Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Brasil, como complementação dos créditos necessários para obtenção do título de Bacharel Direito. Orientadores: Prof. Me. Rodrigo Freschi Bertolo e Prof. Me. Marcia Kazume Pereira Sato.
RESUMO: Entende-se por assédio sexual a relação que dispõe de condutas de cunho sexual, intencional ou não, não desejadas pela vítima, que viole a dignidade da pessoa humana ou ofenda a sua integridade física e moral. Para caracterizá-la como crime é necessário que se preencha os requisitos da figura penal, sendo a subordinação entre a vítima e o agressor elemento essencial para a existência da tipificação da conduta, além de que ocorra no local de trabalho ou estando nele relacionado. O dever de proteger e reparar os danos sofridos pela vítima cabe ao juridicário em suas esferas penal, cível e trabalhista. Desta forma, este trabalho busca tratar da caracterização das condutas de assédio sexual, das formas que pode vir a ser praticado, os requisitos para a tipificação em âmbito penal, e a característica dos agressores. A pesquisa objetiva, por fim, além de introduzir o leitor ao tema e o fazer conhecer sobre esta infração penal, trazer à tona os motivos do porque as vítimas raramente buscam proteção e reparação no âmbito jurídico, evitando desgaste temporal e emocional para movimentar a máquina judiciária, culminando na maioria das vezes em impunidade para os agressores.
Palavras-Chave: Assédio Sexual; Relações de trabalho; Tipificação penal.
ABSTRACT: Sexual harassment is understood as a relationship that has sexual conduct, intentional or not, unwanted by the victim, that violates the dignity of the human person or offends their physical and moral integrity. In order to characterize it as a crime, it is necessary to fulfill the requirements of the penal figure, being the subordination between the victim and the aggressor essential element for the existence of the typification of the conduct, besides occurring in the workplace or being related to it. The duty to protect and repair the damage suffered by the victim rests with the juridicaria in its criminal, civil and labor spheres. Thus, this paper seeks to address the characterization of sexual harassment behaviors, the forms that may be practiced, the requirements for criminal typification, and the characteristics of offenders. Finally, the research aims, besides introducing the reader to the subject and making known about this criminal offense, to bring to light the reasons why victims rarely seek legal protection and reparation, avoiding temporal and emotional wear and tear to move the machine. most often culminating in impunity for the perpetrators.
KEYWORDS: Sexual harassment; Work relationships; Penalty typification
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DEFINIÇÃO DE ASSÉDIO SEXUAL. 2.1. O fato gerador do assédio: o desejo de dominação. 3. ASSÉDIO SEXUAL – A TIPIFICAÇÃO DO CRIME. 3.1. Requisitos do crime. 4. CARACTERÍSTICAS DOS AGRESSORES. 5. PORQUE AS MULHERES NÃO DENUNCIAM. 5.1. A proteção do agressor. 6. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa demonstra o resultado de um estudo a respeito do assédio sexual existente nas relações de trabalho, principalmente na definição do delito penal e nos requisitos que o caracterizam como crime, nas formas de cometimento das condutas e nos motivos pelos quais as vítimas não denunciam.
O primeiro capítulo dispõe acerca da definição de assédio sexual de forma geral e abrangente, a fim de caracterizar as diversas formas e situações em que pode ocorrer a existência de assédio sexual, ainda que não abarcado pela tipificação penal, além de explanar sobre o fato gerador da conduta delituosa. Cuida ainda, por apresentar o tema de estudo e conceituá-lo didaticamente, inclusive aos leitores mais leigos, a fim de que compreendam a figura do assédio sexual na legislação brasileira.
Em seguida, no segundo capítulo, o trabalho analisa o assédio sexual inserido dentro da redação do artigo 216-A do Código Penal, que vincula a existência do crime exclusivamente às relações de trabalho. Este capítulo também elenca os requisitos essenciais para que a conduta de assédio seja tipificada criminalmente no delito citado.
