Artigo Científico apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de Concentração: Direito Penal. Orientador (a): Prof. (a). Me(a).: Rafael Valério Iglesias e Prof. (a). Me(a). Marcia Kazume Pereira Sato.
RESUMO: Neste presente estudo irá ser demonstrado a importância da Justiça Restaurativa como instrumento eficaz de combate a violência doméstica contra mulher. Irá ser abordado a importância do advento da Lei Maria da Penha para a garantia dos direitos das mulheres. Também será esclarecido os motivos pelo qual foi necessária a criação da justiça restaurativa mesmo com a criação da Lei Maria da Penha. Irá ser demostrado as diferenças entre Justiça Restaurativa e a Justiça Retributiva e por que a justiça restaurativa é um meio extrajudicial eficaz para prevenção de futuros casos de violência doméstica. Dessa forma, é possível notar que o sistema penal ao longo da história, se mostra ineficiente quanto a solução dos inúmeros casos de violência doméstica contra a mulher e é por isso que será demonstrado a importância do uso da justiça restaurativa como meio de combate a violência doméstica contra a mulher.
Palavras chave: Justiça. Combate à violência. Lei. Violência contra mulher.
ABSTRACT: This study will demonstrate the importance of Restorative Justice as an effective tool to combat domestic violence against women. The importance of the advent of the Maria da Penha Law for guaranteeing women's rights will be addressed. It will also be clarified why the creation of restorative justice was necessary even with the creation of the Maria da Penha Law. The differences between restorative justice and retributive justice will be demonstrated and why restorative justice is an effective extrajudicial means for preventing future cases of domestic violence. Thus, it is possible to note that the criminal system throughout history has been inefficient in resolving the numerous cases of domestic violence against women and this is why the importance of using restorative justice as a means of combating violence will be demonstrated. Domestic against woman.
Keywords: Justice. Fight against violence. Law. Violence against women.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER. 3. A LEI MARIA DA PENHA: ORIGEM E APLICABILIDADE. 4. FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHER. 5. A JUSTIÇA RESTAURATIVA: ORIGEM E CONCEITO. 6. A APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO INSTRUMENTO DE COMBATE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 7.CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como finalidade fazer uma análise da Lei Maria da Penha e fazer uma reflexão quanto ao instituto da Justiça Restaurativa como instrumento de combate a violência doméstica contra a mulher, bem como, trazer uma nova perspectiva no que diz respeito à preservação e a efetivação dos direitos das mulheres, especialmente a aplicabilidade da Lei Maria da Penha que tem também como escopo a motivação a práticas de novas políticas em defesa dos direitos e garantias da mulher.
Quando o poder judiciário é provocado ele exerce atividade jurisdicional em sua função típica. Através dele as partes procuram resolver alguma lide, sendo que um dos objetivos do acesso à justiça e da própria sentença final é a de obter a pacificação social.
Não obstante, é notório que nem sempre a resolução de um conflito se dá com uma decisão judicial, especificamente em casos que contêm violência, sendo ela, física, psíquica ou moral. Partindo desse axioma, é de se questionar: a partir de uma análise da Lei Maria da Penha é possível a aplicação dos métodos da justiça restaurativa no combate à violência doméstica contra a mulher?
Somente o processo criminal não é capaz e não deve ser a única alternativa enfrente aos inúmeros casos de violência contra a mulher no ambiente doméstico, pois não é levado em consideração fatores como laços afetivos e sentimentais muito menos a intimidade entre vítima-agressor, de forma a não haver devido atendimento á pretensão da vítima.
Diante do exposto, a presente pesquisa aborda sobre a violência doméstica contra a mulher, dando importância a perspectiva de gênero, tendo em vista a real discrepância diante dos direitos adquiridos pelas mulheres ao longo do tempo, contatadas as mais variadas formas de violência que atingem diretamente a mulher.
Na justiça convencional, é adotado a justiça retributiva, ou chamada de justiça punitiva, onde o objetivo está em atribuir ao infrator-acusado, uma pena adequada ao tamanho da extensão do dano e da gravidade das consequências às vítimas. O presente artigo abordará as principais diferenças entre as referidas modalidades de justiça e explicar a importância da utilização da justiça restaurativa.
