrumento processual adequado para a intervenção pretendida, consistente na figura da assistência simples conforme aduzido linhas acima, de modo que revela-se salutar, uma revisão da atual jurisprudência no tocante a este tema.
7) REFERÊNCIAS
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol.1. 10ª ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2004.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 13ª ed. São Paulo. Saraiva. 2001.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 13ª ed. São Paulo. Malheiros. 1997.
CUNHA, Leonardo Carneiro. A fazenda pública em juízo. 12ª ed. São Paulo. Dialética. 2014.
FERRARI, Sergio. Advocacia pública no poder legislativo e atuação contenciosa: alguns mitos e horizontes. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI175265,41046-Advocacia+publica+no+poder+legislativo+e+atuacao+contenciosa+alguns>. Acesso em: 28/10/2019.
FUX, Luiz. Intervenção de terceiros. São Paulo. Saraiva. 1991.
GONÇALVES, Wiliam Couto. Intervenção de terceiros. Belo Horizonte. Del Rey. 1997.
JUNIOR, Fredie Didier. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol.1. 9ª ed. Salvador. Juspodivm. 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. Vol.1. São Paulo. RT. 2006.
NETTO, José Manoel de Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. Vol.1. 8ª ed. São Paulo. RT. 2003.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. São Paulo. Método. 2009.
_____. Novo código de processo civil comentado artigo por artigo. Salvador. Juspodivm. 2016.
[1] CINTRA, Antonio Carlos de Araujo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 13ª ed. Malheiros Editores. São Paulo. 1997. p.298.
[2] Esse conceito de parte processual será essencial para compreensão da possibilidade da intervenção das casas legislativas na qualidade de assistente simples nas demandas não relacionadas aos seus interesses e prerrogativas institucionais.
[3] JUNIOR, Fredie Didier. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol.1. 9ª ed. Ed. Jus Podivm. Salvador. 2008. p.170.
[4] Art.119 do CPC/2015.
[5] Art.125 do CPC/2015.
[6] Art.130 do CPC/2015.
[7] Câmara. Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol.1. 10ª ed. Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2004. p.183.
[8] Art. 119. Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la.
[9] Parágrafo único do art.119 do CPC/2015.
[10] Art.121 do CPC/2015.
[11] NETTO, José Manoel de Arruda Alvim. Manual de direito processual civil. Vol.1. 8ª ed. RT. São Paulo. 2003. p.119.
[12] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Ed. Método. São Paulo. 2009. p. 182.
[13] ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDORES PÚBLICOS. AÇÃO VISANDO A EQUIPARAÇÃO REMUNERATÓRIA. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE GOIÁS. CAPACIDADE RECURSAL. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. CONHECIMENTO DE OFÍCIO DE QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA (CPC, ARTS. 267, § 3º, E 301, § 4º). APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. SÚMULA 456/STF. POSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Doutrina e jurisprudência entendem que as Casas Legislativas - câmaras municipais e assembleias legislativas - têm apenas
personalidade judiciária, e não jurídica. Assim, podem estar em juízo tão somente na defesa de suas prerrogativas institucionais. Não têm, por conseguinte, legitimidade para recorrer ou apresentar contrarrazões em ação envolvendo direitos estatutários de servidores.
2. Tratando-se de ação ordinária em que os autores, servidores do quadro de pessoal da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, postulam a equiparação de seus vencimentos, a qual fora julgada procedente, a legitimidade recursal recai na Fazenda Pública do Estado de Goiás, tendo em vista que tal matéria extrapola a mera defesa das prerrogativas institucionais da Assembleia Legislativa, assim compreendidas aquelas eminentemente de natureza política. Precedentes do STJ.
3. O Superior Tribunal de Justiça pode enfrentar a matéria prevista nos arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, do CPC, porquanto "Os temas que gravitam em torno das condições da ação e dos pressupostos processuais podem ser conhecidos ex officio no âmbito deste egrégio STJ, desde que o apelo nobre supere o óbice da admissibilidade recursal, no afã de aplicar o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ e Súmula n.º 456 do STF" (REsp 864.362/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 15/9/2008).
4. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp nº 44.971/GO. 1ª Turma. Rel: Min. Arnaldo Esteves Lima. Julgado: 22/05/2012. Publicação: DJe de 05/06/2012.)
[14] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 12ª ed. Ed. Dialética. São Paulo. 2014. p.30-31.
[15] Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
I - a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado;
II - o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores;
III - o Município, por seu prefeito ou procurador;
[16] Importante frisar que esses interesses e prerrogativas institucionais trata-se de conceito indeterminado, ou seja, no caso concreto de cada eventual demanda judicial que envolva as Casas Legislativas, caberá a jurisprudência balizar os contornos do instituto definindo se isso será hipótese de legitimidade para figuração no polo ativo ou passivo. À título de exemplo como interesse institucional das Casas Legislativas, pode-se citar o caso da falta de repasse ao Poder Legislativo do duodécimo constitucional por parte do Poder Executivo, o que configuraria a legitimidade daquele no ingresse em juízo para defesa das suas prerrogativas institucionais. Em suma, os interesses institucionais das Casas Legislativas estão relacionados ao seu funcionamento, autonomia e independência.
[17] JUNIOR, Fredie Didier. op.cit. p.329.
[18] STJ. AgRg na PET no REsp nº 1.389.967/RN. 1ª Turma. Rel: Min. Benedito Gonçalves. Julgado: 26/04/2016. Publicação: DJe de 12/05/2016.
[19] TJES. Agravo regimental AP – Reex nº 0038810-27.2010.8.08.0024. 2ª Câmara Cível. Rel: Des. Fernando Estevam Bravin Ruy. Julgado: 17/11/2015. Publicação: DJe de 25/11/2015.
[20] TJAP. AG 1282/04. Ac. 6664. Câmara Única. Rel. Des. Mário Gurtyev de Queiroz. Julgado: 06/04/2004. Publicação: 21/04/2004.
Procurador da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo. Advogado
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BAPTISTA, Bruno Rua. Da legitimidade e interesse das casas legislativas na intervenção judicial na qualidade de assistente simples nas demandas não relacionadas aos seus interesses e prerrogativas institucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 mar 2020, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54347/da-legitimidade-e-interesse-das-casas-legislativas-na-interveno-judicial-na-qualidade-de-assistente-simples-nas-demandas-no-relacionadas-aos-seus-interesses-e-prerrogativas-institucionais. Acesso em: 22 nov 2024.
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