No terceiro capítulo, a pesquisa dispõe sobre as características dos agressores como forma de auxiliar a vítima a reconhecer uma possível relação de assédio trabalhista por que possa sofrer.
Por fim, a pesquisa disserta sobre o motivo de muitas vítimas não denunciarem viver em uma relação de assédio no trabalho, deixando de buscar tutela jurídica para fazer valer seus direitos de proteção e reparo garantidos pela legislação brasileira.
O trabalho, portanto, se baseia nesta análise do assédio sexual como crime existente nas relações de trabalho, os requisitos para seu enquadramento no delito penal e os limites da proteção e reparação jurídica para com a vítima.
2. DEFINIÇÃO DE ASSÉDIO SEXUAL
No Brasil, o assédio sexual é respaldado em lei nas esferas cível e criminal, e seu conceito foi estabelecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) da seguinte maneira:
Qualquer comportamento indesejado de caráter sexual, intencional ou não intencional, que ocorrendo em local de trabalho ou estando com ele relacionado, viole a dignidade da pessoa humana ou ofenda a sua integridade física e moral, desde que apresente uma das seguintes características: constituir uma condição clara para dar ou manter o emprego; controlar ou influenciar na carreira ou promoções da pessoa assediada; prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima (MAGALHÃES, 2011).
Quanto ao assédio no âmbito das relações de trabalho, as condutas agressivas de cunho sexual não ocorrem somente entre empregador e subordinado, apesar de a maioria delas transcorrer neste contexto. As condutas podem manifestar-se em relações de forma vertical (ascendentes ou descendentes) e horizontal (GOLDSTEIN, 2009).
As condutas sexuais indesejadas nem sempre são para a satisfação da libido do agressor, tomando muitas vezes formas incomuns ou excepcionais às tradicionalmente propagadas pelo conhecimento popular. Podem divergir para a forma de intimidação, linguagem corporal, desprezo ou desdém, e serem dispostas em diversas condutas, desde gesticulação obscena, toques rápidos inapropriados, contato físico casual por tempo demasiado de forma a causar constrangimento, maus tratos, agressão verbal, discriminação sexual, ou inclusive, e muito comumente, através de aparelhos eletrônicos, como e-mails e mensagens de texto e imagem.
Uma das formas mais recorrente e de grande relevância é o assédio sexual “quid pro quo” costumeiramente chamado de “isto por aquilo”. Esta espécie de assédio tem grande ocorrência dentro do âmbito de trabalho, nosso objeto de estudo, e pode concretizar-se de inúmeras formas. A princípio, decorre de uma subordinação necessária, isto é, depende obrigatoriamente que haja uma relação de hierarquia entre o assediador e a vítima.
O assédio sexual traduz-se em situações em que condutas de natureza sexual se manifestam de diversas formas físicas, verbais ou não verbais. Começa por criar-se um ambiente desagradável em que a vítima se sente humilhada e intimidada acabando por perder a sua dignidade. O que os agressores pretendem com as suas abordagens não é uma relação com a vítima, mas sim uma maneira de subjugá-la (SOUSA, 2016).