Para isto, inferências serão expostas sobre a aplicabilidade da justiça restaurativa, por meio da mediação de conflitos abrangendo violência doméstica, com o objetivo de enfatizar uma nova perspectiva para o conflito que origina a violência.
2. DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER
A violência é um ato que pode ser expresso sob diversas formas, podendo ser elas, física, moral, psicológica, sexual e patrimonial, bem como, existem vários enfoques sob as quais podem ser definidas. Trata-se de agressão injusta, ou seja, aquela que não é autorizada pelo ordenamento jurídico. É um ato ilícito, doloso ou culposo, que ameaça o direito próprio ou de terceiros, podendo ser atual ou iminente. (ROSA FILHO, 2006, P.55).
A violência doméstica contra a mulher é definida como aquela que ocorre no âmbito doméstico ou em relações familiares ou de afetividade, caracterizando pela discriminação, agressão ou coerção, com o objetivo de levar a submissão ou subjugação do indivíduo pelo simples fato deste ser mulher. (BENFICA; VAZ, 2008, P.201).
Ou seja, como menciona os autores acima, é evidente que a violência doméstica contra a mulher ocorre dentro do lar, e por questão de gênero e um histórico patriarcal na sociedade, os homens querem sobretudo comandar as relações afetivas e se auto denominarem os “cabeças” dentro da casa, isso faz com que qualquer ação oposta ao “desejo” do homem seja motivo de violência contra aquela mulher em que ele se sente superior.
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), em seu artigo 5º, traz o conceito da violência doméstica ou familiar, assim dispõe que é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto.
Em suma, a violência doméstica contra a mulher tem essa denominação pelo fato de sua ocorrência ser dentro do lar, e o agressor, geralmente ser alguém que ainda mantém ou manteve uma relação íntima com a vítima. Pode ser caracterizada devido a várias formas, como por exemplo, marcas visíveis no corpo da mulher trazendo a evidência da violência física, ou até mesmo de forma mais sútil, mas não menos importante, como a violência psicológica, que traz sérios danos talvez irreparáveis à saúde emocional da mulher.
3. A LEI MARIA DA PENHA: ORIGEM E APLICABILIDADE
A Lei 11.340/2006, conhecida e denominada de Lei Maria da Penha, foi criada para proteger a mulher, que até a criação da lei, vivenciava situações de violência no âmbito doméstico pelo simples fato de ser mulher, ou seja, situação de violência de gênero, e consequentemente por ausência de lei específica a punição se enquadrava no rol dos crimes de menor potencial ofensivo.
Esta lei então foi criada e intitulada como “Lei Maria da Penha” em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, era biofarmacêutica cearense que foi casada com o professor universitário Marco Antônio Herredia Viveros, que, tentou assiná-la duas vezes, e por fim a deixou nas cadeiras de rodas devido as agressões e tentativas de feminicídio.
A principal finalidade da lei é que se alcance a igualdade entre homens e mulheres, ou seja, para que assim supere essa desigualdade histórica na sociedade que por muito tempo foi patriarcal e não reconhecia os direitos das mulheres.
Como exposto acima, por muitos anos a mulher se encontrou em posição de submissão e inferioridade quanto aos homens. Havia por tanto, uma teoria que as mulheres não deviam trabalhar, e sim cuidar de seus lares, que deviam ter filhos e cuidar deles por tempo integral, que não deviam posicionar suas ideias políticas e dentre outras inúmeras exigências arcaicas que perduraram a longo de muito tempo em nossa história.
A sociedade sempre rotulou o homem como “o homem da casa”, e também atribuiu qualidades como a virilidade, a razão e agressividade, e assim consequentemente às mulheres o oposto, sendo vistas como um ser mais frágil, menos capaz comparada aos homens, submissa e dominada pela emoção.
Sendo assim, com essas atribuições, os homens foram com o tempo se achando no direito de fazerem o que bem entenderem quanto a posição da mulher dentro de casa, até mesmo fora, bem como, agir com superioridade, agressividade e arrogância, e assim, o homem consegue tirar da mulher o que quer no momento e depois usar da pressão psicológica e emocional quanto a família, filhos dentre outros fatores, para que a mulher não saia desse relacionamento conturbado.
Com o advento da lei Maria da Penha, veio maior segurança e proteção as mulheres. Foi um dos maiores avanços históricos de garantia aos direitos das mulheres. Atualmente, com sua existência, mulheres em situação de violência no âmbito doméstico não precisam tolerar nenhuma agressão sendo esta, física, moral ou psíquica. Portanto podem provocar o poder judiciário, exigindo que assim cessem essas situações violentas de humilhação e tristeza. As medidas de urgência são elencadas no art. 22 da Lei Maria da Penha que podem ser requeridas perante a justiça, alguns exemplos são: suspensão ou restrição ao porte e uso de armas, o afastamento do agressor do lar, proibição de se aproximar da vítima, parentes ou testemunhas.
4. FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
A própria Lei Maria da Penha, elenca em seu artigo 7º formas de violência contra a mulher, assim dispõe como sendo, dentre outras: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral.
Por tanto, menciona no artigo 7º da referida lei:
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006).
Considera-se mais comuns as que são físicas, que ocorrem quando há evidência de lesões corporais que são possíveis de diagnosticar, tais como as cutâneas, oculares e ósseas, neurológicas, que foram provocadas por mordidas, queimaduras, tapas, espancamentos, ou qualquer outra ação que tenha posto em risco a integridade física da vítima.
Quanto a violência psicológica, esta é confirmada quando há prejuízo ao emocional da mulher devido ao homem tentar controlar suas ações a todo tempo, crenças e decisões a respeito de qualquer coisa que ela por si só teria capacidade de decidir ou de fazer, isto indica forte manipulação, pois, em vários casos, há ameaças apontadas a ela ou a seus filhos se caso não “obedecê-lo”.
Quanto a violência sexual, esta corresponde a qualquer força forçada de relação sexual sem o consentimento da mulher, que podem ser devido a uso de força, chantagens, ameaças, coações morais, ou qualquer outra maneira que limite a vontade pessoal da mulher.
A violência patrimonial é caracterizada por ser aquela que procede danos, perdas, retenção ou subtração de objetos, como documentos pessoais, bens ou valores da mulher. Esta pode ocorrer por meio de circunstâncias de agressividade em que destrói um bem móvel ou rasgar vestimentas ou documentos importantes, dentre outros fatores que influem em prejudicar patrimonialmente a mulher.
E por último outro tipo de violência contra a mulher é a violência moral, que se funda em casos que há calúnia, injúria ou difamação, assim distorcendo a imagem da mulher perante a sociedade de forma maliciosa e com má-fé.
Há muitos anos atrás, o que predominava como justiça era a chamada “vingança privada”, o que significa que antigamente, para alguém sanar alguma injustiça era necessário o uso de força humana. Porém, devido ao fato de o Estado e a igreja terem expandido seus poderes, o direito de punir foi dominado pelo Estado, ou seja, monopolizado.
O método da justiça restaurativa tomou forma e predominância nas décadas de 70 e 80 nos Estados Unidos e na Europa. Foi inspirada em tradições antigas baseadas em diálogos com objetivos de pacificação. É um método mundial que ampliou o acesso a justiça criminal, assim ajudando a minimizar os traumas e consequentemente situações piores envolvendo as partes sendo elas vítima-acusado, terceiros prejudicados e a sociedade que tanto repele esses litígios.
No Brasil, adotou-se essa forma de governo, assim como os demais países do mundo, dessa forma, através do sistema punitivo-retributivo o Estado tem a capacidade de punir os infratores que violam a lei, assegurando segurança jurídica e consequentemente ressocialização do ofensor/infrator.
Porém os resultados ineficazes quanto a ressocialização do indivíduo e a satisfação da vítima, através do sistema punitivo-retributivo no sistema penal brasileiro, contribuiu para que fosse buscado outros ideais restaurativos no campo do direito penal.