Encontram-se elencadas a seguir algumas condutas que podem ocorrer durante uma relação de assédio sexual:
Alguns exemplos de assédio sexual: Exibir ou fazer circular material ofensivo ou sugestivo; Insinuações, zombarias, obscenidades ou piadas ou observações sexistas, racistas ou homofóbicas; O uso de linguagem ofensiva na descrição de alguém com determinada deficiência ou divertir-se à custa de alguém com deficiência; Comentários sobre o aspeto físico ou o caráter de uma pessoa suscetível de causar embaraço ou aflição; Atenção indesejada como espiar, perseguir, importunar, ter um comportamento excessivamente familiar ou uma atenção física ou verbal desagradável; Fazer chamadas telefónicas ou enviar mensagens de texto em redes sociais, e-mails, faxes ou cartas indesejáveis, sexualmente sugestivos, hostis ou pessoalmente intrometidos; Questionamento despropositado, intrusivo ou persistente sobre a idade, o estado civil de uma pessoa, a vida pessoal, os seus interesses ou a orientação sexual, ou questões similares sobre a origem racial ou étnica de uma pessoa, incluindo a sua cultura ou religião; Provocações sexuais desagradáveis, ou pedidos repetidos para encontros ou ameaças; Sugestões de que favores sexuais podem acelerar a ascensão da carreira de uma pessoa ou que a recusa pode afetá-la; Gestos mal-intencionados, grosseiros, tocar, agarrar, acariciar, ou outros contatos corporais, tais como encostar-se; Espalhar boatos maliciosos ou insultar alguém (particularmente com base na idade, raça, orientação de género, casamento, união de facto, gravidez e maternidade, sexo, deficiência, orientação sexual, e religião ou crença); Pedidos de favores; Ameaças: Intimidações; Recusas de Promoção; Promessa de demissão ou promoção. (SOUSA, 2018)
2.1. O fato gerador do assédio: o desejo de dominação
Ao esmiuçar a atmosfera em que ocorre a conduta de assédio, tem-se o agressor, a vítima, a conduta e o propósito da conduta, ou seja, a projeção de pensamento que se constrói na mente do agressor para chegar a finalidade existente da criação daquela situação. De uma perspectiva mais profunda, de onde vem a real motivação do assédio sexual?
O fato gerador do assédio provém da ânsia em saciar o desejo de dominação sobre a vítima, que se define por tornar algo ou alguém submisso por meio da força, da violência, ameaça; exercer autoridade, poder, domínio em relação a outro. É através da própria essência da dominação que a mulher torna-se mero objeto passível de flexibilização para as vontades do dominador:
A dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, cujo ser (esse) é um ser-percebido (percipi), tem por efeito colocá-las em permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos recetivos, atraentes, disponíveis. Delas se esperam que sejam “femininas”, isto é, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas. E a pretensa “feminilidade” muitas vezes não é mais que uma forma de aquiescência em relação às expectativas masculinas, reais ou supostas, principalmente em termos de engrandecimento do ego. Em consequência, a dependência em relação aos outros (e não só aos homens) tende a se tornar constitutiva de seu ser (BOURDIEU, 2003a: 82).
3. ASSÉDIO SEXUAL – A TIPIFICAÇÃO DO CRIME
A definição de assédio, até aqui fora tratada de forma abrangente, geral, tendo sido determinadas, psicológica e fisicamente, as características da conduta. No entanto, surge uma nova figura no âmbito penal, a qual se restringe de forma taxativa, a conduta delitiva realmente punível na esfera jurídica. Tratar-se-á agora do conceito específico do assédio sexual como crime.
Primeiramente, é preciso entender do que se trata a conduta tipificada no Art. 216-A do Código Penal, que define o crime:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1(um) a 2 (dois) anos. (Código Penal, 1940)
A legislação brasileira, ao contrário do que o conhecimento popular erroneamente acredita, não abrange todas as formas existentes de condutas de constrangimento e assédio às vítimas. Não é qualquer conduta, ou qualquer constrangimento que pode ser enquadrado dentro do crime previsto. Assim, não se pode esperar do meio jurídico a tutela do direito de reparação do dano – moral – e medidas protetivas e punitivas em qualquer conduta sexual indesejada sofrida.
A tutela legislativa protege a vítima apenas no que designa a letra da lei, não abarcando de forma igual todas as pessoas lesadas pela pelas condutas agressivas, devendo o ofendido preencher os requisitos existentes na redação do artigo.
Decompondo a redação por partes, temos o seguinte trecho: “Constranger alguém” e nota-se que falta o complemento ‘à que’? A legislação falha em não especificar o objeto do constrangimento, pois a complementação em seguida refere-se ao intuito, o motivo do constrangimento, mas não aponta à que a vítima é constrangida. Assim, a complementação, que seria a conduta propriamente dita à que a vítima é condicionada, fica a livre interpretação do julgador, o que fere diretamente o princípio da legalidade, que é garantido pela Constituição e cravado no direito penal.