A justiça restaurativa surge para suprir essa ineficácia da justiça convencional no que tange a ressocializar o indivíduo. E assim por meio extrajudicial, se busca a resolução de conflitos, onde o acusado e vítima voluntariamente constroem soluções para os problemas oriundos do conflito entre as partes envolvidas.
A causa para sua invenção é que a violência se vincula à criminalidade com uma agregação insegmentável de relações conflituosas que progridem e não são reparadas com o emprego da Justiça retributiva convencional. O que denota que a maneira de regeneração social, de ressocialização através do cumprimento de pena e reparação do dano não é eficaz em determinados casos; o que apenas reforça com a realização da reincidência.
No caso da aplicação dos métodos restaurativos, estes oportunizam as vítimas e aos lesados por um crime, o encontro entre vítima e agressor e assim por meio de um mediador investido de credibilidade, todos os envolvidos possam expressar seus sentimentos, angústias e remorsos tendo em vista os danos acarretados, sendo físicos, patrimoniais ou psicológicos. O objetivo a partir desse encontro entre as partes é que haja uma conscientização por parte do agressor, dessa forma, irá evitar que as mesmas condutas delituosas se repitam. E o exemplo mais evidente e recorrente em nossa sociedade é o da violência doméstica.
Justiça Restaurativa, tem esse nome pois tem como objetivo principal “curar” as consequências advindas do delito praticado.
A justiça restaurativa é uma prática ou, mais precisamente, um conjunto de práticas em busca de uma teoria. Sob a denominação de justiça restaurativa projeta-se a proposta de promover entre os protagonistas do conflito traduzido em um preceito penal (crime), iniciativas de solidariedade, de diálogo e, contextualmente, programas de reconciliação. Mais amplamente, qualquer ação que objetive fazer justiça por meio da reparação do dano causado pelo crime pode ser considerada ‘prática restaurativa’. (SICA, 2007, p. 10).
O procedimento da justiça restaurativa, é voluntário e informal, sendo assim possui uma estrutura diferente da justiça comum, conhecida por haver: Inquérito policial, delegado de polícia, audiências, juiz, e a sentença final que vai decidir se haverá a punição ao réu e qual o tempo de pena.
No sistema penal vigente, é utilizado a justiça retributiva, onde o objeto é atribuir ao indivíduo que cometeu o delito uma pena, diferentemente da justiça restaurativa em que o foco está na mudança do sujeito, evitando futuros atos violentos. Assim, na retributiva, atribuindo essa pena ao infrator, o poder judiciário cumpre seu papel de assegurar afastamento do criminoso da vítima e sociedade. Já na justiça restaurativa, busca-se solucionar o problema que provocou o delito, ou seja, de maneira informal, as partes envolvidas ficam de frente um ao outro e procuram uma solução, o infrator busca assim refletir acerca de seus atos e o que motivou a agredir a vítima.
Por tanto, na justiça restaurativa o foco está em ressocializar o infrator, a fazê-lo repensar seus atos, e assim mudá-los, evitando futuros delitos. A justiça retributiva irá atribuir uma pena ao indivíduo e como na maioria dos casos, após o cumprimento da pena, voltará a cometer o mesmo delito, assim, é possível concluir que essa modalidade de justiça não resolve por completo o litígio, vez que o infrator após cumprir sua pena preso, quando solto, irá ser reincidente. Já a justiça restaurativa, busca sanar esse problema de uma vez por todas, não havendo a temida reincidência e consequências piores para a vítima.
Através de uma tabela extraída do esquema publicado por Highton, Alvarez e Gregório em ‘Resolución Alternativa de Disputas y Sistema Penal’,1998, é possível ilustrarmos as diferenças entre a justiça retributiva e justiça restaurativa, segue abaixo:
|
Justiça Retributiva |
Justiça Restaurativa |
Delito |
Infração da norma |
Conflito entre pessoas |
Controle |
Sistema penal |
Sistema penal/Comunidade |
Responsabilidade |
Individual |
Individual/Social |
Protagonistas |
Infrator e Estado |
Vítima, infrator e comunidade |
Procedimento |
Adversarial |
Diálogo |
Finalidade |
Estabelecer culpas Provar delitos Aplicar castigos |
Assumir responsabilidades Resolver conflitos Reparar dano |
Tempo |
Baseia-se no passado |
Baseia-se no futuro |
A justiça restaurativa procura equilibrar o atendimento às necessidades das vítimas e da comunidade com a necessidade de reintegração do agressor à sociedade. Procura dar assistência à recuperação da vítima e permitir que todas as partes participem do processo de justiça de maneira produtiva (United Kingdom – Restorative Justice Consortium, 1998).