No ordenamento jurídico, uma das bases mais importantes é a do nullum crimen nulla poena sine lege, que traduzido do latim significa que nenhum crime será punido sem que haja uma lei. Assim, não sendo taxativo o núcleo passivo do tipo penal, mais precisamente a conduta à que a vítima é submetida, este fica a critério da interpretação do juiz, de acordo com cada caso in concretu.
Ademais vem o trecho: “com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”. O tipo penal pune apenas o agressor que tem por finalidade cometer o crime a fim de obter uma resposta, uma conduta positiva por parte da vítima. Desta forma, a mera conduta de assediar mediante conduta de caráter sexual para provocar apenas o constrangimento, repulsa, desdém, humilhação ou intimidação da vítima, não está abrangido por esta tipificação penal.
Ainda, tal expressão fica a vagar na esfera da livre interpretação, já que é indeterminada e pode levar a diversas interpretações subjetivas, o que fere, mais uma vez, o princípio supramencionado.
Finaliza-se ainda, pelo seguinte seguimento: “prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”, em que são definidas quais as pessoas que podem integrar o polo ativo e passivo do delito. Enquadra-se, portanto, como sujeito ativo, a pessoa que ocupa uma posição superior ou que tenha ascendência sobre a vítima, e, por conseguinte, como sujeito passivo, àquela que lhe é subordinado ou empregado.
Exige, desta maneira, a obrigatoriedade da existência de uma relação laborativa entre os sujeitos para que incorra o crime de assédio, não tipificando a conduta, caso este requisito não seja preenchido, podendo culminar então, em um fato atípico, ou figura penal diversa, punível quando prevista. Ou seja, não existe assédio sexual, como crime, fora das relações de trabalho.
Quanto à direção que rege o vínculo entre as partes, denota restrição expressa apenas às relações que fluem entre o sentido vertical – ascendentes e descendentes – não contemplando as que transitam em sentido horizontal, ou seja, aquelas existentes entre pessoas de mesmo escalão laboral. Requer indispensavelmente, assim, que haja superioridade hierárquica entre os sujeitos dentro da esfera de trabalho, figurando como sujeito ativo o patrão, empregador, chefe de serviço e como sujeito passivo àquele a ele subordinado ou empregado.
Nas condutas praticadas entre pessoas de mesmo grau laborativo, existem poucas decisões – isoladas – que reconheceram a existência de assédio sexual, não sendo, entretanto, o entendimento predominante. Em suma, o assédio sexual cometido por colega de trabalho, no Brasil, não é considerado crime. Deve a vítima, nestes casos, buscar respaldo jurídico em outras esferas, já que a conduta é considerada um ilícito civil e trabalhista, podendo vir a receber no primeiro uma indenização pecuniária do autor e, no segundo, fazer com que a empresa responda pela reparação indenizatória pelos danos morais sofridos, além de reconhecer a quebra do contrato de trabalho.
Analisando em esfera geral, independe o sexo do autor e da vítima do crime, não sendo este, um fator relevante. Não existe, ainda, a forma culposa do crime, sendo o dolo, elemento subjetivo de sua existência.
4. CARACTERÍSTICAS DOS AGRESSORES
O conhecimento dos aspectos gerais de um assediador é importante para que se torne mais fácil identificar um possível agressor e auxiliar a vítima no reconhecimento de uma situação de abuso e assédio que possa estar imersa.
Assim, HIRIGOYEN (2000) relata que “O comportamento do assediador não resulta de um problema psiquiátrico, mas de uma racionalidade fria combinada com uma incapacidade de considerar os outros como semelhantes.”.
Práticas organizacionais nocivas como o desgaste de valores éticos essências à humanidade encorajam a perversidade que pode ser ligada a traços como frieza e inteligência e acabam por desconsiderar o outro em um verdadeiro extermínio psíquico.