Um processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima, o ofensor e/ou qualquer indivíduo ou comunidade afetada por um crime participem junto e ativamente da resolução das questões advindas do crime, sendo frequentemente auxiliados por um terceiro investido de credibilidade e imparcialidade (United Nations, 2002).
Vê-se que a solenidade do processo na justiça convencional, trata apenas de retribuir ao indivíduo infrator a pena adequada ao delito cometido, esquecendo da carga emocional que toda a situação conflituosa deixou na vítima.
E por isso, a justiça restaurativa tem diferença e mais eficácia, pois, deseja aproximar as partes, em um ambiente informal, ou seja, a vítima e o agressor discutem as melhores formas de solucionar o ocorrido, sem que estejam pressionados, como estariam se estivessem em uma delegacia ou fórum (ambiente formais na justiça convencional).
Este local informal em que as partes envolvidas estarão presentes para resolver os conflitos, farão com que se sintam confiantes e capazes de expressar seus sentimentos, suas angústias.
No procedimento restaurativo, o instituto da mediação é indispensável, e trata-se de um meio brando de resolver os conflitos no qual as os indivíduos envolvidos, são encorajadas pelo mediador, para que busquem a solução do litígio.
A função do mediador é de explicar como o procedimento restaurativo funciona, e assim, fazendo as partes envolvidas se sentirem livres para expressar suas intenções, sentimentos, angústias.
Sabe-se que o mediador é uma pessoa imparcial na discussão, porém não deve ter uma postura inerte, ou seja, pode ajudar a vítima, acusado e quem estiver incluso no caso litigioso a negociarem. Dessa forma, o mediador também age como conciliador em certos casos.
6. A APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO INSTRUMENTO DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
No que diz respeito ao presente cenário brasileiro em relação aos casos de violência doméstica contra a mulher, a justiça Restaurativa é um instrumento de combate as essas violências, tendo em vista que tem como base um conceito mais real de crime (ato que traumatiza a vítima, assim causando-lhe danos).
O seu procedimento restaurativo, impulsiona o encontro consensual e voluntário, de forma relativamente informal, das pessoas envolvidas em casos de violência, sendo assim, as partes (ofensor, vítima, familiares, amigos e comunidade), são orientados por um facilitador ou um coordenador, a versarem sobre o problema principal e assim construírem possíveis soluções.
Técnicas de mediação, conciliação, e transação são meios que podem ser utilizados para alcançarem o resultado que se objetiva a justiça restaurativa, solucionar por tanto o problema entre as partes. Dessa forma, por não ter como diretriz normas processuais e substanciais concernente à persecutio criminis, a justiça restaurativa possibilita que os próprios indivíduos busquem a solução para seus problemas, assim, preenchendo os vazios não aludidos pelo processo penal.
É importante salientar que o objetivo da justiça restaurativa não se encontra no delito, mas sim no conflito advindo do delito, tendo em vista que a prática da justiça restaurativa visa complementar o amparo dado pelo Estado, uma vez que a pena não faz solucionar o conflito.
A justiça Restaurativa tem como finalidade fazer com que haja um equilíbrio nas relações sociais, consequentemente equilibrando as necessidades das partes, assim como possibilitar a participação da comunidade, isto para restabelecimento dos laços entre vítima-agressor e também para que o agressor tenha a possibilidade de se restabelecer na sociedade, tendo uma convivência social digna.
Quando há a mediação, por meio da justiça restaurativa, o agressor por si próprio toma conhecimento dos impactos que suas atitudes negativas causam para a vítima, e para terceiros, e assim tem a oportunidade de refletir e reconhecer os devidos erros. Isso, faz com que ele tenha a possibilidade de mudar suas atitudes, vez que se adentrou nesse método de justiça restaurativa por forma voluntária.