Os assediadores costumam ser carismáticos, desagradáveis, cruéis, provocadores e manipuladores, pelo que se servem do assédio moral para lesar alguém propositadamente, para depreciar a reputação de um indivíduo, para o excluir socialmente, isolar ou intimidar através de linguagem obscena e piadas ofensivas (KISHORE, 2005:20).
É importante entender que não existe padrão, uma receita pronta para se tornar um agressor e por isso é tão difícil reconhecer esta relação de abuso. Este pode ser carismático ou antipático, gentil ou ríspido, educado ou truculento, extrovertido ou retraído. O que o torna um assediador é que dele venha a ter uma atitude de cunho sexual indesejado, não esperado e não correspondido pela vítima.
5. PORQUE AS MULHERES NÃO DENUNCIAM
Recapitulando, foram analisados até aqui as condutas que configuram a conduta do assédio sexual, as formas de cometimento, as relações e situações de sua incidência. Vem, por conseguinte, a relevância do tema tratado neste artigo, a importância de se discutir sobre o tema: o porque as vítimas não denunciam.
É importante destacar, já que o crime pode ter como sujeito passivo pessoas de ambos os sexos, porque isolar neste ponto de análise, os casos em que a vítima é uma mulher. A mulher é, em regra, o gênero predominante como vítima nesse tipo de delito. Quatro em cada dez mulheres brasileiras já sofreram assédio sexual pelo menos uma vez na vida, tendo 15% das mulheres, sofrido este tipo de assédio no trabalho (DATAFOLHA, 2017).
É comprovada a existência de assédio sexual em certas relações de trabalho, tendo em vista que o nosso ordenamento jurídico prevê a proteção da integridade, saúde física e psicológica da vítima, tipificando tal prática delituosa no art. 216-A, do Código Penal. Entretanto, a que ponto está à mulher, verdadeiramente protegida contra o seu agressor?
No que tange à legislação brasileira a respeito da tutela do direito da integridade da vítima, existem diversas falhas jurídicas, seja de enquadramento do autor, da vítima, da forma de punição e também do resguardo da vítima na etapa pós-processo.
Em primeiro lugar, matéria já debatida anteriormente, encontramos no atual código penal, uma tipificação extremamente vaga quanto as atitudes que se enquadram como conduta delitiva do crime de assédio, sendo difícil estabelecer parâmetros gerais que comportem todas as atitudes que de fato constrangem à mulher no seu local de trabalho. O critério de gravidade da conduta e consequentemente a existência do crime fica por conta do magistrado, entendimento que nem sempre reflete o verdadeiro dano sofrido pela vítima, o que pode muitas vezes isentar o acusado da punição e ressarcimento do dano.
Ademais, tem-se o problema em relação a quem o Estado considera agressor. O art. 216-A contempla como autor do crime apenas àqueles que possuem relação de ascendência com a vítima, de superioridade hierárquica, subordinação. As condutas de cunho sexual indesejadas cometidas por colegas de trabalho de mesmo grau laborativo não são abarcadas pelo crime, deixando esses agressores excluídos da pretensão punitiva deste delito. Apesar de algumas decisões que reconheceram a existência do crime quando o sujeito passivo não preenchia os requisitos de superioridade, este não é o entendimento majoritário, nem mesmo recorrente. Assim, o difícil enquadramento do agressor também é fator relevante para se desgastar energia movimentando a máquina judiciária.
O Estado, quando procurado como meio de tutelar o direito da vítima, trata apenas da questão condenatória do acusado e do ressarcimento em esfera civil, não abraçando a vítima em uma questão pós-processual. Desta forma, a insegurança da vítima em denunciar tem grande fundamento na incerteza de como subsistirá sua segurança pessoal e garantia de permanência no emprego, se viável.
Não raros são os casos em que se tem notícia de que após uma denúncia de assédio sexual a funcionária acabou demitida ou por “demitir-se”. Surgem na esfera de trabalho da vítima dois grandes problemas com a denúncia do crime: o medo de sofrer violência (física e psicológica), humilhação, desprezo, bullying e perseguição por parte dos superiores e outros colegas de trabalho; e o medo de ser demitido e acabar por perder seu meio de subsistência.
A legislação protege a vítima, a posteriori, melhor dizendo, busca ressarci-la em esfera civil caso alguma destas situações ocorra, mas o tempo jurisdicional perdido até a efetiva reparação do dano pode causas problemas e instabilidade inimagináveis na vida da vítima, podendo levá-la não só a perdas materiais como a um extremo transtorno psicológico.
Além de tudo, ainda que condenado a ressarcir o dano na esfera civil, é preciso ressaltar que, na esfera penal, o crime de assédio sexual tem pena máxima de 2 (dois) anos, considerado meramente um crime de menor potencial ofensivo. Pode ainda, ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou duas penas restritivas de direito.
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
[…] § 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. (Código Penal, 1940)
Além disso, ainda está sujeita à suspensão condicional da pena:
Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2o A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998). (Código Penal, 1940).
Tem-se ainda, a questão de reconhecimento por parte da vítima da situação em que está vivendo. A alienação da mulher ao não saber que está sendo violada dificulta o reconhecimento do crime e por conseguinte sua denunciação. O assédio sexual tem um problema que é a falta de entendimento de que ele é uma violência. (Juliana de Faria, fundadora da ONG Think Olga).
Assim, constata-se a existência de uma gama de motivos em que a ineficácia do meio jurídico em não só ressarcir a vítima como de fato protegê-la pode causar o distanciamento desta em provocar a jurisdição em busca da tutela de seus direitos.
Ao afastar as questões culturais particulares de cada país e imergir na situação atual do nosso país. “No país onde vivo, o Brasil, ser homem ou ser mulher não determina só uma questão de sexualidade, determina também a posição na sociedade. E o Brasil é um país extremamente machista.” (RUFFATO, 2015)
Na boca do homem o epíteto “fêmea” soa como um insulto; no entanto, ele não se envergonha de sua animalidade, sente-se, ao contrário, orgulhoso se dele dizem: “É um macho!” O termo “fêmea” é pejorativo, não porque enraíze a mulher na natureza, mas porque a confina no seu sexo. (BEAUVOIR, 1970, p. 25)
A mulher enfrenta como mais um obstáculo a denunciação do crime, o machismo. A conduta da vítima de assédio sexual é questionada pela sociedade, levantando-se suspeitas sobre sua idoneidade, causando ainda mais transtornos e traumas psicológicos.
Por exemplo, uma mulher que goste de abraçar os colegas do trabalho e faça brincadeiras de teor sexual, que use roupa decotada, seria logo marcada como tendo uma postura que indica que ela permitiria ser abraçada de forma indelicada e que lhe fossem contadas piadas de caráter sexual, contra a sua vontade, por pessoas que com quem não tivesse afinidade sem que isto constituísse uma importunação (PAMPLONA FILHO, 2001).
No entanto, segundo Mena (2004), é equivocado pensar que é o comportamento da mulher que motiva o agressor, uma vez que ao se incomodar com as agressões sofridas, mesmo que as mulheres mudem suas atitudes, os ataques não cessam. É mister dizer que os ataques respondem muito mais ao exercício de dominação cultural e a uma manifestação de masculinidade hegemônica do que às necessidades sexuais do ofensor, de modo que as vítimas incluem desde crianças a anciãs, o que torna a alegação sem fundamento (CRUZ PÉREZ, 2007).
O presente estudo objetivou a explanação acerca do crime de assédio sexual, baseado na doutrina jurídica atual, a qual engloba a legislação brasileira e a jurisprudência pátria, conceituando e fundamentando sobre o tema, suas características e existência nos planos das esferas civil, criminal e trabalhista.