Dessa forma, por meio extrajudicial almeja-se que as partes envolvidas recuperem a convivência antes prejudicada por meio de uma maneira interativa e produtiva, ou seja, a maior premissa da justiça restaurativa é a recuperação do indivíduo, pois, são auxiliadas por um terceiro imparcial e com credibilidade para a solução da lide.
Portanto, quando ocorre a violência doméstica surge a precisão de buscar outros meios alternativos ao sistema penal para a devida solução do litígio entre o agressor e vítima, dessa maneira, haverá uma reparação ao dano causado à vítima.
A justiça restaurativa nasceu para suprir a lacuna no sistema penal, um sistema retributivo, muitas vezes ineficientes quanto a reparação do dano a vítima vez que apenas tem por objetivo impor pena-sanção ao agressor.
É vista como um meio de democratização do Poder Judiciário, pois, age como medida de garantia ao acesso a justiça, assim como garantir a pacificação social dos conflitos.
Sob uma perspectiva restaurativa, o crime não se baliza a um comportamento atípico e antijurídico, mas na verdade, antes disso é um atentado às relações entre vítima, agressor e a sociedade em geral. Dessa forma, passa a existir a necessidade de melhorar essas relações prejudicadas devido a violência. Essa reparação ocorrerá através da reconciliação entre as partes.
Resta claro que há uma diferença discrepante entre a justiça retributiva, ou punitiva, e a justiça restaurativa. A justiça restaurativa tem a finalidade principal de possibilitar o diálogo e aproximação entre as partes afetadas tanto diretamente ou indiretamente em decorrência da violência empregada no ambiente doméstico contra a mulher. É visado a reintegração da vivência perdida.
Diferentemente da justiça punitiva, vê-se que há um olhar humano, emocional para os casos que se utilizam da justiça restaurativa para resolução do conflito nas relações.
Portanto, não existe um conceito acabado de justiça restaurativa, ela pode ser definida de acordo com as necessidades de cada espaço social. Assim, compreender que a mulher e o homem (seu agressor) são vítimas da violência merecendo a escuta e a devida responsabilização, quando de um crime. E a garantia dos direitos fundamentais, do devido processo legal, do cumprimento da Lei Maria da penha, na sua efetividade sinaliza para uma justiça da experiência, transformadora, e que devolve principalmente a vítima o empoderamento. (COSTA; AQUINO,2014, p. 652).
Nesse interim, a justiça restaurativa se utiliza de oficinas de escuta e de diálogo, sendo eles não violentos, e assim propondo a resolução dos conflitos, sendo assim, faz com que haja um espaço mental, reflexivo e emocional, e isto fará com que naturalmente, sem pressão, surja uma conciliação entre as partes envolvidas.
Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, sobre a égide da Lei Maria da Penha, sem dúvidas foi um avanço incrível em nossa história, vez que representa um avanço positivo no que diz respeito aos direitos das mulheres, porém, ainda enfrenta certos desafios, tendo em vista que há ainda uma resistência dos grupos de habitação doméstica, para este tipo de solução de conflitos.
Ou seja, é importante ressaltar que para que alcance a finalidade da justiça restaurativa que é de resolução dos conflitos, é necessário colaboração da comunidade para construção de redes sociais que apoiem esse método, isto fara com que fique cada vez mais frequente e assim obtenha finalmente a função social da justiça restaurativa.
Outro ponto que é preciso destacar, muitos se questionam: “por que a mulher permanece por muitas vezes por muito tempo em uma relação violenta?”. Através de estudos realizados, foi demonstrado que em vários casos, a mulher é coagida pelo agressor para que não tome nenhuma atitude, para que não reaja, geralmente essa coação é por ameaças de morte, ameaças a retirada dos filhos, chantagens emocionais, e o mais comum, agressões físicas.
Infelizmente, ainda se tem mitos enraizados na nossa sociedade, tais como, “mulher gosta de apanhar”, “ela merece, tem que obedecer”, “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”, dentre inúmeros outros advindo de pensamentos machistas, patriarcais e arcaicas.