Para tanto, a pesquisa se iniciou dispondo sobre a caracterização das condutas que configuram o assédio sexual, as diversas formas de ser praticado, as relações em que pode ocorrer, ainda que não inserido no respaldo jurídico do âmbito penal.
Ademais, o estudo adentrou na esfera do crime propriamente dito, que o vincula exclusivamente às relações de trabalho. Faz uma análise detalhada da redação do delito apresentando os requisitos necessários para o enquadramento do caso in concretu na figura penal, trazendo à tona as diversas falhas existentes que deixam de abarcar diversas situações vividas pelas vítimas, que acabam por não ter respaldo jurídico em âmbito penal.
Relata também, valendo-se da análise anterior, os diversos motivos pelos quais as vítimas acabam por não movimentar a máquina judiciária em busca de proteção e reparação do dano.
O objetivo do trabalho, portanto, foi explanar sobre os obstáculos para denunciar o assédio sexual nas relações de trabalho no que tange às dificuldades de enquadrar as situações vivenciadas pelas vítimas nos casos reais, dentro da tipificação penal, já que grande parte da delimitação da existência do crime, como os elementos para a sua caracterização ficam a critério do juiz a quo, elencando ainda, os motivos que afastam a vítima de denunciar o assédio sexual pelo qual está vivendo, em razão do difícil enquadramento do agressor, da difícil comprovação da existência do crime, do medo que a sociedade coloque em questionamento a idoneidade moral da vítima, da baixa proteção oferecida a esta durante e após o processo, e, quando condenado o agressor, da baixa punibilidade imposta sobre ele.
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: Fatos e mitos. 4. Ed. Vol. I. São Paulo: Tradução Sérgio Milliet. 1970.
BITTENCOURT, Julinho. DataFolha: 42% das mulheres dizem ter sofrido assédio sexual. Revista Forum. 2017. Disponível: < https://revistaforum.com.br/politica/datafolha-42-das-mulheres-dizem-ter-sofrido-assedio-sexual/ > acesso em: 29/10/2019.
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
HIRIGOYEN, Marie France. Cualquiera puede ser víctima de um Perverso. Entrevista concedida a Ana Laura Pérez da redação do jornal Clarín. Argentina. 2000. Disponível:https://www.clarin.com/opinion/puede-victima-perverso_0_SkGx3xjgAKe.html. Acesso em: 19/10/2019.
KISHORE, Bindhu. Bullying of Female Employees at Workplace.Review of HRM.Vol. 4.2015, p. 19-24.
MAGALHÃES, Maria José. Assédio Sexual: “Um problema de direitos humanos das mulheres"In Ana Isabel Sani (coord.). Temas de vitimologia: realidades emergentes na vitimação e resposta sociais, pp. 101-113, Coimbra: Almedina. 2001.
PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O assédio sexual na relação de emprego. São Paulo: Ltr. 2001.
RUFFATO, Luiz. "O Brasil é um país extremamente machista": entrevista com Luiz Ruffato.Entrevista concedia a Christian Grünnagel e Doris Wieser. 2015. Disponível: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2316-40182015000100383. Acesso em: 01/11/2019.
SOUSA, Diana. O assédio Moral no Local de Trabalho. Dissertação de Mestrado. Universidade do Minho, Portugal. Disponível: Repositório Universidade do Minho. 2016.
SOUSA, Mariluc. Mulheres vítimas de assédio sexual: dez mulheres, dez histórias.Portugal. 2018. Disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/58910/1/9_DissertacaoCorrigida_PG33270_MarilucSousa.pdf. Acesso em: 14/11/2019.
Bacharelanda do Curso de Direito da Universidade Brasil, campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Mariana Carla de Oliveira. Assédio sexual nas relações de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2020, 04:02. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54427/assdio-sexual-nas-relaes-de-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Beatriz Ferreira Martins
Por: MARCIO ALEXANDRE MULLER GREGORINI
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: JUCELANDIA NICOLAU FAUSTINO SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.