Por isso, muitas mulheres se sentem humilhadas, envergonhas, e continuam nessas relações violentas. Ou seja, não é por não querer sair de toda a perturbação que passa todos os dias, mas sim por que tem um medo absurdo do que os outros vão pensar, e ainda o pior, temer que ocorra o que o agressor lhe fala diariamente.
A justiça restaurativa nasce para suprir o vazio que o sistema penal tem quanto a reparação psicológica da mulher. Aliás, o sistema punitivo visa principalmente colocar o agressor atrás das grades, mas esquece de toda a carga negativa emocional que a vítima precisa enfrentar depois de tudo o que lhe ocorreu. Por tanto, através desse instrumento tão eficaz, servirá de combate a violência contra a mulher.
Por outro viés, a justiça restaurativa também põe o agressor a uma reflexão de todos os seus erros, atitudes e expõe todas as consequências a vítima, filhos, família, e também a comunidade. O terceiro imparcial e investido de credibilidade irá auxiliar para que as partes voluntariamente encontrem uma solução branda para o caso.
É inegável o quanto a Lei Maria da Penha trouxe de benefícios as mulheres, melhor explanando, trouxe avanços aos direitos das mulheres. A Lei Maria da Penha, elenca em seus artigos medidas de punição, mas principalmente trouxe avanços quanto as ações públicas para prevenção à violência contra a mulher, assim, protegendo as mulheres.
Vale dizer e enfatizar que os métodos de conciliação trazidos pela justiça restaurativa, quando aplicados prematuramente podem promover uma restruturação dos laços entre o agressor-vítima, ou seja, dispensando provocar o poder judiciário.
Ademais, vale dizer de forma imprescindível, que com base na Resolução 125 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), é dever do Estado investir em promoção de mecanismos que cooperem para a solução de conflitos, sendo estes, advindos do estabelecimento de políticas públicas. Pode-se mencionar como mecanismos consensuais a mediação e a conciliação. Assim como dispõe no artigo
Em suma, a justiça restaurativa é meio extrajudicial que tem por objetivo central a obtenção da pacificação social. É meio alternativo para a solução dos litígios entre agressor-vítima. É um meio complementar, pois é medida preventiva, eficaz em muitos casos, se comparada a um processo penal de sistema punitivo. A justiça restaurativa traz a possibilidade de colocar agressor-vítima frente a frente e que dialoguem e encontrem uma solução, atendendo os interesses de ambas as partes.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da presente pesquisa, foi possível demonstrar a definição e formas de violência contra a mulher, sendo uma delas a doméstica que é a discutida nesse trabalho. Assim, também foi trazido em discussão o quanto a Lei Maria da Penha foi um avanço para a história da sociedade, vez que por séculos foi baseada em uma cultura patriarcal, onde os homens prevaleciam sobre as mulheres, assim, se utilizando de meios violentos e o que antes não se podia fazer nada perante o judiciário, com o advento da referida Lei Maria Penha, isso foi possível. No presente artigo foi explanado com maior profundidade, a grande relevância da Justiça Restaurativa, seu conceito, origem, e as grandes diferenças entre ela e a justiça retributiva a comum no nosso ordenamento jurídico penal, sendo portanto também um instrumento restaurativo de combate a violência doméstica contra a mulher, eficaz e um meio extrajudicial que tem por finalidade a resolução dos conflitos entre agressor-vítima e principalmente a ressocialização do agressor, evitando futuros delitos.
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UNITED NATIONS. Office on Drugs and Crimes. Handbook of Restorative Justice Programmes. Criminal Justice Handbooks Series. Disponível em: <http://www.idcb.org.br/documentos/Ebook_justice.pdf.>. Acesso em: 2 de setembro de 2019.
graduanda no curso de Direito pela Universidade Brasil, Campus Fernandópolis;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Karen Vitória Lourenço. Justiça restaurativa como instrumento de combate a violência doméstica contra mulher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 mar 2020, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54352/justia-restaurativa-como-instrumento-de-combate-a-violncia-domstica-contra-mulher. Acesso em: 22 nov 2024.
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